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Por favor, me expliquem

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 7 de agosto de 2008

Os documentos publicados pela revista “Cambio” esclarecem detalhes da conspiração PT-Farc, mas não são de maneira alguma necessários para prová-la. Ela já estava provada, muito além do que a mente mais cética poderia desejar, nas atas do Foro de São Paulo e nas edições da revista comunista “America Libre”. Se um grupo de políticos se reúne com delinqüentes para traçar uma estratégia em comum com eles para a tomada do poder, isso já constitui, acima de qualquer dúvida razoável, delito de formação de quadrilha.

Elaborar um plano revolucionário junto com quem quer que seja é aceitá-lo, a priori, como futuro parceiro na partilha do aparelho de Estado, com toda a promessa de vantagens comuns que isso implica. Portanto, o sr. Luís Inácio Lula da Silva e outros líderes petistas, conscientes dos crimes hediondos praticados pelas Farc, pelo Mir chileno e organizações congêneres, inclusive contra cidadãos brasileiros, não só se omitiram de denunciar seus autores mesmo quando estes se encontravam no território nacional, e incorreram assim em delito de prevaricação, mas ainda os premiaram antecipadamente, convidando-os para desfrutar com eles os benefícios do poder sobre todo um continente.

Mas essa aliança nunca foi só um plano de futuro: foi uma prática presente, efetiva, ao longo de toda a existência do Foro de São Paulo. Qualquer plano estratégico traçado em comum entre organizações militantes absorve e integra em si, por definição, as várias ações, lícitas e ilícitas, desempenhadas por todas elas em seus respectivos campos de atuação. A articulação engenhosa, ora camuflada, ora ostensiva, da luta política legal com o uso da violência criminosa é uma tradição centenária do movimento comunista. No Foro ela é mais que visível, na medida em que os assassinatos, os seqüestros, o contrabando de armas e o narcotráfico prosseguiram imperturbavelmente ao longo dos dezesseis anos em que o sr. Luís Inácio Lula da Silva presidiu a entidade. Nem uma única vez, ao longo desse tempo, ele deu ali o menor sinal de descontentamento ou inconformidade com esses crimes. Bem ao contrário, aplaudiu e apoiou seus autores ao ponto de condenar como “terrorismo de Estado” as ações antiguerrilha do governo colombiano. Já em plena gestão presidencial do sr. Lula, seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, ao lado do principal intelectual petista, Emir Sader, continuava publicando uma revista de propaganda comunista em associação com as Farc, enquanto seu partido se mobilizava, sistemática e obstinadamente, para proteger e libertar cada agente dessa organização ou do Mir chileno preso no Brasil. Se isso não é formação de quadrilha, por favor me expliquem o que é.

Em 28 de outubro de 2003 já fazia dois anos que o traficante Fernandinho Beira-Mar havia confessado vender armas às Farc em troca de drogas para distribuir no mercado brasileiro. Nessa data, o dr. Emir Sader e o vice-presidente do PT, Valter Pomar, estavam no seminário internacional “Experiencias de Poder Popular en América Latina y el Caribe”, da revista “America Libre”, ao lado de Raul Reyes, aquele mesmo comandante das Farc que havia confessado à Folha de S. Paulo ser o PT o principal contato da quadrilha no Brasil. Confiram em http://www.nodo50.org/americalibre/eventos.htm. Se até agora toda a “grande mídia” continua fazendo de conta que esse encontro jamais aconteceu – embora ele não se realizasse em nenhum cafundó inacessível, e sim em São Paulo –, é justamente porque ele é a prova cabal de que, pelo menos durante o primeiro mandato do sr. Lula, o PT e as Farc continuavam unidos na busca de seus objetivos comuns. E a mentira mais cínica das últimas semanas é aquela de que quaisquer contatos do com as Farc foram motivados por interesse humanitário do partido pela sorte dos reféns mantidos em cativeiro pela quadrilha. Verifiquem as atas do Foro e as de todos os seminários de “America Libre”: nem uma única palavra se disse ali, jamais, em favor desses reféns. Tudo o que se disse foi em favor do socialismo e da tomada do poder continental.

Idiotas reciclados

 

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 31 de julho de 2008

Levei décadas para compreender que a sedução esquerdista não me conquistou – nem a mim nem a meus companheiros de geração – pelo conteúdo ativo da sua proposta ideológica, que só conhecíamos muito superficialmente, mas sim pela oferta implícita de um novo código de moralidade, que chegava a nós sem palavras, pela impregnação difusa na convivência diária. O que definia esse estilo era que os nossos atos já não seriam julgados pelo seu teor moral objetivo, mas pela sua conexão hipotética com os fins últimos do movimento revolucionário. Como esses fins eram remotíssimos e só acessíveis poeticamente, os sentimentos do grupo militante tornavam-se a única referência capaz de decidir, sem necessidade ou possibilidade de grande fundamento racional, se a nossa conduta pessoal se enquadrava ou não nos padrões esperados. Libertávamo-nos da “moral burguesa” escravizando-nos à autoridade irracional de um círculo de “companheiros”, cuja afeição se tornava o único fiador da salvação da nossa alma ante o tribunal da História. O apego ao grupo era fortalecido pelo ódio a inimigos que não conhecíamos, dos quais nada sabíamos, mas de quem imaginávamos com facilidade as piores coisas, deleitando-nos então de pertencer à comunidade dos bons.

Se entendi que as coisas se passaram assim, foi através de auto-exames francamente humilhantes. Humilhantes, porém obrigatórios. Considerando-se a extensão e a gravidade dos crimes praticados pelo comunismo contra a espécie humana, o dever mais óbvio daqueles que se desiludem com ele é aprofundar a ruptura, investigando dentro de si até extirpar as últimas raízes do erro monstruoso em que se acumpliciaram. No entanto, poucos fazem isso: a maioria limita-se a transitar da categoria de militantes para a de idiotas úteis – às vezes até mais úteis do que eram como militantes.

A principal razão disso é que abandonar o comunismo lhes custou um investimento psicologico muito grande: no instante seguinte estão cansados demais para um segundo esforço de auto-superação. Tratam então de acomodar-se no círculo mais próximo, a chamada “esquerda democrática”, e aí repousar na contemplação dos seus dois grandes méritos imaginários: o mérito de aderir ao comunismo por amor à justiça, o mérito de afastar-se dele em busca de mais justiça. Refugiando-se da mentira numa nova mentira, tornam-se facilmente chantageáveis por seus velhos companheiros, cuja amizade insistem em conservar como relíquia de um passado querido ou como analgésico contra a dor da separação ideológica.

O preço dessa amizade é uma terceira mentira. Na perspectiva comunista, a idéia de relação pessoal separada da devoção partidária é um mito burguês desprezível. O recém-divorciado tem de se esquecer disso para poder fingir que seus antigos companheiros de militância são agora seus amigos sem nenhum interesse político, ao passo que eles, fiéis ao mandamento de jamais sobrepor as afeições do coração aos sagrados interesses do Partido, estão ansiosos por uma oportunidade de usar politicamente o novo “companheiro de viagem” para dar sentido moral à continuação de uma amizade que, sem isso, lhes pareceria uma futilidade pecaminosa.

Essa oportunidade aparece assim que o Partido cria mais uma “frente ampla”, como o faz de tempos em tempos, angariando o apoio de uma variedade de correntes de opinião para objetivos cujas implicações de longo prazo a maioria não precisa enxergar nem compreender. Aí o militante transviado dificilmente resiste à proposta de agradar a seus companheiros de juventude sem perder uma sensação de independência tão deliciosa quanto ilusória. Reciclado como “companheiro de viagem”, ele volta a integrar a estratégia partidária, sem o ônus da submissão explícita.

É assim que se explicam, por exemplo, fenômenos como as epidemias de lulismo ou obamismo entre pessoas que se imaginam imunes a todo apelo do seu passado esquerdista. Ao criar os Obamas e Lulas, a esquerda revolucionária faz como uma igreja que se abre, por esperteza ecumênica, ao retorno dos apóstatas para uma visitinha sem compromisso.

O Lula americano

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 24 de julho de 2008

Além de ouvir o hino americano com as mãos sobre a bolsa escrotal e não sobre o coração, Barack Hussein Obama adulterou o emblema das armas nacionais para fazer dele um logotipo de sua propaganda eleitoral, declarou que a bandeira americana “é um símbolo de violência” e, para completar, tirou as cores do país do leme do seu avião de campanha, substituindo-as pelo “O” que representa… ele próprio.

Mais que simples desprezo, essas atitudes denotam um esforço consciente de destruição dos símbolos nacionais. Esse esforço, por sua vez, não precisa de interpretação simbólica: seu sentido é auto-evidente. Ele dá expressão eleitoral à guerra cultural travada contra os EUA, de dentro e de fora do país, desde os anos 60: trata-se de erigir, sobre os escombros do patriotismo e da soberania, um novo sistema de lealdades, baseado na aliança de todos os ódios anti-americanos, anti-ocidentais e anticristãos com os interesses bilionários empenhados na implantação do governo mundial. O sinal mais claro dessa aliança são as fontes de apoio financeiro do candidato: de um lado, grupos radicais e pró-terroristas, de outro as megafortunas globalistas e a grande mídia em peso. Daí o vigor da sua campanha, que tem quatro vezes mais dinheiro que a do oponente e – sem exagero – vinte ou trinta vezes mais cobertura jornalística.

Com esse respaldo, ele se permite desafiar não só todas as conveniências, mas passar por cima das exigências legais mais elementares: depois de sonegar durante meses sua certidão de nascimento, apresentou uma certidão manifestamente falsa (v. http://web.israelinsider.com/Articles/Politics/12993.htm). O documento original, que continua sumido, é necessário para tirar a limpo uma questão essencial: Obama é cidadão americano ou é um estrangeiro, inelegível portanto? A ocultação e a fraude subseqüente falam em favor da última hipótese, mas o entusiasmo inalterado dos obamistas, contrastando com o seu absoluto desinteresse em esclarecer essa questão, mostra que preferem antes demolir de um só golpe o sistema eleitoral americano do que permitir que os republicanos continuem no poder: o novo sistema de lealdades já está em vigor, sobrepondo à integridade nacional as ambições partidárias da esquerda.

Com a mesma insolência autoconfiante, os planos de governo de Obama contrariam flagrantemente a vontade da maioria, sem precisar temer que isso tire um voto sequer do candidato. A nação quer baixar o preço da gasolina; Obama promete aumentá-lo, mantendo o veto à abertura de novos poços de petróleo. A América quer ver os imigrantes ilegais pelas costas; Obama promete não somente anistiá-los, mas dar-lhes assistência médica com o dinheiro dos contribuintes. A nação quer menos impostos; Obama promete criar mais alguns. Se milhões de cidadãos americanos que pensam e querem o contrário de Obama juram votar nele para presidente, não é por causa do que ele promete, mas a despeito de ele lhes prometer até mesmo o inferno. A atração da imagem hipnótica é mais forte do que o cálculo de custo-benefício.

A campanha de Obama é uma obra de engenharia psicológica de precisão, planejada não para conquistar os eleitores pela persuasão racional, mas para debilitá-los, chocá-los e estupidificá-los ao ponto de fazê-los aceitar todo prejuízo, toda humilhação, toda derrota, só para não contrariar a suposta obrigação moral de elegê-lo, pouco importando que ele seja mesmo um inimigo disfarçado. Sacrificar tudo ante um fetiche, e fazê-lo até certo ponto conscientemente, compartilhando portanto as culpas da operação e incapacitando-se previamente para lutar contra ela depois de realizada, eis o que Obama está exigindo – e obtendo – dos eleitores.

Já vimos essa operação ser realizada no Brasil, com base na imagem estereotipada do “presidente operário”, contra cujos crimes e perfídias já ninguém pode levantar uma voz audível, pois, arrastados pela chantagem psicológica, todos se acumpliciaram de algum modo ao ritual de sacrifício ante o altar do ídolo.

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