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Lição repetida

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 18 de janeiro de 2007

Se vocês ainda têm dúvidas de que existe neste país um poderoso e bem armado esquema revolucionário, subordinado ao Foro de São Paulo, associado às Farc, protegido pelo governo federal e pronto para dominar num instante vastas parcelas do território nacional, leiam o ofício número 052/P2/2006 enviado pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul à 3ª. Vara da Comarca de Carazinho em 18 de maio de 2006.

Entre os municípios gaúchos de Palmeira das Missões, Iraí, Nonoaí, Encruzilhada Natalino, Pontão e Passo Fundo, há 31 acampamentos do MST, articulados uns com os outros como uma rede de vasos comunicantes. Com técnicas aprendidas da guerrilha colombiana, há anos eles mantém a população local sob a constante ameaça de roubos e invasões, mas de há muito a coisa já passou da etapa das ações avulsas. Segundo a Brigada Militar, “o arrojado plano estratégico do MST, sob a orientação de operadores estrangeiros, é adotar nessa rica e produtiva região o método de controle territorial branco tão lucrativamente usado pelas Farc na Colômbia”.

O primeiro passo seria dominar a zona entre as rodovias RS-324 e BR-386, avançando depois até à fronteira com o Uruguai e adquirindo o controle total do tráfego rodoviário nessa área.

Perigo idêntico vai crescendo em outras regiões. Um estudo feito pelo advogado paulista Cândido Prunes, mapeando criteriosamente os acampamentos do MST no nordeste do país, mostrou que as zonas ocupadas não são predominantemente locais de plantio, mas áreas estratégicas à beira das rodovias.

Mas, desde que existem guerras e revoluções, a fórmula da sua preparação é a mesma: robustecer os meios de ataque e enfraquecer as defesas do adversário. Esta segunda parte consiste basicamente em privá-lo das informações que ele necessitaria para articular a resistência e alimentá-lo, ao contrário, de mentiras sedutoras que o induzam à passividade suicida ante o desenlace sangrento que se aproxima.

Os planos revolucionários do MST seriam inofensivos perante uma sociedade consciente do perigo comunista e organizada para enfrentá-lo. A sociedade brasileira não é nada disso. Mantida em estado de alienação e ignorância, ela acredita que o comunismo morreu, que o Foro de São Paulo é “teoria da conspiração” e que as nossas instituições são indestrutíveis. Os “formadores de opinião” que a estupidificaram para torná-la indefesa são colaboradores ativos da revolução em marcha. Aplanando o caminho para a tragédia, criaram toda uma cultura da rendição, onde qualquer veleidade de anticomunismo é condenada como crime hediondo ou pelo menos sintoma de doença mental. Tiraram da vítima o desejo de resistir. Foi a lição que aprenderam de Antonio Gramsci e do próprio Lênin.

Mas quem escreveu a conclusão deste artigo foi Winston Churchill, meio século atrás: “A incapacidade de previsão, a falta de vontade para agir quando a ação deveria ser simples e efetiva, a escassez de pensamento claro, a confusão de opiniões até o momento em que o salve-se quem puder soa o seu gongo estridente – tais são os traços que constituem a infindável repetição da História.”

O Brasil de Bento XVI

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 11 de janeiro de 2007

Sua Santidade Bento XVI afirma que no Brasil reina a democracia e que o nosso governo está seriamente empenhado em combater a corrupção e o narcotráfico. Se essas coisas fossem sentenças doutrinais proferidas ex cathedra , os católicos brasileiros estariam na difícil contingência de ter de dizer amém a falsidades óbvias. Felizmente, são apenas declarações à mídia, opiniões pessoais do filósofo alemão Joseph Ratzinger. Não impõem aos fiéis senão o dever de admitir que estão erradas.

A democracia brasileira é um grotesco simulacro inventado para encobrir a exclusão sistemática de toda oposição ideológica. A corrupção tornou-se lei e autoridade. A violência criminosa chega à taxa de 50 mil homicídios por ano, a mais alta do universo. O partido governante continua amigo da narcoguerrilha colombiana, fornecedora de cocaína ao mercado nacional e sócia das quadrilhas de assassinos que aterrorizam a população do Rio e de São Paulo. O jornalismo chique, com unanimidade admirável, vai cumprindo sua obrigação rotineira de fazer de conta que tudo o que acontece é coincidência, mera coincidência.

Enquanto isso, a soberania nacional está sendo negociada entre dois esquemas multinacionais de poder sem que a população receba a menor informação a respeito. O primeiro deles é o CFR, Council on Foreign Relations , empenhado em criar um governo mundial por meio de integrações parciais como por exemplo a North American Commonwealth , que fundirá numa pasta indistinta os EUA, o México e o Canadá no prazo máximo de dez anos. O segundo é o projeto da futura União das Repúblicas Socialistas Latino-Americanas, em pleno curso de implementação através das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo, dos quais o povo também não tem notícia. Os dois esquemas são convergentes. A divisão aparente entre os dois partidos que monopolizam o espaço político brasileiro não passa de uma expressão local dessa unidade dual mais vasta. O braço nacional do CFR, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), fundado em 1998 com amplo suporte financeiro do Ministério das Relações Exteriores e de várias megaempresas estatais e privadas, tem como presidente de honra o senhor Fernando Henrique Cardoso e como conselheiro o senhor Marco Aurélio Garcia, HD auxiliar do presidente Lula e secretário-executivo do Foro de São Paulo. O Cebri é o ponto focal da c oincidentia oppositorum que nos governa em nome do Foro e do CFR.

Nas eleições, o povo é convidado a escolher seus governantes com base em dados sobre as tarifas de ônibus, a exportação de frangos e a distribuição estatal de camisinhas. Nem uma palavra sobre os fatores maiores que decidem os destinos da nação. A democracia brasileira é um cenário de alienação surrealista no qual o dever moral número um dos formadores da opinião pública é prestar falso testemunho. Se Bento XVI involuntariamente reforça a boa consciência com que se dedicam à tarefa, isso não santifica nem um pouco o estado de coisas. O país que o papa vai visitar em maio não é bem aquele que ele imagina.

A volta do doutor Segadas

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 4 de janeiro de 2007

No Brasil, o sujeito possuir uma erudição superior é considerado uma aberração, uma falha de caráter, uma doença. Cada um tem de ler apenas o pouco que seus colegas leram, nem uma linha a mais. Se passar disso, ofende e humilha a corporação, sendo automaticamente condenado por delito de “pedantismo”.

Para redimir-se, deve provar genuflexa humildade ante seus detratores, retribuindo a difamação com favores servis como Otto Maria Carpeaux retribuiu aos comunistas. Pode também compensar a indecente pletora de conhecimentos com demonstrações de modéstia populista, escrevendo sobre samba, futebol, comida ou sexo, para mostrar que erudito também é gente. Mas isso nem sempre funciona. José Guilherme Merquior jamais foi perdoado, pois não fez uma coisa nem a outra. Gilberto Freyre tentou a segunda, mas já era tarde: nenhum populismo, estético ou lúdico, poderia jamais absolver o pecado mortal da adesão ao movimento de 1964.

Qualquer que seja o caso, o excesso de leituras pode ser perdoado em vida, mas sempre restará uma nódoa póstuma. Comentando o segundo volume dos Ensaios Reunidos de Carpeaux (Topbooks), muitos resenhistas se mostram irritados com a erudição do genial ensaísta e historiador literário, só a desculpando quando encontram, com mal disfarçado alívio, algum defeito que a seus olhos o reduza a dimensões mais humanas. De passagem, observo: neste país é proibido escrever sobre os grandes homens com respeito genuíno e admiração humilde. Um ar de superioridade, pelo menos de intimidade desrespeitosa, é absolutamente necessário à boa auto-imagem do crítico, bem como à sua reputação.

Curiosamente, a erudição em detalhes irrelevantes de ordem folclórica, histórica ou filológica, não ofende a ninguém. É até um mérito. O que o sujeito não pode é mostrar um conhecimento extensivo das obras maiores, um obsceno domínio dos problemas essenciais em várias áreas do pensamento ou das ciências. Em qualquer discussão pública, a familiaridade com o status quaestionis é não somente desnecessária como inconveniente. Um bom sujeito consente em ignorar tudo o que seus colegas de universidade e mídia ignoram, de modo a não pegá-los jamais de surpresa. Se você diz algo que eles não sabem, isto prova que você é um ignorante, um amador enxerido. Ou então é um louco que anda vendo coisas.

Porém o mais grave de tudo, o absolutamente intolerável, é ser erudito sem o correspondente diploma. A recíproca não é verdadeira. Diploma sem conhecimento é normal e decente. Você pode até escrever Getúlio com LH e continuar chefe de departamento universitário. O que não pode é estudar muito sem ser bacharel ou doutor. Isso expõe você ao desprezo das pessoas de bem, como o doutor Segadas do Triste Fim de Policarpo Quaresma, indignado ao ver as estantes do vizinho carregadas de livros: “Se não era formado, para que? Pedantismo!” O romance de Lima Barreto saiu em 1916. Por volta dos anos 50, o Brasil parecia ter mudado. Meio século depois, milhares de Segadas estão de volta a seus postos, mais empombados do que nunca. É o pogréfo, como diria o sr. presidente.

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