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A VINGANÇA DO CARAIO

Olavo de Carvalho

17 de junho de 2018

Hoje vou tentar explicar a todos os leitores honestos o que há de mais perverso, sinistro e criminoso nessa trama toda. Certamente não é o único aspecto que merece esses qualificativos, mas é o que os merece da maneira mais enfática.

Todos sabem que pertenci à tariqa (organização esotérica islâmica) de Frithjof Schuon (Sheikh Issa Nureddin), sediada em Lausanne, Suíça, e depois em Bloomington, Indiana.

Ao contrário de todas as demais tariqas do mundo, que seguem estritamente a ortodoxia islâmica, essa era uma organização MULTICONFESSIONAL, que aceitava fiéis de todas as religiões historicamente autênticas. Tanto que o “segundo no comando”, o homem que articulou o contato com o sheikh para o meu ingresso na tariqa, e em cuja casa me hospedei a caminho de Bloomington, nunca foi muçulmano. Era o dr. Rama P. Coomaraswamy, teólogo católico, professor de História Eclesiástica no Seminário Sto. Tomás de Aquino (lefebvriano) e filho do maior expositor das doutrinas hindus no Ocidente, Ananda K. Coomaraswamy. Quem, por sua vez, me recomendou ao dr. Coomaraswamy foi o escritor e musicista grego, budista, Marco Pallis.

Baseando-se nos ensinamentos de René Guénon e do próprio Schuon, que rejeitavam categoricamente toda noção de “conversão” quando aplicada ao domínio esotérico, a tariqa logo entrou em conflito com as demais organizações similares, que exigiam dos seus noviços a conversão preliminar ao exoterismo (culto popular) islâmico. Aproximadamente dez anos DEPOIS da minha saída da tariqa, Frithof Schuon cedeu à pressão das demais tariqas e passou a aceitar somente membros convertidos ao Islam.

Na época em que ingressei (1986), estava ainda em pleno vigor a regra multiconfessional, na qual, desde que sob a direção de um mestre qualificado, o noviço podia praticar ritos esotéricos de outras religiões que não a sua, mais ou menos no sentido em que o monge católico Thomas Merton havia praticado o budismo e o Pe. Raimundo Panikkar o hinduísmo.

Problemas de “conversão”, portanto, são totalmente alheios à minha história e jamais entrariam em discussão se não fosse dois motivos: (1) os meus detratores viram nisso uma oportunidade de me indispor com o público católico por meio de uma narrativa confusionista que me apresentava como agente islâmico (mas também, vejam só, maçônico e sionista) infiltrado na Igreja; (2) também viram na exploração desse aspecto um meio de me trazer um DANO IMENSAMENTE MAIOR,que passo a explicar.

No Islam não existe propriamente a “conversão” a uma “fé”. Esses são conceitos cristãos que só se aplicam ao Islam com bárbara imprecisão. O que existe é a ADESÃO A UMA COMUNIDADE JURÍDICA, por meio de uma DECLARAÇÃO PÚBLICA que vale independentemente de qualquer “fé” ou “sinceridade” interior. Sendo assim, a posterior abjuração  — caso aconteça — não é uma “apostasia” no sentido cristão (o abandono de uma crença interior), mas um ato de ALTA TRAIÇÃO, que é qualificado pela legislação penal e deve ser punido com a morte.

Tão logo confirmado por uma autoridade islâmica que o sr. Fulano ou Beltrano, após ter aderido ao Islam, o abandonou, não só os tribunais islâmicos mas todos os cidadãos muçulmanos do mundo têm NÃO SÓ O DIREITO, MAS O DEVER DE MATÁ-LO se tiverem os meios de fazer isso.

É bem conhecido o caso do escritor indiano Salman Rushdie, que por abjurar explicitamente o Islam no seu livro “Versos Satânicos”, foi condenado à morte por um juiz iraniano e vive até hoje escondido em algum lugar do Reino Unido, sob a proteção da polícia britânica, porque sabe que, aonde quer que vá, haverá sempre muçulmanos autorizados (e aliás obrigados) a matá-lo.

Isso quer dizer, clara e inequivocamente, que, se os meus detratores conseguirem persuadir o público de que me converti ao Islam e depois o abandonei, estarei automaticamente condenado à morte e em permanente risco de ver a sentença cumprida por qualquer muçulmano que eu cruze no caminho.

Não poderia haver mais clara nem mais ostensiva indução ao homicídio. Seria, para todas as organizações de esquerda que desmoralizei e para todas as de direita que temem a minha concorrência, a perfeita “solução final do problema Olavo de Carvalho”.

Eis por que nesse empreendimento se irmanam reacionários confessos, como Caio Rossi, a comunopetistas devotos como a Sra. Heloisa Martin Arribas.

Porém há um detalhe que acrescenta, à perversidade cruel, um traço de malícia diabólica praticamente impossível de ocultar uma vez identificado.

É que o sr. Caio Rossi, o popular Caraio Rossi, “ghost writer” da sra. Martin Arribas e canal de contato entre ela e seus cúmplices sediados em Portugal (e aliás, reconheço, o único da trupe que sabe escrever), foi ele próprio membro de uma tariqa, que depois abandonou para filiar-se ao catolicismo.

Com uma diferença: todos os praticantes do esoterismo islâmico sabem que a tariqa do Sheikh Issa Nureddin era multiconfessional, e que aqueles que passaram por ela e depois tomaram outro rumo na vida – como eu e aliás o prof. Wolfgang Smith – nem se converteram a coisa nenhuma nem portanto cometeram traição contra ela. Mas o sr. Rossi foi membro de uma tariqa ORTOXAMENTE ISLÂMICA, na qual não poderia entrar sem conversão e da qual não poderia sair sem traição. Como de fato entrou e saiu.

Duvido que alguém, no mundo islâmco, que é a quarta parte da espécie humana, esteja muito interessado em investigar e punir um zé-mané do Terceira Mundo, mas, com certeza, a improbabilidade do castigo não deve ter apaziguado em nada os temores do sr. Rossi, que antes era assanhadíssimo para opinar e aparecer, mas depois desse episódio se recolheu a uma existência discretíssima, apagada ou até secreta, parando de brindar a humanidade com as suas lindas opiniões e aceitando as tarefas mais que modestas de assessor de difamadores e “ghost-writer” de uma ilustre desconhecida.

Até entendo o raciocínio dele. Como foi através dos meus escritos e aulas que ele tomou conhecimento das obras de Guénon e Schuon que o levaram a converter-se ao Islam (sem me consultar, é claro), ele provavelmente me considera culpado pelo risco ao menos potencial a que está exposto e, portanto, pelo fim de uma carreira literária que ele esperava mais brilhante, decerto, do que a minha.

Não vejo que outra coisa ele deve ter pensado: “Eu morro – ou pelo menos passo por todo esse medão –, mas levo o OIavo de Carvalho junto”.

007, Debi e Lóide

Olavo de Carvalho

O Globo, 13 de outubro de 2001

Nada como a ignorância para tornar um povo dócil à propaganda. Privado de informações substanciais sobre o movimento comunista, o leitor brasileiro de hoje aceita como jornalismo de alto nível toda a tagarelice esquerdista grosseira que antigamente só sairia em “Voz Operária” ou “Novos Rumos”.

Depois da farsa articulada por promotores públicos e jornalistas para usurpar das Forças Armadas o controle de seus serviços de inteligência, agora vem uma artificiosa operação destinada a fomentar entre os brasileiros a onda de antiamericanismo tão ardentemente sonhada pelos Bin Ladens de todos os continentes.

A coisa começou no “Jornal do Brasil” de 7 de outubro, com uma entrevista por telefone com um tal sr. Robert Muller Hayes, apresentado como ex-agente da CIA lotado no Brasil durante o regime militar. Segundo os dois repórteres que o entrevistaram, esse cidadão, em depoimento secreto ao Senado americano em 1987, “revelou um plano, elaborado em 1976 por colaboradores da CIA, para realizar um atentado que seria atribuído às organizações de esquerda”.

Não ocorreu aos entrevistadores perguntar ao sr. Hayes por que o governo americano arriscaria seus agentes num golpe de teatro destinado a fazer de conta que a esquerda brasileira jogava bombas, num momento em que ela de fato as jogava em profusão. Só até 1968 — antes do endurecimento político que veio a servir de pretexto retroativo para legitimar a violência esquerdista — 84 delas já tinham explodido. Com tantas provas autênticas na mão, nenhum serviço de inteligência pensaria em inventar uma falsa. Só um serviço de burrice.

O conhecimento, dizia Aristóteles, começa com o espanto. Quando um repórter aceita prima facie uma esquisitice dessas, sem reação, sem uma pergunta sequer, então das duas uma: ou ele não quer conhecimento nenhum, ou é por sua vez agente secreto de um serviço de burrice.

Mas a estranheza do sr. Hayes não pára aí. Há o tal depoimento secreto. Dizem que houve um, mas não revelam se foi divulgado ou se continua secreto. Na primeira hipótese, por que ele não aparece? Na segunda, ele só é conhecido pelas declarações do sr. Hayes ao JB e a prova da sua existência repousa inteiramente na confiabilidade do entrevistado. Mas testar essa confiabilidade nem foi preciso, pois o próprio sr. Hayes se incumbiu de reduzi-la a zero ao confessar que trabalhou tanto para a CIA quanto para a Alemanha Oriental (comunista). Como é possível que dois repórteres maiores de idade ouçam um sujeito confessar que era agente duplo, e nem lhes ocorra perguntar se suas ações no Brasil não eram também duplas? Pois, se o tipinho servia aos americanos e aos comunistas, como saber se sua tarefa era a de montar atentados para inculpar os comunistas ou a de simular malvadezas da CIA para inculpar os americanos?

Mas o mais lindo está para vir. Os repórteres enaltecem o “currículo” de missões cumpridas pelo sr. Hayes para os serviços secretos dos EUA, com passagens pela Agência de Segurança do Exército (ASA), pela Agência Nacional de Segurança (NSA), pelos Boinas Verdes e pelo FBI. Só depois dessa longa e insólita experiência profissional o sr. Hayes teria entrado na faculdade, sendo então designado para espionar agitações acadêmicas, tarefa que ele cumpriu com o seguinte critério: “Se um professor me desse uma nota ruim, eu dizia que ele era comunista.” Ou seja: primeiro o sujeito adquire uma requintada formação nos serviços de inteligência e depois o governo não exige dele senão uma tarefa vulgar de delator estudantil, aceitando que a cumpra com o rigor técnico do Agente 86.

Mal publicada essa idiotice, deputados esquerdistas já se mobilizam, no Congresso, para cobrar explicações oficiais do governo americano, precipitando uma crise favorável ao terrorismo internacional, assim como para extraditar o tal ex-agente da CIA. Aí a comédia ultrapassa os limites do humor humano e assume o tom de uma piada demoníaca. Pois que autoridade teria para apoiar o pedido de extradição um partido presidido por um ex-espião cubano? Sim, se o sr. Hayes é apenas um 007 hipotético com uma história absurda, a bela carreira do dr. José Dirceu como agente da inteligência militar cubana é coisa certa e de domínio público.

Para piorar, o JB, na edição do dia 10, procura legitimar sua história mediante a aprovação que lhe dá o sr. Philip Agee, exibido como autoridade no assunto. No fim, bem no fim da matéria, discretamente, o jornal reconhece que Agee “foi acusado de ter oferecido informações para a KGB”. Isso é que é eufemismo. Agee foi de fato acusado em 1997. Mas hoje há mais que acusações: há a prova documental, saída diretamente dos arquivos da KGB e exposta em “The Sword and The Shield: The Mitrokhin Archives”, de Christopher Andrew, publicado em 1999. Agee era, sim, homem da KGB, e é ainda um agente da desinformação comunista. Agora ele mora em Cuba, onde ganha para embelezar a imagem do regime de Fidel Castro, e continua sonhando com sua velha “campanha mundial para desestabilizar a CIA”. Essa campanha, iniciada com grande alarde em 1975, pifou na década de 80. Quem diria que, justamente num momento em que os terroristas em apuros tanto precisam dela, a defunta viria a renascer nesta parte do Terceiro Mundo pelas mãos de Debi e Lóide do jornalismo nacional?

***

PS — Colaborador e executor do Plano de Metas do governo JK, criador do BNDES e do Estatuto da Terra, inventor do plano de reestruturação econômica que possibilitou tirar da faixa de pobreza mais de 30 por cento da nossa população, Roberto Campos fez mais por este país do que qualquer outro intelectual brasileiro da sua geração. Mesmo que sua lição tivesse vindo somente pelo exemplo e não por milhares e milhares de páginas de luminosa graça e potente erudição, ele já teria sido um autêntico instrutor e guia da sua pátria: Magister patriae . Em retribuição, foi também o mais caluniado, desprezado e aviltado personagem em meio século de História do Brasil. E não são coisas de jornais velhos. Ainda circulam livros didáticos que o mostram às crianças com as feições de um Drácula da economia. Mas, com todos esses quilômetros de papel sujo, seus detratores jamais conseguiram intimidá-lo, perturbá-lo ou extinguir seu bom humor. Conseguiram apenas fazer de si mesmos, coletivamente, um monumento à impotência da calúnia e à glória do caluniado.

O dr. Roberto não estava somente fora do alcance das palavras dessa gente: estava além do seu círculo de visão. Ele foi, num ambiente de crianças perversas, um dos raros exemplares brasileiros do spoudaios — o “homem maduro” da ética de Aristóteles — que, tendo feito da objetividade o seu estado de ânimo natural, encarna a autoridade da razão e por isto está apto a fazer o bem ao seu país. O nome disso é humildade. Pois a humildade, dizia Frithjof Schuon, no fundo é apenas senso do real.

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