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Lógica da canalhice

Olavo de Carvalho

O Globo, 31 de Março de 2001

Quando alguém me diz que o comunismo é coisa do passado, que advertir contra ele é açoitar um cavalo morto, tenho às vezes uma certa suspeita de estar conversando com um canalha. Não que o sujeito o seja necessariamente. Mas, a rigor, somente um canalha descontaria 1,2 bilhão de pessoas que ainda vivem sob a tirania comunista como uma quantidade negligenciável, um infinitesimal no infinito. Somente um canalha desprezaria como irrelevantes os 40 fuzilamentos mensais de mulheres chinesas (e seus respectivos médicos) que se recusam a praticar aborto. Somente um canalha se persuadiria de que, só porque meia dúzia de firmas americanas estão ganhando dinheiro em Pequim (como se já não tivessem faturado outro tanto na Rússia de Lenin), o comunismo se tornou inofensivo como um rinoceronte de pano. Somente um canalha fingiria ignorar que, após a dissolução da URSS, nenhum torcionário da KGB foi demitido, muito menos punido, e que a maior máquina de espionagem, polícia política, terror estatal e tortura institucionalizada que já existiu no universo, com um orçamento superior ao de todos os serviços secretos ocidentais somados, continua funcionando como se nada tivesse acontecido.

Somente um canalha induziria o povo a ignorar essas coisas, para que, quando a revolução que se prepara no Brasil com dinheiro do narcotráfico tomar o poder, ninguém perceba estar revivendo a tragédia da Rússia, da China e de Cuba.

Pois não é preciso ir para o exterior, basta olhar para o Brasil mesmo para ver a força monstruosa que o movimento comunista, seja lá com que nome for – pois ao longo da história ele mudou de nome muitas vezes, ao sabor de seus interesses do momento – vem adquirindo a cada dia que passa. Só para dar um exemplo, a difusão de idéias comunistas nas escolas, da qual muitos brasileiros ainda nem tomaram consciência, e que outros insistem em ignorar propositadamente (entre eles o ministro da Educação), já passou da fase de simples “doutrinação” para a do direto e franco estupro das consciências. Em milhares de escolas oficiais, professores pagos com dinheiro público usam de sua influência e de seu poder não apenas para instaurar o culto de líderes genocidas e o mito da democracia socialista, mas para intimidar e punir qualquer criança que não consinta em repetir seu discurso magistral. A mais leve divergência, às vezes a simples dúvida, sujeitam o aluno ao constrangimento diante dos colegas, incutindo nele o temor pelo futuro da sua carreira escolar e profissional. Meus próprios filhos passaram por isso, e recebo mensalmente dezenas de e-mails com relatos de situações similares. Chamar a isso “propaganda”, “doutrinação”, é brandura terminológica de quem não quer ver a gravidade do que se passa. E o que se passa é que o terrorismo psicológico já impôs seu domínio sobre os corações infantis, preparando-os para aceitar, como coisa normal, inevitável e até boa, um governo de assassinos e psicopatas como aquele que ainda vigora em Cuba e que já vigora nas regiões sob o domínio das Farc.

Em face disso, os brasileiros reagem… encobrindo fatos com palavras, amortecendo a consciência do perigo mediante chavões soporíferos, exibindo aquele ar de calma fingida que trai o medo, o pavor de encarar a realidade. Direi que isso é ingenuidade? Não. A ingenuidade não tem a astúcia verbal requerida para tamanho auto-engano.

Um leitor, todo empombado de falsa ciência, me escreve que o comunismo não foi mais violento do que as guerras de religião, o Santo Ofício, a queima de bruxas ou a Noite de S. Bartolomeu. Com aquele ar sabe-tudo de professorzinho de ginásio, cita o horror de Montaigne ante a crueldade das guerras civis de seu tempo e conclui que “a violência sempre esteve presente nas diferentes fases da história”. Nada como uma frase-feita para um brasileiro brilhar falando do que não sabe. Nada como um belo chavão para igualar, numa pasta verbal uniforme, as mais prodigiosas diferenças. A Inquisição espanhola, o tribunal mais cruel de que se teve notícia antes do século XX, matou 20 mil pessoas ao longo de quatro séculos. O governo leninista completou cifra idêntica em poucas semanas. Ademais, quase todos os exemplos de crueldade em massa observados ao longo da história se deram por ocasião de guerras, seja entre estados, tribos ou grupos religiosos. A repressão soviética foi o primeiro caso de violência estatal permanente contra cidadãos desarmados, em tempo de paz. O exemplo proliferou. Quando os alemães começaram a enviar judeus a Auschwitz, 20 milhões de russos já tinham sido mortos pelo governo soviético. Mesmo ao término da sua obra macabra, em 1945, o nazismo, com toda a máquina genocida montada para esse fim, não tinha conseguido igualar a produtividade da indústria soviética da morte.

Sob qualquer aspecto que se examine, o socialismo não é de maneira alguma uma idéia decente, que se possa discutir tranqüilamente como alternativa viável para um país, ou que se possa, sem crime de pedofilia intelectual, incutir em crianças nas escolas. É uma doutrina hedionda, macabra, nem um pouco melhor que a ideologia nazista, e que, para cúmulo de cinismo, ainda ousa falar grosso, em nome da moral, quando condena os excessos e violências, incomparavelmente menores, que seus adversários cometeram no afã de deter sua marcha homicida de devoradora de povos e continentes.

Tão logo aceitamos a lógica infernal da sua propaganda, obscurecemos nossa inteligência, perdemos o senso da verdade e o senso das proporções. Perdemos até o senso do antes e do depois. Incutem-nos, por exemplo, a noção de que a guerrilha brasileira foi a única saída que lhes foi deixada pelo governo repressor que, em 31 de março de 1964, fechou todas as portas à oposição legal. Mas como pode ter sido isso, se a guerrilha começou em 1961, sempre dirigida e financiada desde Cuba? Dizem-nos que a “Operação Condor” foi uma conspiração internacional entre ditaduras, para sufocar movimentos pacíficos e democráticos. Mas como pode ter sido isso, se a tal operação só surgiu tardiamente, em resposta ao movimento armado tricontinental, dirigido desde Havana e financiado com dinheiro soviético? Mediante as lições dos mestres socialistas, desaprendemos até o senso instintivo da ordem temporal dos fatos.

Acreditar nessa gente, ainda que por breves instantes, é desmantelar o próprio cérebro, é destruir em nossas almas a capacidade para as distinções mais elementares e auto-evidentes. Por isso já não tenho mais paciência com pessoas que consentem que seus filhos sejam submetidos a esse tipo de estupidificação. Por um tempo, imaginei que fossem apenas idiotas, covardes ou preguiçosos. Mas a idiotice, a covardia e a preguiça têm limites: ultrapassado um certo ponto, transformam-se na modalidade mais requintada e sutil de canalhice.

Doutrinação difusa

Olavo de Carvalho


O Globo, 27 de janeiro de 2001

Um público que está contaminado de doutrinação marxista até a medula não tem, por isso mesmo, a menor idéia de que está sendo doutrinado. A primeira etapa da doutrinação é puramente cultural, difusa, e não visa a incutir no sujeito a menor convicção política explícita, mas apenas a moldar sua cosmovisão segundo as linhas básicas da filosofia marxista, sem este nome, naturalmente, e apresentada como se fosse “o” conhecimento em geral. Com exceção de um reduzidíssimo número de intelectuais que estudaram criticamente o movimento comunista e das pessoas demasiado pobres que não receberam educação nenhuma, são raros os cidadãos brasileiros que já não estejam conquistados para essa visão do mundo, no mínimo por desconhecer que ela é uma visão e não o próprio mundo.

Em especial, a explicação da história com base no esquema marxista das classes sociais economicamente definidas, que é o terreno prévio para uma doutrinação mais ativa, já se pode considerar definitivamente integrada nos esquemas de pensamento da mídia e da população instruída, ao ponto de que ninguém, aí, tem a consciência de que ela é apenas uma teoria entre outras e todos a tomam como se fosse um traslado direto da realidade vivida. Por menos que ela coincida com a efetiva distribuição das forças no panorama social brasileiro, o cidadão espontaneamente apela aos seus conceitos básicos – se não à sua nomenclatura – para expressar o que acha que se passa na sociedade. Assim, por exemplo, a burocracia estatal, em vez de ser encarada como uma força autônoma – o que é um traço característico da sociedade brasileira – e embora nela se recrute a maior parte da militância esquerdista, se tornou invisível o bastante para que os efeitos de suas ações sejam atribuídos à “classe dominante”, compreendida no sentido de “os ricos” ou “os capitalistas”. A classe média, que abrange 46% da nossa população e inclui a quase totalidade das pessoas politicamente atuantes (sobretudo na esquerda), não tem nenhuma consciência de si como entidade distinta, mas cada um, dentro dela, espontaneamente divide o quadro social entre os “os ricos” e os “os pobres”, tomando os discursos partidários como se fossem traduções fiéis das realidades sociológicas subjacentes e catalogando-se a si mesmo na classe dos pobres, sem reparar que os pobres o colocam na classe dos ricos e, na verdade, o invejam e o odeiam mais do que a qualquer banqueiro. A alienação entre a realidade social e o discurso de auto-explicação, em tais circunstâncias, é total.

Com igual facilidade, a compreensão das idéias como expressões estereotipadas de interesses de classe é projetada sobre a imagem do nosso passado histórico, passando como um trator sobre o fato, facilmente comprovável mas marxisticamente inexplicável, de que no Brasil os discursos ideológicos quase nunca coincidem com os interesses objetivos das classes sociais envolvidas. Na educação pública, nos livros, nos programas pretensamente educativos da TV, a redução marxista das criações culturais a superestruturas dos interesses de classe já está tão profundamente integrada no vocabulário corrente que quem deseje apresentar alguma outra versão da história não tem nem por onde começar a se explicar e pode até cair no ridículo ao bater de frente com o “senso comum” (no sentido gramsciano do termo).

De maneira bastante compreensível, mas nem por isto menos irônica, quanto mais limitado o horizonte de uma pessoa esteja aos cânones da vulgata marxista, mais ela reagirá com quatro pedras na mão à denúncia de que existe propaganda do marxismo no Brasil e, mais ainda, à idéia de que os comunistas tenham algum poder entre nós. Ser invisível, já dizia René Guénon, é da essência mesma do poder.

Uma segunda fase da doutrinação é a que vai associar, ao estereótipo das classes, os valores morais e emocionais necessários a despertar reações de agrado ou desagrado conforme o discurso ouvido soe de maneira a parecer associado aos “interesses de classe” dos bondosos pobres ou dos malvados ricos, por menos que, objetivamente, tenham algo a ver com isso. O discurso em favor da livre empresa, por exemplo, embora objetivamente fale em favor da imensa população pobre que vive da economia informal, é rejeitado como defesa dos interesses da “elite” e das multinacionais, enquanto o discurso estatizante, embora não arranhe no mais mínimo que seja os interesses das classes ricas e de fato fortaleça a burocracia onipotente que reduz o país à pobreza mediante uma carga tributária escorchante, é facilmente aceito como tradução dos interesses dos “excluídos”. Da alienação passa-se então à alucinação, mas, não por coincidência, a própria angústia decorrente do vago pressentimento da loucura é em seguida explorada para gerar mais ódio à imagem estereotipada da “classe dominante”, responsabilizada por todos os males e personificada em indivíduos e grupos que, na verdade, não são dominantes de maneira alguma e funcionam como puros bodes expiatórios, como por exemplo os militares. A tal ponto os símbolos convencionais se substituem à percepção dos fatos que um acontecimento como o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, é passivamente aceito pelo seu valor nominal de manifestação antiglobalista, malgrado o apoio que recebe da ONU, o coração da Nova Ordem Mundial, bem como da rede mundial de ONGs que estão para a ONU como as veias e artérias estão para o coração.

PS – Tendo outras coisas a dizer neste meu espaço semanal em vez de gastá-lo para rebater a nova investida caluniosa de dona Cecília Coimbra (O GLOBO, 20 de janeiro), mas ao mesmo tempo repugnando-me toda afetação de silêncio superior, coloquei uma resposta a ela e a seus comparsas no meu website, http://www.olavodecarvalho.org, onde mostro como essa senhora, por inépcia furiosa, prova o que queria desmentir e desmente o que queria provar. E, doravante, chega de explicações: qualquer nova tentativa de fazer do meu artigo “Tortura e terrorismo” uma apologia da tortura será respondida diretamente com um processo judicial.

Notas da quinzena

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 1o de abril de 1999

Adepto da filosofia realista, segundo a qual os cinco sentidos nos mostram a realidade objetiva, há fatos, no entanto, que me fazem duvidar da existência do mundo exterior e me põem em angustiantes dúvidas metafísicas. Um deles é ouvir os governantes do Estado do Rio anunciarem que vão reprimir os assaltantes pelo método de desarmar suas vítimas.

Inútil exclamar, de mãos para o céu: “Será a Benedita?” Inútil, porque é mesmo da Benedita que se trata. E não só dela: também do sr. Garotinho – mais que um nome, um modo de ser. Juntaram-se os dois na varanda, como o General Craveiro e o Oliveira Salazaire da cantiga, a fazeire prupaganda pra guerra se acabaire . Valha-me Deus, que o que se acaba é o mundo se ninguém lhes mete umas camisas-de-força e outra no sr. Carlos Minc, que não é doido, mas finge com perfeição, já que ouve os dois falando e faz que sim com a cabeça – embora este gesto possa também ser interpretado como sinal de resignação filosófica ante o fim dos tempos.

Algum dia, Benê e Nenê anunciarão a solução definitiva para o tráfico de heroína: serão proibidas todas as injeções e fechadas todas as farmácias.

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A revista Época traz uma reportagem de Percival de Souza sobre o cabo Anselmo, o agitador esquerdista que, delatando meio mundo, possibilitou o fim da guerrilha urbana. Os editores, não podendo meter o lápis num texto do decano dos repórteres policiais, vingaram-se da sua neutralidade despejando na manchete de capa todo aquele rancor esquerdista que o tempo, em vez de atenuar, só torna mais insano. A reportagem, em si neutra e imparcial, adquiriu assim um sentido involuntariamente faccioso. Deixa a impressão de que o cabo não traiu um dos lados em disputa, mas o País inteiro. Mais um sinal de que o lobby comunista, firmemente instalado nos altos postos da imprensa nacional, já aboliu todos os escrúpulos de objetividade, mesmo fingida, e partiu para a doutrinação aberta, descarada, sem-vergonha.

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O poder mundial ascendente subjuga os Estados mediante uma política econômica global, enquanto de outro lado os debilita estimulando reivindicações divisionistas entre os cidadãos. Essas duas tarefas cabem respectivamente à “direita” e à “esquerda”, cujas rusguinhas de madames servem para jogar areia nos olhos do público.

Políticas raciais que incentivam ódios a pretexto de proteger minorias são talvez o componente mais maquiavélico dessa estratégia. O Programa de Educação Profissional patrocinado pelo BankBoston para crianças pobres, por exemplo, exclui a priori, em flagrante violação da Lei Afonso Arinos, toda criança que não seja de raça negra. Uma nação tem de ter perdido todo respeito por si mesma para permitir que emissários de um dos países mais racistas do mundo venham achincalhar uma cultura tradicionalmente inter-racial e mestiça, oferecendo-se para proteger brasileiros contra brasileiros por meios ilegais.

Só resta perguntar quanto de ancestralidade negra será preciso para ser admitido no programa. Meu neto André, que é loiro, tem uma gota de sangue negro por parte do bisavô materno. Será isso capital suficiente para abrir uma conta na carteira de crédito racial do BankBoston? Ou haverá testes genéticos para os casos de pureza incerta?

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O Conselho Federal de Psicologia, do alto da sua psicótica onipotência, acaba de editar sua resolução nº. 1/99, que, em substância, afirma: (1) não havendo provas de que o homossexualismo é doença, fica provado que não é; (2) para o psicólogo de ofício, é conduta altamente meritória incentivar a homossexualidade entre os heterossexuais e abominável delito, punível com a cassação do registro profissional, incentivar a heterossexualidade entre os homossexuais. O psicólogo curitibano Carlos Grzybowski já está ameaçado de cassação por violar essa norma bárbara, anticientífica, irracional. Os juristas que possam ajudá-lo a salvar-se da inquisição gay instalada no CFP por favor avisem-no pelo e-mail: catito@avalon.sul.com.br . O que torna o caso de Grzybowski ainda mais apalermante é que a “infração” de que o acusam foi cometida antes de emitida a resolução. Mas, como poderia o CFP respeitar os princípios do Direito, se desconhece os da lógica elementar?

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