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O novo império Mongol

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 9 de fevereiro de 2006

Se você escreve uma cartinha aos jornais contra a proibição das preces nas escolas públicas, contra peças de teatro que mostram um Cristo gay ou mesmo contra as matanças de cristãos na China, no Sudão e na Coréia do Norte, você é um fanático fundamentalista, um extremista de direita. Mas, se você ateia fogo em embaixadas e sai pelas ruas ameaçando matar meio mundo para mostrar quanto você odeia uma caricatura de Maomé publicada num pequeno jornal dinamarquês, você é um cidadão de bem no pleno uso do direito de protestar contra um insulto sacrílego. Tal é o critério de julgamento que a mídia internacional acaba de impor à humanidade, com a aprovação explícita ou implícita de vários governos europeus, da ONU, do presidente George W. Bush e até – mas será o Benedito? – do Papa. A unanimidade mundial dos bem-pensantes contra os dinamarqueses brotou na mesma semana em que o Congresso americano está votando uma lei – mais uma, na escalada da repressão anticristã inaugurada seis décadas atrás por Franklin D. Roosevelt – que suprime toda ajuda estatal para internação em asilo no caso de qualquer velhinho com Alzheimer que, nos cinco anos anteriores, tenha cometido o pecado de dar contribuição em dinheiro a alguma igreja, mesmo no montante de um dólar ou dois. Não consta que S. Santidade tenha protestado contra essa discriminação ostentiva – mas desenhar o Profeta, ah, isto o Vaticano não tolera.

O mais interessante no episódio é que as explosões de ódio antidinamarquês não foram suscitadas pelo conteúdo específico da charge – que a rigor nada diz contra o Islam enquanto tal, apenas contra o terrorismo – e sim pelo simples fato de que ela mostre o Profeta Maomé, o qual pela lei islâmica só pode ser representado com o rosto encoberto. Ao endossar a legitimidade do violento protesto muçulmano, a alta hierarquia católica está simplesmente forçando os fiéis da sua Igreja a obedecer o mandamento de uma religião alheia. De quebra, estende essa mesma obrigação aos protestantes, aos judeus, aos budistas, aos ateus e a tutti quanti. O Islam deve ser mesmo uma religião muito especial, já que suas leis não são obrigatórias só para os muçulmanos, mas para toda a humanidade.

O velho Império Mongol não reconhecia a existência de outros impérios ou de nações independentes. Na sua lei, só existiam duas áreas no mundo: as obedientes e as desobedientes. Estas não passavam de territórios mongóis provisoriamente rebelados, destinados a ser punidos e subjugados mais dia menos dia. O Islam reconhece, oficialmente, a legitimidade de algumas outras religiões, entre as quais o cristianismo e o judaísmo. Mas esse reconhecimento se torna mero formalismo oco a partir do momento em que os fiéis dessas religiões já não podem decidir suas próprias ações de acordo com os mandamentos delas, e em vez disto se vêm obrigados a cumprir mandamentos islâmicos. Para o cristão não há nada de mau em desenhar o rosto de Cristo, nem para o budista em pintar uma imagem do Buda. Pelos critérios de suas religiões respectivas, não pode portanto haver erro ou crime em desenhar o profeta de uma outra religião. Mas quem disse que eles têm o direito de julgar isso de acordo com sua própria religião? Que sigam o Corão e não reclamem.

A imposição da shari’a como lei obrigatória para toda a espécie humana, com a concomitante supressão de todas as leis religiosas concorrentes, é uma das metas mais óbvias do imperialismo cultural islâmico, ponta de lança do imperialismo político e militar. Com a ajuda de praticamente toda a elite ocidental, a luta por objetivo alcançou durante esta semana uma vitória formidável.

Seis dificuldades

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 28 de dezembro de 2005

Para restaurar uma política conservadora no Brasil há seis condições indispensáveis:

1. É inútil esperar que o país progrida na direção de uma democracia capitalista quando se tem inibição de defender abertamente a superioridade do capitalismo e se permite que o discurso anticapitalista, explícito ou implícito, monopolize todos os canais de comunicação e cultura.

2. É inútil proclamar a superioridade do capitalismo quando se tem a inibição de afirmar que essa superioridade é também de ordem moral e não somente técnica e prática. Se as pessoas admitem que o capitalismo funciona melhor, mas continuam achando que o socialismo é o bem, a única conclusão que podem tirar disso é que a eficiência é um pecado. E então perdoarão toda ineficiência e prejuízo, se for o preço do socialismo.

3. É inútil afirmar a superioridade moral do capitalismo quando não se entende que ela só veio a existir historicamente porque incorporou e perpetuou os valores da civilização ocidental, fundados na revelação judaico-cristã, na filosofia de Platão e Aristóteles e na experiência político-jurídica romana. Quem pretende que a pura força espontânea da liberdade de mercado possa tornar-se um princípio fundante e substituir esses valores não entende que a liberdade de mercado é a simples expressão deles na ordem econômica e não sobrevive à extirpação das raízes civilizacionais que a fundam e a alimentam. O capitalismo prosperou nos EUA porque protegeu e fortaleceu essas raízes; definhou na França porque quis colocar no lugar delas o mito da sociedade plenamente laicizada. O liberalismo materialista é a quinta-coluna do socialismo atuando dentro da cidadela mesma do capitalismo.

4. É inútil, por fim, tentar defender a democracia capitalista, mesmo com todos os seus valores associados, quando no plano da política internacional se cede às pressões e chantagens do bloco anticapitalista, anti-americano, anticristão e antijudaico. Esperar que o Brasil progrida com a ajuda da China ou da Rússia — para não falar da Líbia ou do Irã — é querer que estes países nos dêem o que não têm nem para si próprios. A única aliança que pode nos ajudar é com os EUA e Israel. A União Européia, hesitante e ambígua, deve ser mantida em banho-maria até que decida de que lado está.

5. Mas a causa fundamental de que essas realidades óbvias fossem esquecidas reside no acovardamento da própria política exterior americana no continente, que desde a gestão Clinton se absteve de defender os valores tradicionais do americanismo e os substituiu por uma estratégia de auto-sabotagem, que desde o início já parecia calculada para produzir exatamentamente o resultado que produziu: a ascensão geral da esquerda e a maré montante do anti-americanismo. É inútil, portanto, lutar pela restauração de uma sensata política conservadora no Brasil sem exigir, ao mesmo tempo, uma mudança radical da política externa americana para com a América Latina (em artigos vindouros analisarei este ponto mais detalhadamente).

6. Porém ainda mais inútil que tudo isso é sonhar com essa restauração sem mobilizar em favor dela a única classe que pode ainda ter alguma consciência de que ela é necessária. O empresariado nacional cedeu demais ante as exigências “politicamente corretas” impostas por intelectuais ativistas que sabem lisonjeá-lo mas que no fundo só desejam a sua morte. Deixou-se seduzir e intoxicar demais pela capciosa “novilíngua” que recobriu de uma aparência inofensiva, caritativa e benemérita, os velhos engodos estatistas e socialistas de sempre. Por isso está hoje culturalmente desarmado, confuso, ideologicamente esvaziado, chegando a lutar mais contra si próprio do que contra seus inimigos notórios. Sem uma genuína política conservadora não haverá esperança para o Brasil. Mas sem um profundo revigoramento cultural do empresariado não haverá política conservadora nenhuma.

Uma descrição que fala por si

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 20 de dezembro de 2005

A divisão de forças no mundo nunca esteve tão nítida.

De um lado, os EUA, Israel, a Inglaterra, o Japão, Taiwan, os antigos satélites da URSS e, na América Latina, uns quantos países da América Central mais o Chile e a Colômbia. No mundo islâmico essa aliança tem um enclave no Iraque e outro no Kuwait.

Do outro lado, o aglomerado islâmico, a China, a Rússia, um punhado de ditaduras africanas e, na América Latina, todos os países governados pelos partidos do Foro de São Paulo, destacando-se Cuba e a Venezuela.

Não é impróprio chamar esses dois blocos de aliança americana e aliança anti-americana respectivamente.

Todas as nações da aliança americana têm economias de mercado em franca prosperidade, governos democráticos, eleições livres e uma intensa fiscalização do governo pela opinião pública.

Praticamente todas as nações do outro lado têm governos ditatoriais ou em vias de tornar-se ditatoriais, economias miseráveis fortemente estatizadas ou em acelerado processo de estatização (quando não de militarização) e, last not least , uma folha de realizações na área dos direitos humanos que, só na última década, não ficou abaixo dos três milhões de mortos e algumas centenas de milhares de prisioneiros políticos.

Ambigüidades oportunistas do Brasil, do México, da Índia e da União Européia podem confundir um pouco as linhas de fronteira, mas não é difícil entender que, ressalvada a hipótese de um tour-de-force diplomático americano, essas forças tendem a se alinhar com o segundo bloco no momento decisivo.

Tal como veio acontecendo regularmente há pelo menos cem anos, é justamente o lado miserável, ditatorial e genocida que fala em nome de promessas de um mundo melhor, levantando a bandeira da justiça, da liberdade e dos direitos humanos, enquanto as nações onde existem essas três coisas são apresentadas como opressoras imperialistas e ameaças à segurança da espécie humana.

Ideologicamente, as linhas de fronteira não coincidem com as divisões do espaço geopolítico, pois, dentro da própria aliança americana, para não falar da União Européia, a opinião dominante na mídia e nas instituições de cultura é maciçamente anti-americana. Dentro da área anti-americana, por sua vez, a opinião favorável aos EUA é minoritária, sem meios para se expressar e fortemente reprimida pelos governos ou por organizações militantes.

A composição ideológica do bloco anti-americano é heterogênea, a diversidade caótica das suas propostas contrastando singularmente com a unidade de ação estratégica que tem demonstrado. Ela abrange:

1. Comunistas e neocomunistas.

2. Radicais islâmicos.

3. Nacionalistas de direita do Terceiro Mundo fortemente impregnados de anti-americanismo.

4. Nazistas, neonazistas, fascistas e anti-semitas em geral.

5. Planejadores, financiadores, adeptos, militantes e serviçais do projeto de governo mundial já abraçado oficialmente pela ONU, subsidiado por fundações bilionárias como George Soros, Rockefeller e Ford e apoiado formal ou informalmente por toda a esquerda norte-americana, encravada especialmente no Partido Democrático mas com algumas extensões no Republicano.

Do outro lado encontram-se:

1. Conservadores empenhados explicitamente em defender os valores judaico-cristãos, a economia de mercado e as instituições democráticas de molde anglo-americano.

2. Nacionalistas americanos e os componentes da chamada “direita religiosa”.

3. Judeus sionistas.

4. Anticomunistas professos em geral, notadamente os foragidos de regimes comunistas ou egressos de movimentos de esquerda.

5. Liberais pragmáticos sem nenhum amor especial aos valores personificados pelas quatro últimas facções mas levados na prática a aliar-se com elas contra o intervencionismo estatal e o globalismo burocrático.

A simples descrição do estado de coisas é suficiente para mostrar quem tem razão e de que lado devem ficar as pessoas decentes. Se muitas delas não chegam a perceber isso, é apenas graças à hegemonia anti-americana dos meios de comunicação, uma quinta-coluna a serviço do que existe de pior no mundo. O destino da humanidade depende, quase que integralmente, de que essa hegemonia seja destruída o quanto antes.

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