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O socialismo dos ricos

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 1o de junho de 2006

Toda discussão ou escolha política funda-se em valores, critérios e esquemas de pensamento previamente disseminados na cultura circundante. A política eleitoral é como um barco que tem de se orientar pelas ondas marítimas em torno: com jeito, pode atravessá-las para chegar aonde quer, mas não pode afetá-las ou mudá-las no mais mínimo que seja. Tem de contar com elas como um dado da realidade. A cultura é o mar onde navega ou se perde, bóia ou naugrafa o barco da política partidária. A ação cultural é enormemente mais complexa, abrangente e de longo prazo que a ação política. Esta pode acompanhá-la com vantagem ou desvantagem, mas não pode alterar o seu curso, que a predetermina e limita seu horizonte de possibilidades.

Toda a estratégia da “revolução cultural” gramsciana baseia-se nesses princípios óbvios e irrefutáveis. Na verdade, antes de Gramci o próprio Stalin já os havia percebido e posto em prática. Para qualquer ativista de esquerda, eles são tão auto-evidentes que ele nem precisa lhes conceder atenção consciente: eles se impregnaram tão profundamente na estrutura do movimento esquerdista e na psique de cada militante individual, que se tornaram reflexos condicionados. Isso dá ao conjunto da estratégia esquerdista uma rapidez de ação alucinante, uma eficácia monstruosa, à qual seus adversários, pelo menos no Brasil, não têm a opor senão táticas eleitorais avulsas e de improviso, isto é, tentativas ridiculamente impotentes de fazer com que o barco mude a maré.

A ação cultural organizada do movimento esquerdista começou nos anos 20 (v. Frederick C. Barghoorn, The Soviet Cultural Offensive, Princeton University Press, 1960). Malgrado a imensa variedade dos acréscimos e modificações que veio sofrendo desde então, ela não perdeu nada da sua unidade, abrangência e senso de direção, nem mesmo depois da queda do regime soviético.

Mas seria tolice imaginar que essa ofensiva partiu apenas do bloco soviético, com ou sem a colaboração chinesa. Tão decisiva quanto a ação cultural do comunismo explícito foi a do establishment “progressista” euro-americano, inspirado nas idéias do socialismo fabiano e entrincheirado nas grandes fundações bilionárias que há quase um século usam as armas do capitalismo para fomentar, por meios pacíficos e anestésicos, a hegemonia esquerdista, o controle estatal da economia, a destruição da cultura ocidental e tudo o mais que os comunistas buscam alcançar por outras vias.

As investigações da Comissão Reece do Congresso americano na década de 50, os estudos meticulosos do economista Anthony Sutton sobre a ajuda americana ao regime soviético, a decifração dos códigos Venona e, mais recentemente, a abertura temporária dos arquivos do Partido Comunista da URSS, mostraram, acima de qualquer possibilidade de dúvida razoável, que entre o comunismo soviético-chinês e a elite “progressista” bilionária do Ocidente há algo mais que uma convergência fortuita de interesses: há uma unidade estratégica profunda, sistemática, abrangente. Na verdade, a direção do processo está menos nas mãos das organizações comunistas que nas dos bilionários fabianos. Uma das premissas que orientam essa elite na sua parceria de muitas décadas com o comunismo é que, a total abolição da propriedade privada dos meios de produção sendo tecnicamente impossível (Ludwig von Mises o demonstrou em 1928, e desde então os próprios dirigentes soviéticos estiveram muito conscientes dessa impossibilidade), todo esforço bem sucedido de socialização da economia resulta sempre num produto híbrido, a divisão do poder entre o Estado gigante e os monopólios privados. A crença popular de que os capitalistas jamais poderiam colaborar seriamente com o comunismo é uma lenda diversionista difundida pelos próprios círculos monopolistas. Na verdade, eles têm absoluta segurança de poder fomentar o comunismo ilimitadamente, nada tendo a perder e tudo a ganhar com isso. Não precisam sequer tentar controlá-lo diretamente, porque ele vai por sua própria dinâmica interna na direção dos interesses deles. A cada dia fica mais nítido que o filósofo Oswald Spengler acertou na mosca ao escrever: “Não há movimento comunista que não opere no interesse do dinheiro, na direção indicada pelo dinheiro e pelo prazo permitido pelo dinheiro.”

Cercadas pela ofensiva soviético-chinesa, de um lado, de outro pelas fundações bilionárias que dominam as universidades, a mídia e as instituições culturais e têm o grosso da intelectualidade a seu serviço tanto na Europa quanto nos EUA, as sociedades ocidentais foram caindo, uma a uma, sob o fascínio de crenças, símbolos e estilos de pensar e dizer que as arrastam na direção do socialismo meia-bomba, o socialismo dos ricos, que é o único economicamente possível e para cuja instauração os movimentos comunistas não são senão instrumentos parciais e provisórios.

Num próximo artigo explicarei as fontes de resistência que têm operado, às vezes com notável eficácia pelo menos regional, contra a ascensão aparentemente irresistível da ditadura socialista global.

Saudades do Mensalão

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 31 de março de 2006

Quando tucanos e “liberais” insistem em tentar derrubar o esquema petista mediante puras imputações criminais, abstendo-se pudicamente de fazer oposição político-ideológica, já confessam antecipadamente uma fraqueza que prenuncia desastres imensuráveis.

Se o grupo petista atualmente no poder sustenta-se no desvio sistemático de dinheiro público, a esquerda continental, da qual esse grupo não é senão um pseudópodo especialmente saliente, apóia-se num aparato muito mais vasto e temível: a narcoguerrilha das Farc, o banditismo organizado do MIR chileno e outras entidades criminosas pertencentes ao Foro de São Paulo.

A corrupção instalada no governo federal, preparada desde o começo da década de 90, é apenas uma engrenagem ínfima da máquina criminosa montada pelo movimento comunista para “reconquistar na América Latina o que foi perdido no Leste europeu”.

A concentração do ataque oposicionista em denúncias apolíticas pode parecer, no momento, um ardil inteligente, porque atrai para as trincheiras do antilulismo uma parcela da esquerda. Mas essa parcela só se volta contra os corruptos pegos com as calças na mão, queimados, indefensáveis. Por baixo, continua firmemente unida à máquina continental que os gerou. Ela só consente em juntar sua voz à gritaria moralizante porque acredita que, substituídas as peças que o escândalo tornou inutilizáveis, a máquina ganhará nova credibilidade para poder continuar delinqüindo em escala incomparavelmente maior. Como já aconteceu inúmeras vezes na História, a esquerda se subdivide para tirar proveito publicitário de seus próprios crimes, e o faz servindo-se da ajuda de adversários ingênuos e débeis. Insistindo em combater num campo limitado, mais proporcional à sua minguada coragem e à sua inteligência estratégica provinciana, esses adversários lhe entregam antecipadamente o controle do território maior.

Tucanos e liberais estão tentando vencer num jogo simulado, enquanto fogem do combate real. Quando estiverem comemorando a vitória obtida nessa brincadeira, despertarão no meio de um campo de batalha, onde já não terão de enfrentar demagogos corruptos, mas guerrilheiros e narcotraficantes furiosos.

Aí terão saudades do Mensalão.  

O Estado covarde

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 21 de fevereiro de 2006

Uma coisa espantosa no Brasil de hoje é a candura, a inocência pueril ou mongolóide com que, num país onde ocorrem 50 mil homicídios por ano, as pessoas se acomodam à violência como uma fatalidade inevitável , dizendo de si para si que aquilo que não tem remédio remediado está, e saem buscando soluções para outros problemas em volta.

Digo cinqüenta mil porque é a estatística oficial da ONU. Segundo o repórter espanhol Luís Mir são 150 mil. Mas, se fossem cinqüenta mil, já seria o equivalente a três guerras do Iraque por ano, em tempo de paz.

Quem pode fazer a economia render, ampliar o mercado de empregos, aumentar a produção de bens, melhorar a distribuição, numa sociedade onde ninguém tem o mínimo de segurança física para saber se vai voltar vivo do trabalho? Quem pode pensar em educação, saúde, habitação, vestuário, se está sob ameaça de morte 24 horas por dia?

Isso é tudo ilusão, besteira, desconversa. Sem segurança não há progresso, educação, saúde, nem coisa nenhuma. Todo mundo sabe disto e faz de conta que não sabe. Faz de conta porque tem medo de enfrentar o problema fundamental, e então sai brincando de resolver os problemas periféricos só para dar “a si mesmo ou à platéia” a impressão de que está fazendo alguma coisa.

A taxa anual de homicídios no Brasil significa, pura e simplesmente, que não há ordem pública, não há lei nem direito, não há Estado, não há administração, há apenas um esquema estatal de dar emprego para vagabundos, sanguessugas, farsantes. O Estado brasileiro é uma instituição de auto-ajuda dos incapazes. E você, brasileiro, paga. Paga a pantomima toda. Paga para o sr. Gilberto Gil fazer de conta que é culto, paga para o sr. Nelson Jobim fazer de conta que é honesto, até para o sr. Lula da Silva fazer de conta que preside alguma coisa.

O Brasil, na verdade, só tem dois problemas: a insegurança geral e a inépcia da classe dirigente. O primeiro não deixa ninguém viver e o segundo anestesia a galera para que não ligue e trate de pensar em outra coisa.

Desaparecidos esses dois problemas, a sociedade encontraria sozinha as soluções dos demais, sem precisar da ajuda de governo nenhum. A sociedade pode perfeitamente criar e distribuir riqueza, dar educação às crianças, encontrar meios de que todos tenham uma renda decente, moradia, saúde, assistência na velhice.

O que a sociedade não pode é garantir a ordem pública pela força das armas e educar os governantes para que governem. Isso tem de vir do Estado. Mas o Estado, justamente para não ter de fazer o que lhe compete, prefere se meter em todo o mais. É o Estado educador, o Estado médico, o Estado assistente social, o Estado onissapiente. Só não é o Estado-Estado. Só não é o que tem de ser.

É o Estado que tem cada vez mais poder sobre os cidadãos e menos poder contra os inimigos do cidadão. É o Estado santarrão, pomposo, grandiloqüente e covarde.

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