Posts Tagged Diário do Comércio (editorial)

Três notas

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 11 de setembro de 2007

Ao protestar contra a diferença de tratamento dado por um indivíduo de nome Odilo Scherer ao movimento “Cansei” e ao “Grito dos Excluídos”, meu caro amigo Reinaldo Azevedo, com inegável boa fé, cai no erro de fazê-lo “com todo o respeito” (sic) e ainda concedendo ao sujeito o tratamento de “Dom Odilo”.

A Igreja Católica chama a isso “respeito humano”, uma expressão que parece inofensiva mas que significa colocar inadvertidamente uma criatura humana, ou várias delas, acima da Igreja e do próprio Cristo.

O “Decretum Contra Communismum”, assinado pelo papa Pio XII e confirmado por João XXIII, deixa claro que o católico que preste favores a um partido comunista está, automaticamente, excluído dos sacramentos. Não pode recebê-los nem muito menos aplicá-los.

Odilo Scherer não apenas prestou vários favores aos comunistas, mas os recusou abertamente ao partido contrário, com intolerável desonestidade e cinismo.

O texto do decreto é taxativo e insofismável: a excomunhão é automática, não dependendo portanto de julgamento explícito proferido por um tribunal eclesiástico. Todo católico que saiba disso e que conheça o caso Odilo Scherer tem não só o direito mas o dever estrito de recusar a esse cidadão o tratamento devido aos príncipes da Igreja e mesmo aos sacerdotes em geral. Tem também a obrigação de recusar os sacramentos se oficiados por ele, e de recusá-los não por intuito ofensivo, mas por um ato de caridade: para impedir que o excomungado acrescente à sua folha corrida espiritual mais um sacrilégio. Estão excluídos dessa obrigação somente os moribundos e os incapazes, que podem aceitar os sacramentos de não importa quem.

O próprio Scherer só poderá voltar a receber os sacramentos se a isso autorizado por um bispo genuíno, após confessar seu pecado e submeter-se à devida penitência. Até lá, sua presença no Arcebispado é um escândalo no estrito sentido bíblico do termo.

Os fiéis têm a obrigação de expulsá-lo de lá como se expele um demônio em sessão de exorcismo: Em Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo – fora!

***

Depois que furei o balão do manifesto pró-Quartim, revelando a fonte originária da “mentira deslavada” contra o qual o documento protestava, recebi algumas cartas de esquerdistas, entre enfurecidas e lacrimosas, reclamando que sou malvado, impiedoso e maquiavélico. Talvez eu o seja mesmo, ou pelo menos possua as virtudes requeridas para aparecer com essa imagem no espelho mental comunista. Qualquer que seja o caso, eis aí um bom motivo para que esses tipinhos burros e mendazes que dominam as nossas universidades desistam de se meter comigo, mesmo na base de mil contra um. Eles podem infundir medo na “zé-lite” — política, empresarial e militar –, mas a mim só inspiram desprezo.

***

Se o leitor tem uns minutinhos para meditar sobre o curso dos tempos, talvez aprenda alguma coisa comparando estas duas declarações:

Primeira : “Ninguém neste país tem mais autoridade moral, ética e política do que o nosso partido. Admitimos que tem gente igual a nós, mas não admitimos que tenha melhor.” (Luís Inácio Lula da Silva, no 3º. Congresso do PT.)

Segunda : “Ponha-se na presidência qualquer medíocre, louco ou semi-analfabeto e vinte e quatro horas depois a horda de aduladores estará à sua volta, brandindo o elogio como arma, convencendo-o de que é um gênio político e um grande homem, e de que tudo o que faz está certo. Em pouco tempo transforma-se um ignorante em um sábio, um louco em um gênio equilibrado, um primário em um estadista. E um homem nessa posição, empunhando as rédeas de um poder praticamente sem limites, embriagado pela bajulação, transforma-se num monstro perigoso “. (Olympio Mourão Filho, Memórias: A Verdade de um Revolucionário , Porto Alegre, L&PM, 1978, p. 16.)

O preço das ilusões

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial),9 de agosto de 2007

Numa carta enviada a José Sarney em 15 de abril de 1985, José Guilherme Merquior aconselhava ao então presidente fazer “ desde já certos gestos simpáticos à esquerda ” especialmente “ reatar relações com Cuba. Eles [os esquerdistas] ficariam meio ano digerindo este pitéu, obrigados a achar que ‘pô, esse Sarney até que não é assim tão reaça…’ .” (v. José Mário Pereira, “O Fenômeno Merquior”).

Explicando as razões dessa idéia que deve ter lhe parecido tão genial quanto ao destinatário da mensagem, o autor de A Astúcia da Mímesis ponderava:

Cuba hoje não oferece maiores perigos na América do Sul. O guevarismo já era. E o reatamento tem pelo menos três vantagens para nós: a) abriria um significativo potencial de exportações brasileiras; b) permitiria ao Brasil influir, em boa medida, na conduta internacional de Havana, como faz o México, em sentido moderador e realista; c) evitaria que, no futuro, nosso reatamento se desse a reboque de uma reconciliação diplomática Cuba/USA, reconciliação essa, a médio prazo, tão certa quanto o foi o reconhecimento de Pequim por Washington, na década passada .”

Se houvesse um concurso mundial de previsões erradas, esse parágrafo não perderia nem para os prognósticos do ministro iraquiano Mohammed al-Sahaf quanto ao futuro glorioso de Saddam Hussein. Por si só, ele explica por que José Guilherme Merquior, depois de morto, se tornou o direitista predileto da esquerda brasileira. Seus não exerceram nela grande influência. Não consta que algum esquerdista tenha abjurado da admiração por Michel Foucault por ler O Niilismo de Cátedra , nem aderido, exceto por fingimento tático, ao triunfalismo liberal de A Natureza do Processo . Em compensação, essas breves palavras dirigidas a um presidente da República deixaram marcas duradouras. Sarney não só pôs em prática a sugestão de reatar as relações do Brasil com Cuba já no ano seguinte, mas, no doce embalo da morte do guevarismo, mandou tirar a disciplina “Guerra Revolucionária” do currículo das escolas militares, deixando duas gerações de oficiais brasileiros desaparelhadas para lidar com a expansão subversiva nas décadas seguintes. Para a esquerda, foi realmente um “pitéu” em dose dupla. Para o Brasil, vejamos:

a) Do total das exportações brasileiras, Cuba compra não mais de 0,2 por cento (dados de 2005; v. http://www.apexbrasil.com.br/media/cuba.pdf ).

b) O Brasil não influencia em nada a política cubana, mas Cuba, através do Foro de São Paulo, determina e orienta a política de vários países da América Latina, entre os quais o Brasil.

c) A reconciliação entre EUA e Cuba, anunciada como inevitável, simplesmente não aconteceu.

d) Quanto ao falecido “guevarismo”, é o cadáver mais enérgico que já se viu. Hoje em dia a esquerda é praticamente a única força política organizada do continente, amparada no narcotráfico, no apoio da mídia internacional, na ajuda das fundações bilionárias e no poder bélico das Farc. É aliás muito mais eficazmente coordenada pelo Foro de São Paulo do que jamais o foi pela velha OLAS (Organização de Solidariedade Latino-Americana). Em comparação com isso, as guerrilhas dos anos 60-70 parecem escaramuças de crianças.

Poucos políticos de esquerda podem se gabar de haver contribuído tanto para criar essa diferença quanto a dupla Merquior-Sarney.

No entanto, uma coisa continua imutável: na “direita” brasileira ainda predominam os que acreditam antes em ilusões animadoras do que em diagnósticos realistas. É uma gente doente e covarde, que paga para ser enganada.

Perdedores

 

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial),26 de julho de 2007

Se os nossos liberais e conservadores quiserem tirar proveito da crescente impopularidade do governo Lula para destruí-lo na base do puro moralismo apolítico, sem vincular a corrupção petista ao esquema revolucionário continental que a origina e explica, só conseguirão um resultado: ajudar a esquerda a limpar-se na sua própria sujeira e a emergir ainda mais forte e prestigiosa da revelação dos seus crimes inumeráveis, pronta para cometê-los em dose ainda maior sob o manto da autoridade moral adquirida mediante um antilulismo de ocasião.

Habituada a um jogo tático provinciano que só cuida de imagem eleitoral e marketing – sem planos de longo prazo, sem estragégia, sem luta pela hegemonia cultural, sem visão das questões mundiais, até mesmo sem militância organizada –, nossa “direita” não pensa senão em aproveitar-se dos momentos de sorte e minar a reputação do adversário sem precisar fazer política de verdade.

Os anos finais da carreira de Antonio Carlos Magalhães deveriam bastar como ilustração do destino que aguarda uma facção política conformada a perder sempre e ainda ser acusada de “dona do poder”.

Quando todos viam no ex-governador da Bahia uma força política invencível, anunciei que o PT não precisaria de mais de cinco minutos para reduzi-lo à total impotência, só não o fazendo porque não o considerava, até então, perigoso o bastante para ter de ser removido da cena. Ao morrer, o grande cacique não tinha mais de nove adeptos na Câmara onde outrora tivera mais de duzentos.

O mesmo afirmei do sr. Paulo Maluf, cuja mais alta ambição política hoje em dia, se alguma lhe resta, é conseguir terminar seus dias fora da cadeia.

Digo agora coisa idêntica dos srs. Aécio Neves, César Maia e demais líderes antipetistas restantes. Cada um deles pode, a qualquer momento e sem a menor dificuldade, ser jogado na lata de lixo da História, sem direito a dizer “ai”. Nenhum deles tem cacife para resistir a um esforço conjugado da esquerda para destruí-lo, coisa que até agora ela só não fez porque não precisou.

O motivo dessa fraqueza congênita é mais que evidente: esses políticos e as forças que os apóiam só têm eleitores, não militantes.

Eleitor é o sujeito que dá uma forcinha ao político, durante alguns segundos, de quatro em quatro anos.

Militante é aquele que luta pelos objetivos do seu partido vinte e quatro horas por dia, que se adestra para isso e se imbui de um corpo de sentimentos de solidariedade grupal pelos quais dá a vida e oferece a morte.

A esquerda tem milhões de militantes, preparados ao longo de quarenta anos. A “direita” tem eleitores ocasionais, volúveis, dos quais muitos votaram em Lula e não hesitarão em votar em Heloísa Helena.

A esquerda faz política nas escolas, nas igrejas, nos lares, nas instituições de cultura e dentro das redações. Faz política até em consultórios de psicologia clínica e aconselhamento matrimonial, injetando fundo seus símbolos e valores nas almas fragilizadas.

A “direita” faz política em editoriais de jornal, em manobras parlamentares e em discursos eleitorais.

A esquerda, tendo conquistado a hegemonia cultural, dirige o processo como um todo. A “direita” se adapta como pode, tentando defender um votos aqui, um carguinho acolá. Isso não é disputa. É derrota mal camuflada.

Nada poderia deixar mais evidente a subserviência – ou suicídio — mental da direita do que a decisão do PFL, quando da sua mudança para DEM, de declarar-se inspirado no modelo do Partido Democrata americano – o partido de Fidel Castro, Hugo Chávez e George Soros.

Depois disso, que mais falta para admitir que, com Lula ou sem Lula, com Marco Aurélio Garcia ou sem Marco Aurélio Garcia, só a esquerda tem direito à existência neste país?

Veja todos os arquivos por ano