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Malditos imperialistas

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 19 de fevereiro de 2006

(RICHMOND, VIRGINIA) – Querem saber como funciona o odioso imperialismo americano? Vou lhes mostrar.

Até os anos 60, o governo dos EUA era obrigado, por lei, a estocar reservas de comida suficientes para, no caso de guerra ou crise mundial, alimentar cada cidadão do país por três anos.

Então alguém convenceu o Congresso a dar comida de graça para as populações pobres de outros países.

Desde então, as remessas ao exterior não cessaram de aumentar, e as reservas não cessaram de diminuir.

Em 1996, o governo anunciou que o estoque restante bastava para apenas três dias.

Em 11 de setembro de 2001, os silos do governo estavam quase vazios. Povos que tinham se alimentado do estoque durante anos saltavam nas ruas, festejando a morte de três mil americanos.

E quantidades cada vez maiores de comida continuaram sendo doadas aos pobres da Ásia, da África e da América Latina.

Em 2003, o Departamento de Agricultura parou de medir a reserva estatal em dias, porque restava menos que o suficiente para um dia por pessoa. Logo depois, parou completamente de medir a reserva estatal, que era irrisória, e começou a somar a totalidade da comida circulante no país, incluindo as prateleiras de supermercados. Todo o alimento de consumo diário passou a ser computado como reserva de emergência. Somado, dava 34 quilos por pessoa: o total da comida disponível era dezoito vezes menor que o estoque de emergência de 1960.

E as remessas para os países pobres continuavam aumentando.

Em 2005, com ameaças de guerra pipocando por toda parte, metade do mundo unida numa feroz campanha anti-americana, o estoque total baixou para 7,1 quilos por pessoa. Uma queda de 80 por cento em dois anos.

Militarmente, o ponto mais vulnerável da defesa americana é a comida. Mas ninguém pensa em reduzir a ajuda ao exterior.

Quando vocês me apontarem um caso análogo em toda a história universal, quando me mostrarem alguma nação que tenha se prejudicado a si mesma, consciente e deliberadamente, para socorrer aqueles que em retribuição a xingam e sonham com a sua destruição, então talvez eu comece a desconfiar que os americanos sejam um povo tão ruim quanto qualquer outro.

Até o momento, vivendo aqui desde maio do ano passado, só tenho motivos para acreditar que são melhores. Logo na semana em que cheguei, entrei numa igreja protestante do interior. Só caipira. Sabem o que os malditos rednecks estavam fazendo? Coleta para as crianças pobres… do Brasil.

Cinqüenta entre cada cem americanos fazem trabalho voluntário – a favor de “minorias” locais ou, em geral, de populações do Terceiro Mundo. Claro, de outras nações também sai dinheiro para o mesmo destino. Mas vem de governos, de instituições, de empresas. Um povo, mães e pais de família largando seus afazeres para cuidar de gente que nunca viram – isso nunca houve em parte alguma. Só aqui. O advento de uma sociedade capaz de criar esse tipo de pessoas é o acontecimento mais notável da história moral da humanidade.

Os brasileiros não podem entender isso porque, como se sabe, eles se dividem genericamente em dois tipos: adultos ricos e remediados que, da janela de seus carros, espantam com gritos e ameaças as crianças pobres que lhes vêm pedir dinheiro; e crianças pobres que, descrentes da caridade pública, vão trabalhar para o narcotráfico ou, armadas de faças ou lascas de garrafas, assaltar os ricos e remediados. Com essa tremenda autoridade moral é que falamos dos americanos.

O milagre idiota da utopia invertida

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de novembro de 2005

Um cuidado óbvio, em História como nas ciências sociais em geral, é que uma dada situação não deve ser apontada como “causa” de tais ou quais desdobramentos a não ser quando seja razoável presumir que situação idêntica ou análoga, em condições gerais não muito diversas, possa ter produzido ou vir a produzir idênticos ou análogos resultados.

Outra precaução igualmente incontornável é que nenhuma situação socio-econômica, por si, gera movimentos políticos a não ser através das interpretações, culturalmente condicionadas mas dependentes de mil e uma variáveis subjetivas, que determinam as respostas práticas dadas a essa situação.

Por fim, resta a diferença de enfoque, que há e deve haver, como já ensinava Aristóteles, entre o discurso dos agentes envolvidos e o do estudioso que procura compreender o processo. O primeiro tem por objetivo uma ação, o segundo, uma intelecção. Uma ação produz-se por meio da persuasão, uma intelecção por meio de descrição, comparação, classificação, análise e síntese. O discurso de persuasão busca chegar à sua finalidade pelo caminho mais rápido, contornando as dificuldades e contradições pelo atalho psicológico mais à mão. A busca da intelecção, ao contrário, atrai e exige propositadamente as dificuldades e contradições para certificar-se de não criar, no fim, uma síntese ilusória.

A rapidez fulminante e uniforme com que centenas de “analistas”, na grande mídia local e internacional, explicaram a rebelião na França como efeito das más condições de vida dos jovens imigrantes, passando por cima daquelas duas precauções como um exército de tratores mentais, mostra que esses não são verdadeiros discursos de análise, mas sim o próprio discurso dos agentes, com sua mesma justificativa e seu mesmo apelo à ação, apenas repetido em outra clave, num tom de distanciamento aparente, necessário para camuflá-lo em análise. Não buscam compreender nada, mas legitimar, fortalecer e expandir o processo. São propaganda, no sentido mais estrito e literal do termo. Entre o agitador que incita as massas a queimar tudo em volta e o comentarista que vende como explicação causal objetiva a simples transposição verbal das autojustificações subentendidas no discurso do próprio agitador, sem confrontá-la com dados externos que possam contradizê-la, a diferença é somente de grau, não de substância. E quanto mais, ao fazê-lo, o segundo se empenhe em distanciar-se do estilo do primeiro, substituindo os gritos e as gesticulações pela afetação de serenidade de quem expressa verdades arqui-sabidas e incontestáveis, mais profunda e mais ardilosa a sua atuação no processo, atuação até mais consciente e deliberada que a do agente direto arrebatado pela emoção do momento.

As redações de jornais, rádios e canais de TV estão repletas de incendiários tranqüilos. E não há nisso realmente nada de estranho, para quem saiba ou recorde que o velho Lênin, o maior dos mestres nessas matérias, chamava aos atos terroristas “propaganda armada”, e “propaganda desarmada” a extensão jornalística, publicitária, psico-social e política dos seus efeitos, enfatizando ser esta, e não aquela, a verdadeira medida da eficácia obtida. Evidentemente, na passagem de uma coisa à outra, podia haver falhas desastrosas. A propaganda desarmada podia converter-se em contrapropaganda, despertando ódio e desprezo aos agentes físicos em vez do temor respeitoso, da obediência servil, da passividade cúmplice ou de qualquer outro resultado favorável ao empreendimento criminoso. Mas, no caso, a continuidade perfeita entre os motivos alegados pelos agentes alucinados e a pretensa explicação oferecida de fora por seus comentaristas serenos é tão patente, linear e infalível, que não pode haver mais dúvida: uma parcela vasta e significativa da grande mídia, sobretudo na Europa e na América Latina, mas também nos EUA, se transformou em arma essencial da “guerra assimétrica” (v.http://www.olavodecarvalho.org /semana/040520fsp.htm , http://www.olavodecarvalho.org /semana/040515globo.htm e http://www.olavodecarvalho.org /semana/041226zh.htm ) movida por um front comum de comunistas, pró-comunistas, neonazistas e radicais islâmicos contra a civilização do Ocidente, com a cumplicidade solícita de forças depressivas e suicidárias espalhadas por toda parte no corpo desta última.

Voltando à primeira das precauções assinaladas, é mais que evidente que todas as gerações anteriores de imigrantes instalados nas nações ricas do Ocidente, vindos de onde viessem, enfrentaram aí condições incomparavelmente mais drásticas e desumanas do que esses meninos enragés instalados em conjuntos habitacionais do governo, beneficiados por instituições previdenciárias, programas assistenciais, educação gratuita e uma pletora de leis politicamente corretas que então simplesmente inexistiam até mesmo como hipóteses. Imagino um irlandês na Nova York do século XIX, um russo em Londres na década de 20, um judeu na Argentina do pós-guerra, um italiano no cafezal paulista dos anos 30, um cubano fugido de Fidel Castro na Flórida de 1959, esbravejando que tem direito a isto e mais aquilo, metendo processos no governo que o acolhe e, não atendido imediatamente, ateando fogo em carros nas ruas sob os aplausos gerais da mídia elegante. Na quase totalidade dos casos, o que faziam era precisamente o contrário: aglomerados em porões ou barracos, separados do ambiente por um abismo de prevenções e suspeitas de parte a parte, hostilizados por outros imigrantes, não esperavam da nova pátria senão a oportunidade de trabalhar duro, mais duro até que nos seus locais de nascença, mas gratos por ter encontrado um abrigo contra o perigo de morte iminente e pela chance de alcançar uma vida melhor para seus netos e bisnetos. Às vezes se rebelavam, sim, mas por boas razões: desemprego sem a ajuda da previdência, discriminação racista ostensiva, supressão forçada de seus costumes e idiomas e, last but not least , fome pura e simples. E, quando o faziam, a reação da sociedade em torno era imediata e brutal.

Sob qualquer ponto de vista que se examine, a situação dos imigrantes no Ocidente não piorou: melhorou formidavelmente, chegando a requintes de cuidados paternais estendidos até mesmo aos clandestinos, aos ilegais, aos abertamente delinqüentes. Nos EUA, a simples recusa de dar carteiras de motorista a imigrantes clandestinos provocou uma onda de exclamações indignadas nos meios bem pensantes. Em 1998, em Paris, vi uma agitação medonha de estudantes vietnamistas no Quartier Latin. Eram meninos e meninas de 12 a 15 anos, com os olhos fuzilando de ódio e as bocas espumando em vociferações anticapitalistas. Perguntei o que exigiam. Responderam-me alguma coisa sobre ensino. Indaguei se não tinham escolas gratuitas. Tinham. Mas – esta a razão da gritaria – não lhes pareciam tão boas quanto os colégios tradicionais da burguesia francesa. O pressuposto do seu raciocínio era que qualquer recém-chegado, tão logo ali desembarcasse, devia receber do governo, com o dinheiro dos contribuintes, condições sociais idênticas àquelas que esses mesmos contribuintes e seus antepassados haviam construído ao longo de mil anos de esforços. E aquilo não lhes parecia antinatural de maneira alguma. Era a expressão literal do diagnóstico oferecido por Thomas Sowell: eles não queriam a justiça social, queriam a justiça cósmica. Queriam que o governo, por decreto, invertesse a estrutura da realidade, tomando do cidadão que produziu para dar ao estrangeiro que não produziu.

O caráter ao mesmo tempo miraculoso e injusto da inversão pretendida — como se fosse preciso um milagre para produzir nada mais que injustiça — mostra que não seria adequado classificá-la de “utópica”. Tratava-se, isto sim, de uma inversão paródica da idéia de utopia como reino universal da justiça. O que ali se paramentava dos atrativos messiânicos da utopia era o roubo puro e simples. Não me ocorreu na hora, mas, revendo o caso anos depois, notei que essa inversão tinha precedentes intelectuais muito fundos na história da autodestruição ocidental. Um deles remontava a Maquiavel. Para ilustrá-lo, aproveito-me de umas notas que tomei para o primeiro capítulo de um livro que estou preparando.

A inversão paródica da Justiça aparece quando, nos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio , Maquiavel volta a um tema do Príncipe , o principado recém-criado e instável. Como fará o novo governante para consolidar o seu poder? A resposta é que ele deve radicalizar a novidade da situação, virando tudo do avesso repentinamente, “tornando os ricos pobres e os pobres ricos, tal como fez Davi ao tornar-se rei, o qual ‘ encheu os pobres de bens e enviou os ricos de volta sem nada ‘”. Nesse parágrafo há três detalhes altamente significativos. Primeiro: ele contém a única citação bíblica que aparece nos Discursos . Segundo: ele ilustra a conduta ideal do príncipe mediante o precedente bíblico da ascensão do rei Davi, mas expondo esse precedente não com o trecho respectivo do Antigo Testamento (2 Samuel 5:1-16), e sim com um do Novo ( Lucas 1;53), extraído de um contexto totalmente alheio ao episódio de Davi. Terceiro: da história de Davi não consta que ele fizesse nada de parecido com o que Maquiavel recomenda ao príncipe (bem ao contrário, o profeta Natã o acusa de explorar o pobre e poupar o rico), ao passo que nas palavras citadas do Novo Testamento a reversão das posições dos homens não é atribuída a rei nem príncipe, e sim ao próprio Deus: Esurientes implevit bonis et divites dimisit inanes – em latim no original. São as palavras com que Maria, após a Anunciação, celebra o Deus que escolheu a mulher humilde e pobre para ser Mãe do seu Filho. Aí não se trata evidentemente de proceder a nenhuma subversão da hierarquia sócio-econômica, já que o privilégio concedido à Santa Virgem não tem como ser socializado entre os pobres nem tomado dos ricos. Em suma: o episódio alegado para legitimar o conselho não tem nada a ver com o conselho, o trecho usado para ilustrar o sentido do episódio não tem nada a ver com o episódio e as palavras citadas para explicar o episódio e o sentido do conselho não têm nada a ver com um nem com o outro. É a mentira dentro de uma falsificação embutida em conversa mole – tudo para chamar de justiça o exercício da prepotência arbitrária de um tirano amedrontado.Mas Maquiavel, pelo menos, teve a polidez de declarar: “Não digo uma só palavra do que creio nem creio numa só palavra do que digo.” Passado meio milênio, a gozação sinistra da utopia injusta tornara-se crença sincera de meninos vietnamitas em Paris. É nesse tipo de pensamento, marcado pelo fenômeno que chamo “paralaxe cognitiva” — o abismo entre realidade e construção teórica — , que se fundamentam as interpretações (v. acima, precaução 2) que transformam, com uma mistura verdadeiramente satânica de estupidez e cinismo, a melhoria das condições em motivo de revolta, e a reivindicação da injustiça em bandeira de justiça. A inversão aí embutida torna-se tanto mais vistosa para quem a enxerga – e por isto mesmo tanto mais invisível para quem não quer enxergá-la – quando se considera que, em defesa das reivindicações absurdas, que transformariam cada Estado ocidental num pai amoroso de seus inimigos odientos, se alegam justamente razões de “diversidade cultural” isto é, o respeito que o país hospedeiro deve ter pela cultura original do hóspede. No caso do imigrante islâmico, essa cultura determina, precisamente, que ao estrangeiro, que ao não-muçulmano, se deve conceder, no máximo, um posto de cidadão de segunda classe, sem acesso não somente a benefícios sociais de qualquer natureza, bem como a cargos oficiais, mas à simples possibilidade de praticar sua religião em público ou de declarar suas crenças em voz alta. Ou seja: o que se pede às nações ocidentais é que demonstrem o seu profundo respeito pela cultura islâmica fazendo precisamente o contrário do que ela faz, e concedendo aos seus representantes tudo aquilo que ela os manda negar ao recém chegado do Ocidente. Qualquer político que, hoje, se recuse a fazer isso é, mais paradoxalmente ainda, chamado de nazista, justamente porque, malvado como ele só, nega refresco àqueles que, do alto dos seus púlpitos nas mesquitas, exibem os “Protocolos dos Sábios de Sião” como o nec plus ultra da verdade histórica e em nome dela exigem a supressão dos judeus da face da Terra. Não é a situação real dos jovens imigrantes parisienses que cria a sua revolta, por mais que terroristas do teclado queiram transformar essa absurdidade em dogma inquestionável. A revolta nasce da interpretação invertida, sedimentada por séculos de autodestruição da inteligência, que começam com um florentino mentiroso e culminam no autoludíbrio geral das massas.

***

P. S. – Dezenas de leitores me perguntam se não errei no artigo anterior, ao assinalar a taxa de 24 suicídios para cada cem cubanos, em vez de cem mil. É claro que errei, e por pura distração, mas não tanto. Não são 24 em cem nem 24 em cem mil, mas 24 em mil – a maior taxa da América Latina e o triplo da taxa de antes da Revolução. Está na página 60 do livro de Humberto Fontova, “Fidel, Hollywood’s Favorite Tyrant” (Regnery, 2005). O autor acrescenta que o suicídio é a principal causa de mortes de cubanos entre 15 e 48 anos de idade, e que a taxa cubana de suicídios de mulheres é a mais alta do mundo.

A mãe dos trambiqueiros

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 1o de setembro de 2005

Dias atrás, alguém disse que o presidente da CPI do Mensalão, Dulcídio Amaral, era homem de moral ilibada, visto que sua educação juvenil decorrera sob os cuidados da Teologia da Libertação. Esqueceu-se de mencionar que idêntica influência havia formado a alma do principal suspeito, o sr. Luiz Inácio da Silva, e as de praticamente todos os demais envolvidos nos crimes investigados por aquela comissão.

A Teologia da Libertação gerou o próprio Partido dos Trabalhadores, atual Partido dos Trambiqueiros, provando mais uma vez o ensinamento bíblico de que as árvores se conhecem pelos frutos. Ela foi o entorpecente pedagógico que preparou duas gerações de jovens para prostituir sua consciência religiosa no leito da estratégia comunista, vivendo de assaltos a bancos, da indústria dos seqüestros, do trabalho escravo reintroduzido no mundo pelos regimes comunistas, e intoxicando-se mentalmente ao ponto de imaginar que com isso se igualavam aos santos e mártires da Igreja. Individuos que alardeando lutar pelos direitos humanos consentiram em servir à polícia secreta de Fidel Castro, a mais assassina e torturadora da América Latina, tinham atingido realmente aquele ponto de dessensibilização moral sem retorno, após o qual a distinção entre o certo e o errado se torna uma abstração inalcançável e está pronta para ser suprimida por mera negação verbal. Se mais tarde alguns se especializaram na trambicagem ativa enquanto outros se empenhavam em teorizar seu próprio embotamento moral sob os nomes elegantes de relativismo, desconstrucionismo etc., a diferença é irrisória: na política, na vida acadêmica ou na religião, a vigarice embelezada pelo auto-engano é a fonte de inspiração de todos eles. Não espanta que, tão logo tiveram nas mãos o painel de comando do Estado, o usassem para toda sorte de patifarias e ainda julgassem isso o suprassumo da ética. Quem faz o mais faz o menos.

Nem poderia ser de outro modo. Quando o padre peruano Gutierrez lançou em 1971 a doutrina que tanto sucesso alcançaria no Brasil, fazia apenas doze anos que João XXIII havia decretado a excomunhão automática de todo católico que, por atos ou palavras, colaborasse com o movimento comunista. Para essa decisão o Papa baseou-se na autoridade de três antecessores: Pio XII, que em 1949 promulgara a primeira versão do decreto; Pio XI, que em 1937 condenara o comunismo como doutrina satânica, e Leão XIII, que em 1878 qualificara o comunismo de “praga fatal que se insinua no cerne da sociedade humana para levá-la à ruína”. Fundados nessas referências, pensadores católicos produziram uma vasta literatura dedicada a examinar – e condenar — as doutrinas comunistas à luz do Evangelho. De repente um obscuro monsenhor assombrava a platéia pela naturalidade cínica com que invertia a fórmula, propondo como modelo de caridade cristã a luta em favor daquilo que quatro papas haviam condenado da maneira mais enfática. Não sendo verossímil que esses pontífices desconhecessem a doutrina da sua Igreja ao ponto de interpretá-la às avessas, é mais razoável admitir que quem inverteu tudo foi, isto sim, o Pe. Gutierrez. Mas também não é concebível que o erudito sacerdote que acabava de voltar de estudos em Roma ignorasse estar pregando em nome da Igreja o contrário do que ela ensinava. A única conclusão viável é, pois, que o Pe. Gutierrez e seus discípulos operaram a inversão conscientemente, fingindo trabalhar pela fé cristã enquanto cumpriam a instrução de Antonio Gramsci de não combater a Igreja abertamente mas em vez disso corroê-la desde dentro, esvaziando-a de todo conteúdo espiritual para usar sua casca como veículo para a transmissão da mensagem comunista. Nem é possível que homens capazes de viver sob camuflagem por tanto tempo, trocando de pele como o sr. José Dirceu trocava de narizes, tivessem aptidão para formar as almas exceto nas artes da macaqueação satânica, perto das quais as trapaças do Mensalão são divertimentos de crianças.

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