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Onde estão os cinco justos?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de janeiro de 2010

No seu editorial de terça-feira passada, o Estadão choraminga que “a Segunda Conferência Nacional de Cultura, programada para março, foi concebida como parte de um amplo esforço de liquidação do Estado de Direito e de instalação, no Brasil, de um regime autoritário. O controle dos meios de comunicação, da produção artística e da investigação científica e tecnológica é parte essencial desse projeto e também consta do Programa Nacional de Direitos Humanos”.

São verdades óbvias, impossíveis de desmentir. Mas vêm tarde demais. Quem há de deter a ascensão do autoritarismo esquerdista num país onde as facções “de direita” se enfraqueceram tanto que já nem podem lançar um candidato presidencial próprio e só lhes resta escolher o “menos esquerdista”, sem nem mesmo ter a clara certeza de que essa gradação hipotética corresponde a uma realidade ou a uma falsa esperança? Esperança que, diga-se a bem da justiça, o próprio escolhido não pode ser acusado de alimentar em ninguém.

Já passaram por essa mesma humilhação em 2002, e nem isso bastou para alertá-las quanto à gravidade do estado de coisas. Ao contrário, não houve, no meio delas, quem não celebrasse como apoteose da democracia aquilo que foi, com toda a evidência, uma farsa esquerdista calculada e montada para pregar o último prego no caixão da direita com a anuência servil e até festiva da própria vítima. Quando uma facção politicamente destruída não tem sequer a coragem de confessar o desastre, isso significa que internalizou a derrota ao ponto de já nem mais poder pensá-la como tal. Sai da competição e, apegando-se à mentirinha tola de que a surra brutal foi apenas uma brincadeira entre amigos, passa a disputar nada mais que um lugar de sparring na academia do adversário.

Foi precisamente nessa condição que o sr. Alckmin subiu ao ringue eleitoral em 2006: desmanchando-se em demonstrações de polidez e bom-mocismo, omitindo-se de denunciar os crimes do partido adversário, não concorreu com ele senão para ajudá-lo a ocultar sob um manto de respeitabilidade postiça o sangue e as fezes que então, decorridos dezesseis anos da fundação do Foro de São Paulo, já o manchavam até à raiz dos cabelos.

Nunca um candidato foi tão vulnerável, tão fácil de derrotar quanto o foi o sr. Luís Inácio Lula da Silva nos dois últimos pleitos. Para destruir não somente sua candidatura, mas todas as suas ambições políticas quaisquer que fossem, bastaria mostrar, nos debates da TV, o compromisso de ajuda integral que ele assinara com a narcoguerrilha colombiana em 2001 e perguntar se, no governo, ele pretendia ser fiel à sua aliada, traindo os eleitores brasileiros, ou cumprir as leis do país e tornar-se alvo do ódio do Foro de São Paulo inteiro. Se o candidato nominalmente de direita tivesse feito isso uma vez, uma única vez, ele seria hoje presidente da República, e não haveria nenhuma “Conferência Nacional de Cultura” ou “Plano Nacional de Direitos Humanos” para assombrar as noites dos editorialistas do Estadão. Em vez disso, o sr. Alckmin preferiu dar a impressão de que tudo o que o distinguia do seu adversário eram miúdas diferenças políticas entre cidadãos igualmente decentes, igualmente democratas, não separados nem mesmo por alguma divergência ideológica substantiva.

Mas estou sendo injusto com o sr. Alckmin. Ele não foi o único que, sob o pretexto de “manter alto o nível do debate”, elevou aos píncaros a imagem de um inimigo que, já então, chafurdava gostosamente, fazia uma década e meia, no lamaçal da aliança entre crime e revolução, protegido do olhar curioso do eleitorado pelos bons préstimos de toda a “grande mídia”, de todos os partidos políticos, de todos os comandantes militares, de todas as igrejas, de todos os intelectuais, de todos os “formadores de opinião”.

O sr. Alkmin não teve culpa nenhuma senão a de ser igual, em coragem e senso de responsabilidade histórica, a praticamente todos os demais líderes da “direita”. As exceções contavam-se e contam-se nos dedos de uma só mão, mas duvido que a completem. Se há cinco justos na direita brasileira, digam-me quem são eles, e expliquem por que não escolhem um deles como candidato na próxima eleição presidencial.

Fim da transição

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de janeiro de 2010

O III Plano Nacional de Direitos Humanos tem dois objetivos principais: (1) inibir e suprimir, mediante o temor das sanções legais, toda resistência ao terrorismo de esquerda, passado, presente ou futuro; (2) entregar aos organismos revolucionários, eufemisticamente denominados “movimentos sociais”, o poder total sobre a propriedade rural no Brasil.

As duas metas são distintas só em aparência. A primeira consagra o direito ao terrorismo comunista, a segunda faz daqueles que o pratiquem na zona rural os juízes soberanos de seus próprios atos.

O sentido do primeiro objetivo não se esgota, é claro, no gesto meramente simbólico de mandar nonagenários para a cadeia (se bem que isto tenha lá sua utilidade, do ponto de vista psicológico). Ele visa a consagrar como princípio legal a regra da “guerra assimétrica”, onde um dos lados fica com todos os direitos, o outro com todas as obrigações, responsabilidades e encargos. O pretexto sublime é que estes últimos, como representantes do Estado, não podiam cometer as violências que, praticadas por seus adversários, seriam — segundo a premissa embutida no argumento — perfeitamente aceitáveis. Ora, mas esses adversários não constituíam tribunais, não julgavam, condenavam e executavam, inclusive a seus próprios companheiros infiéis? Não exerciam, assim, por autonomeação, as prerrogativas de agentes do Estado? Por que a culpa do agente legal do Estado que abuse de suas funções deveria ser maior que a daqueles que, além de abusar delas, as exercem ilegalmente, usurpatoriamente? A inversão revolucionária de sujeito e objeto não poderia ser mais evidente. Isto sem levar em conta o agravante notório de que vários terroristas brasileiros eram funcionários do governo cubano, atuando em nosso território não como inimigos locais do regime, mas como agentes estrangeiros. Raciocinar às avessas pode ter-se tornado uma prática tão habitual e corriqueira para os srs. Hélio Schwartzmann, Silvio Tendler e outros tantos apologistas do III Plano, que eles já nem percebem o que estão exigindo do público: que aceite, como preceito normal e óbvio, a idéia de que os agentes do Estado que cometam violência ilegal só devem ser punidos se estiverem a serviço do Estado brasileiro. Se trabalharem para o estrangeiro, podem matar, seqüestrar, torturar e roubar livremente, e ainda receber indenizações porque a polícia malvada não os deixou completar o serviço.

Quanto ao segundo objetivo, ele repete em gênero, número e grau a primeira palavra-de-ordem de Lênin ao desembarcar na Rússia revolucionária: “Todo o poder aos sovietes!” Na sua estrutura, nas suas funções e no seu espírito, os “movimentos sociais” do campo correspondem ponto por ponto aos sovietes. A essência da idéia não é tomar de imediato as fazendas particulares, é desprover seus proprietários de toda possibilidade de defesa perante um tribunal revolucionário. Essa defesa, aliás, já nem existe na prática. Quem não sabe que sentença de “reintegração de posse”, hoje em dia, tem valor meramente sugestivo? Mas essa conquista meramente negativa não satisfaz às ambições da revolução: é preciso passar da mera supressão de direitos à afirmação ostensiva, oficial, do direito de suprimi-los.

Implantadas essas duas medidas, estará encerrado o “governo de transição” — tarefa que o governo Lula assumiu explicitamente como sua –, e o caminho estará livre para a instauração do regime comunista, sem maiores disfarces ou anestésicos.

Tudo isso está planejado há décadas, no programa dos partidos de esquerda, nos livros de seus doutrinários e nas Atas do Foro de São Paulo. A mão que assinou aquela coisa é, afinal, a mesma que em 2001 firmou o compromisso de apoio irrestrito às Farc e condenou como “terrorismo de Estado” a luta do governo colombiano contra a narcoguerrilha. Em todo esse episódio, a única coisa que me surpreende — mui moderadamente aliás — é que ainda haja quem se surpreenda, depois de tantos avisos.

Que dirão agora aquelas lindas criaturas que uns anos atrás juravam “Lula mudou” e chamavam de louco quem quer que tentasse prognosticar o comportamento político do PT e demais partidos de esquerda não pela sua propaganda adocicada, mas pelos seus documentos internos, repletos de retórica odienta e ameaças apocalípticas?

Ah, não se preocupem, elas sempre encontrarão alguma desculpa esfarrapada. Afinal, vivem disso.

Falsos segredos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de janeiro de 2010

Não há, no jornalismo ou nos debates em geral, atitude mais indigna, mais abjeta e, no fundo, mais ridícula, do que tentar impugnar uma denúncia sob o pretexto de que ela é “teoria da conspiração”. Numa era em que as polícias secretas, os serviços de inteligência e as organizações clandestinas de toda sorte cresceram até alcançar dimensões planetárias e agiram mais intensamente do que em qualquer outra época da História, a presunção de tudo explicar só pelos fatos mais visíveis e notórios é, francamente, de uma estupidez sem limites. Não estranha que essa recusa dogmática de encarar o óbvio tenha instalado suas trincheiras precisamente na mídia e nas instituições de ensino — os dois pilares em que se assenta o trono da ignorância contemporânea. Quando entidades tão vastamente poderosas como o Grupo Bilderberg (ou em escala local, o Foro de São Paulo) são tratadas como inexistentes ou irrelevantes, ao mesmo tempo que os formadores de opinião tentam impingir a si próprios e ao mundo a mentira tola de que não existe poder fora das entidades oficiais e dos interesses financeiros mais patentes, está claro que o debate público se tornou apenas uma modalidade coletiva de defesa psicótica contra a realidade.

Porém, como toda crença imbecil que se arraiga na alma das multidões, essa também é uma profecia auto-realizável. A proibição de discutir seriamente um assunto importante faz com que dele se apossem charlatães, malucos e gozadores que, por impulso próprio ou mesmo a serviço de entidades interessadas em camuflar seu segredo sob densas camadas de lendas e mentiras, dejetam no mercado uma inesgotável subliteratura com presunções de “história secreta”, alimentando no público as fantasias mais extraordinárias e atravancando de detritos o caminho do estudioso sério que busque se orientar nessa selva selvaggia. É a profusão desses fenômenos que infunde na expressão “teoria da conspiração” uma carga pejorativa que o termo, por si, não comporta, fazendo dela uma vacina quase infalível contra a percepção de fatos genuínos e bem comprovados.

Boa parte desse lixo editorial pode ser identificado à primeira vista por um traço comum: organiza montanhas de informações, linearmente coerentes — mas protegidas de qualquer confronto com as informações adversas –, para provar que todo o mal do mundo provém de uma determinada fonte em particular, que em si mesma nada tem de secreta. Os culpados de plantão full time são os judeus, a Maçonaria, a Igreja Católica, o Império Britânico e a CIA (a KGB é misteriosamente poupada: os livros contra ela acusam-na quase sempre de algum delito específico e até minimizam a dimensão do seu poder geral). O remédio mais eficaz contra esse tipo de intoxicações é ler vários desses livros de uma vez, misturados, de modo a que a profusão de suspeitos dissolva as acusações pendentes contra cada um em particular e, ao fim da leitura, você se veja obrigado a admitir que está de volta ao ponto em que estava antes de começá-la: você não tem a menor idéia de quem é o culpado dos males do mundo. Isso é tudo o que você pode aprender com esse gênero de livros. Nesse sentido, eles são até úteis: a confissão de ignorância é o começo da ciência.

O segundo passo é admitir algo que deveria ser auto-evidente desde o início: não é possível que todos os empreendimentos secretos sejam obra de entidades publicamente conhecidas. Pelo menos algumas organizações secretas devem ser realmente secretas, o que significa que nem mesmo se parecem com organizações. Por exemplo, os acordos discretos entre famílias arquipoderosas, os pactos informais entre mega-empresários, o juramento de obediência de um fiel islâmico a um sheikh que ninguém de fora conhece, as seções mais interiores dos serviços de inteligência (ignorados até pela massa de seus servidores oficiais), as esferas mais altas e reservadas de algumas sociedades ocultistas, as conexões discretas entre organizações criminosas e entidades legalmente constituídas: nada disso tem sequer um nome, nada disso é propriamente uma “organização” ou “entidade”, mas um pouco de estudo basta para mostrar que aí estão as fontes invisíveis de muitas decisões históricas, freqüentemente catastróficas, que proliferam em efeitos horrivelmente visíveis quando já ninguém tem condições de averiguar de onde vieram. Não tendo um nome pelo qual identificá-las, designamos essas redes de conexões, em geral, pelas denominações das entidades mais ostensivas que lhes servem de canal, de ocasião ou de camuflagem. Dizemos que tal ou qual medida foi imposta pelo Grupo Bilderberg, ou pelo Council on Foreign Relations, quando na verdade veio de meia dúzia de membros dessas entidades, unidos sem rótulo ou bandeira, freqüentemente pelas costas dos demais. Dizemos que tal ou qual desgraça foi tramada pelo Foro de São Paulo, mas queremos nos referir a conversações discretas entre tipos como Fidel Castro, Raul Reyes ou Lula, travadas longe das assembléias e grupos de trabalho daquele órgão. Esse uso dos nomes de entidades — praticamente o único à disposição de quem deseje falar desses assuntos — é indireto, metonímico. Não designa o sujeito real da ação, mas uma de suas aparências. Aí torna-se fácil, para o guardião do segredo, absolver o culpado mediante a simples artimanha verbal de inocentar as aparências. Praticamente tudo o que se escreve na mídia sobre o Foro de São Paulo, sobre os Bilderberg, sobre o CFR, sobre governo mundial e assuntos correlatos vem contaminado por esses equívocos propositais.

Ocultistas devotos professam a crença de que “o segredo se protege a si mesmo”. Crença falsa. O que protege o segredo são os falsos segredos.

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