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Descrédito da mídia


Enganar o público não é tão fácil quanto parece  

Olavo de Carvalho


 Publicado em Época, 24 nov 2001, com uma frase a menos. A frase cortada aparece aqui em negrito.

Numa recente pesquisa do Observatório da Imprensa entre 4324 visitantes do seu site, 94 por cento disseram que desde o 11 de setembro a mídia torce o noticiário, decididamente, para o lado dos terroristas.

Isso mostra que o leitor brasileiro não é idiota. Idiotas são certos chefes de redação que imaginam que, controlando um jornal ou revista, controlam a consciência do público.

A famosa “hegemonia”, conquistada ao longo de quatro décadas de usurpação de espaços e neutralização dos adversários, pode ser muito eficiente na rede de ensino. A manipulação psicológica de adolescentes, a exploração política de mentes imaturas, o abuso intelectual de menores tal é, no fundo, a única atividade cultural bem sucedida do esquerdismo militante.

Na imprensa, perante um público adulto, a eficácia do truque sujo é bem relativa.

Ninguém, depois de ver que em dois meses de combate as baixas civis no Afeganistão não chegam à vigésima parte do que os terroristas de bin Laden produziram em cinco minutos em Nova York, pode acreditar nos santarrões de ópera bufa que proclamam os EUA “a maior nação terrorista do mundo”.

Ninguém pode acreditar na seriedade de politiqueiros acadêmicos que, no paroxismo do seu ódio aos EUA, se rebaixam a aplaudir servilmente qualquer ditadorzinho grotesco que prometa fazer mal aos americanos.

Ninguém, ao ouvir o dr. Leonardo Boff dizer que dois aviões espatifados não bastam, que seria preciso jogar logo uns 25, pode deixar de perceber que não há um pingo de cristianismo na alma de um fanático de olhos frios, apologista do genocídio.

Ninguém, ao notar que ao longo de um século, somadas todas as guerras e intervenções, os americanos não chegaram a fazer dois milhões de vítimas — a quota bi-anual do genocídio comunista –, pode deixar de perceber que, dentre as potências imperialistas que já puseram as patas no mundo, os EUA são a mais pacífica, a mais tolerante, a mais incruenta.

Imperialismo é imperialismo e não deve ser aplaudido nunca, mas só um cretino de marca não percebe a diferença de tratamento que os EUA e as potências socialistas deram aos povos colocados sob sua influência respectiva. Mesmo os famosos 200 mil vietcongs mortos, tão pranteados pela mídia, não morreram afinal senão em defesa de ditadores sanguinários que, até então, já haviam matado um milhão de seus próprios compatriotas e depois mataram mais outro tanto.

Ninguém, sabendo que o Talibã foi armado pelos EUA contra a URSS, pode deixar de perceber que os americanos, quando ajudam um povo em guerra, não o escravizam em seguida como sempre o fizeram a China e a URSS, mas o deixam livre, até mesmo, para voltar-se contra seus benfeitores.

Ninguém pode constatar a descarada hostilidade dos jornais e da TV para com os EUA — hoje como na guerra do Vietnã — e ao mesmo tempo acreditar piamente que a mídia é um instrumento de manipulação a serviço do imperialismo ianque.

A mídia serve, sim, a poderosos interesses mundialistas, mas imaginar que coincidam necessariamente com os dos EUA é ignorar cinco décadas de briga de foice entre os nacionalistas norte-americanos e a Nova Ordem Mundial. Essa briga vem sendo cuidadosamente escondida dos olhos do público brasileiro por devotados “agentes de influência” travestidos de jornalistas. Mas algo da verdade sempre acaba vazando por entre as malhas da censura gramsciana.

Corajosamente, o nosso repórter José Hamilton Ribeiro, ferido durante a cobertura dos bombardeios no Vietnã, tem admitido na TV que muito do noticiário que ele e os demais correspondentes de guerra então passavam para a mídia ocidental não eram senão mentiras plantadas pelos vietcongues.

Em grande parte, a hegemonia esquerdista na imprensa é apenas a auto-intoxicação de uma classe que, de tanto discursar para si mesma, de tanto calar as vozes que a desagradam, acabou por se alienar da realidade e, quanto mais poderosos os meios à sua disposição, tanto mais facilmente cai no seu próprio engodo.

O rótulo e a cartola

 Olavo de Carvalho


 Zero Hora , 18 nov. 2001

O futuro imediato deste país depende, antes de tudo, de que liberais e conservadores se desvencilhem de toda ilusão quanto às intenções democráticas de seus adversários esquerdistas, tomem consciência de que eles são hoje tão comunistas quanto sempre foram e tenham a humildade de refletir, uma vez mais, — se é que algum dia refletiram — sobre o que é ser comunista.

Ser comunista é ter uma visão da sociedade fundada na luta de classes e deduzir daí uma política que se constitui, essencialmente, de controle estatal da economia, transferência da propriedade privada dos meios de produção para o Estado, encampação forçada da propriedade imobiliária.

Esse é, item por item, o programa do PT e das demais organizações de esquerda, que, se o apresentam com uma desnorteante variedade de formulações verbais, adaptando para esse fim todas as retóricas possíveis — da Bíblia até o ocultismo da “New Age” –, não o modificam substancialmente em nada e acabam sempre, após mil e um rodeios, voltando aos mesmos três pontos, obsessivos como cacoetes: a exploração e o saque dos pobres pelos ricos oferecida como explicação suprema do mecanismo social, a intervenção redentora da autoridade estatal como solução para os males humanos, a organização da militância e da elite revolucionária para os atos de força destinados a criar a nova sociedade.

Onde quer que esses traços ressurjam, seja sob a forma que for, seja sob o pretexto que for, seja sob a denominação que for, é de novo a boa e velha revolução comunista que retoma impulso, violenta e cruel como sempre, arrogante e mentirosa como sempre, ardilosa e pérfida como sempre.

Reconhecê-la sob a multiplicidade de suas roupagens e discursos não é difícil para quem conheça sua história.

Em 17 de abril de 1959, Fidel Castro, líder de uma revolução vencedora, proclamava ao mundo: “Já dissemos e repetimos que não somos comunistas.” Desafiado, dois dias depois, a declarar se numa situação extrema optaria pela democracia ou pelo comunismo, afirmou resolutamente: “A democracia é o meu ideal. Não concordo com o comunismo. Para mim, não há dúvida na escolha entre a democracia e o comunismo.”

Instruído por ele, o embaixador de Cuba na ONU, Raúl Roa, alardeava que o comunismo “é uma teoria desumana, porque escraviza o ser humano”.

Por baixo dessas palavras já despontavam, na prática revolucionária, a indução à luta de classes, a desapropriação forçada das terras, a onipotência do Estado no comando da economia o comunismo, reconhecível em toda a sua linha de ação. Apenas, as pessoas de boa fé preferiam julgar Fidel Castro por suas palavras e não por seus atos.

Ora, quem quer que, conhecendo esse episódio — e os muitos outros similares registrados na história –, se recuse a fazer as deduções cabíveis numa situação similar, das duas uma: ou é um idiota obstinado ou é ele próprio um comunista.

Sobretudo, quem quer que, conhecendo Fidel Castro, continue a admirá-lo, não hesitará um instante em seguir seu exemplo, tão logo as condições permitam passar da negação ostensiva do comunismo à campanha publicitária que se seguiu quando, firmado no poder o governo revolucionário, consolidada a fé popular no chefe, o governo cubano espalhou por toda a ilha os cartazes destinados a preparar a transição fatídica: “Se Fidel é comunista, pode me por na lista.”

Se, portanto, um sujeito, além de encarar a sociedade em termos de luta de classes, de apregoar a missão salvadora do Estado e de aplaudir a desapropriação forçada de terras, ainda é admirador de Fidel Castro, que é que lhe falta para ser comunista? As penas?

Não houve jamais, na história, uma revolução comunista que, desde o início, se apresentasse como tal. A revolução russa se dizia liberal e democrática, Mao Tsé tung era exibido ao mundo como reformista social cristão, os vietcongs e Pol-Pot diziam lutar pela independência nacional. Os três itens do programa comunista já estavam lá, para quem os quisesse ver.

Cem milhões de mortos depois, ainda há quem não queira ver.

O motivo principal que se alega para justificar a recusa de ver é sempre inventado pelos próprios comunistas. A cada nova etapa do processo revolucionário, eles inventaram um novo pretexto, a que suas futuras vítimas, mais que depressa, se agarraram com ânsia desesperada de fugir das más notícias. Em 1917, Lênin inventou a NEP, a liberalização da economia, ludibriando os capitalistas da Europa e da América para que financiassem a montagem do Estado comunista. Na década de 30, Stalin inventou o neopacifismo e o Front Popular, a “aliança das forças democráticas”. Finda a guerra, Mao e os vietcongs inventaram a “libertação nacional”. Hoje, as FARC lutam “contra a corrupção”. Nunca, nunca o comunismo veio com rótulo na testa. Mas veio sempre com os três coelhos na cartola: luta de classes, Estado salvador, desapropriação das terras.

Quando, quando, porca miséria, as pessoas vão aprender a examinar o conteúdo da cartola em vez de confiar no rótulo?

Será que nossos líderes esquerdistas já não martelaram suficientemente as três teclas mágicas do programa comunista para que sua identidade ideológica se torne visível aos olhos de todos? Será que já não demonstraram o bastante sua subserviência canina ao comunismo chinês e cubano?
Quando um candidato presidencial vê a imprensa de seu próprio país barrada na fronteira de um império comunista e se abstém de qualquer palavrinha de protesto, será preciso mais alguma coisa para provar quem ele é, a quem ele serve e quem tem poder sobre ele?
Quando um governo estadual prodigaliza rapapés aos genocidas das FARC, dá respaldo a invasões de terras, desmonta a polícia para substituí-la por milícias revolucionárias, será preciso um elevadíssimo QI para saber que ele segue os passos de Fidel, de Mao, de Pol-Pot?

Meu Deus, como o cérebro deste país ficou lento!

Diagnóstico

Olavo de Carvalho


 O Globo (Rio de Janeiro), 17 nov. 2001

Jean-Sévillia, em “Le Térrorisme Intellectuel de 1945 à nos Jours” (Paris, Perrin, 2000) apresenta o seguinte quadro da hegemonia esquerdista nos meios de comunicação franceses:
“A censura acabou? Não. Ela mudou de natureza. Num país eleitoralmente partilhado meio a meio entre esquerda e direita, as eleições sindicais mostram que 80 por cento dos jornalistas dão seus votos às organizações de esquerda… Fatalmente esse desequilíbrio se faz sentir na mídia. A escolha dos assuntos, o modo de tratamento, as personalidades convidadas correspondem à orientação predominante nas redações.”

Esse diagnóstico do redator-chefe do “Figaro Magazine” poderia aplicar-se igualmente ao Brasil, se não fosse por um detalhe: nos sindicatos da classe, não são oitenta por cento os jornalistas que votam à esquerda. São cem por cento. Nas eleições não há nem mesmo chapas de direita. Na mais pluralista das hipóteses, aparecem duas de esquerda.

Idêntica homogeneidade, só em Cuba. E ainda há quem se recuse a crer que algo de anormal e tenebroso acontece no jornalismo brasileiro. Mas ninguém, neste país, publicaria um livro como “Le Térrorisme Intellectuel” e continuaria redator-chefe de um grande semanário. Justamente porque a situação local é muito mais grave e opressiva que na França, a possibilidade de discuti-la com liberdade é incomparavelmente menor. Aqui, mal se tolera algum anticomunista na página de opiniões, perdido e invisível entre dezenas de esquerdistas. No comando, sua presença seria denunciada como perigo fascista: ele não duraria uma semana no cargo. Quanto mais vasto o poder da casta dominante, mais ela enxerga como ameaça insuportável qualquer detalhe que a contrarie.

Também o “modus operandi” do controle ideológico é diferente na França e no Brasil. Lá, diz Sévillia, “o fenômeno não obedece nem a uma linha oficial, nem a instruções ocultas, nem a uma estratégia organizada: ele provém do consenso reinante num microcosmo”. Aqui, embora o efeito geral conte também com o infalível automatismo do consenso, certamente os oitocentos jornalistas que a CUT confessa ter na sua folha de pagamento não são deixados sem instruções quanto ao que devem escrever ou omitir. Não obstante constitua talvez a maior compra de consciências já observada na história do jornalismo mundial, a presença desse exército de “agentes de influência” é aceita nas redações com a maior tranqüilidade, sem que ninguém sinta abalada sua boa consciência de fiscal da moralidade pública. É que o esquerdismo mais estrito se tornou, nesse ambiente, uma espécie de lei natural, corriqueira e improblemática como a rotação da terra ou a fisiologia da respiração. Como num meio ideologicamente homogêneo todos estão em família, a mais dogmática intolerância pode aí subsistir numa atmosfera amigável onde ninguém se sinta pressionado ou intimidado. É claro: quem poderia sentir-se assim está longe. E o traço mais típico da mentalidade intolerante é não saber que é intolerante: ela exclui do seu horizonte visível todos os que não tolera, e então se acha muito tolerante porque tolera os demais.

Somem aos homens da CUT os ativistas partidários e a colaboração espontânea de “companheiros de viagem”, oportunistas e idiotas em geral, e terão a precisa distribuição de espaços vigente na mídia nacional: páginas noticiosas integralmente pautadas pela esquerda, cadernos de cultura e “show business” dedicados por inteiro à glamurização de estrelas ativistas, colunas e mais colunas assinadas por ídolos do esquerdismo letrado, empenhados em dar ares de dignidade intelectual a uma filosofia de cabos eleitorais.
O que possa restar de não-esquerdismo encontra abrigo nos editoriais, que a massa não lê, bem como em um ou outro artigo assinado, quase sempre de autores estranhos ao meio jornalístico — professores, técnicos, empresários –, que se atêm em geral a uma polidíssima defesa da economia de mercado, sem jamais atacar de frente o bom nome da linda ideologia cujos crimes acabam sempre absolvidos, paternalmente, como efusões de idealismo juvenil. Anticomunismo explícito, nem pensar. Investidas frontais como aquelas que a esquerda faz contra as Forças Armadas, contra a moral religiosa e contra as pessoas de seus desafetos, nem pensar. Investigações escandalosas, nem pensar. Até na linguagem o desequilíbrio é evidente: de um lado, insultos, vituperações, imputações criminais. De outro, recatadas ponderações acadêmicas e trêmulos apelos ao “diálogo”. No máximo, tapas com luvas de pelica na “esquerda burra”, como se o maior pecado de Stalin, Fidel ou Pol-Pot fosse a burrice.

De tal modo as idéias conservadoras desapareceram da mídia, que o público, ignorando-as por completo, não pode dar pela sua falta, e cai como um pato no engodo de chamar de “direita” a ala tucana e peemedemista imperante — a fina flor da oposição de esquerda no período militar –, cuja elevação ao poder permitiu que se consolidasse a vitória suprema da hegemonia gramsciana: fazer com que o debate interno da esquerda usurpasse todo o espaço do debate nacional, excluindo por inexpressáveis, impensáveis e por fim inexistentes todas as demais opiniões possíveis. Hoje não há mais democracia no Brasil exceto a “democracia interna”, o “centralismo democrático” do velho Partidão, onde a única direita admissível é a direita da esquerda: a socialdemocracia, o reformismo, a tucanidade enfim. O que quer que esteja à direita disso é fascismo. E, como tal, proibido.

Esporádicas e aparentes “viradas à direita”, em situações específicas nas quais o esquerdismo ostensivo arriscaria pegar mal, só servem para dar redobrado vigor ao discurso esquerdista quando, investido da superior autoridade de jornalismo idôneo, ele voltar à carga uns dias depois. Assim, a afetação geral de escândalo diante dos ataques de 11 de setembro foi usada para dar respaldo moral à onda de anti-americanismo que se seguiu, incluindo a rotação semântica de 180 graus nos termos “agressor” e “terrorista”, que, em uníssono, passaram com a maior naturalidade a designar o país atacado em vez do atacante.

Que de vez em quando se permita ecoar por instantes uma voz de exceção, em protesto inútil contra o estado de coisas, é apenas a quota mínima de risco calculado com que a intolerância vigente anestesia eventuais suspeitas dos leitores, consumando a obra-prima do dirigismo, que é a de fazer-se passar pelo seu contrário. O público, confiado na premissa tácita de que a distribuição das opiniões na mídia reflete mais ou menos o mapa das preferências nacionais, lê o artigo solto e, persuadindo-se ainda mais de que todo anticomunismo é aberração de esquisitões solitários, fica até admirado de que a nossa imprensa seja tão democrática, tão aberta, tão generosa, que chegue ao exagero de dar espaço a um tipo capaz de escrever essas coisas. Muitos chegam a indignar-se com tamanha libertinagem, exigindo a exclusão do intrometido. Não raro, são atendidos. Poucas publicações, como “O Globo”, se recusam a dar ouvidos a essa gente.

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