16 de agosto de 2001
Pedro Sette Câmara
“O objetivo de toda polêmica entre católicos e hereges é fazer com que estes vomitem sua heresia, de preferência voltando à Fé Católica, ou ao menos expondo aquilo que ocultavam para se infiltrar e perverter os bons.”
O coelhinho da Montfort resumiu aí toda a sua visão da “polêmica” entre Orlando Fedeli e Olavo de Carvalho. Para ele, os lados já estão definidos: os montfortianos seriam os “católicos” e os “olavianos” os “hereges”. Mais: Olavo de Carvalho (e os olavianos) agem apenas como quem se infiltra no meio de inocentes cordeiros para lhes perverter a alma. O mais curioso aqui é que eu nunca vi Olavo de Carvalho dando aulas em ambientes nominalmente católicos, ou mesmo participando de qualquer atividade da Montfort – o coelhinho, ao contrário, era aluno do Seminário de Filosofia e participante do Fórum Sapientia. Além disto, o coelhinho trocava e-mails com alunos do Seminário, eu inclusive, solicitando materiais ou tentando demonstrar alguma incompatibilidade entre a “doutrina olaviana” e aquilo que ele pensa que é a doutrina católica, na tentativa de fazer com que os alunos abandonassem as perigosas águas da investigação filosófica para se proteger no porto seguro da retórica fedelista.
Retórica, vejam bem. A adesão a algum grupo – seja ela a Associação Montfort, a Igreja Católica, o Partido Comunista ou um time de futebol – aliada à condenação de tudo que pareça um grupo e pareça contrário só pode produzir um discurso retórico, porque suas premissas só são aceitas dentro do contexto daquele grupo e os demais grupos estão sendo condenados justamente por não aceitar as tais premissas. Assim, os católicos condenam os muçulmanos por não serem católicos, e os muçulmanos condenam os católicos por não serem muçulmanos. Não há premissas comuns que permitam uma depuração dialética dos discursos (ou até há, mas não ao nível dos montfortianos) dos grupos opostos, apenas premissas que se excluem mutuamente.
Assim, todo o esforço montfortiano é um só: provar que Olavo de Carvalho e seus alunos não concordam com suas premissas. Como eles consideram que estas premissas são a quintessência da doutrina católica, crêem que os discordantes são não-católicos ou mesmo anticatólicos. Que uma agremiação oriunda da TFP, condenada por vários outros representantes do saco de gatos que compõe a massa dos que se opuseram às mudanças recentes na Igreja Católica, também alienada da própria Igreja “oficial”, considere-se o último bastião da doutrina, pode parecer altamente imprudente, mas não é atípico nem imprevisível.
Na verdade, para eles, o simples fato de não pertencer à associação Montfort já é razão suficiente para suspeitar de alguém. Afinal, neste mundo mau, os homens de verdadeira boa vontade não se negariam a aderir ao grupo dos defensores do bem, da tradição, da família, da propriedade, e do direito de eliminar fisicamente os culpados por este mundo ser tão mau – que é justamente a interpretação que os montfortianos dão à posição contrária à “liberdade de consciência”, pois acreditam que a vida civil deve ser regrada por um Estado forte da mesma maneira que a alma do fiel deveria se submeter à vontade divina. A vida da alma, porém, é diferente da vida civil.
Que eles creiam nisto, vá lá: cada um sabe de si. Mas daí a pretender que é um ponto essencial do catolicismo a defesa de um Estado que imponha a moralidade cristã a todos os cidadãos… É possível entender porque um sujeito que se diz católico pense isto a partir das considerações sobre a Igreja e o império tecidas por Olavo de Carvalho no Jardim das Aflições, mas não é possível aceitar em sã consciência que a adesão à fé católica compreenda necessariamente a adesão à ideologia de um “mundo melhor cristão” – até porque Jesus disse: “meu reino não é deste mundo”. Isto vale tanto para os “teólogos da libertação” que desejam fazer a revolução proletária e chamar isto de reino de Deus quanto para os TFPistas e afins – isto é, a Montfort – que desejam instaurar o reino do moralismo.
Se houver qualquer dúvida de que é isto mesmo que a Montfort defende, basta considerar, em última instância, que Orlando Fedeli defende, segundo Felipe Coelho, a doutrina explícita da TFP, que pode ser encontrada, sem equívoco, no site da mesma. O Auto-retrato filosófico de Plínio Correia de Oliveira assim sintetiza o primeiro dos “principais elementos doutrinários” do clássico TFPista Revolução e Contra-Revolução: “a missão da Igreja como única Mestra, Guia e Fonte de Vida dos povos rumo à civilização perfeita”.
Este item, que deixa de ser um pressuposto de análise teórica e passa a ser uma diretriz de ação no momento em que um grupo minoritário pretende assumir o papel que atribuía à Igreja (seja por considerá-la decadente ou qualquer coisa), mais os subseqüentes, já bastam para enquadrar a doutrina explícita da TFP – e, por conseguinte, da Montfort – em cinco dos seis itens assinalados por Eric Voegelin para descrever a gnose.
Como se isso não bastasse, basta olhar a conduta dos montfortianos, que fizeram de uma visão peculiar – e bastante próxima da gnose segundo Voegelin – da doutrina católica sua “gnose” particular, dando o benefício da dúvida quanto à salvação da alma aos membros de seu grêmio e a condenação certa de quem estiver de fora – Felipe Coelho, auto-nomeado promotor do Juízo Final, já proferiu a minha sentença.
Isto tudo, como dizia, não passa de retórica, como é todo discurso destinado a condenar alguém, e não pode dizer nada quanto à verdade dos fatos, mas apenas quanto à sua adequação aparente a uma interpretação peculiar da doutrina da Igreja, aliás mais fixada na letra da doutrina do que em seu conteúdo. A veracidade da doutrina, como já disse em meu artigo O Coração e o Mundo, só pode ser verificada pela consciência humana individual, e não pelos livros que a contém. Livros não pensam nem inteligem. Palavras só se referem a algo se a consciência “vê” o objeto que elas chamam. Caso contrário, saímos do mundo das coisas para viver no não-mundo das palavras soltas, onde um computador pode habitar perfeitamente. E é realmente tenebroso que entre os defensores da Igreja estejam pessoas tão incapacitadas para defendê-la com algo além da inteligência de um computador e a capacidade de armar intrigas.
Apêndice I
E-mail enviado à Montfort no dia 6 de agosto, não publicado
Srs. Montfortianos,
Agradecendo a publicação integral de meu e-mail – honra jamais antes dispensada a este mortal por qualquer outro veículo – , gostaria no entanto de fazer alguns reparos, que me parecem mais urgentes. Outros devem seguir de acordo com a disponibilidade e a paciência.
1. Não sou “astrólogo”, e sim “estudante de astrologia”. Qualificar-me como astrólogo equivale a chamar o discípulo de mestre.
2. É uma deslavada, pérfida, sórdida mentira que o primeiro e-mail a ser recebido pela Montfort tenha sido o meu. Foi o do Marcelo De Polli, o “Montfort Kids – para seu fedelho virar um Fedeli”.
3. Felipe: aquilo que você escreveu sobre ir roer um carvalho foi extremamente constrangedor. Contenha-se, pois, como diria o Dr. Freud, um carvalho às vezes é apenas um carvalho.
Pedro Sette Câmara
Apêndice II
Parabéns à Montfort por ter tirado as estrelinhas da primeira página do site! Agora só falta o resto! Vocês quase nem parecem mais maçons!