O Estado comunista de direito

Carlos Alberto Reis Lima


19 de agosto de 2001

O primeiro texto que reproduzo abaixo é o reconhecimento honesto por um típico escritor da esquerda, Eduardo Galeano, da perfeita simbiose de dois totalitarismos internacionalistas: a globalização e o comunismo. O segundo é a mais pura declaração da essência do liberalismo; uma denúncia do engano soporífero dos “direitos humanos”.

“Desfeitos os utópicos sonhos marxistas da sociedade sem classes e evidenciada a intrínseca ineficiência do chamado “socialismo real”, os comunistas se unem aos piratas hegemonistas da globalização para a opressão dos povos através da liquidação do Estado nacional e dos direitos individuais conquistados em séculos de progresso da humanidade. Uns entram nesta espúria sociedade com o know-how de controle de massas acumulado pelo estado policial marxista-leninista, outros com o capital, a tecnologia e o gerenciamento eficiente da produção. É o total esmagamento do indivíduo, tal como concebido na sociedade livre e democrática, e sua transformação numa massa coletivizada sem direitos e liberdades individuais, o retorno à barbárie”.

Eduardo Galeano, autor de esquerda

“Um liberal no sentido clássico rejeitaria a lista de lavanderia de direitos que formam o leito da democracia social contemporânea. Ele reconheceria somente os direitos de um governo limitado que previna a violação da vida, da liberdade, e da propriedade. As pessoas devem ser protegidas de serem roubadas, violentadas, assassinadas. Daí o termo “direitos negativos”. O direito “positivo”, uma lista ainda em construção, é definida por Richard Pipes, de Harvard, como ”o direito `as necessidades da vida às expensas do público, isto é, o direito a algo que não nos pertence”. Moradia, comida, educação, saúde, benefícios para crianças, são direitos positivos, ou seja, são irreais. Um desejo, ou uma necessidade, não são direitos humanos. Se eu tenho direito à comida alguém deve trabalhar para me alimentar… ”

Ilana Mercer, autora liberal

Dos dois textos acima podemos construir uma verdade que se oculta aos brasileiros, mesmo aos brasileiros cultos, especialistas em áreas afins, alguns formadores de opinião de boa fé. Este início de século tem nos levado a contradições tais, que esta verdade para qual estes dois textos confluem, a ninguém deveria espantar. Desculpados estão, então, os menos avisados.

Do primeiro texto devemos nos deixar estarrecer pela coragem do autor, um homem de esquerda, mas que não se exime de tocar na ferida fundamental, a chaga anticristã do totalitarismo marxista-leninista, misto de horror e burrice, de ofensa à liberdade humana e desprezo ao seu bem-estar; uma advertência de que o monstro totalitário tem duas faces, uma externa, que atende pelo nome de globalização; e outra interna, que responde ao chamado de Marx e Lênin, que tudo fazem pela instalação de um regime bolchevique, ao melhor estilo dos sovietes (conselhos revolucionários). A mesma lógica leva-nos à perfeita compreensão do segundo texto, de inspiração liberal pura, o qual ressalta o prejuízo que a pletora de direitos “inumanos” produz em nós ao se parecer a uma conquista da sociedade, quando na verdade é a afirmação de um Estado cada vez mais onipresente e sufocante. Do primeiro devemos ainda captar outra essência, qual seja, a destruição do indivíduo, através de um processo em que o ser humano, forçado a ser cidadão, é compelido a abdicar de sua vontade e identidade, processo paralelo e equivalente à dissolução da vontade e da identidade nacionais. À cobiça internacionalista da face externa, corresponde a insana vontade estatólatra e coletivista.

Do mundo ao Brasil
Que estado é este senão um “Estado Comunista de Direito”, onde o indivíduo é tornado cidadão; um escravo acorrentado e manietado por direitos outorgados ou propiciados por um Estado cada vez mais forte e inumano que não visa a nenhum wellfare, mas à redução ao pó da essência humana que teima em se exteriorizar no exercício das vontades contidas pela Lei – a liberdade -, e na exibição da individualidade consentida à sociedade, e somente a ela? Marx só conheceu um ópio, o da religião, e se enganou. Nós estamos conhecendo um outro ópio muito pior, muito mais inebriante, os direitos “humanos”, que injetados em doses sociais, se chama “direitos sociais”, expressão inocente deixada no próprio texto constitucional não exatamente por desavisados que não reconhecem no Estado a fonte de um inconfessável desígnio, qual seja, a total submissão do indivíduo.

Do Brasil ao Rio Grande do Sul
Trotski, se vivo fosse, não teria dificuldade de reconhecer a sua própria obra. Os seus sovietes estão no Rio Grande do Sul, e já presentes em todas as esferas públicas; do legislativo que buscam destruir (Tarso Genro usa como eufemismo o verbo superar, o que na verdade é uma expressão marxista clássica), ao executivo, que já é funcional em vários sentidos; do judiciário, que já discute suas próprias decisões de anos atrás, sem que as leis tenham mudado, e sem que elas tenham se invertido e determinado que o preto é branco e vice-versa, a uma sociedade crescentemente crédula, anestesiada e desinformada pela imprensa socialista simpatizante.

São tais e tantas as conseqüências práticas desta infiltração que o próprio povo somente percebe seus efeitos colaterais; os chama de “violência”, incompetência, omissão administrativa, etc. Como o ano eleitoral se aproxima, o povo só percebe a direção do voto. Não adiantará. Se não souber o que lhes faz mal, não saberá combatê-lo. Não percebe o povo gaúcho, e muitos intelectuais que não leram as sábias páginas da história da Revolução Russa, que o que lá se fez, aqui se repete passo a passo com muita competência e fidelidade. O que não é o Orçamento Participativo senão o soviete de camponeses; o soviete de soldados (da Brigada e da polícia civil, fundidas em um só corpo?); o soviete dos operários, idilicamente denominados classe trabalhadora? Um imenso soviete que presta contas a um politburo de escol, uma nomenklatura leninista onde os dissidentes são expulsos a pontapés, vide o vereador Fortunati, e outros antes dele! O governo gaúcho não pode nesta ótica ser chamado de inconsistente, incompetente e ser acusado de não saber o que está fazendo. Pelo contrário, ele sabe exatamente o que está fazendo: ele executa fielmente o preceito de Lenin do “centralismo democrático”, método prático de eliminar concorrentes; a sociedade é que não sabe. A ela resta perceber os efeitos colaterais do remédio mortal e insidioso que adoece e mata aos poucos o doente social. Não reconhece o soviete como um dos pólos da “dualidade de poder”, na concepção de Trotski, porque não sabe o que é isto. Como não conhece a história do médico, o seu currículo de crimes, e o extenso rol de suas vítimas, continua ela, a sociedade, a dar crédito e mais confiança a quem pretende envenená-la e depois aprisioná-la nas paredes de ferro do Estado totalitário depois de vitoriosa a revolução.

Por último, a mais pérfida traição, o Grito dos Traidores: a Igreja Católica sendo vilipendiada por bispos comunistas da CNBB que incitam o povo à violência e à revolução comunista. Traída está a fé católica verdadeira que não prega o ódio; traída está a lição do cristianismo que não prega atos violentos, senão a verdadeira caridade; traída está a fé de um povo inteiro por meia dúzia de bispos católicos que perderam a razão e a dignidade por darem força a uma revolução atéia que os destruirá tão-logo não precise mais deles; uma revolução que toma terras, primeiro dos fazendeiros, depois do próprio Patrimônio de São Pedro! Estes bispos católicos comunistas começam a destruir a própria Igreja Católica do Brasil. Amanhã serão eles mesmos. Foi assim na União Soviética e na China; é assim em Cuba! Vivemos em um Estado Comunista de Direito, de fato!

Cartas dos EUA

Estas duas cartas – a segunda, principalmente – mostram como o Brasil de hoje é um país anormal, doente, roído de inveja m esquinha, de ressentimento despropositado e absurdo. A alma desse país reflete a daqueles que o educam – os intelectuais de esquerda da minha geração, que já declarei ser a mais canalha e torpe de quantas nasceram neste solo. Os fracassos dessa geração nasceram da sua ignorância pomposa, da sua inépcia arrogante, da sua pretensão infinita de poder chegar a ser, a preço baixo, a encarnação fácil do bem e das luzes num mundo mau e sombrio. Nunca uma gentinha tão miúda chegou a ter nas mãos o destino de uma grande nação. Graças a esse fenômeno, os sentimentos mais vis e desprezíveis foram aceitos como altas manifestações de virtude e tornaram-se a base de todos os julgamentos. A inveja, o rancor, a covardia, o oportunismo que tudo sacrifica em prol da destruição dos adversários – eis hoje as bases da nossa tão apregoada “ética”. Mas em nenhum momento a baixeza chegou tão fundo quanto nas reações de milhares de intelectuais, de jornalistas, de estudantes brasileiros, diante dos atentados de 11 de setembro. Nunca, na história humana, um genocídio, abertamente reconhecido como tal, foi aplaudido e festejado de maneira tão ostensiva e despudorada. Na esquerda nacional, somente os personagens mais notórios, ciosos de suas reputações ante o público maior, reprimiram a manifestação de seus sentimentos, reservando-os para um círculo íntimo e substituindo-os diante das câmeras por palavras convenientemente ambíguas. Os demais, sentindo-se protegidos pela sua própria insignificância, deitaram e rolaram. Mostraram sem pejo o que são e o que pensam. Eu sempre soube que eles eram isso. Mas nunca imaginei que bastasse uma provocação mais forte para fazê-los exibir o conteúdo podre de suas almas de ratazanas.

Obrigado, Milla Kette, por mostrar que, à distância de um hemisfério, a feiúra dessa gente se torna ainda mais visível. – O. de C.

19 ago 2001

Prezado Senhor:

Vivi no Brasil até uns cinco anos atrás, quando peguei meu (invejado, diga-se de passagem) passaporte, minha filha, vendi meu pequeno apartamento e mudei-me para os EUA.  Nasci aqui quando meu pai estudava em Stanford, CA (um antro de left-wingers, he, he).  De familia brasileira, fui criada em Salvador, Rio e Porto Alegre, tendo vivido em Gramado depois de casada.  Estou com 42 anos e minha filha, de 19, estuda na Universidade aqui.

Tomei conhecimento de seu trabalho atravé do Forum de discussão Politica da UOL, quando alguem postou um texto incrivelmente realista e verdadeiro seu, onde acusa os Lefties brasileiros de xenífobos, entre otras cositas más.  Sou casada com um Yankee (como falam os Brits) e moro em Ohio.  Meu esposo, um naïf, ficou apavorado com a brutalidade das acusacões contra os EUA, seu povo, sua cultura, seu Governo, emfim, tudo.  Eu fui raivosamente atacada num web site chamado Politica Global (http://www.politicaglobal.com.br/) quando exigi que apresentassem o texto do Acordo de utilizacão da Base de Lancamentos de Alcântara, o qual criticavam juntamente com os EUA.  Além de receber dois e-mails cheios de ofensas do autor do “artigo”, ainda ligaram minha carta a um “artigo” contendo os maiores absurdos e acusacões contra mim e os EUA, em vez de publicá-la na devida secão, juntamente com todas as outras. Ha mais ou menos um mês os venho desafiando para que publiquem o texto do Acordo que, ora eles dizem ser confidencial, ora que o enviarão a quem pedir por e-mail!

Acabei caindo no UOL, batendo de cara com aquele monte de marxistas disfarçados em adoradores do PT.  O que nos choca mais que tudo – a meu esposo e a mim –é a total ignorância de fatos históricos, não só mundiais, mas mesmo do Brasil, que demonstram essas pessoas que querem discutir com pretensões de donas da verdade.  Me entristece muito, como brasileira que
sou, saber que tantos dos meus patrícios odeiam a riqueza e a independência que os americanos adquiriram à forca de muito trabalho, muita luta e fé. Sinto-me na obrigacão de fazer algo, mas a tarefa parece-me gigantesca.

Meu sonho – na verdade, adaptado para a realidade depois que conheci meu esposo, alma pratica americana – é abrir escolas no Brasil e recolher crianças de rua a fim de formá-las para a vida, mostrar a eles que há uma chance se trabalharem duro, com honestidade e retidão.  Sou espírita e não posso deixar de me sentir na obrigação de ajudar.  Meu humilde plano é juntar dinheiro para essa façanha.  Descobri aqui (quem diria) que tenho um especial talento para escrever!  Tenho escrito em inglês, incentivada por uma professora que tive na faculdade.  Gostaria de escrever, publicar e reverter toda a renda para a prática desse plano.

Queria enviar-lhe os parabéns, em meu e no nome de meu esposo, pelo excelente trabalho que mostra no seu web site.  Gostaria tambem de pedir-lhe que, se sobrar algum tempinho em sua agenda, que, tenho certeza, é cheia, escreva-me e aconselhe-me sobre as possibilidades (se existirem) de penetrar no mercado literario brasileiro.

Agradeço imensamente sua atenção e peco desculpa por não fazer uso de acentos.  Primeiro, não sei se nossos programas são compativeis e, segundo, dá muito trabalho…   🙂

Milla Kette

12 set 2001

Prezado senhor,

Esta manhã acordei com um gosto amargo na boca e o coração pesado e triste.  Ontem presenciei o mais vil ataque que o fanatismo, a prepotência e a ignorância podem engendrar!

Em outra ocasião — cerca de duas semanas atras — escrevi para parabenizá-lo por seus artigos, bem como por seu web site.  Infelizmente, neste momento faço-o para levar a seu conhecimento um fato que me chocou e encheu de revolta e terror.  Nos fóruns de discussão politica do UOL, pululam textos de cidadãos brasileiros — meus conterraneos, apesar de ter nascido nos EUA — dando vivas pela desgraça que se abateu sobre este bastião da liberdade…  Jamais imaginei que veria — vindo do povo com o qual convivi quase toda minha vida — tamanho ódio cego e revolta ignorante, alimentados contra um país simplesmente porque ele é um sucesso!  Ontem senti vergonha ante a expressão chocada de meu marido (americano) quando traduzia as palavras horriveis expressas no UOL; senti vergonha do passaporte verde que apresento nos aeroportos brasileiros quando em visita à minha familia e amigos queridos…  Esses arrogantes julgam-se Deus e crêem-se no direito de julgar e condenar, sem jamais terem visto, sem nem entenderem o que ou como chegam a tais julgamentos, acreditando na propaganda anti-Americana que muitas agencias noticiosas têm levado avante.

Eu olho as cenas na TV — a teratológica imagem dos aviões chocando-se contra oWorld Trade Center, as torres ruindo, tomando de surpresa os que tentavam retirar-se da área, o Pentagono em chamas –” e o que mais me choca não é apenas o numero de vidas sacrificadas ao fanatismo e ao ódio cego, é que os monstros raivosos, de bocarras espumantes, arreganhadas, os corações negros de inveja e sentimentos de inferioridade, esses, como os loucos que vejo vomitando ódio contra os EUA nesses fórums, são seres humanos, como eu!!!  A única diferenca que, em meu entendimento, separa esses fanáticos que expressam seus complexos de inferioridade com palavras nos forums do UOL e os monstros que atacaram fisicamente os EUA é apenas que os segundos colocaram na prática o ódio insano e sem base que alimentam!  Como eles, os que se escondem atrás de palavras são tambem covardes.  Não consigo crer que o horror que vi na TV ontem seja acolhido por alguns brasileiros como uma “licão” para os EUA!  Quantas lágrimas rolaram de meus olhos ontem, não sei dizer, mas muitas foram por saber que alguns dentre meus conterrãneos abrigam um ódio insensato em seus corações contra um povo que nem ao menos conhecem.

As palavras de um sobrevivente e não as imagens terríveis mostradas pela TV chocaram-me ainda mais ante a ferocidade de tais comentários.  Ele relatou que havia conseguido sair da primeira torre, quando destroços do avião que se chocou com a segunda torre e do proprio predio em que ele estava comecaram a cair.  Em seguida, palavras dele, grandes pedaços comecaram a atingir o solo e carros estacionados nas proximidades do WTC.  Enquanto corria para salvar-se, ele pôde olhar esses “destroços” mais detidamente.  Eram corpos em chamas de pessoas que escolheram o espaço entre os 110 andares e o solo de Manhattan à horrenda morte pelo fogo e pela fumaça…  Que povo merece tal horror, é o que gostaria de perguntar às mentes doentias que, entre outras barbaridades, escreveram: “Bem feito!”. Que povo merece assistir às mortes de mais de 10 mil cidadãos inocentes?  Estou certa de que esses fanáticos estão tão contentes quanto os monstros que planejaram e perpetraram esse ataque a um dos bastiões da liberdade nesse mundo de tantos Fidéis Castros!

Quem quer que tenha sido o perpetrador dos ataques de ontem, não atingiu o coração econômico de Manhattan, não destruiu simbolos da independência econômica, politica e militar dos US.  Os criminosos ceifaram vidas de cidadãos honestos, homens e mulheres que, com seu trabalho e dedicação, fazem dessa nação a potência que o mundo conhece e, infelismente constatei, inveja.  Não foram o Pentagono ou o WTC o que se perdeu ontem, pois que esses podem ser reconstruídos tão rapidamente que assombraria o mundo.  Foram as vidas de cidadãos inocentes, representantes genuínos dos ideais de um povo inteiro — um povo que se ergue do lado oposto ao dos covardes sem rosto que não tiveram a coragem de assumir a responsabilidade pelo ato vil que perpetraram contra trabalhadores honestos!

Esses cães famintos pela desgraca dos Estados Unidos da América regozijam-se com a tragédia que abateu CIVIS!  Dançam em volta dos destrocos dos avioes que vejo em volta doWorld Trade Center, dos corpos cremados, esmagados pelo colapso dos edificios e o choque dos aviões!  Meu único consolo, enquanto as lágrimas lavam meu rosto e uma oração escapa dos meus lábios em prol desses inocentes sacrificados à sanha de fanaticos enlouquecidos e insensíveis, esses paladinos do terror, que desejam impor seu conceito de “liberdade” à custa do sacrifício de vidas inocentes!, meu único consolo é que esses infelizes serão um dia julgados por um tribunal do qual nenhum de nos escapa.

As torres do World Trade Center ruíram, levando consigo vidas preciosas, espalhando destroços por mais de cinco quadras ao seu redor. Lower Manhattan e’ apenas uma gigantesca nuvem de fumaça branca e negra no horizonte, vista pela TV e nas fotos dos jornais; o Pentágono foi atacado e sua negra fumaça sobe ao céu, falando das 800 pessoas mortas ali; um carro bomba explodiu no State Deparment em Washington;  um avião de carga caiu na Pennsylvania, matando tantos outros civis; mas a Estátua da Liberdade ainda empunha para o mundo a representação do mais caro anelo do povo Americano: Liberdade!

Peco-lhe, humildemente, que, utilizando-se dos meios de comunicação que tem em mãos, chame à razão (se tal é possivel!) essas pessoas que — temporariamente, espero — perderam a mínima noção do significado do respeito pela vida humana!

Perdoe-me ter escrito tanto e agradeço-lhe se chegar ate aqui.

Milla Kette

Ver e ouvir

 

Olavo de Carvalho

O Globo, 18 de agosto de 2001

Não há talvez melhor maneira de conhecer a psicologia dos povos do que observar a diferença entre o que os escandaliza e o que os deixa indiferentes. Numa conversa elegante, sem a menor inibição um francês usará a palavra cul — ou um português o seu equivalente vernáculo — ao passo que no Brasil de hoje qualquer senhora respeitável, que jamais se permitiria pronunciar isso em voz alta, se sentará tranqüilamente ao lado de seus filhinhos para assistir pela TV a shows de sexo que, exibidos a crianças em qualquer país da Europa, dariam processo judicial.

Esse e muitos outros indícios sugerem que o povo brasileiro, hoje, é mais sensível ao que ouve do que ao que vê. Daí o resultado da recente pesquisa de opinião, encomendada por um grupo de empresários, na qual tiveram o desprazer de descobrir que a opinião média do nosso eleitorado associa a atividade empresarial a crueldade, rapina e exploração do homem pelo homem, ao mesmo tempo que, quando ouve a palavra “socialismo”, não lhe vêm à mente senão lindas idéias de solidariedade, fraternidade, bondade e… acho bom parar porque já estou ficando comovido.

O fundamento dessa crença é simples e evidente: nunca essa opinião pública foi tão desprovida de informações sobre a realidade dos países socialistas quanto nos últimos dez anos. O desfile de dedos decepados e orelhas cortadas exibido diariamente no programa dos exilados cubanos no canal 29, dando uma idéia bem exata do que seja o tratamento dos prisioneiros políticos no jardim do Éden instalado por Fidel Castro no Caribe, fica sem efeito porque passa às 6h30m da manhã. Do mesmo modo, livros como “The perestroyka deception”, de Anatoliy Golytsin, “Jugement à Moscou”, de Vladimir Boukovski, ou o extraordinário “Viaje al corazón de Cuba”, de Carlos Alberto Montaner (para não falar do já antigo “Contra toda esperança”, de Armando Valladares, relato de duas décadas de encarceramento em Havana por delito de opinião), são mantidos cuidadosamente fora do alcance de leitores que, para pensar como crianças, têm mesmo de ser mantidos na menoridade editorial.

O conhecimento que o povo brasileiro tem do socialismo é puramente auditivo. Vem de reminiscências escolares, de discursos ouvidos de professores fanatizados que há décadas entoam o coro dos louvores a um socialismo que ninguém viu. Se querem saber como se ensaia esse coro, como se reduz à unanimidade a multidão de vozes que ressoarão depois nas cabeças das crianças e continuarão ressoando no subconsciente das crianças crescidas, basta examinar alguns critérios oficiais de seleção e capacitação de professores.

Capacitar professores, hoje em dia, consiste em ensiná-los a repetir para as criancinhas, numa língua de semi-analfabetos, slogans revolucionários imbecilizantes. Não pensem que há, nessa frase que acabo de escrever, a mínima ênfase retórica. Ela é a tradução exata e até comedida da realidade. Leiam, por exemplo, estes ensinamentos do Programa de Capacitação de Professores da Secretaria de Educação de Minas Gerais:

(1) “Existem em Minas Gerais uma grande diversidade, frutos da sua construção social.”

(2) “O populismo de Vargas e seu carisma explode no carnaval…”

(3) “Entre a segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas da República…”

(4) “Essa diferenciação, presente nos vários aspectos da vida das pessoas e a maneiras que cada uma delas têm de construir valores derivam…”

Nessa linguagem que raia o tatibitate de retardados mentais, os capacitadores transmitem aos futuros guias da infância nacional a versão oficial da História, na qual Tiradentes não foi enforcado por ser o chefe de uma insurreição e sim por ser o único pobre entre os insurretos; o único atentado terrorista digno de nota entre 1964 e a redemocratização foi o do Riocentro; o décimo terceiro salário e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (na verdade criados pelo marechal Castello Branco) foram grandes conquistas dos trabalhadores no governo Vargas; a Junta Militar formada após o impedimento do presidente Costa e Silva passa a governar desde 1964 e, last not least, a Guerra Fria é transferida para os anos 30, antecipando-se de pelo menos uma década e meia ao que se deu naquele lugarzinho oculto e ignorado que se chama “mundo real”.

Em compensação de umas quantas dúzias de probleminhas dessa ordem no tocante à história e ao português, o programa é, do ponto de vista ideológico, uma obra impecável, não lhe faltando as tiradas de praxe contra a velha UDN, a ditadura, o racismo brasileiro e os empresários em geral, bem como os louvores ao governo Goulart e a convocação aberta às lutas sociais.

A escala de prioridades é visível: para estar capacitado a lecionar história, você pode ser analfabeto e não saber nada de história. Nada disso é impedimento. Só o que interessa é a correção ideológica da mensagem que você vai transmitir às criancinhas.

É graças a esse tipo de educação que os brasileiros, hoje, vão se tornando cada vez mais incapazes de discernir a realidade da fantasia, cada vez mais propensos a aceitar como verdade de evangelho qualquer mentira boba que venha sublinhada pela ênfase emocional politicamente adequada.

O cérebro humano, conforme já demonstrava Pavlov, tem uma capacidade limitada de absorver contradições e absurdos. Ultrapassado um certo limite, ele entra num estado de torpor, de cansaço, de indiferença, no qual já não lhe interessa mais fazer qualquer distinção entre o verdadeiro e o falso, o certo e o errado. Ele aí não apenas aceita tudo, mas, invertendo a reação natural, nega o que seus olhos vêem e crê firmemente no que ouve dizer. E aí a respeitável senhora, que jamais pronunciaria certas palavras em público, está pronta para assistir a shows de sexo ao vivo ao lado de seus filhinhos menores, com um sorriso de serenidade idiota nos lábios.