Alberto Furioso

Por Alceu Garcia


29 de Maio de 2002

Tive a honra de ter o meu recente artigo “Observando o Observatório” publicado no website do Observatório da Imprensa. E mereci a distinção não menos lisonjeira de receber uma colérica resposta do próprio editor do órgão, o jornalista Alberto Dines, na qual o renomado escritor exibe sua consumada excelência retórica, produzindo uma peça de combate literário digna de um Demóstenes ou de um Cícero. Confiram:”Alberto Dines responde

Apesar dos compêndios de filosofia sobre o quais parece assentado ou sentado, o observador não sofisma. Mente descaradamente. Porque somos pluralistas oferecemos-lhe a oportunidade de escrever neste Observatório desde que tratasse da imprensa e do seu desempenho, nosso foco e objetivo. A iniciativa e o convite foram do Observatório. O missivista jamais ofereceu algum texto.

A resposta foi assustadora, fanática, com aquela polidez dos Regimentos do Santo Ofício onde palavras como “executar” eram suavemente traduzidas como “relaxar”. Respondeu o preclaro que, como não concordava com as opiniões pessoais emitidas por este Observador em outros veículos, não lhe interessava escrever no OI. Primeiro preconceito. Ou prepotência?

Foi-lhe solicitado então que, se não tinha interesse em escrever no Observatório, deixasse de enviar seus artigos porque atulhavam nossa caixa postal. E mais não lhe foi dito.

Agora, o distinto volta para informar que mudou de idéia: resolveu inteirar-se do projeto e do seu conteúdo. Certamente esquecido da categórica recusa anterior. Reconhecia assim, publicamente, que emitiu opinião sobre este OI sem conhecê-lo. Segundo preconceito. Ou prepotência?

Agora, devidamente instruído pelo gaulaiter de plantão, recorre ao surrado arsenal do dr. Goebbels para oferecer esta pérola de mistificação: seu texto foi recusado! Como recusado, se lhe foi oferecida a possibilidade de publicar e ele recusou?!

Como um dos fundadores do Labjor (1994), posteriormente do Observatório (1996) e, desde então, seu editor-responsável, o signatário atém-se apenas à primeira inquirição deste legítimo sucessor de Torquemada porque sintetiza de forma admirável a capacidade perversora, o talento burlador, o rancor demoníaco e o nível de perturbação destes que se apresentam como campeões da liberdade mas, na realidade, são os seus maiores adversários.

1. Falta de transparência econômica: quem afinal financia a empresa?

Apesar da pergunta, o respeitável missivista a introduz com uma suspeita. Julga antes de indagar. Terceiro preconceito. Ou prepotência? São estes os procedimentos judiciais do hitlerismo, do stalinismo e do macartismo. No entanto, o ilustre reproduz e comenta os objetivos do OI onde está claramente estabelecido que se trata de uma instituição não- lucrativa e não-governamental e, apesar desta constatação, tem a desfaçatez de nos apresentar como “empresa”!

O missivista cobra “transparência econômica” lançando maliciosamente a hipótese de financiamentos clandestinos e subterrâneos. Cego pelo ódio e preguiçoso como todos os intolerantes, não se deu ao trabalho de examinar tanto em nossa homepage como nas páginas internas os anúncios em forma de banners de duas empresas – uma pública e outra privada. Já tivemos mais, inclusive de empresas de telefonia que preferiram não renovar os convênios para a veiculação de seus banners porque abrigamos queixas de consumidores contra os seus péssimos serviços.

Quando este Observatório foi “demitido” do UOL por ter divulgado informações que não agradaram à direção do Grupo Folha, o provedor iG candidatou-se a comprar nosso conteúdo e hospedar-nos em seu portal.

Com os recursos destas duas fontes mantemos uma pequena equipe técnica e editorial. Mas graças aos nossos critérios e procedimentos, graças à qualidade, à isenção e à ousadia do que veiculamos ao longo destes seis anos granjeamos não apenas o respeito dos profissionais, mas de todos os cidadãos preocupados com a qualidade e o desempenho da nossa mídia.

Com um pouco menos de ressentimento e um pouco mais de disposição moral para buscar a verdade, o famigerado missivista encontrará nas edições anteriores textos de todas as tendências políticas e ideológicas assinados pelos mais categorizados jornalistas, professores, executivos e empresários de comunicação.

O próprio missivista reconheceu na sua primeira mensagem (quando recusou publicar seu texto) que este OI goza de prestígio no meio jornalístico. De onde tirou a informação? Dos jornalistas de esquerda, centro ou direita? Ou junto àqueles que eventualmente sentem-se incomodados com nossas observações mas não deixam de reconhecer a pertinência do nosso trabalho?

O Observatório não tem qualquer vínculo legal, financeiro ou administrativo com a Unicamp. Ele faz parte de um projeto teórico, concebido na criação do Labjor, destinado a envolver a academia, o mercado e a sociedade na empreitada pluralista de melhorar os padrões de nosso jornalismo.

O Observatório é apenas uma marca, um endereço e uma estrutura administrativa generosamente oferecidos pelo Instituto Universidade-Empresa (Uniemp) e do qual fazem parte dezenas de instituições de ensino superior e outro tanto de empresas privadas, nacionais ou multinacionais. Jamais houve qualquer vínculo ou dependência comercial ou financeira entre o Uniemp e o OI.

O missivista está desafiado a comprovar sua leviana e irresponsável afirmação sob pena de assumir-se publicamente como insano, fantoche ou reles difamador.

Se tivesse aquele mínimo de curiosidade intelectual e examinasse a nossa edição de aniversário (8/5) teria verificado que já está legalizado o ProJor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo –, que será o mantenedor dos Observatórios e outros projetos correlatos.

O Auto da Fé armado pelo devoto missivista serve para mostrar os desvarios e a frustração tanto da nossa extrema direita como da extrema esquerda unidas na sinistra empreitada de liquidar aqueles que têm a coragem de assumir sua independência e recusar todas as violências.

(A.D.)”

Malgrado impressionado e ofuscado diante de tão luminosa demonstração de manejo artístico da língua, devo porém conter minha admiração e me ater aos argumentos deduzidos por Dines em defesa de seu Observatório. Afinal, nunca duvidei das qualidades formais do exímio polemista. Vejamos se ele se sai tão bem na matéria de fundo, na consistência e coerência de sua argumentação, aspecto não tão belo, mas inegavelmente importante na articulação de um discurso.

Dines procura me caracterizar como um arrogante por ter recusado uma generosa oferta de publicação, prova cabal do pluralismo de seu Observatório, e ao mesmo tempo um titubeante arrependido e rancoroso que procura se vingar imotivadamente caluniando uma nobre e imaculada confraria de jornalistas isentos. Discordo completamente dessa melodramática narrativa. Como expliquei anteriormente, eu enviava meus textos para o endereço eletrônico de Dines, como os envio para dezenas de pessoas, visando expor a minha ótica acerca de temas relevantes da atualidade e provocar o debate racional sobre esses mesmos temas. O jornalista então remeteu-me um e-mail em que dizia que, presumindo que o meu intento era a publicação do material no Observatório da Imprensa, negava tacitamente essa publicação pelo motivo de que não bastaria invocar os termos “mídia” e “imprensa” para que um texto passasse pelo crivo de qualidade do órgão. Acontece que eu nada dissera sobre os critérios de qualidade jornalística do Observatório da Imprensa e sinceramente nunca pretendi publicar nada nesse veículo, o que foi esclarecido na minha resposta. Dines então solicitou sua exclusão da minha lista de endereços, o que fiz prontamente.

Isto posto, rejeito com toda a veemência os epítetos de preconceituoso e prepotente lançados pelo veterano escritor. E mesmo que eu tivesse me recusado a divulgar um escrito no Observatório, o que haveria de preconceituoso e prepotente nisso? Imaginemos que Julius Streicher, tivesse proposto ao jovem Alberto Dines que publicasse um artigo no jornal Der Sturmer, na Alemanha dos anos 30, e este declinasse a oferta. Ninguém em seu juízo perfeito acusaria o jornalista de preconceituoso ou prepotente por isso. Ele estaria simplesmente exercendo sua liberdade de escolha. Ninguém é obrigado a publicar nesse ou naquele jornal, se não o desejar. Ou não? Seria eu um prepotente e preconceituoso por escolher não ver meus textos editados no Observatório da Imprensa? Parece-me que Dines faz de si e de seu jornal um conceito demasiadamente inflado. Talvez a soberba seja um atributo natural num sujeito que se autonomeou a reserva moral da imprensa brasileira e parece considerar a crítica racional um crime de lesa-divindade. Mas deixemos a Deusa Nêmesis cuidar desse detalhe e sigamos em frente.

Dines articula em seguida um argumento em que a boa lógica é torturada até que a falsa premissa confesse uma conclusão que não estava absolutamente ínsita nela. Deduz o jornalista do fato da minha “categórica recusa” – que aliás, parafraseando Voltaire, não foi categórica nem foi recusa – de publicar no Observatório que eu teria emitido opinião sobre esse veículo sem conhecê-lo. E nessa lógica do observador doido ele vai mais longe e infere – adivinhem só? – que seu interlocutor é um sujeito preconceituoso e prepotente.

Tentando extrair algum sentido dessa confusão lamentável, esclareço que, como inclusive escrevi no e-mail a Dines, lia ocasionalmente o Observatório da Imprensa bem antes de escrever a malsinada crítica ao jornal e antes da presente discussão. De modo que eu conhecia o órgão o suficiente para ter formado um juízo seguro sobre ele – um pós-conceito, jamais um pré-conceito. E se discordar de Dines e de seus escudeiros, bem como submetê-los à uma crítica ponderada, acarreta para o sacrílego que ousa fazê-lo a sentença inapelável de “prepotente”, o que se pode fazer? Talvez caiba lembrar ao meu irascível interlocutor – que quando lhe convém invoca os altos princípios da “Carta Magna” – que, segundo o princípio constitucional da isonomia, todo aquele que sofrer a crítica de Dines e de seus comandados terá igual direito de lhe devolver os adjetivos “prepotente” e “preconceituoso” sem ter que se preocupar com o conteúdo dos argumentos expostos. Ou será que o nosso bravo jornalista se considera, como os porcos de Orwell, mais igual do que os outros a ponto de arrogar-se o monopólio do insulto?

Adiante. Dines, sutil como um elefante petista, “insinua” que o signatário escreve “instruído pelo gaulaiter (sic) de plantão”. Para quem não sabe, gauleiter era o nome dos vice-reis que Hitler nomeava para governar com plenos poderes províncias alemãs e países ocupados. A seguir me acusa de recorrer ao “surrado arsenal do Dr. Goebbels”. Para quem esqueceu, trata-se do ministro da propaganda da Alemanha Nazista. Pois bem, não seria o caso dessa vestal ilibada do jornalismo nacional, que afirma incessantemente pautar sua conduta pelos mais límpidos princípios éticos, dar nome aos bois e dizer quem é o tal odioso “gaulaiter” que manipula esse pobre escriba, para que o acusado possa então se defender? Não é possível que o augusto jornalista tenha olvidado o princípio constitucional da ampla defesa. Ou será que os dispositivos constitucionais só são mencionados por ele quando é interessante fazê-lo?

Aqui vemos um claro exemplo daquilo que o filósofo Mario Guerreiro denomina de incoerência interproposicional. Dines assume um valor ético no seu discurso: não se deve julgar antes de conhecer o que se julga e não é correto levantar suspeitas infundadas. Contudo, o próprio Dines, que não me conhece, me acusa de ser o marionete de um obscuro “gaulaiter” cuja identidade sonega aos leitores. Ou seja, ele julga sem conhecer e levanta suspeitas infundadas. Dito de outra forma, o jornalista nega o valor moral antes assumido. E não é preciso procurar muito por outros exemplos que confirmem que a hipocrisia do escritor é sistemática. Como notei no meu artigo anterior, Dines afirma que as empresas particulares de jornalismo tomam decisões segundo os desígnios de seus proprietários e que, ipso facto, o “produto jornalístico” por elas oferecidos não se reveste por isso mesmo do caráter de serviço público. Isso equivale a julgar todas as empresas de mídia – pois a acusação é genérica – sem conhecê-las e a levantar suspeitas infundadas de tramóias contra a opinião pública. Quem então pode objetivamente merecer o qualificativo de “sucessor de Torquemada”, que imita os “procedimentos judiciais do hitlerismo”, servindo-se de solerte “capacidade perversora” e “talento burlador”, e movido por um “rancor demoníaco”?

Dines tem o cacoete de inquinar de nazista, macartista, fascista, preconceituoso, stalinista (mas, detalhe, nunca comunista), Torquemada (mas não Fidel Castro, que matou e torturou muito mais gente) etc aqueles que não se sujeitam aos seus decretos divinos midiáticos. Trata-se do seguinte truque sofístico: certas palavras são carregadas de um sentido vagamente pavoroso e revoltante até adquirirem a qualidade de lugares-comuns, quando então são usadas para rotular um oponente insuspeito, suscitando na platéia que assiste ao debate uma reação emocional imediata e altamente negativa, muito difícil de se refutar racionalmente. Daí a menção ao Goebbels. Para um observador de boa-fé, entretanto, é fácil desmascarar esses sofismas. Basta rejeitar o emocionalismo do jogo de palavras malicioso e investigar melhor o que essas palavras efetivamente significam. Nazista, por exemplo, é a abreviação de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. E adivinhem quem adota sistematicamente uma linha de idéias nacionalista e socialista, não raro em conjunto com um proeminente partido político, nacionalista e socialista, que se diz dos trabalhadores brasileiros, embora composto e dirigido por intelectuais engajados de “esquerda”, aliás como tantos que integram o Observatório da Imprensa? Quem se der ao trabalho de ler o programa político do Partido Nazista, os discursos e panfletos de seus líderes e os livros dos intelectuais que defendiam o nacional-socialismo dificilmente encontrará grande discrepância com as perorações nacionalistas e socialistas que habitualmente aparecem no Observatório da Imprensa, abstraída a questão do anti-semitismo.

Quando eu acusei – e ainda acuso – os jornalistas do Observatório de preconceito contra a economia de mercado não estava brincando de fazer discursos erísticos. Quem considera que o motivo do lucro é uma coisa horrorosa, que empresas privadas de mídia são inerentemente malévolas etc, naturalmente não pode posar de simpatizante do mercado. A hostilidade é patente. No entanto, quantos livros de economia Dines e seus comandados leram ultimamente, fora a tradicional lambida nas orelhas de O Capital de Karl Marx? Duvido que tenham lido um sequer. Porém, eles não se fazem de rogados em exarar os mais categóricos juízos sobre um assunto do qual são ignorantes e preferem continuar sendo, pois já formaram suas opiniões sem estudar o assunto – ou seja, são preconceituosos.

Joseph Goebbels, por sua vez, foi justamente um desses intelectuais engajados nacionalistas e socialistas, que oscilou um bom tempo entre aderir aos nazistas ou aos comunistas, posto que, com absoluta razão, não discernia diferenças substanciais entre uns e outros. Tendo afinal ingressado no Partido Nazista, tornou-se um especialista em mentiras oficiais, sem jamais contudo superar seus mestres, os comunistas. Para quem não sabe (ou não quer saber e não faz questão que ninguém mais saiba), tanto Mussolini e seus fascistas quanto Hitler e seus nazistas tiveram no comunista Lenin seu professor. Foi o golpe de estado leninista na Rússia, o partido centralizado e militarizado leninista e a absoluta falta de escrúpulos de Lenin, bem como sua férrea “vontade de poder”, que inspiraram seus similares italiano e alemão. É justamente porque pouca gente conhece História que Dines pode, impunemente e com a maior desfaçatez, imputar aos outros aquilo adjetivações que a fortiori combinam melhor com seu próprio caráter e atuação.

Continuemos. Dines me denuncia como um falso “campeão da liberdade”, na realidade um adversário da liberdade. Prova? Nenhuma. Apenas mais um juízo desinformado e malicioso, mais uma suspeita caluniosa. Bela ética a desse guardião da ética no jornalismo! Pois eu me disponho a provar além de qualquer dúvida razoável, aqui e agora, que Alberto Dines é precisamente um falso campeão da liberdade, vez que seu inimigo ferrenho. É que a liberdade – o direito de não ser constrangido a fazer ou não fazer aquilo que viola princípios elementares de Direito Natural – evidentemente não pode jamais ser desvinculada do alcance do poder estatal, pela óbvia razão de que o Estado é o mais feroz inimigo da liberdade. Limitar o poder político é absolutamente crucial para que haja liberdade. Qualquer pessoa minimamente informada está a par dos desmandos, brutalidades e arbitrariedades praticados por aqueles que usurparam o monopólio estatal da violência em causa própria em todos os tempos e lugares. Não é razoável pressupor que os jornalistas que pretendem julgar globalmente o desempenho e a qualidade do jornalismo sejam sujeitos desinformados e ignorantes. Ocorre que foram esses mesmos jornalistas que inscreveram no preâmbulo introdutório do Observatório da Imprensa que o debate acerca das “dimensões e atributos do Estado” é uma “falsa questão”! Os jornalistas que afirmam uma barbaridade desse naipe não são amigos da liberdade, e sim amigos da onça!

Passemos agora a analisar a resposta do eminente publicista no ponto em que o nível de sua fúria subiu até a estratosfera: as fontes de recursos do Observatório da Imprensa. Preliminarmente, é bom que fique claro que eu não afirmei em momento algum que a obtenção de recursos estatais pelo Observatório seria de qualquer forma ilegal. A minha objeção é de ordem MORAL. Enquanto Dines se concentra na esfera da legalidade, eu desde o começo abordei o assunto pelo aspecto da legitimidade. Esse tipo de confusão é comum em quem carece de firmeza em seus princípios éticos. Como já asseverado, creio que a participação de verbas estatais no projeto de Dines, por menor que seja ou tenha sido, é intrinsecamente imoral e ilegítima. O Estado, como todos sabem, exceto os jornalistas do periódico em questão, obtém o dinheiro que gasta por intermédio sobretudo dos impostos, ou seja, de prestações pecuniárias compulsórias devidas pelos contribuintes sem qualquer contrapartida específica do Estado. Em outras palavras, o governo não perguntou a nenhum contribuinte se ele gostaria de financiar o Observatório da Imprensa ou se optaria por guardar seu dinheiro para dispor dele de outra forma.

Dito isso, devo consignar que os esclarecimentos de Dines esclarecem pouco nesse particular. Se a Unicamp nada tem a ver com o veículo, porque seu nome aparece associado ao Labjor no próprio website do Observatório? O jornalista escreve que o periódico que dirige funciona graças a uma “estrutura administrativa” generosamente oferecida pelo Instituto Universidade-Empresa. Como diria o economista Milton Friedman, não existe “estrutura administrativa” grátis. Alguém está pagando por ela. Diz-se que o ProJor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo será o mantenedor do Observatório. E quem será o mantenedor do ProJor? Tudo isso é muito interessante se contrastado com a transparência que rege as empresas privadas com fins lucrativos, tipo de entidade tão detestada por Dines que ele considerou-se mortalmente insultado por eu ter “acusado” o seu jornal eletrônico de ser uma empresa. É claro que usei o termo na acepção geral de empreitada, projeto. Porém, qualquer sociedade comercial pode ser investigada por qualquer pessoa mediante simples consulta aos registros públicos competentes, onde estarão gravados quem são os sócios, qual é o capital, o objeto, a sede etc, sendo que em muitos casos balanços contábeis são obrigatoriamente publicados nos jornais para que qualquer interessado possa verificar as operações financeiras da empresa. O Observatório da Imprensa pode se gabar de transparência semelhante? É claro que não. Contudo, seus membros consideram-se moralmente superiores a quem trabalha em empresas motivadas pelo lucro. Com que direito?

Dines finaliza sua peroração com um belo arremate retórico. Sou acusado de ter produzido um auto-de-fé, de ser um desvairado e frustrado representante da extrema-direita, unido com a extrema-esquerda (!!!) na “sinistra empreitada” de” liquidar aqueles que têm a coragem de assumir sua independência e recusar todas as violências”. Bravo! O publicista costuma mesmo escrever como quem discursa perante uma manifestação de estudantes secundaristas do PcdoB. Não se pode negar que é agradável constatar que, a despeito da idade avançada, Dines permanece no fundo um eterno adolescente rebelde. É bonita a flama da juventude. Por outro lado, é no mínimo preocupante que o homem que se pretende o Catão Supremo do jornalismo brasileiro careça da sobriedade, maturidade, seriedade e objetividade que granjearam merecida fama para o Catão original.

Desse ardente trecho é plausível inferir-se que Dines vê a si e a sua equipe no centro do espectro político, olimpica e orgulhosamente distante dos extremismos. Não posso contudo aceitar essa conveniente, porém enganosa, classificação. Dines e seus companheiros detestam o mercado – que não compreendem e têm raiva de quem compreende – , e amam de paixão o Estado, a ponto de considerarem “falsa” a discussão sobre a dimensão e o alcance do poder político. Esses não são atributos de centristas isentos, mas sim de extremistas de esquerda ou de direita. Tanto uns quanto os outros odeiam o mercado – a ordem de relações contratuais e voluntárias entre homens livres – e amam o Estado – a ordem coercitiva adversária da liberdade. Não, Dines não está no centro. Ele e sua equipe são socialistas de “esquerda”. Nada contra, que sejam o que quiserem. Mas não venham posar de árbitros morais supremos, totalmente imparciais e isentos, da mídia ou de qualquer coisa, porque isso vocês não são. O Observatório da Imprensa é um periódico de esquerda, descambando para a extrema-esquerda e sua atuação deve ser avaliada segundo seus desígnios ideológicos. E a busca da verdade não está necessariamente entre eles.

As eleições na Colômbia

Por José Nivaldo Cordeiro


27 de Maio de 2002

Eleger um inimigo declarado dos rebeldes, que lhe ceifaram covardemente o pai, não poderia ser uma mensagem mais clara do povo colombiano para o seu governo: a guerrilha precisa ser destruída. É esse o mandato claro que emerge das urnas. É isso que o presidente Álvaro Uribe Vélez vai procurar fazer.Não será fácil, no entanto. Um movimento armado de insurreição, que já dura três décadas, tem raízes profundas. Debela-lo demanda, além de vontade política, esforço econômico de guerra e competência militar, também a ajuda dos países amigos. Se a Colômbia, sozinha, pudesse ter vencido as FARC, já o teria feito. É previsível que o governo norte-americano se envolva mais no problema, seja enviando recursos, seja enviando assessores e meios militares.

E o Brasil? Como país de maior envergadura do subcontinente Sul-americano, não poderá se omitir. Sei que razões ideológicas paralisam o atual governo no que tange a um apoio aberto ao povo colombiano contra a guerrilha de esquerda. Ao Brasil, todavia, está reservado um papel relevante no processo, ainda que seu governo não o deseje. O acirramento do conflito armado coloca imediatamente o desafio da exportação eventual das ações militares para nosso território, de um lado, e o risco de uma onda de imigração de refugiados de guerra, do outro. Ambas as situações serão de difícil administração.

O correto seria uma posição afirmativa e de liderança do Brasil na ajuda internacional à Colômbia, seja no âmbito militar, seja no âmbito econômico. Assim, seria possível, com muita rapidez, pôr um fim à capacidade operacional dos rebeldes. Mas não percebo essa vontade política no atual governo e nem no provável sucessor de FHC. Não posso deixar de pensar que esse é um erro estratégico lamentável, que muito poderá nos custar.

O pior dos cenários é um envolvimento de tropas norte-americanas no teatro de operações de guerra. Pensando em termos geopolíticos, seria muito ruim, não apenas para o Brasil, mas para o conjunto dos países sul-americanos. Abriria um precedente perigoso de intervenção militar de uma potência de fora. A única maneira dessa realidade não acontecer é o Brasil e seus vizinhos chamarem para si a responsabilidade, que sempre foi sua.

História marxista é charlatanismo

Olavo de Carvalho


O Globo, 27 de maio de 2002

Com honrosas e inevitáveis exceções, a historiografia disponível no mercado livreiro nacional é de orientação predominantemente marxista ou filomarxista. Por isso nossa visão da História é estereotipada e falsa ao ponto de confundir-se com a ficção e a propaganda. A História que os brasileiros aprendem nas escolas e nos livros é uma História para cabos eleitorais.

É que ninguém pode ser marxista também sem ler tudo com suspicácia paranóica em busca de motivações políticas ocultas, e abster-se, por princípio, de fazer o mesmo com aquilo que se escreve. Com a maior naturalidade um marxista escarafunchará o “discurso do poder” nas entrelinhas dos autores mais apolíticos e devotados à pura ciência, ao mesmo tempo que se recusará a examinar a presença do mesmo elemento em tipos que, como ele, estão ostensivamente empenhados na luta pelo poder.

Para o marxista, a História, por definição, não é ciência descritiva ou explicativa, mas arma de luta por um objetivo bem determinado. “Não se trata de interpretar o mundo, mas de transformá-lo.” O passado não tem pois aí nenhum direito próprio à existência, senão como pretexto para o futuro que se tem em vista. Daí que deformá-lo seja, para o historiador marxista, um direito e até um dever.

Marxismo, em suma, é inconsciência sistematizada.

E note-se que estou falando do marxismo melhorzinho, intelectualmente “respeitável”. Decerto não é esse tipo de marxismo que se pratica majoritariamente, no Brasil ou fora: é um marxismo de “agitprop”, que busca antes o escândalo das denúncias anticapitalistas do que o conhecimento histórico mesmo num sentido longínquo e metafórico do termo.

Um exemplo é esse desprezível “Genocídio americano — A Guerra do Paraguai”, de Júlio J. Chiavenato, que consagrou por vinte anos o mito comunista de uma luta genocida a serviço do banco Rothschild, até ser completamente destroçado por Francisco Fernando Monteoliva Doratioto no recém-publicado “Maldita guerra — Nova história da Guerra do Paraguai”.

Mesmo em obras de pura consulta o charlatanismo marxista não deixa de introduzir as mais escabrosas falsificações. Já denunciei aqui um grotesco “Dicionário crítico do pensamento de direita”, obra de 114 sumidades acadêmicas, que excluía sistematicamente todos os pensadores direitistas mais célebres — de T. S. Eliot a von Mises, de Böhm-Bawerk a Irving Kristol e Russel Kirk — colocando em lugar deles grosseiros panfletários nazistas como Goebbels e Streicher, para dar a impressão de que direitistas não pensam e, quando pensam, é para premeditar crimes hediondos.

Mas o caso mais escandaloso, pelo volume e pelas ambições, é o “Livro negro do capitalismo”, preparado às pressas por uma equipe de historiadores filocomunistas para neutralizar o vexame do “Livro negro do comunismo”. Neste último, um grupo de marxistas arrependidos, com Stéphane Courtois à frente, fazia as contas e confessava que, com seu total mínimo de cem milhões de vítimas, o comunismo tinha sido o maior flagelo de todos os tempos, superando os efeitos somados de todas as guerras, epidemias e terremotos do século mais violento da História.

Mais que depressa, a tropa esquerdista designou uma equipe de emergência, com Gilles Perrault no comando, para transmutar o prejuízo em lucro. Missão: produzir a ferro e fogo cem milhões de vítimas do capitalismo, de modo a estabelecer, na impossibilidade do resgate da imagem comunista, ao menos um arremedo de equivalência moral entre os dois regimes.

É verdade que países capitalistas se meteram em guerras e mataram pessoas. Mas uma coisa é matar inimigos em guerra, outra coisa é um Estado dizimar sua própria população civil. O total de cem milhões de vítimas apontado por Stéphane Courtois excluía, por princípio, soldados mortos em campo de batalha, atendo-se ao genocídio praticado pelos comunistas contra populações desarmadas, quase sempre nos seus próprios países. Nada de semelhante podia-se encontrar nas nações capitalistas, exceto mediante o expediente de chamar “capitalistas” o regime nacional-socialista ou o feudalismo da China imperial. Perrault e assessores não hesitaram em fazer isso, mas ainda assim os números ficavam muito abaixo do desejado. Era preciso, pois, falsear mais fundo, incluindo na soma das “vítimas do capitalismo” os combatentes mortos em batalhas. Mas mesmo então o capitalismo saía bonito. Os EUA, por exemplo, em todas as intervenções militares em que se meteram ao longo de um século, não mataram mais de dois milhões de inimigos, uma quota bem modesta para um país que se pretendia carimbar como a mais agressiva potência imperialista de todos os tempos.

Perrault e sua turma, por fim, salvaram-se da encrenca mediante a decisão cínica de atribuir ao capitalismo a culpa por todas as mortes ocorridas na II Guerra Mundial (50 milhões no total, incluindo as efetuadas pelas tropas nazistas e soviéticas), na guerra civil da Rússia (6 milhões, incluindo a metade liquidada pelo governo revolucionário), na guerra do Vietnã (2 milhões, incluindo as vítimas dos vietcongues), na guerra na Argélia (um milhão e duzentas mil, incluindo as que foram mortas pelos rebeldes comunistas), na guerra civil espanhola (700 mil mortos dos dois lados) e — santa misericórdia! — no massacre de Ruanda (500 mil mortos, todos eles sacrificados pela incitação igualitarista dos “pobres” hutus contra os “ricos” tutsis).

E assim por diante.

Resultado: debitando-se na conta capitalista os crimes cometidos pelos comunistas, o capitalismo se revelava mesmo um regime tão violento e maldoso quanto o comunismo, ficando assim estabelecida a equivalência moral, quod erat demonstrandum.

Será que chamar isso de vigarice, de intrujice barata, de propaganda enganosa, é apenas uma “opinião política”, tão discutível e moralmente relativa quanto sua contrária? Ou é uma questão de moralidade elementar?

Mas se o leitor pensa que alguns dos protagonistas dessas façanhas sente ao menos um pouco de vergonha do que fez, está muito enganado. Todos têm a consciência tranqüila de trabalhar pelo bem e pela verdade. Se lhes atiramos na cara a iniqüidade de seus feitos, eles nos viram as costas com a altivez principesca de quem não dá atenção a qualquer um, muito menos a (vade retro!) anticomunistas.

Mais ainda, com a mesma cara-de-pau com que deformam o conjunto eles mentem nos detalhes. Logo atrás do sucesso de Perrault aparecia o dr. Emir Sader, nas orelhas de um livro de Alain Besançon, falsificando com a maior sem-cerimônia o conteúdo da obra: se no corpo do texto o autor afirmava que os crimes nazistas eram muito mais alardeados pela mídia do que os comunistas, o homúnculo das orelhas, mentindo duplamente, nos fatos e na fonte, invertia a informação, alegando que todos só queriam falar do comunismo e nunca do nazismo…

Será exagero dizer que a falsa consciência levada a esse ponto é uma forma de sociopatia?