Ensaiando o “Corralito”

Por José Nivaldo Cordeiro


15 de Junho de 2002

A recente medida do Banco Central do Brasil, elevando o recolhimento compulsório sobre depósitos a prazo de 10% para 15%, combinada com a antiga decisão que obriga os bancos a recolherem taxas variadas de compulsório em torno de 80% da média diária dos depósitos à vista, mostra o quanto anda engessado o crédito em nosso País. O Estado não se limita a se arvorar a ter o monopólio da dívida – é o Grande Devedor. Quando o mercado recusa, por alguma razão, a cessão de crédito adicional que o esfomeado tomador quer, o Estado interfere de forma draconiana sobre a normalidade econômica, tomando os recursos à força. É uma extrema violência.

Recolher compulsoriamente valores nesses montantes é negar a necessária liquidez para o funcionamento normal do sistema econômico, obrigando os agentes econômicos deficitários (que precisam de crédito, mas que são economicamente saudáveis, é importante sublinhar) a pagar taxas de juros exorbitantes, consideradas as maiores do Planeta. Empresas só podem ser bem sucedidas no Brasil se tiverem 100% de capital próprio para tocar as suas operações, do contrário estão sujeitas a quebrar, pois nenhuma operação normal de produção pode gerar meios para pagar os juros exorbitantes impostos pelo governo. Ainda pior: nenhum projeto de investimento pode ser realizado se for utilizado como parâmetro de taxa de retorno os juros de mercado, inibindo o desenvolvimento econômico. Em outras palavras, as ações do governo são uma fábrica de desemprego e de desespero social. É o horror econômico praticado metodicamente, através de resoluções do Banco Central, sob o comando dos apologetas do gigantismo estatal.

Ações desse tipo são da mesma natureza do famigerado “corralito”, que tanto tem infelicitado a Argentina. A diferença é só de grau. Quanto mais o Estado perder a credibilidade junto aos seus financiadores internos e externos, mais se verá tentado a lançar mão dessa violência extrema, a pretexto de combater a especulação. Esta deveria ser combatida com medidas corretas de política econômica, reduzindo despesas públicas, intervenções indevidas no mercado, desregulamentando o que não deve ser regulamentado e, sobretudo, reduzindo a demanda por créditos adicionais do Estado. Estamos muito longe disso, pois o déficit público será elevado e permanente, enquanto o comando do governo estiver na mão daqueles que praticam o bordão do “tudo pelo social”.

E, quanto mais violência o Estado cometer contra o mercado, mais tentado ficará para desvalorizar a dívida pública, produzindo um confisco de riquezas. Haverá assim uma espiral de insegurança. Na verdade, os agentes econômicos não especulam, como sugerem os burocratas do governo, apenas tomam decisões racionais em meio a grandes incertezas sobre o futuro imediato, derivadas das ações intempestivas e violentas do Estado.

Se houver um momento de insegurança mais generalizado, que induza os financiadores do governo a buscar aplicações em ativos reais, estarão criadas as condições para que o tal “corralito” seja implantado aqui em sua plenitude, como aliás fez o Governo Collor. Será a “argentinização” da economia brasileira, o mergulho no abismo profundo e ameaçador que ninguém sabe quando acabará.

Culpar os bancos privados por essa situação é não apenas injusto, é um erro grosseiro. Os correntistas pagam elevadas taxas pelos serviços bancários simplesmente porque os bancos não têm como ratear custos com suas carteiras de crédito artificialmente inibidas. Os depósitos à vista, que deveriam ser o funding para fazer chegar dinheiro barato para a produção, aumentando a escala de empréstimos e a rentabilidade dos bancos, são drenados sem remuneração pelo ogro estatal. Os bancos são vítimas do processo, embora sejam instrumento da ação exorbitante do governo.

São essas pessoas que destroem a capacidade de desenvolvimento econômico que, fazendo propaganda enganosa para os eleitores, prometem resolver os problemas da economia com mais intervenção governamental. A verdade é exatamente o contrário: os problemas só serão eliminados quando o ogro estatal for enquadrado em uma dimensão civilizada, que respeite os que trabalham e constroem a prosperidade. O drama é que a verdade nunca ganhou eleição alguma. Infelizmente, o País está na mão dos demagogos, a produzir o desastre, que continuarão governando.

Serra e Lula

Por José Nivaldo Cordeiro


13 de Junho de 2002

Pelo andar da carruagem, a eleição presidencial que se aproxima deverá caminhar mesmo para a disputa polarizada entre Serra e Lula, se não houver nenhum fato novo. Quais as semelhanças e diferenças entre os dois candidatos? Que forças políticas representam? Para onde caminhará o Brasil sob o comando de um ou de outro?

Várias vezes eu abordei esse tema nos artigos anteriores, ao qual volto motivado por um e-mail provocativo que recebi, o qual me colocou a questão: se nenhum dos dois, quem, então? É esse o drama do nosso Brasil, pois que não há uma terceira alternativa. Nenhum dos dois reflete a minha inclinação política, que pode representar a inclinação de uma boa maioria silenciosa ou, no mínimo, uma minoria bastante ponderável. O drama consiste exatamente no fato de que nenhum dos dois candidatos, enquanto instrumento das forças políticas que representam, terão condições de conduzir o processo de retirada do Brasil do atoleiro em que se encontra.O drama é precisamente a ausência de um estadista com densidade política e que tenha a clareza de que o País precisa reduzir rápida e profundamente o papel do Estado, tendo para isso que enfrentar o conjunto dos interesses estabelecidos que se alimentam precisamente da fragilidade da Nação, as sanguessugas políticas.

Quanto maior o Estado, mais pobre o povo e mais fraca a Nação. Quanto maior o Estado, mais ricos e cevados ficam os grupos de interesse que o controlam. A recente aprovação da CPMF, atropelando cláusulas pétreas da própria Constituição, mostra a que grau de abuso sobre o povo chegou a nossa classe política. A realidade é simples assim e é provável que apenas um processo revolucionário possa quebrar a inércia e criar os meios políticos para restabelecer as condições de equilíbrio que desapareceram desde 1985.

Serra representa a versão gramsciana do marxismo brasileiro, que está encastelado no poder desde que FHC assumiu. Esse grupo ganhou expressão com a passagem do poder dos militares aos civis, mas a culminação do seu poder aconteceu nos últimos oito anos. Serra representa o aprofundamento dessa proposta política. A forma como ele tratou as oligarquias tradicionais para sedimentar a sua candidatura mostra onde quer chegar: quer eliminar completamente qualquer fundamento conservador como base de poder, daí ter hostilizado desde o início os líderes do PFL. Ele esteve certo no seu diagnóstico desde o início: os conservadores patrimonialistas são agora leões velhos desdentados, como Sarney e ACM. Viraram cartas fora do baralho.

Sua fórmula é muito simples: quer governar com os camaradas do Partidão e com os fisiológicos, os primeiros formando os quadros do Executivo e do Judiciário e os segundos dando sustentação parlamentar. O problema é que uma correlação de forças dessa natureza não pode dar as respostas necessárias ao drama vivido pelo Brasil, fazendo aquilo que é necessário para que o País não venha a ser precipitado no abismo da crise, como ocorreu na Argentina. E é preciso sublinhar que a questão não é técnica – o como fazer – mas sim, política, a vontade de fazer o que precisa ser feito.

O grupo de Lula é mais homogêneo e, embora seja composto majoritariamente por marxistas gramscianos, suas lideranças são velhas raposas leninistas e maoístas, que podem não ficar saciadas com o mero exercício de poder na democracia burguesa. Eles até que estão tentando repetir a fórmula política da social-democracia, de formar um arco de aliança com os conservadores fisiológicos, pois perceberam que pode ser o caminho eficaz para chegada ao poder. O problema é que a sua composição política revolucionária é tão marcante que nem os fisiológicos acreditam nas suas declarações. Lula continua órfão em suas tentativas de alianças com o chamado centro político. O risco de um tumulto institucional em um eventual governo Lula é grande, a exemplo do que vimos acontecer na Venezuela. A sua condição de governabilidade é também bastante frágil.

Serra tem o apoio da comunidade financeira internacional e, se não tem a simpatia, tem a compreensão dos EUA. Lula é hostilizado por todos e representa uma ameaça direta ao status quo. Essa é uma das diferenças fundamentais que separa os dois candidatos. Serra tem o apoio das chamadas classes produtoras – a começar pela FIESP. Lula é hostilizado pelas lideranças empresariais, que temem o PT. Essa é outra diferença fundamental.

Os sinais

Por José Nivaldo Cordeiro


12 de Junho de 2002

Nos últimos dias as más notícias na área de crédito internacional do Brasil foram o grande mote da imprensa, tendo culminado com a entrevista de George Soros à Folha de São Paulo, no último domingo. Quanto mais se aproximar a data das eleições presidenciais e mais o candidato da oposição mostrar força política, mais o crédito do Brasil deverá minguar. A fala de Soros foi uma grande infelicidade e um grande equívoco. A fato de ser banqueiro nem aumenta a inteligência e nem a sabedoria, como se vê.

É claro que quem elege os nossos governantes somos nós mesmos – brasileiros – de maneira que somos os únicos responsáveis pelas besteiras realizadas pelos nossos governantes, em última análise. Quer Wall Street goste, ou não, Lula pode chegar lá e, na minha modesta avaliação, ainda no primeiro turno. Paciência! Será a vontade da maioria e é assim no regime democrático.

Mas o mercado não reage de acordo com a vontade dos eventualmente eleitos. Lula lá significará fuga de capitais, desinvestimento, encurtamento do horizonte decisório das empresas, provável moratória técnica, desemprego e hiperinflação. Não precisa ser profeta para saber que isso vai acontecer. Será a crise econômica em grandes proporções. Pior ainda porque deverá mudar o eixo das relações internacionais, afastando o País ainda mais dos EUA e aproximando-o da Venezuela de Chávez, de Cuba e da guerrilha das FARC, o verdadeiro Eixo do Mal da América Latina. É redundante afirmar que isso isolará o Brasil política e economicamente.

Na mesma linha, a dificuldade que tem tido o Banco Central para a rolagem da dívida interna reflete os mesmos sintomas. Os teóricos esquerdistas, ainda uma vez, poderão aprender a lição de que nada se impõe ao mercado, exceto em regime de exceção, abolindo-se o Estado de Direito, o que significa a abolição do próprio mercado. Estamos vendo o prazo dos títulos públicos encurtar e a taxa de juros subir, contra a vontade dos burocratas e políticos que controlam o Estado. Se o governo não concordar, que pague o que deve. O mercado tem força e não pode ser ignorado.

A elevação da taxa de câmbio que se tem verificado nos últimos dias é apenas o termômetro da desconfiança instalada no mercado, que se generaliza dia após dia. Essa elevação do câmbio é apenas o preâmbulo de uma fuga maior dos investidores para fazer hedge, seja em ativos cambiais, seja adquirindo bens reais, menos sujeitos à corrosão inflacionária e ao arbítrio confiscatório do governo. É já um movimento que antecede a explosão inflacionária e a insolvência internacional do País.

Em tudo e por tudo, o Brasil está repetindo os passos da Argentina. Bem sabemos o que significa isso. Lula lá poderá ser o desastre em grandes proporções e seus eleitores, alegremente, não se dão conta do perigo. Caminhemos todos, pois, para o abismo, que ele está a nossa espera. E Deus nos ajude a todos.