Rejeitando um convite inaceitável – II

Olavo de Carvalho

26 de dezembro de 2004

Veja também: Rejeitando um convite inaceitável – I

Nova mensagem

Sent: Sunday, December 26, 2004 9:10 AM

Prezado Olavo,

Agradeço sua rápida resposta. Felizmente na vida as discordâncias são fundamentais. Em Filosofia como em Medicina também. Discordo, mas não vou contestá-lo. Só quem conviveu com um paciente moribundo com mais de 30 dias em UTI e sofrimento desnecessário, e conviveu com o nascimento de um anencéfalo pode ter opinião diferente da sua. Portanto, o que parece tão bíblico para o senhor pode não parecer para mim. Felizmente o mundo caminha e os conceitos e preconceitos vão mudando.

Um bom final de ano.

Luiz Eduardo Imbelloni

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Resposta de Olavo de Carvalho

Prezado doutor,

Já convivi com moribundos. Um deles, após alguns meses de “sofrimento desnecessário”, muito além do nível máximo que os adeptos da eutanásia exigiriam para sentir-se autorizados a mandá-lo desta para melhor, se recuperou miraculosamente e hoje é um dos meus melhores amigos. Quanto a anencéfalos, é ridículo pretender que a ciência conheça exatamente a função do cérebro na produção da consciência. Casos como aquele que reproduzo logo abaixo mostram a profunda ignorância da classe médica a respeito. A única atitude sábia ante a constatação da nossa ignorância é a prudência, a abstinência de decisões drásticas. Não há decisão mais drástica do que aquela que determina se um ser humano deve viver ou morrer. O senhor pode se achar habilitado a tomar essa decisão, mas não está e não estará nunca. A eutanásia será sempre a reivindicação abusiva de um poder divino, uma hübrys demoníaca que não poderá produzir nenhum resultado bom. O fato mesmo de que, na nova constituição do poder mundial, o direito à eutanásia venha consagrado na mesma lista que inclui o aborto, a liquidação de anencéfalos e o uso de fetos humanos nas pesquisas de células-tronco – sempre justificadas com argumentos que implicam a incapacidade de discernir entre um ser humano e os organismos animais – já mostra a inspiração profundamente anticristã dessa idéia. O senhor pode brincar com a diversidade de interpretações da Bíblia – um livo que aparentemente, para o senhor, não passa de uma curiosidade histórica – , mas nunca, entre leitores cristãos, essa diversidade será tão elástica ao ponto de chegar ao antagonismo extremo numa questão essencial como a do direito à vida. O fato mesmo de que o senhor se abstenha de discutir comigo mostra que nunca se interessou seriamente pelas objeções à posição que adotou, a qual reflete manifestamente uma preferência pessoal não examinada. Reconheço seu direito de dessensibilizar-se para as dificuldades morais dessa posição, mas advirto que não existe consciência moral onde não existe o exame demorado e escrupuloso das hipóteses em conflito, principalmente num caso que envolve a decisão quanto à morte de seres humanos. A afirmação de que “as discordâncias são fundamentais” é apenas uma expressão de polidez bem fácil, quando acompanhada da recusa de examiná-las. Outro detalhe significativo é que, para o evento mencionado na sua primeira mensagem, o senhor procure um filósofo já decidido a apoiar a eutanásia, e não um disposto a examiná-la criticamente. O que o senhor quer dele não é uma discussão filosófica: é propaganda. Novamente, é um direito seu, mas não uma posição intelectualmente e moralmente defensável.

Atenciosamente,

Olavo de Carvalho

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Is your brain really necessary?

http://www.alternativescience.com/no_brainer.htm

Do you really have to have a brain? The reason for my apparently absurd question is the remarkable research conducted at the University of Sheffield by neurology professor the late Dr. John Lorber.

When Sheffield’s campus doctor was treating one of the mathematics students for a minor ailment, he noticed that the student’s head was a little larger than normal. The doctor referred the student to professor Lorber for further examination.

The student in question was academically bright, had a reported IQ of 126 and was expected to graduate. When he was examined by CAT-scan, however, Lorber discovered that he had virtually no brain at all.

Instead of two hemispheres filling the cranial cavity, some 4.5 centimetres deep, the student had less than 1 millimetre of cerebral tissue covering the top of his spinal column. The student was suffering from hydrocephalus, the condition in which the cerebrospinal fluid, instead of circulating around the brain and entering the bloodstream, becomes dammed up inside.

Normally, the condition is fatal in the first months of childhood. Even where an individual survives he or she is usually seriously handicapped. Somehow, though, the Sheffield student had lived a perfectly normal life and went on to gain an honours degree in mathematics. This case is by no means as rare as it seems. In 1970, a New Yorker died at the age of 35. He had left school with no academic achievements, but had worked at manual jobs such as building janitor, and was a popular figure in his neighbourhood. Tenants of the building where he worked described him as passing the days performing his routine chores, such as tending the boiler, and reading the tabloid newspapers. When an autopsy was performed to determine the cause of his premature death he, too, was found to have practically no brain at all. Professor Lorber has identified several hundred people who have very small cerebral hemispheres but who appear to be normal intelligent individuals. Some of them he describes as having ‘no detectable brain’, yet they have scored up to 120 on IQ tests.

No-one knows how people with ‘no detectable brain’ are able to function at all, let alone to graduate in mathematics, but there are a couple theories. One idea is that there is such a high level of redundancy of function in the normal brain that what little remains is able to learn to deputise for the missing hemispheres.

Another, similar, suggestion is the old idea that we only use a small percentage of our brains anyway—perhaps as little as 10 per cent. The trouble with these ideas is that more recent research seems to contradict them. The functions of the brain have been mapped comprehensively and although there is some redundancy there is also a high degree of specialisation—the motor area and the visual cortex being highly specific for instance. Similarly, the idea that we ‘only use 10 per cent of our brain’ is a misunderstanding dating from research in the 1930s in which the functions of large areas of the cortex could not be determined and were dubbed ‘silent’, when in fact they are linked with important functions like speech and abstract thinking.

The other interesting thing about Lorber’s findings is that they remind us of the mystery of memory. At first it was thought that memory would have some physical substrate in the brain, like the memory chips in a PC. But extensive investigation of the brain has turned up the surprising fact that memory is not located in any one area or in a specific substrate. As one eminent neurologist put it, ‘memory is everywhere in the brain and nowhere.’ But if the brain is not a mechanism for classifying and storing experiences and analysing them to enable us to live our lives then what on earth is the brain for? And where is the seat of human intelligence? Where is the mind?

One of the few biologists to propose a radically novel approach to these questions is Dr Rupert Sheldrake. In his book A New Science of Life Sheldrake rejected the idea that the brain is a warehouse for memories and suggested it is more like a radio receiver for tuning into the past. Memory is not a recording process in which a medium is altered to store records, but a journey that the mind makes into the past via the process of morphic resonance. Such a ‘radio’ receiver would require far fewer and less complex structures than a warehouse capable of storing and retrieving a lifetime of data.

But, of course, such a crazy idea couldn’t possibly be true, could it?

Guerra de covardes

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 26 de dezembro de 2004

O acontecimento foi omitido pela mídia nacional, mas o leitor pode conferir na página http://www.rebelion.org/noticia.php?id=8980 em junho de 2004, o comandante-geral do Exército venezuelano, general Raúl Baduel, discursando no 51º aniversário da Escuela de Infantería, anunciou oficialmente a nova doutrina militar de seu país, baseada no conceito de “guerra do povo” criado pelo comandante vietnamita Vo Nguyen Giap. A idéia é simples, genial e de uma bestialidade a toda prova. Consiste em envolver toda a população na atividade guerreira, de modo a privar o adversário do centro de gravidade do seu ataque – a destruição física do exército convencional – e forçá-lo à escolha impossível entre o genocídio assumido e a autocontenção debilitante.

Sua adoção pelo Vietnã do Norte foi uma das primeiras aplicações do princípio geral que depois viria a chamar-se “guerra assimétrica”, no qual um dos lados se arroga o direito a todos os crimes, a todas as covardias, ao mesmo tempo que amarra o adversário numa complexa rede de cobranças morais perante a opinião pública, levando-o à hesitação e à paralisia. O exército de Giap era, nesse sentido, a exata inversão de um exército normal, que arrisca a vida no campo de batalha para proteger o povo. Seus soldados espalhavam-se e diluíam-se no meio da população, usando-a metodicamente como escudo humano. As mortes de civis deliberadamente provocadas pelo seu próprio governo eram em seguida aproveitadas como material de propaganda contra os EUA.

Nem Hitler e Stalin chegaram a tamanha baixeza. Giap, por havê-la praticado gostosamente anos a fio, foi entronizado como santo do movimento comunista internacional.

Muitos jornalistas ocidentais – brasileiros inclusive – foram cúmplices voluntários da operação. O repórter José Hamilton Ribeiro, da revista Realidade, confessou que ele e seus colegas repassavam aos leitores, como notícias confiáveis, aquilo que sabiam perfeitamente ser pura desinformação vietcongue.

A vitória de Giap foi aliás devida antes a esses amáveis colaboradores do que à astúcia macabra da sua estratégia. Na ofensiva do Tet, ele caiu na sua própria armadilha, retirando o exército de sob as saias da população e expondo-o num ataque maciço. Resultado: suas tropas foram esmagadas, mal restando o suficiente para invadir a embaixada americana em Saigon e aterrorizar funcionários civis. A imagem destes em debandada, porém, foi transmitida pelos jornalistas americanos pró-vietcongue (a quase totalidade deles) como prova de “derrota” do seu país, causando a crise política que obrigou o presidente Johnson a retirar suas tropas do Vietnã, curvando-se ante um inimigo militarmente destroçado. O próprio Giap, anos depois, reconheceu que suas armas mais eficazes foram a mídia esquerdista chique e os movimentos “pacifistas” que amarraram as mãos do governo americano, entregando o Vietnã do Sul e o Camboja ao domínio dos comunistas, os quais ali puderam então matar tranqüilamente 3 milhões de civis, a salvo de qualquer protesto ocidental audível.

Pois bem, foi à doutrina giapiana da covardia organizada que a Venezuela aderiu oficialmente, contando, para implementá-la, com a ajuda do Brasil, no mínimo sob a modalidade do fornecimento de armas, mas idealmente como apoio à adoção da “guerra do povo” como doutrina militar global da Comunidade Sul-Americana de Nações.

Se as nossas Forças Armadas, o último reduto da honestidade e do patriotismo no Brasil, consentirem em colaborar com os planos do governo da Venezuela, não restará alternativa para os cidadãos honrados – se ainda existirem depois disso – senão sair do país.

Meus votos de ano novo a todos os brasileiros resumem-se num só: que isso não chegue a acontecer.

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Vocês leram as denúncias do jornalista Vítor Vieira, em www.videversus.com.br, sobre a corrupção no Fórum Social Mundial? Pensem nelas, na próxima vez em que quiserem aceitar, como alternativa eleitoral ao PT, um entusiasta desse empreendimento.

Voltando à causa primeira

Olavo de Carvalho


Folha de S.Paulo, 25 de dezembro de 2004

Por irritante que seja para seus velhos correligionários evolucionistas e ateus, a “conversão” do filósofo Anthony Flew ao deus de Aristóteles (conversão entre aspas, porque esse deus é um conceito metafísico, e não um objeto de culto) só mostra duas coisas. A primeira é o hábito consagrado, quase um direito adquirido entre os materialistas modernos, de opinar em questões de metafísica sem o necessário conhecimento da filosofia clássica e medieval. Basta um deles fazer uma tentativa séria de estudar o assunto, e suas convicções começam a ceder terreno. Nem o velho determinismo de Darwin nem a mais recente moda do acaso onipotente são compatíveis com uma inteligência filosoficamente madura. São poses adolescentes, incapazes de resistir a um exame crítico.

A segunda coisa que o episódio evidencia é a absoluta impossibilidade de colocar o problema da causa primeira em termos de “ciência versus fé”, chavão imbecil baseado no desconhecimento radical de toda a tradição filosófica. A fé não tem nada a ver com a questão, e os materialistas só a inserem no debate para encenar no teatro infantil da incultura contemporânea uma luta de fantoches entre o heroizinho iluminista e o dragão do obscurantismo ancestral. Anthony Flew não se converteu. Apenas consentiu em descer de um pedestal de presunçosa ignorância coletiva e confrontar a idolatria do acaso com dois milênios de discussão filosófica. Fez o que Richard Dawkins não tem nem a honestidade nem a capacidade de fazer. O resultado ainda é pobre -Flew apenas reconheceu a necessidade genérica de uma causa primeira-, mas já está infinitamente acima daquela patética metafísica de “nerd” que tantos admiram em Dawkins.

Toda tentativa de provar que a vida se formou por acaso, tão logo certos fatores se combinaram nas proporções adequadas para produzi-la, sem que nenhuma causa inteligente os impelisse a tanto, está condenada na base. Quanto mais a afirmam, mais proclamam, sem o perceber ou sem admitir que o percebem, que o composto só adquiriu força geradora de vida graças, justamente, às proporções, à razão matemática entre seus elementos; e que essa proporção, se teve o dom de produzir esse efeito no instante em que os elementos se encontraram -mesmo admitindo-se que se encontraram fortuitamente-, já o possuía desde muito antes desse instante, já o possuía desde toda a eternidade. E basta saber o que significa razão ou proporção -“ratio”, “proportio”, “eidos”, “logos”- para entender que nenhuma proporção pode valer sozinha e isoladamente, fora da ordem matemática integral entre todos os elementos possíveis.

Se determinada combinação de elementos pôde gerar determinado efeito, é porque o sistema inteiro das relações e proporções matemáticas que moldavam e determinavam essa possibilidade preexistia eternamente à sua manifestação. No princípio era o “logos”, e não há nada que o apelo ao acaso possa fazer contra isso.

O mesmo se aplica à origem do cosmos na sua totalidade, muito antes do surgimento da “vida”. O mais ínfimo fenômeno de escala subatômica já aparece como realização de uma proporção matemática que o antecede na ordem do tempo e o transcende na ordem ontológica. A Bíblia expõe isso da maneira mais simples, ao dizer que o espírito de Deus pairava sobre as águas. A ordem das possibilidades definidas, ou forma interna da onipotência, prevalece sobre a desordem das possibilidades indefinidas, as quais só podem se manifestar, precisamente, ao sair do indefinido para o definido, ou, em linguagem bíblica, das trevas para a luz. A estrutura interna do primeiro acontecimento cósmico, qualquer que seja ele, é sempre a manifestação de uma forma ou proporção que, como tal, é supratemporal e independente de qualquer acontecimento.

Se a causa eficiente que acionou essa passagem e determinou o início do processo cósmico operou, por sua vez, fortuitamente ou segundo a ordem, é questão que já está respondida na sua própria formulação, de vez que a noção mesma de uma conexão de causa e efeito só pode ser concebida como forma lógica definida, portanto como expressão da ordem. Mesmo se quisermos imaginar essa causa como puramente fortuita, a forma interna do nexo causal “in genere” tem de lhe haver preexistido desde sempre, e não pode ser concebida como fortuita, já que é precisamente o contrário disso.

Para alegar que não foi assim, seria preciso demonstrar que todas as formas e proporções são caóticas e indiferentes, isto é, que a ordem lógico-matemática não existe de maneira nenhuma, nem no cosmos manifestado, nem como mera estrutura da possibilidade em geral. Porém, depois disso, seria grotesco apelar a instrumentos lógico-matemáticos para provar o que quer que fosse. Para provar até mesmo o império do acaso.

Tudo isso é arquievidente, e negá-lo é eliminar qualquer possibilidade de conhecimento científico, mesmo puramente instrumental e convencional.