Fontes primárias

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 29 de setembro de 2005

No jornalismo como na ciência histórica, a condição número um da busca da verdade é a supremacia das fontes primárias — aquelas informações que vêm diretamente dos personagens atuantes ou das testemunhas mais próximas. Uma vez firmada a sua autenticidade, elas quase sempre têm, por si, o poder de restabelecer os fatos, separando-os do erro e da mentira.

Três exemplos:

1) No discurso que fez na celebração dos quinze anos de fundação do Foro de São Paulo, em 2 de julho deste ano, o sr. presidente da República confessa que submeteu a uma assembléia de estrangeiros ­– Fidel Castro, Hugo Chávez, os narcoguerrilheiros das Farc e os seqüestradores do MIR chileno, entre outros – decisões fundamentais da política externa brasileira, ocultando-as deliberadamente do Congresso, da Justiça e da opinião pública. A íntegra do documento está no site oficial, http://www.info.planalto.gov. br/download/discursos/pr812a .doc. Uma análise mais extensa pode ser lida em http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm.

Os brasileiros já se tornaram sonsos e insensíveis, mas é improvável que pelo menos alguns deles, civis ou militares, não percebam que um governante capaz de extinguir por arbítrio próprio a soberania nacional, de esconder isso durante anos e de confessá-lo depois com vaidosa presunção como se tivesse feito algo de meritório, não deve ficar na presidência por mais um minuto sequer. O que é possível, sim, é que todos o percebam, mas, acanalhados pela prática diária da covardia disfarçada de esperteza, consigam fingir que não perceberam. Isso, no Brasil, já virou quase uma regra moral, um imperativo categórico.

2) A “Carta de um Desertor” reproduzida pelo jornal coreano Daily NK do dia 27 traz o relato de um fugitivo da Coréia do Norte que, capturado na China, sofreu torturas hediondas que culminaram na amputação de seus dois pés. O documento, com fotos da vítima, está em http://www.dailynk.com/english/read.php?cataId=nk00100&num=291.

Embora sejam abundantes e em geral de fácil confirmação os relatos como esse, bem como os apelos desesperados vindos de prisioneiros políticos vietnamitas, cubanos e chineses, a mídia brasileira inteira – como aliás boa parte da americana – faz questão estrita de manter tudo isso longe dos olhos do público. Assim fica fácil persuadir a multidão de que o máximo de crueldade concebível são aquelas brincadeiras de mau gosto feitas pelos americanos com os agentes de Saddam Hussein em Abu Ghraib. Afinal, que são dois pés a mais ou a menos, em comparação com a dor suprema – oh! o horror! o horror! — de ouvir uns gritos ou de ser filmado com uma calcinha na cabeça ?

3) No artigo da semana passada, falei do suicídio de Salvador Allende, substituído no imaginário popular pela lenda do homicídio praticado pelas tropas rebeldes. Graças ao repórter brasileiro Ib Teixeira, a versão fantasiosa foi por fim desmoralizada mediante o testemunho do médico de Allende, que encontrou o ex-presidente morto, com uma metralhadora na mão, bem antes que as tropas de Pinochet entrassem no Palácio de La Moneda. Mas o depoimento, na verdade, só inocentava os golpistas, não provava o suicídio. Pois agora fico sabendo que não foi suicídio mesmo: Allende foi assassinado por agentes da inteligência cubana para impedir que se rendesse. Uma eficiente rajada de metralhadora transfigurou o derrotista covarde num mártir cujo cadáver pôde então ser utilmente explorado pela propaganda comunista. A história está no livro Cuba Nostra: Les Secrets d’Etat de Fidel Castro, publicado pela Plon em Paris, que o jornalista Alain Ammar escreveu com base em declarações de alguns dos próprios agentes cubanos do entourage de Allende. Um resumo encontra-se em http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=4132.

Vocês entendem agora por que o jornalismo brasileiro tem um sacrossanto horror às fontes primárias, preferindo sempre as opiniões de “especialistas” e “intelectuais”?

President Lula, guilty by confession

Olavo de Carvalho
Diario do Comercio, September 26th, 2005

Translated by David Carvalho and Donald Hank to Laigle’s Forum.

I should be grateful to President Lula. When practically all the national media makes an effort to cover up the activities of the Sao Paulo Forum or even to deny its existence, labeling as a “madman” or “fanatic” anyone who denounces them, cometh the very founder of the entity and does the job, proving by his own words the most depressing suspicions and some even worse.

The presidential speech on July 2, 2005, stated in the fifteen year anniversary of the Forum and reproduced in the government’s official site , is the explicit confession of a conspiracy against the national sovereignty, an infinitely more serious crime than all crimes of corruption perpetrated and covered up by the current government; a crime that, by itself, would justify not only impeachment but also the imprisonment of its perpetrator.

At the distance at which I find myself, I have only now become fully aware of this unique document, and yet the editors-in-chief of the major newspapers and of all the radio and TV news broadcasts in Brazil were there the whole time. Though aware of the speech since the date it was made, they remained silent, proving that their persistent hiding of the facts was not the result of distraction or pure incompetence: it was subservient, Machiavellian complicity with a crime, of which they expected to enjoy profits unknown.

The meaning of these paragraphs, once unearthed from the verbal garbage that wraps it, is crystal clear:

“As a function of the existence of the Sao Paulo Forum, comrade Marco Aurelio has played an extraordinary role in this effort to consolidate what we started in 1990… This was how we, in January 2003, proposed to our comrade, president Chavez, the creation of the Group of Friends to find a peaceful solution that, thank God, took place in Venezuela. And it was only possible thanks to political action between comrades. It was not a political action of either a State with another State, or one president with another president. Some will remember, Chavez attended one of the forums we held in Havana. And thanks to this relationship it was possible for us to build, with many political divergences, the consolidation of what took place in Venezuela, with the referendum that installed Chavez as president of Venezuela.

“In this way we could act, together with other countries, with our comrades of the social movement, of those countries’ parties, of the union movement, always using the relationship built in the Sao Paulo Forum so that we could talk without appearing to do so, and so that people would not understand any political interference taking place.”

What the President admits in these excerpts is that:

1. The Sao Paulo Forum is a secret or at least undercover entity (”built… so that we could talk without seeming to do so, and so that people would not understand any political interference taking place”).

2. This entity is actively involved in the internal politics of many Latin-American nations, making decisions and determining the course of events, at the fringes of all supervision by government, parliaments, justice and public opinion.

3. The so called “Group of Friends of Venezuela” was but an arm, agency or facade of the Sao Paulo Forum (”as a function of the existence of the Forum… we proposed to our comrade president Chavez.”..).

4. After being elected in 2002, he, Luis Inacio Lula da Silva, while having abandoned pro forma his position as president of the Sao Paulo Forum, giving the impression that he was free to rule Brazil without commitments with ill-explained foreign alliances, kept working underground for the Forum, helping, for instance, to produce the results of the Venezuelan referendum of August 15, 2004 (”thanks to this relationship it was possible for us to provide the consolidation of what took place in Venezuela”), without giving his voters the slightest satisfaction for this.

5. The orientation in vital issues of Brazilian foreign policy was decided by Mr. Lula not as President of the Republic at meetings with his ministers, but as an attendee and advisor of underground meetings with foreign political agents (”it was a political action between comrades, not a political action either of one State with another, or of one president with another”). He put loyalty to his “comrades” above his duties as a president.

The President confesses, in short, that he subjected the country to decisions made by foreigners, gathered in conferences of an entity whose actions the Brazilian people would not be made privy to, much less understand.

The active humiliation of the national sovereignty could not be more evident, especially when one realizes that the attending entities of these decision-making meetings include organizations such as the Chilean MIR, kidnapper of Brazilians, and the FARC, Colombian narcoguerilla, responsible, according to its member Fernandinho Beira-Mar, for the annual injection of two hundred tons of cocaine into the national market.

Never before has an elected president of any civilized country showed such complete disdain for the Constitution, the laws, the institutions and the entire electorate, while giving all confidence, all authority, to a conclave swarming with criminals, in tracing the nation’s destiny and its relations with its neighbors behind the people’s backs. Never before in Brazil was there as brazen, complete and cynical traitor as Luis Inacio Lula da Silva.

The greatest proof that he consciously eluded the opinion of the public, keeping them ignorant of the operations of the Sao Paulo Forum, is that, as the elections approached, fearing my constant denunciation of this entity, he told his “advisor for international affairs,” Giancarlo Summa, to appease the newspapers by means of an official note from the Workers Party stating that the Forum was just an innocent debating club, devoid of any political action (see http://www.olavodecarvalho.org/semana/10192002globo.htm ). And now he boasts of the “political action of comrades,” performed with resources from the Brazilian government and hidden from Congress, justice and public opinion.

Compared to such an immense crime, what importance can the Mensalao  and the like phenomena have but as a means of financing operations that are only part of the overall strategy of transferring national sovereignty to the secret authority of foreigners?

Can there be greater disproportion than between ordinary cases of corruption and this supreme crime for which they served as instruments?

The answer is obvious. But why then did many readily denounce the means while agreeing to keep covering up the ends?

Here the answer is less obvious. It requires presorting. The denouncers are divided into two types: (A) individuals and groups committed to the Sao Paulo Forum’s scheme, but not directly involved in the use of these illicit means in particular; (B) individuals and groups unrelated to both things.

The rationale of the former is simple, to whit: off with the rings, but keep the fingers. Once it has become impossible to keep hiding the use of illicit instruments, they agree to throw their most notorious operators under the bus, in order to keep perpetrating the same crime by other means and agents. The content and even the style of the charges leveled by these people reveal their nature as pure decoys. When they attribute the Workers Party corruption, which started as early as 1990, to settlements with the IMF signed in 2003 on, they show that their need to lie does not shrink even before the plain and simple material impossibility. When they cast the blame on some “group,” hiding the fact that the ramifications of the criminal structure extended from the Presidency of the Republic to the rural town halls, implicating practically the whole party, they prove that they have as much to hide as those who were charged at the time.

More complex are the motivations of group B. In part, it is composed of characters devoid of fiber, physical and moral cowards, who would rather focus on the lesser details for fear of seeing the continental dimensions of the overall crime. There is also the subgroup of the intellectually weak, who stake their bets on the “death of communism” nonsense and now, in order not to contradict themselves, feel obliged to reduce the greatest coup scam in the history of Latin America to the more manageable dimensions of an ordinary corruption scheme, depoliticizing the meaning of the facts and pretending that Lula is nothing more than a   Fernando Collor without a jet ski. There are those who, out of either opportunism or stupidity, collaborated way too much with the rise of the criminal party to power and now feel divided between the impulse to cleanse themselves of the stench of the bad company they kept, and the impulse to lessen the crime to avoid the burden of their complicity in it. There are also the pseudo-wise guys who aided and abetted the enemy, blinded by the insane illusion that it is more viable to defeat him by gnawing at him from the edges than by lunging a death blow in his heart. There are, finally, those who truly understand nothing of what’s going on and, parroting Brazilian speech patterns, just repeat what they hear, in hopes of blending in.

I earnestly ask all the flaming anti-corruption accusers of recent weeks – politicians, media owners, businessmen, journalists, intellectuals, judges, and military – to examine carefully their own consciences, if they have any left, to see into which of these subgroups they fall. Because, aside from those few Brazilians of valor who supported in timely fashion the charges against the Sao Paulo Forum, all the others will inevitably fall into one of them.

It would be absurd to blame only Lula and the Sao Paulo Forum for the Brazilian moral decay, forgetting the contribution they got from these fair-weather moralists, as eager to denounce the parts as they are to hide the whole picture. Nothing could have fueled national self-deceit more than this marvelous network of complicities and omissions born of motivations that, while varied, converge into the same result, namely, the creation of a false impression of transparent investigations, and a facade of normality and lawfulness even as the entire order crumbles, invisibly gnawed away from the inside.

The destruction of order and its replacement by “a new pattern of relationships between State and society,” decided in secret meetings with foreigners – such was Mr. Lula’s confessed objective. This objective, as he said in another part of the same speech, must be attained and consolidated “in a manner such that it can be sustained, regardless of who is governing the country.”

What is perceived from the behavior of Mr. Lula’s critics and accusers is that, in this general objective, he has already emerged victorious, regardless of the success or failure that he may have in the rest of his term. The new order whose name may not be spoken is already in place, and its authority is such that not even the president’s fiercest enemies dare to challenge it. All of them, in one way or another, have already committed themselves at least implicitly to put the Sao Paulo Forum above the Constitution, the laws and the institutions of Brazil. If they complain about looting, embezzlement, vote buying and bribes, it is precisely to avoid complaining about the transfer of national sovereignty to the continental conference of “comrades,” like Hugo Chavez, Fidel Castro, the Colombian narcoguerillas and the Chilean kidnappers. It is like a rape victim protesting the damage to her hairdo, neglecting to mention, even politely, the rape itself.

Perhaps the deeds of Mr. Lula and his wretched Forum would not have wrought such vast damage in Brazil as this total inversion of proportions, complete destruction of moral judgment, and total corruption of the public conscience. Never before has such a profound agreement between accusers and accused been seen that would indulge the crime, denounced with so ado, so as to succeed in the overall objectives “without seeming to do so and so that people would not understand.”

Lula, réu confesso

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de setembro de 2005

Eu deveria estar grato ao sr. presidente da República. Quando praticamente a mídia nacional inteira se empenha em camuflar as atividades ou até em negar a existência do Foro de São Paulo, tachando de louco ou fanático aquele que as denuncia, vem o fundador mesmo da entidade e dá todo o serviço, comprovando de boca própria as suspeitas mais deprimentes e algumas ainda piores que elas.

O discurso presidencial de 2 de julho de 2005, pronunciado na celebração dos quinze anos de existência do Foro e reproduzido no site oficial do governo, http://www.info.planalto.gov .br/download/discursos/pr812a .doc, é a confissão explícita de uma conspiração contra a soberania nacional, crime infinitamente mais grave do que todos os delitos de corrupção praticados e acobertados pelo atual  governo; crime que, por si, justificaria não só o impeachment como também a prisão do seu autor.

À distância em que estou, só agora tomei ciência integral desse documento singular, mas os chefes de redação dos grandes jornais e de todos os noticiários de rádio e TV do Brasil estiveram aí o tempo todo. Tendo sabido do discurso desde a data em que foi pronunciado, ainda assim continuaram em silêncio, provando que sua persistente ocultação dos fatos não foi fruto da distração ou da pura incompetência: foi cumplicidade consciente, maquiavélica, com um crime do qual esperavam obter não se sabe qual proveito.

O sentido destes parágrafos, uma vez desenterrado do  lixo verbal que lhe serve de embalagem, é de uma nitidez contundente:

“Em função da existência do Foro de São Paulo, o companheiro Marco Aurélio tem exercido uma função extraordinária nesse trabalho de consolidação daquilo que começamos em 1990… Foi assim que nós, em janeiro de 2003, propusemos ao nosso companheiro, presidente Chávez, a criação do Grupo de Amigos para encontrar uma solução tranqüila que, graças a Deus, aconteceu na Venezuela. E só foi possível graças a uma ação política de companheiros. Não era uma ação política de um Estado com outro Estado, ou de um presidente com outro presidente. Quem está lembrado, o Chávez participou de um dos foros que fizemos em Havana. E graças a essa relação foi possível construirmos, com muitas divergências políticas, a consolidação do que aconteceu na Venezuela, com o referendo que consagrou o Chávez como presidente da Venezuela.

“Foi assim que nós pudemos atuar junto a outros países com os nossos companheiros do movimento social, dos partidos daqueles países, do movimento sindical, sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política.”

O que o sr. presidente admite nesses trechos é que:

1º. O Foro de São Paulo é uma entidade secreta ou pelo menos camuflada (“construída… para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política“).

2º. Essa entidade se imiscui ativamente na política interna de várias nações latino-americanas, tomando decisões e determinando o rumo dos acontecimentos, à margem de toda fiscalização de governos, parlamentos, justiça e opinião pública.

3º. O chamado “Grupo de Amigos da Venezuela” não foi senão um braço, agência ou fachada do Foro de São Paulo (” em função da existência do Foro… foi que propusemos ao companheiro presidente Chavez …”).

4º. Depois de eleito em 2002, ele, Luís Inácio Lula da Silva, ao mesmo tempo que pro forma abandonava seu cargo de presidente do Foro de São Paulo, dando a impressão de que estava livre para governar o Brasil sem compromissos com alianças estrangeiras mal explicadas, continuou trabalhando clandestinamente para o Foro, ajudando, por exemplo, a produzir os resultados do plebiscito venezuelano de 15 de agosto de 2004 (” graças a essa relação foi possível construirmos a consolidação do que aconteceu na Venezuela “), sem dar a menor satisfação disso a seus eleitores.

5º. A orientação quanto a pontos vitais da política externa brasileira foi decidida pelo sr. Lula não como presidente da República em reunião com seu ministério, mas como participante e orientador de reuniões clandestinas com agentes políticos estrangeiros (“foi uma ação política de companheiros,  não uma ação política de um Estado com outro Estado, ou de um presidente com outro presidente“). Acima de seus deveres de presidente ele colocou sua lealdade aos “companheiros”.

O sr. presidente confessa, em suma, que submeteu o país a decisões tomadas por estrangeiros, reunidos em assembléias de uma entidade cujas ações o povo brasileiro não devia conhecer nem muito menos entender.

Não poderia ser mais patente a humilhação ativa da soberania nacional, principalmente quando se sabe que entre as entidades participantes dessas reuniões decisórias constam organizações como o MIR chileno, seqüestrador de brasileiros, e as Farc, narcoguerrilha colombiana, responsável segundo seu parceiro Fernandinho Beira-Mar pela injeção de duzentas toneladas anuais de cocaína no mercado nacional.

Nunca um presidente eleito de qualquer país civilizado mostrou um desprezo tão completo à Constituição, às leis, às instituições e ao eleitorado inteiro, ao mesmo tempo que concedia toda a confiança, toda a autoridade, a uma assembléia clandestina repleta de criminosos, para que decidisse, longe dos olhos do povo, os destinos da nação e suas relações com os vizinhos. Nunca houve, no Brasil, um traidor tão descarado, tão completo e tão cínico quanto Luís Inácio Lula da Silva.

A maior prova de que ele ludibriou conscientemente a opinião pública, mantendo-a na ignorância das operações do Foro de São Paulo, é que, às vésperas da eleição, amedrontado pelas minhas constantes denúncias a respeito dessa entidade, mandou seu “assessor para assuntos internacionais”, Giancarlo Summa, acalmar os jornais por meio de uma nota oficial do PT, segundo a qual o Foro era apenas um inocente clube de debates, sem nenhuma atuação política (v. http://www.olavodecarvalho.org /semana/10192002globo.htm).

E agora ele vem vem se gabar da “ação política de companheiros”, praticada com recursos do governo brasileiro às escondidas do Parlamento, da justiça e da opinião pública.

Comparado a delito tão imenso, que importância têm o Mensalão e fenômenos similares, senão enquanto meios usados para subsidiar operações parciais no conjunto da grande estratégia de transferência da soberania nacional para a autoridade secreta de estrangeiros?

Pode haver desproporção maior do que entre vulgares episódios de corrupção e esse crime supremo ao qual serviram de instrumentos?

A resposta é óbvia. Mas então por que tantos se prontificam a denunciar os meios enquanto consentem em continuar acobertando os fins?

Aqui a resposta é menos óbvia. Requer uma distinção preliminar. Os denunciantes dividem-se em dois tipos: (A) indivíduos e grupos comprometidos com o esquema do Foro de São Paulo, mas não diretamente envovidos no uso desses meios ilícitos em especial; (B) indivíduos e grupos alheios a uma coisa e à outra.

O raciocínio dos primeiros é simples: vão-se os anéis mas fiquem os dedos. Já que se tornou impossível continuar ocultando o uso dos instrumentos ilícitos, consentem em entregar às feras os seus operadores mais notórios, de modo a poder continuar praticando o mesmo crime por outros meios e outros agentes. O conteúdo e até o estilo das acusações subscritas por essas pessoas revelam sua natureza de puras artimanhas diversionistas. Quando atribuem a corrupção do PT, que vem desde 1990, a acordos com o FMI firmados a partir de 2003, mostram que sua ânsia de mentir não se inibe nem diante da impossibilidade material pura e simples. Quando lançam as culpas sobre “um grupo”, escamoteando o fato de que as ramificações da estrutura criminosa se estendiam da Presidência da República até prefeituras do interior, abrangendo praticamente o partido inteiro, provam que têm tanto a esconder quanto os acusados do momento.

Mais complexas são as motivações do grupo B. Em parte, ele compõe-se de personagens sem fibra, física e moralmente covardes, que preferem ater-se ao detalhe menor por medo de enxergar as dimensões continentais do crime total. Há também o subgrupo dos intelectualmente frouxos, que apostaram na balela da “morte do comunismo” e agora se sentem obrigados, para não se desmentir, a reduzir a maior trama golpista da história da América Latina às dimensões mais manejáveis de um esquema de corrupção banal, despolitizando o sentido dos fatos e fingindo que Lula é nada mais que um Fernando Collor sem jet ski . Há os que, por oportunismo ou burrice, colaboraram demais com a ascensão do partido criminoso ao poder e agora se sentem divididos entre o impulso de se limpar do ranço das más companhias em que andaram, e o de minimizar o crime para não sentir o peso da ajuda cúmplice que lhe prestaram. Há os pseudo-espertos, que dão refrigério ao inimigo embalando-se na ilusão louca de que é mais viável derrotá-lo roendo-o pelas beiradas do que acertando-lhe um golpe mortal no coração. Há por fim os que realmente não estão entendendo nada e, com o tradicional automatismo simiesco da fala brasileira, saem apenas repetindo o que ouvem, na esperança de fazer bonito.

Peço encarecidamente a todos os inflamados acusadores anticorruptos das últimas semanas — políticos, donos de meios de comunicação, empresários, jornalistas, intelectuais, magistrados, militares – que examinem cuidadosamente suas respectivas consciências, se é que alguma lhes resta, para saber em qual desses subgrupos se encaixam. Pois, excetuando aqueles poucos brasileiros de valor que subscreveram em tempo as denúncias contra o Foro de São Paulo, todos os demais fatalmente se encaixam em algum.

Seria absurdo imputar tão somente a Lula e ao Foro de São Paulo a culpa do apodrecimento moral brasileiro, esquecendo a contribuição que receberam desses moralistas de ocasião, tão afoitos em denunciar as partes quanto solícitos em ocultar o todo. Nada poderia ter fomentado mais o auto-engano nacional do que essa prodigiosa rede de cumplicidades e omissões nascidas de motivos diversos mas convergentes na direção do mesmo resultado: criar uma falsa impressão de investigações transparentes, uma fachada de normalidade e legalidade no instante mesmo em que, roída invisivelmente por dentro, a ordem inteira se esboroa.

A destruição da ordem e sua substituição por ” um novo padrão de relação entre o Estado e a sociedade “, decidido em reuniões secretas com estrangeiros, tal foi o objetivo confesso do sr. Lula. Esse objetivo, disse ele em outra passagem do mesmo discurso, deveria ser alcançado e consolidado ” de tal forma que isso possa ser duradouro, independente de quem seja o governo do país “.

O que se depreende da atitude daqueles seus críticos e acusadores é que, nesse objetivo geral, o sr. Lula já saiu vitorioso, independentemente do sucesso ou fracasso que venha a obter no restante do seu mandato. A nova ordem cujo nome é proibido declarar já está implantada, e sua autoridade é tanta que nem mesmo os inimigos mais ferozes do presidente ousam contestá-la. Todos, de um modo ou de outro, já se conformaram ao menos implicitamente em colocar o Foro de São Paulo acima da Constituição, das leis e das instituições brasileiras. Se reclamam de roubalheiras, de desvios de verbas, de mensalões e propinas, é precisamente para não ter de reclamar da transferência da soberania nacional para a assembléia continental dos “companheiros”, como Hugo Chávez, Fidel Castro, os narcoguerrilheiros colombianos e os seqüestradores chilenos. É como a mulher estuprada protestar contra o estrago no seu penteado, esquecendo-se de dizer alguma coisinha, mesmo delicadamente, contra o estupro enquanto tal.

Talvez os feitos do sr. Lula e do seu maldito Foro não tenham trazido ao Brasil um dano tão vasto quanto essa inversão total das proporções, essa destruição completa do juízo moral, essa corrupção integral da consciência pública. Nunca se viu um acordo tão profundo entre acusado e acusadores para permitir que o crime, denunciado com tanto alarde nos detalhes, fosse tão bem sucedido nos objetivos de conjunto ” sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem “.

Não é elogio nem auto-elogio

Em 22 de fevereiro de 2003 escrevi no Globo : “A direita fisiológica imaginou que, bajulando o dominador, ganharia tempo para recompor-se e derrotá-lo um dia. Ledo engano. Se fora do governo a esquerda já logrou reduzir os Magalhães e os Malufs ao mais humilhante servilismo, no governo não descansará enquanto não os atirar à completa impotência e marginalidade. Não dou dois anos para que cada um deles, culpado ou inocente, esteja na cadeia, no exílio ou no mais profundo esquecimento.”

Magalhães foi para o museu faz mais de um ano. Maluf está na cadeia.

Em 11 de março de 2004 escrevi no Jornal da Tarde : “O partido governante não tem a menor intenção de curvar-se às exigências morais e legais das quais se serviu durante uma década para destruir reputações, afastar obstáculos, chantagear a opinião pública e conquistar a hegemonia. Denúncias e acusações não têm a mínima condição de obrigá-lo a isso, porque não há força organizada para transformá-las em armas políticas.”

O STF vetou os processos de cassação de mandatos contra José Dirceu e os demais acusados petistas (até agora o único punido foi, não por coincidência, o denunciante dos crimes).

Há mais de uma década, todas as previsões que fiz sobre os rumos da política nacional se confirmaram, enquanto os mais badalados comentaristas e politólogos, da mídia e das universidades, não acertavam uma, uma sequer (breve mostruário em http://www.olavodecarvalho.org /semana/050625globo.htm).

Como se explica um contraste tão acachapante?

Quinta-feira da semana retrasada, ao receber-me na Atlas Foundation de Washington para a breve alocução que ali pronunciei (http://www.olavodecarvalho.org /palestras/palestra_atlas _set2005.htm), Alejando Chafuen, presidente da entidade, economista e filósofo de fama mundial, disse que as minhas análises estavam entre as mais valiosas realizações que ele já tinha visto no campo da ciência política. Não entendo isso como elogio, mas como o simples reconhecimento de um fato. O poder de previsão fundado na análise racional dos dados é a marca mais característica e inconfundível do saber científico. Tenho despendido uma energia considerável no empenho de compreender cientificamente a sociedade e, se o resultado é algum conhecimento efetivo, não há nisso surpresa maior do que aquela que você tem quando deixa o carro enguiçado no mecânico e no dia seguinte o carro sai funcionando. É verdade que meus trabalhos teóricos, como “Ser e Poder” e “O Método nas Ciências Humanas”, que circulam como apostilas de meus cursos na PUC do Paraná, continuam inéditos em livro e não têm como ser resumidos em artigos de jornal, onde as conclusões monstruosamente compactadas da sua aplicação aos fatos do dia aparecem como se nascidas do nada. Mas já vão longe os tempos em que o editor Schmidt, pela leitura de uns relatórios de prefeito do interior de Alagoas, adivinhava um romancista oculto. Hoje a totalidade da classe falante é incapaz de suspeitar que exista alguma investigação científica por trás de uma sucessão ininterrupta de previsões certas que, de outra forma, só se explicariam por dons sobrenaturais como a sabedoria infusa de São Lulinha.

Longe da mídia brasileira

* No noticiário da passeata anti-Bush em Washington, nenhum jornal brasileiro, absolutamente nenhum, mencionou nem mesmo por alto as ligações diretas entre algumas das entidades que promoveram essa manifestação e as organizações terroristas responsáveis pela violência contínua no Iraque. Quem quiser saber algo a respeito encontrará todas as informações no site de David Horowitz, www.discoverthenetwork.org.

* Altos funcionários do governo da Lousiana estão sob investigação criminal por desvio de 60 milhões de dólares de verbas federais enviadas, muito antes do furacão Katrina, para a reforma das barragens de New Orleans. Entendem por que a obra não saiu?

* O repórter da ABC, Dean Reynolds, foi filmado em pleno vexame de tentar extorquir declarações anti-Bush de vítimas da enchente, recebendo respostas contrárias às que esperava. O mais lindo foi o diálogo com uma senhora negra:

— A senhora não tem raiva do presidente por causa da resposta federal tardia?

— Não, de maneira alguma. Os governos do Estado e do município é que tinham de estar a postos primeiro.

— E não estavam?

— Não, não estavam. Meu Deus, não estavam!

* O primeiro-ministro Tony Blair estragou a festa dos ecochatos na reunião da Clinton Global Initiative num hotel chiquérrimo de Manhattan. Ex-partidário do badalado Protocolo de Kyoto, chegou à reunião dizendo que ia falar “com honestidade brutal”, e fez exatamente isso: disse que, quando o tratado expirar em 2012, país nenhum vai querer assiná-lo de novo, boicotando seu próprio crescimento econômico. O colunista James Pinkerton, da Tech Central Station , disse que em tempos normais essa declaração seria manchete em todo mundo. Agora, a grande mídia americana, mais interessada em ativismo ecológico global do que em jornalismo, preferiu ignorá-la.

* Enquanto as organizações de familiares das vítimas do terrorismo basco prometem manifestações de protesto contra a cumplicidade entre o primeiro-ministro Zapatero e a ETA, esta organização terrorista, que acaba de fazer mais um atentado (mal sucedido, felizmente),  anuncia que vai prestar homenagens a Fidel Castro e Hugo Chávez durante a reunião de chefes de Estado latino-americanos em Saalamanca, 14-15 de outubro.