Valei-me, Alborghetti!

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 1o de setembro de 2006

No momento em que escrevo, domingo à tarde, ainda não sei se amanhã o pedido de impeachment presidencial apresentado pela empresária paulista Ana Prudente será lido da tribuna da Câmara, como exige a lei, ou será encoberto por densas camadas de silêncio e desconversa, como já se tornou de praxe. É o empreendimento mais sério e corajoso que já se tentou para acabar com a orgia petista (macheza, no Brasil de hoje, só de saias), mas não creio que chegue a tocar a sensibilidade moral dos parlamentares, que não têm moral nenhuma e são sensíveis como uma casca de tartaruga empalhada. Caso venha a ser lido, provavelmente será abafado na mídia. Já nada espero, da quase totalidade das nossas lideranças políticas, militares, jornalísticas ou empresariais (não falo das intelectuais porque não existem) senão atitudes cada vez mais covardes e cínicas, numa progressão geométrica de abjeções jamais vista em parte alguma ao longo de toda a História da sem-vergonhice universal.

O povo não apenas consente em tudo, mas quase infalivelmente dará sua aprovação ostensiva ao estado de coisas, reelegendo essa criatura mentalmente disforme e fisicamente desprezível cujo traseiro ocupa a vaga que um dia foi de Juscelino Kubitscheck e Humberto Castelo Branco.

Os brasileiros desceram tanto que já não têm a medida de quanto se tornaram mesquinhos, torpes, miseráveis. Têm até o desplante de achar que são normais, que o restante da humanidade é igual a eles.

A sujeira em que se meteram é tão funda, que já não sabem onde foi parar a superfície. Ouvem falar do dia claro e acham que é propaganda imperialista. Ficam com medo da escuridão que eles próprios geraram e, para fugir dela, fecham os olhos. O Pythecanthropus erectus já havia descoberto que isso não funciona, mas esse conhecimento, no Brasil de hoje, tornou-se um segredo esotérico só acessível a meia dúzia de iniciados.

A única linguagem na qual ainda cabe falar deste país e do povo que o habita é a do repórter policial Luiz Carlos Alborghetti, um tipo admirável mas, infelizmente para mim, inimitável (confira em http://www.youtube.com/results?search_query=Alborghetti&search=Search). Sei dizer palavrões, como ele, mas odeio gritar. Prefiro rosnar impropérios direto no ouvido dos destinatários, poupando de constrangimentos os circunstantes inocentes. Juro que, se encontrar por aqui algum ministro de Estado, deputado, senador, comandante militar, alto magistrado da Justiça ou o próprio sr. presidente, de preferência em alguma ocasião solene, na presença de autoridades americanas, puxarei o desgraçado a um canto e lhe lançarei em voz baixa, discreta, serena, educadíssima, insultos e maldições apocalípticas que nem mesmo existem na língua portuguesa e que inventarei especialmente para essa doce ocasião. Direi coisas tão horríveis que o próprio Alborghetti, se as ouvisse, coraria como donzela pudica.

Só não me sinto envergonhado de haver nascido no Brasil porque não tive a menor parcela de responsabilidade nesse infausto acontecimento. Meus antepassados portugueses e alemães, uns burros, achavam que estavam indo para a América.

Por que o brasileiro vota na esquerda

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 1o de setembro de 2006

Se no Brasil ocorre esse fenômeno aberrante de um eleitorado conservador votar maciçamente em candidatos de esquerda, o motivo da contradição aparente é claríssimo e se compõe da confluência de três fatores.

Desde logo, o conservadorismo não tem canais partidários ou culturais de expressão e se tornou politicamente nulo. Não há políticos conservadores: ninguém pode votar em candidatos inexistentes.

De outro lado, o esquerdismo usa uma linguagem nas suas discussões internas, outra para falar com o povo, e só na primeira delas assume sua verdadeira identidade ideológica. Na outra ele dilui sua imagem em generalidades moralistas, nacionalistas e populistas. É um discurso maliciosamente escorregadio, que evita o jargão marxista e impede o povo de identificar a esquerda brasileira com a revolução neocomunista continental. Até observadores estrangeiros qualificados, mas que desconhecem os documentos internos do PT e do Foro de São Paulo, como por exemplo Álvaro Vargas Llosa, Otto Reich e o próprio subsecretário Tom Shannon, se deixaram enganar por essa falsa aparência, imaginando o esquerdismo brasileiro como populista em vez de comunista. A população local, é claro, cai no engodo ainda mais facilmente. Mesmo entre pessoas letradas é comum a reação: “Lula, comunista? Você está doido.” O próprio Lula pôde dizer, sem que ninguém o contestasse, que não apenas nunca foi comunista como não é nem mesmo esquerdista. Essa declaração seria considerada cínica, inaceitável e até criminosa se a platéia não ignorasse que o declarante foi fundador e presidente da maior organização pró-comunista do continente.

Em terceiro lugar, o sucesso de quarenta anos de “revolução cultural” gramsciana foi tão avassalador — dada a completa falta de resistência –, que os valores, critérios e até cacoetes mentais do movimento comunista internacional se incorporaram no “senso comum” brasileiro e já não são reconhecidos como tais: são aceitos passivamente pela sociedade, sem consciência de suas implicações ideológicas.

Somem esses três fatores e compreenderão por que um povo conservador vota em candidatos comunistas: ele não sabe que são comunistas, não sabe o que há um movimento comunista ativíssimo no continente não tem a menor idéia das conseqüências do seu voto. As eleições brasileiras são uma farsa no sentido mais exato e integral do termo.

Não havendo partidos ou políticos de direita no Brasil, toda a confrontação direita-esquerda que se vê atualmente é uma obra de engenharia social criada pela própria esquerda com três objetivos: (1) ocultar sua hegemonia e seu poder monopolístico sob uma aparência de disputa democrática normal; (2) neutralizar quaisquer tendências direitistas, canalizando-as para uma direita pré-fabricada, a “direita da esquerda”, o que se observou muito claramente nas duas campanhas eleitorais de Fernando Henrique Cardoso, um marxista gramsciano que foi alegremente aceito como depositário (infiel, é óbvio) da confiança do eleitorado direitista; (3) dominar todo o espaço político por meio do jogo de duas correntes partidárias fiéis ao mesmo esquema ideológico, só separadas pela disputa de cargos, como aliás o reconheram explicitamente o próprio Fernando Henrique e o prof. Christovam Buarque, então um dos mentores do PT. Essas três linhas de ação definem exatamente o que Lênin chamava “estratégia das tesouras”, termo inspirado na idéia de cortar com duas lâminas.

O PFL poderia ser um partido de direita, mas, como só quer cargos e não tem nenhuma perspectiva de poder, consentiu em tornar-se uma filial do PSDB. O PMDB é esquerdista desde a origem e está repleto de comunistas. O PSDB, a “direita da esquerda”, é a boca de funil para onde converge o que possa restar de direitismo hipotético nesses outros partidos. Tal como o PT, esse partido nasceu na USP, e sua única função no conjunto da estratégia comunista uspiana é impedir que os descontentes com o PT acabem se aglutinando numa direita genuína.

Cadeia para a inocência

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 31 de agosto de 2006

Mike Whitney, um popular escritor de esquerda, está defendendo a tese de que o seqüestro dos repórteres Steve Centanni e Olaf Wiig por terroristas palestinos foi um ato justo e inteiramente legal. Seu argumento é o seguinte:

Premissa maior: Centanni e Wiig trabalham na Fox News.

Premissa menor: A Fox News é “parte integrante da máquina de guerra norte-americana”.

Conclusão: Logo, Centanni e Wiig não podem ser considerados não-combatentes.

Mas, por mais que os esquerdistas odeiem a Fox News, ela não é sequer um canal conservador. Apenas dá aos conservadores cinqüenta por cento do espaço nos debates, opondo Bill O’Reilly e Michael Moore, ou Sean Hannity e Jim Colmes. Como isso é noventa e nove por cento a mais do que a opinião politicamente incorreta tem no restante da mídia chique e cem por cento a mais do que o elevado espírito democrático da esquerda pode tolerar, a Fox foi rotulada de “extrema direita”, e agora, forçando o hiperbolismo até à demência, de organização militar a serviço do imperialismo judaico-americano.

 Assim, embora Centanni e Wiig tenham se limitado a fazer a cobertura da guerra sem xingar nem árabes nem judeus, eles entram na história como membros das tropas invasoras, podendo ser seqüestrados ou mortos sem ofensa ao direito internacional.

Houve quem reclamasse da estupidez psicótica do argumento de Whitney, mas até agora ninguém deu sinal de ter percebido o óbvio: ao distorcer monstruosamente os fatos para conceder aos terroristas o direito de matar americanos inocentes, ele forneceu baldes de conforto e auxílio ao inimigo e cometeu portanto crime de traição. O lugar dele é na cadeia.

Lá também deveriam estar, pela mesma razão, todos aqueles que, como o o ex-procurador Ramsay Clark, acusam o governo americano de “crimes de guerra” no Iraque. Segundo averiguação do Washington Post, tão suspeito de bushismo quanto eu de lulismo, o número de soldados americanos judicialmente acusados de matar civis de propósito desde o início da guerra é de exatamente 39. Milhares de olhos ferozes ciscando criminosos de guerra para jogar na cara do presidente, e a colheita é de trinta e nove em três anos de combates — a quota mais baixa já registrada em qualquer conflito militar. Se houve no mundo um governo inocente de crimes de guerra, é o governo Bush. Os que o acusam disso fazem guerra psicológica a serviço do inimigo: são uma Quinta-Coluna e, sem nenhuma figura de linguagem, parte integrante da máquina de guerra assimétrica do Hezbollah e da Al-Qaeda. Mas eles são tantos, que todas as cadeias dos EUA não bastariam para abrigá-los. Quando a impunidade geral é a solução mais cômoda, o crime se converte em lei e exige cadeia para a inocência. Rendendo-se a isso, os inocentes se tornam por sua vez culpados de entregar o país, sem luta, aos inimigos que planejam destrui-lo. Se, avessos a enxergar a deslealdade cínica de seus adversários, os conservadores continuarem tratando como debate normal de opiniões o que é de fato uma guerra civil unilateral, os EUA se tornarão uma nação de culpados – uma nação condenada.