No hospício do Dr. Mabuse

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de novembro de 2009

Prepare-se, caro leitor, e prepare seus filhos e netos, para viver num mundo de alucinações e fantasias desnorteantes, onde conhecer a verdade mesmo sobre coisas simples será um desafio que só pessoas investidas de uma coragem intelectual fora do comum poderão vencer. Prepare-se para viver no hospício do Dr. Mabuse, onde o mais louco dos pacientes faz a cabeça dos médicos e os coloca a serviço de seus planos malignos. O uso maciço da fraude científica, em proporções jamais antes imaginadas, vem-se tornando o principal meio de imposição de novas políticas, a tal ponto que em breve a classe científica estará totalmente desaparelhada para servir de árbitro nas grandes questões da humanidade e se tornará uma militância política como qualquer outra, disposta a mentir até o último limite do descaramento e do cinismo, em favor de qualquer estupidez politicamente conveniente.

Antigamente isso só acontecia nos regimes tirânicos onde o terror estatal reduzia os cientistas, pela força, a servidores da propaganda oficial. Agora é a própria classe científica que, intoxicada por ideologias insanas, estimulada por patrocínios bilionários e excitada pela ambição de poder, se oferece para fazer o serviço, traindo o ideal da ciência e ludibriando a opinião pública. O que antes seria um escândalo isolado tornou-se regra geral, e não escandaliza a mais ninguém. Mesmo aqueles que opõem alguma resistência à prostituição da autoridade científica lutam contra esse mal tão-somente na esfera dos debates acadêmicos, sem pensar em mover contra seus colegas corruptos a guerra judicial que merecem e que seria a última esperança de limpar o terreno. As forças da degradação avançam a passo firme, organizadas, unidas, armadas até os dentes, sem ter de enfrentar senão alguma pedrada esporádica, desferida por mão preguiçosa e vacilante. Como sempre tem acontecido desde o advento da mentalidade revolucionária no mundo, “the best lack all conviction, while the worst are full of passionate intensity“.

Todo dia — sem exagero, todo dia — chegam novos exemplos de falsas pesquisas, imediatamente ecoadas pela mídia cúmplice como portadoras de “fatos científicos” definitivos e incontestáveis. A coisa já virou hábito e moda, fazendo da “autoridade acadêmica” nada mais que uma superstição residual, na qual só se pode acreditar por um ato de fé, contra toda evidência.

Só nas últimas horas do dia em que escrevo recebi, por internet, duas novas amostras. Uma ostentava a redução dos casos de doenças cardíacas em alguns Estados americanos, desde a adoção de medidas drásticas contra o fumo em lugares públicos, como prova dos riscos mortíferos do “fumo passivo”. Bem escondidinho no meio dos dados estatísticos comprobatórios, quase invisível ao público leigo, vinha o autodesmascaramento da fraude: a incidência de doenças cardíacas tinha diminuído também entre os fumantes. Fumantes ativos, fornedores de sua própria dose de fumo passivo…

A segunda era mais admirável ainda: “Preconceito racial alimenta oposição aos planos de Obama”, proclamava a revista da Escola Superior de Administração de Negócios da prestigiosa Universidade de Stanford. Na escassez geral de manifestações de racismo ostensivo da parte dos brancos, os sábios de Stanford apelaram ao recurso — já tradicional no Brasil — de cavoucar indícios de “racismo inconsciente”. Método adotado: selecionar umas quantas cobaias, pró-Obama e anti-Obama, e verificar se associavam evocações negativas ou positivas a “nomes típicos de brancos”, como Brett, Jane, William, ou a “nomes típicos de afro-americanos”, como Aisha, Jamal, Ahmed etc. Os nomes eram apresentados numa lista misturada, sem alusões raciais, de modo que a população testada nem sabia que a pesquisa era sobre racismo. Tal como era de se prever, os “nomes de brancos” ganharam longe na preferência da turma anti-Obama. Daí, concluíam os autores da pesquisa, estava provado o “racismo sutil” que inspirava a oposição ao presidente americano.

Detalhe: Jamal, Aisha, Ahmed e outros nomes da mesma lista não são “nomes típicos de negros”: são nomes islâmicos, tirados do Corão. Não evocam o negão do posto de gasolina, nem celebridades negras do show business como Michael Jackson, Denzel Washington ou Oprah Winfrey, ou do esporte como Eldrick “Tiger” Woods, nem intelectuais negros como Thomas Sowell, Alice Walker ou Langston Hughes. Evocam árabes com uma granada escondida no turbante ou uma carga de dinamite sob a djellabah. É inviável esperar que os americanos, especialmente republicanos e conservadores, gostem desses personagens. O silogismo implícito que orientava as conclusões da pesquisa era, portanto: se você não gosta de terroristas, você é um racista.

Antigamente, aliás, os negros chamavam-se Brett, Jane ou William como todo mundo, e até apreciavam especialmente nomes bíblicos como Moses, Aaron, Michael e Jonah. Os mais velhos ainda se chamam Thomas, como o economista Thomas Sowell, ou Alan, como o diplomata Alan Keyes, ou James, como o pastor James D. Manning — três entre os mais ferozes opositores de Obama. Foi só nas últimas décadas, quando as forças políticas do Islam se infiltraram no movimento de direitos civis, que nomes islâmicos começaram a aparecer entre cidadãos negros americanos, mas mesmo assim estão longe de ser os mais freqüentes ou típicos, pela simples razão de que a maioria da comunidade negra é cristã.

Uma retórica banal convidaria a chamar de “desonra” a associação da Universidade de Stanford a essa empulhação. Mas a desonra pressupõe a existência da honra, e as universidades americanas já venderam a sua faz muito tempo.

Precauções saudáveis

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 24 de novembro de 2009

Se o prezado leitor deseja entender algo do mundo atual, o mínimo indispensável de prudência recomenda que se atenha às seguintes regras no julgamento das informações que lhe chegam:

Regra 1: O que quer que venha rotulado como consenso da opinião mundial, aprovado unanimemente por vários governos, pelos organismos internacionais, pela grande mídia, pela indústria do show business e pelos intelectuais públicos mais em moda, ou seja, pela quase totalidade dos “formadores de opinião”, é suspeito até prova em contrário.

Sei que ao dizer isso pareço contrariar um dos preceitos tradicionais do pensamento aristotélico-escolástico, segundo o qual, embora a opinião humana seja falível e o argumento de autoridade seja o mais fraco dos argumentos, a espécie humana tomada na sua totalidade dificilmente se equivocará em questões essenciais, sendo portanto arriscado contestar aquilo em que “todos, em toda parte, sempre acreditaram” (quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est).

Mas é só aparência. Na perspectiva escolástica, o valor da opinião unânime depende inteiramente da sua permanência temporal imutável nas mais diversas circunstâncias culturais, religiosas e sociopolíticas. Em vez de identidade, há uma diferença radical — para não dizer uma oposição insanável — entre a universalidade da opinião humana ao longo dos tempos e um consenso repentino, surgido como que do nada e imposto urbi et orbi como se fosse a coisa mais óbvia e inegável do mundo; consenso que, ademais, não é consenso nenhum, visto que há tanta resistência a ele por toda parte fora dos círculos interessados.

Por “círculos interessados” entendo, de um lado, a elite — financeira, política e burocrática — empenhada na instauração de um governo mundial estatista, invasivo e controlador de tudo (vale a pena consultar a respeito o site de Daniel Estulin, www.danielestulin.com/?idioma=en); de outro, a militância inumerável espalhada em ONGs e universidades por toda parte, pronta a ecoar as palavras-de-ordem ditadas pela elite. Entre as duas, a classe jornalística, os intelectuais ativistas e o beautiful people das artes e espetáculos formam uma espécie de camada intermediária incumbida de formatar como modas elegantes as propostas mais revolucionárias de mutação sociocultural, tornando-as palatáveis à população maior, gerando, pela variedade das formas e canais, a impressão enganosa de unanimidade espontânea, e encobrindo assim a unidade estratégica que a circulação de dinheiro entre os três níveis comprova da maneira mais contundente (v. a documentação exaustiva em www.discoverthenetwork.org e www.activistcash.com).

O que quer que venha por esses três canais ao mesmo tempo — não necessariamente o que venha só de um deles em particular — não é quase nunca informação confiável. (O termo “quase” não é usado aqui para atenuar a regra, mas apenas para assinalar aquela dose mínima de veracidade modesta sem a qual nenhuma mentira ambiciosa teria jamais credibilidade alguma e para dar o devido relevo a eventuais falhas e até rombos do sistema, sempre inevitáveis). A rigor, não é informação de maneira alguma: é estímulo pré-calculado para produzir no público, aos poucos, as desejadas mudanças de atitude, segundo pautas de engenharia social elaboradas com uma antecedência, em geral, de décadas. A continuidade da ação histórica de longo curso, aí, garante parcialmente a sua própria invisibilidade, transcendendo o horizonte de visão tanto da população imediatista, que nada enxerga, quanto dos “teóricos da conspiração” que crêem enxergar para além do que enxergam realmente e acabam inflando a imagem de poder dos “controladores” até dimensões quase míticas. Este último fenômeno é aliás um caso característico de “paralaxe cognitiva”, já que o próprio número de denúncias, proliferantes na internet e nas livrarias, evidencia os erros, debilidades e fracassos de um controle universal “secreto” que aí se descreve, no entanto, como quase onipotente.

Regra 2: Quando a unanimidade é negativa, isto é, quando não consiste em alardear alguma história inventada (como o aquecimento global, a epidemia de gripe suína ou os riscos mortíferos do fumo passivo), mas em suprimir fatos e em achincalhar ostensivamente quem deseje ao menos investigá-los, então já não se trata de mera suspeita, mas da probabilidade altíssima de estarmos em presença de uma tentativa global de controle da opinião pública por meio do recorte premeditado do noticiário. Essas tentativas jamais alcançam sucesso absoluto, mas também nunca são desmascaradas no todo e de uma vez para sempre: no mínimo, resta a possibilidade de um eficiente gerenciamento de danos, transmutando-se a negação peremptória em aceitação atenuada, anestesiante, como ocorreu — para dar um exemplo brasileiro — no caso do Foro de São Paulo, que passou da categoria de inexistente à de irrelevante tão logo desmoralizado o dogma da sua inexistência.

Embora não tendo a menor idéia de onde nasceu Barack Obama, não hesito em incluir nesse gênero de tentativas a ocultação geral, sistemática, histérica e obstinada de praticamente todos os documentos essenciais para o estudo da biografia do presidente americano, a começar pela sua certidão original de nascimento. Quando a grande mídia dos EUA em peso chama de desequilibrados e loucos aos que cobram de Obama a exibição desses documentos, o que ela está proclamando é que o normal, o saudável, o obrigatório para a razão humana, consiste em acreditar, sem perguntas, que um cidadão gastou quase dois milhões de dólares com um escritório de advocacia para ocultar seus papéis sem que houvesse neles nada digno de ser ocultado. A inversão da lógica e da distinção entre o normal e o patológico é aí tão flagrante, que vale como uma prova: uma prova do contrário daquilo que se desejaria impingir à opinião pública.

Quem é Gurdjieff?

Olavo de Carvalho

O plágio como arma de difamação

22 de novembro de 2009

Em 10 de setembro de 2003, publiquei neste website (www.olavodecarvalho.org/avisos/10set2003.htm) o aviso “Calúnia pretensiosa”, no qual dava ciência aos meus leitores de “um dos escritos caluniosos mais extravagantes que já se produziram a meu respeito”. Tratava-se de um panfleto anônimo que, sob o título “Quem é Olavo de Carvalho?”, me acusava de crimes e trapaças espetaculares, tudo num estilo que simulava estudo sério e longa observação.

A aparente idoneidade do escrito, no entanto, nascia de um truque simples: “Nove décimos de seu conteúdo são uma cópia literal de um antigo texto meu, ‘Quem é Gurdjieff?’, apenas com o nome ‘Gurdjieff’ trocado para ‘Olavo de Carvalho’. Os parágrafos copiados vêm sem aspas ou qualquer outra indicação que permita distingui-los dos poucos trechos restantes ali enxertados, os quais, separados daqueles, perdem toda contundência e se reduzem a fofocas de cortiço, capazes de impressionar tão somente a um público de bêbados e retardados mentais. Por meio desse expediente supremamente canalha, difamadores bem chinfrins tentaram adornar a miserável produção de seus espíritos com a credibilidade e a força dos escritos de sua própria vítima.”

A versão falsa foi colocada em circulação por duas pessoas que julgaram ter motivos justos para me odiar: uma socialite cujos furores eróticos eu, já velho demais para essas aventuras, tinha me recusado a aplacar, e um pobre diabo que na extrema penúria tomara a referida como sua protetora, passando a prestar-lhe, por uns trocados, qualquer serviço por mais abjeto que fosse. Tão logo publiquei o aviso “Calúnia pretensiosa”, que não citava seus nomes nem dava a menor pista das suas identidades, os dois se apressaram a me telefonar, jurando inocência, sem notar que com isso se desmascaravam automaticamente. Até hoje são fontes de inumeráveis intrigas que circulam a meu respeito. Non raggionam di lor, ma guarda e passa.

Não faltaram, evidentemente, cobranças insolentes de que eu exibisse imediatamente o original, sob pena de que à palavra dos intrigantes se desse, a priori, mais valor do que à minha. No Brasil é mesmo assim: o ônus da prova cabe sempre ao caluniado, jamais ao caluniador. Aparentemente, nenhum desses cobradores tinha inteligência bastante, nem para reconhecer a autoria do escrito copiado, nem muito menos para entender que os processos de dominação psicológica praticados pelo taumaturgo armênio Georges I. Gurdjieff sobre seus discípulos exigiam complicados exercícios físicos na presença do mestre, sendo impossível que eu atingisse resultados similares mediantes simples exposições orais em aulas e palestras.

Foi Hillaire Belloc, se não me engano, quem disse: “Não acreditamos na mentira porque ela nos convence. Acreditamos nela porque queremos.”

Como na ocasião eu estivesse de mudança, de Petrópolis para Curitiba, não consegui localizar nos meus arquivos, já empacotados, o texto original da apostila “Quem é Gurdjieff?”. Muito menos pude fazê-lo depois, ao transferir-me para os EUA, quando todos os meus papéis antigos, chegando do Brasil em mais de sessenta caixotes, com seis meses de atraso, foram imediatamente depositados em baús de plástico, para evitar sua rápida deterioração, e aí permaneceram estocados na minha garagem até umas semanas atrás. Durante todos esses anos não senti a menor urgência de atender à demanda de provas, nem mesmo quando uma mocinha que se dizia muito católica recolocou em circulação o “Quem é Olavo de Carvalho?”, passando por cima não só do Oitavo Mandamento mas da própria Constituição Brasileira, que, proibindo formalmente o anonimato, faz dele um agravante doloso dos crimes de calúnia e difamação.

Foi o Sílvio Grimaldo que, abrindo pela primeira vez alguns dos baús, localizou o original datilografado, datado de uma época em que só ricos e excêntricos usavam computadores. Em vez de digitalizá-lo como arquivo Word ou html, preferi reproduzi-lo em PDF para que os leitores possam verificar com seus próprios olhos a antigüidade da coisa. Infelizmente não consegui localizar os diagramas mencionados no texto, que no entanto é perfeitamente compreensível sem eles. A demora em publicar isso foi boa: mostra que estou fornecendo a prova tão-somente para informação dos leitores honrados, não para a satisfação de cobradores insolentes, office-boys de caluniadores.

O original de “Quem é Gurdjieff?” data, se não me falha a memória, de 1986 ou 1987. Independentemente do mau uso que se fez dele, e descontado o estilo tariqueiro em que o redigi, o qual hoje me revira um pouco o estômago, “Quem é Gurdjieff?” conserva algum valor informativo.

Anexo: Quem_Gurdjieff