Obrigado, Olavo de Carvalho!

Antonio Emilio Angueth de Araujo

Blog do Angueth, 10 de março de 2011

Nos últimos tempos, tem sido tão difícil nos orgulharmos de nosso país que eu já tinha até esquecido deste sentimento. Nosso país mergulhou num abismo tão profundo, aparentemente sem fundo, que toda a minha energia tem sido usada para não ser levado pelo redemoinho. Tenho tentado ficar, com a ajuda de Deus, na superfície e segurar, neste nível, o máximo de pessoas possíveis.

Tendo dedicado minha vida aos estudos, sou naturalmente propenso a admirar os feitos intelectuais de meus compatriotas. Estes feitos estão ausentes há algum tempo no Brasil, salvo raríssimas exceções. A universidade brasileira foi tomada por uma casta que não produz nada de que se orgulhar. O campo intelectual está devastado e a mediocridade é a lei da terra. Assim, “orgulho de ser brasileiro”, passou a ser uma expressão vazia para mim.

Recentemente, fui visitado por este sentimento, que trouxe à minha alma a brisa de tempos passados. É que temos um nosso compatriota, intelectual brasileiro com sotaque paulista, atualmente participando de um debate em que poucos intelectuais do mundo conseguiriam se inserir; suspeito que muito poucos intelectuais brasileiros atuais conseguiriam entender. Falo, claro, do debate que Olavo de Carvalho está tendo com Alexandr Dugin, grande mentor do Movimento Eurasiano e estrategista de Putin. O debate ainda está no início, mas o texto de abertura do filósofo brasileiro já traz coisas jamais ouvidas neste país de Lulas e Dilmas.

Orgulho-me porque, de qualquer forma, mesmo tendo se educado a despeito de viver no Brasil, Olavo é um brasileiro que conseguiu se elevar além da superfície do abismo que tenta nos engolfar, ao nível da comunidade dos grandes intelectuais do mundo. Orgulho-me porque ele está mostrando, dentro de suas possibilidades limitadas (uma andorinha só não faz verão), que alguma coisa valorosa resta do desastre intelectual de nosso país. Orgulho-me porque ele está mostrando que é possível lutar contra a mediocridade e a malícia intelectual tupiniquim. Orgulho-me, finalmente, porque a vitória intelectual de Olavo se torna, um pouco, a dos brasileiros que conseguem, pelo menos, acompanhar sua trajetória e entender seus escritos.

Quem quiser aprender algo sobre política, sobre poder mundial, sobre como está a luta para dominar o mundo, para dominar nossas consciências, não deixe de visitar a página do debate.

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P.S. Permitam-me, aproveitando o tema do post, compartilhar com todos uma passagem de Hereges, de Chesterton, sobre o orgulho: “O orgulho que, proporcionalmente falando, não fere o caráter, é o orgulho de coisas que não envolvem nenhum crédito pessoal. Assim, não faz nenhum mal se orgulhar de seu país, e faz comparativamente pouco mal se orgulhar de ancestrais remotos. Faz mais mal se orgulhar de ter ganhado dinheiro, porque nisso se tem um pouco mais de razão para se orgulhar. Faz ainda mais mal se orgulhar do que é mais nobre que dinheiro – o intelecto. E faz um mal extremo se orgulhar da coisa mais valiosa da terra – a bondade. O homem que se orgulha dos seus reais predicados é um fariseu, homem que o próprio Cristo nunca pôde abster-se de atacar.”

Sociedade justa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de março de 2011

Outro dia perguntaram qual o meu conceito de uma sociedade justa. A palavra “conceito” entrava aí com um sentido antes americano e pragmatista do que greco-latino. Em vez de designar apenas a fórmula verbal de uma essência ou ente, significava o esquema mental de um plano a ser realizado. Nesse sentido, evidentemente, eu não tinha conceito nenhum de sociedade justa, pois, persuadido de que não cabe a mim trazer ao mundo tão maravilhosa coisa, também não me parecia ocupação proveitosa ficar inventando planos que não tencionava realizar.

O que estava ao meu alcance, em vez disso, era apenas analisar a idéia mesma de “sociedade justa” – o seu conceito no sentido greco-latino do termo – para ver se fazia sentido e se tinha alguma serventia.

Desde logo, os atributos de justiça e injustiça só se aplicam aos entes reais capazes de agir. Um ser humano pode agir, uma empresa pode agir, um grupo político pode agir, mas “a sociedade”, como um todo, não pode. Toda ação subentende a unidade da intenção que a determina, e nenhuma sociedade chega a ter jamais uma unidade de intenções que justifique apontá-la como sujeito concreto de uma ação determinada. A sociedade, como tal, não é um agente: é o terreno, a moldura onde as ações de milhares de agentes, movidos por intenções diversas, produzem resultados que não correspondem integralmente nem mesmo às intenções deles, quanto mais às de um ente genérico chamado “a sociedade”!

“Sociedade justa” não é portanto um conceito descritivo. É uma figura de linguagem, uma metonímia. Por isso mesmo, tem necessariamente uma multiplicidade de sentidos que se superpõem e se mesclam numa confusão indeslindável, que basta para explicar por que os maiores crimes e injustiças do mundo foram praticados, precisamente, em nome da “sociedade justa”. Quando você adota como meta das suas ações uma figura de linguagem imaginando que é um conceito, isto é, quando você se propõe realizar uma coisa que não consegue nem mesmo definir, é fatal que acabe realizando algo de totalmente diverso do que imaginava. Quando isso acontece há choro e ranger de dentes, mas quase sempre o autor da encrenca se esquiva de arcar com suas culpas, apegando-se com tenacidade de caranguejo a uma alegação de boas intenções que, justamente por não corresponderem a nenhuma realidade identificável, são o melhor analgésico para as consciências pouco exigentes.

Se a sociedade, em si, não pode ser justa ou injusta, toda sociedade abrange uma variedade de agentes conscientes que, estes sim, podem praticar ações justas ou injustas. Se algum significado substantivo pode ter a expressão “sociedade justa”, é o de uma sociedade onde os diversos agentes têm meios e disposição para ajudar uns aos outros a evitar atos injustos ou a repará-los quando não puderam ser evitados. Sociedade justa, no fim das contas, significa apenas uma sociedade onde a luta pela justiça é possível. “Meios” quer dizer: poder. Poder legal, decerto, mas não só isso: se você não tem meios econômicos, políticos e culturais de fazer valer a justiça, pouco adianta a lei estar do seu lado. Para haver aquele mínimo de justiça sem o qual a expressão “sociedade justa” seria apenas um belo adorno de crimes nefandos, é preciso que haja uma certa variedade e abundância de meios de poder espalhados pela população em vez de concentrados nas mãos de uma elite iluminada ou sortuda. Porém, se a população mesma não é capaz de criar esses meios e, em vez disso, confia num grupo revolucionário que promete tomá-los de seus atuais detentores e distribuí-los democraticamente, aí é que o reino da injustiça se instala de uma vez por todas. Para distribuir poderes, é preciso primeiro possuí-los: o futuro distribuidor de poderes tem de tornar-se, antes, o detentor monopolístico de todo o poder. E mesmo que depois venha a tentar cumprir sua promessa, a mera condição de distribuidor de poderes continuará fazendo dele, cada vez mais, o senhor absoluto do poder supremo.

Poderes, meios de agir, não podem ser tomados, nem dados, nem emprestados: têm de ser criados. Caso contrário, não são poderes: são símbolos de poder, usados para mascarar a falta de poder efetivo. Quem não tem o poder de criar meios de poder será sempre, na melhor das hipóteses, o escravo do doador ou distribuidor.

Na medida em que a expressão “sociedade justa” pode se transmutar de figura de linguagem em conceito descritivo viável, torna-se claro que uma realidade correspondente a esse conceito só pode existir como obra de um povo dotado de iniciativa e criatividade – um povo cujos atos e empreendimentos sejam variados, inéditos e criativos o bastante para que não possam ser controlados por nenhuma elite, seja de oligarcas acomodados, seja de revolucionários ávidos de poder.

Aquele que deseja sinceramente libertar o seu povo do jugo de uma elite mandante não promete jamais tomar o poder dessa elite para distribuí-lo ao povo: trata, em vez disso, de liberar as forças criativas latentes no espírito do povo, para que este aprenda a gerar seus próprios meios de poder – muitos, variados e imprevisíveis –, minando e diluindo os planos da elite – de qualquer elite – antes que esta possa sequer compreender o que se passou.

Geringonça hipnótica

Geringonça hipnótica

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 7 de março de 2011

Os três agentes principais do processo globalizante, como vimos em artigo anterior, não são espécies do mesmo gênero: um é um grupo de governos, o outro uma comunidade internacional de bilionários, o terceiro uma cultura religiosa sem fronteiras, espalhada mesmo em território inimigo.

Só o primeiro pode ser descrito nos termos usuais da geopolítica, mas, na medida em que o projeto do Império Russo se amplia em “Império Eurasiano”, toda tentativa de defini-lo geopoliticamente esbarra em obstáculos intransponíveis. Uma vez que o domínio eurasiano abrange também o Islam, chega a ser cômico que o grande estrategista russo Alexandre Duguin apresente a disputa de poder no mundo como uma luta entre “impérios terrestres” e “impérios marítimos”, classificando a “Eurásia” entre os primeiros e os EUA no segundo grupo. De um lado, o Islam, após ocupar com grande facilidade os seus territórios circunvizinhos, alcançou projeção mundial sobretudo como potência maritima. Já na segunda metade do século IX – escreve Paolo Taufer no seu magnífico estudo sobre Espansionismo Islamico Ieri e Oggi – “todas as grandes vias marítimas eram controladas de fato pelos muçulmanos: do Estreito de Gibraltar até o Mar da China, dos portos do Egito que se comunicam com o Mar Vermelho até os da Síria.” Quanto à própria Rússia (então URSS), seu poder no século XX baseou-se menos na força dos seus exércitos que na presença ativa do Partido Comunista e do serviço secreto soviético em todas as nações e continentes. Nada houve de “terrestre” na expansão tentacular do Kremlin na África ou na América Latina. Não posso crer que os soldados de Nikita Kruchev tenham trazido a pé os mísseis que instalaram em Cuba em 1962. O combate entre a Terra e o Mar não vale nem como símbolo, já que um símbolo só funciona quando traz embutida, sinteticamente, uma multidão de fatos reais, não de ficções. O Império Eurasiano não é um símbolo, é um mito soreliano – o que é o mesmo que dizer: uma imensa cenoura-de-burro, uma geringonça hipnótica concebida para colocar milhões de idiotas no encalço de um futuro que não será jamais o que promete.

Se a missão do intelectual em tempos obscuros é dar nome aos bois, exorcizar as palavras ocas e trocar os slogans estupefacientes por uma representação exata do estado de coisas, os “eurasianos” falham miseravelmente em cumprir seu dever. Só o que podem alegar como atenuante é que os estrategistas dos dois outros blocos globalizantes também se notabilizam menos pelo realismo do que pela capacidade prodigiosa de encobrir o mundo sob a imagem projetiva de seus respectivos interesses.