Revolução social

Revolução social

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de agosto de 2011

Revolução social não é, como dizem os marxistas, a substituição de uma “classe dominante” por outra. Isso é apenas uma figura de linguagem, uma metonímia. Ao fim de uma revolução social, os mesmos grupos ou pessoas podem continuar no poder. Isso não faz a mais mínima diferença. Substantivamente, literalmente, revolução social é uma mudança radical dos meios de alcançar riqueza, prestígio e poder. Quem manda pode continuar mandando, mas por outras vias. Por exemplo, na Idade Média européia, havia os seguintes meios de subir na vida (ou de manter-se no alto): a posse da terra, por conquista ou herança; a profissão militar; uma bem sucedida carreira eclesiástica. Fora disso, mesmo que você tivesse muito dinheiro, mesmo que fosse um gênio, não chegaria ao primeiro escalão do poder. Quando se formaram os Estados nacionais modernos, os reis precisaram de dinheiro para criar exércitos que pudessem sobrepor-se ao poderes locais, assim como de uma burocracia administrativa e jurídico-policial, que desse ao governo central o controle do país inteiro. Resultado: de repente, banqueiros e burocratas passaram a mandar mais que os barões e cardeais. Isso quer dizer que entrou no poder uma nova “classe social”? Não. Na Inglaterra, a velha classe aristocrática ocupou os lugares na nova hierarquia, e continuou mandando. Na França, deixou a vaga para uma horda de alpinistas sociais, e estes tomaram o seu lugar. Nos dois casos houve uma revolução social. Revolução social não é troca de classe dominante: é troca dos meios de tornar-se (ou permanecer) classe dominante.

No Brasil um processo claro, patente, manifesto de revolução social está em curso, e aparentemente ninguém, fora os comandantes do processo – que ao menos por enquanto não têm o menor interesse de alardeá-lo –, parece dar-se conta disso.

Até uns anos atrás, ganhar dinheiro na indústria, no comércio ou na agricultura era um meio seguro de chegar ao poder ou ao menos de influenciar os ocupantes do poder. Uma carreira militar bem sucedida tinha o mesmo resultado. Ser um cientista, um técnico, um erudito, um escritor, um jurista de primeira ordem, idem.

Agora, todos esses velhos meios de ascensão estão sendo substituídos por um novo, que os domina e os controla. Isso não quer dizer que não funcionem mais. Funcionam, mas como instrumentos auxiliares do meio principal, que rapidamente vai-se tornando o único legítimo, o único socialmente aprovado. Para adquirir ou conservar poder e prestígio no Brasil de hoje, até mesmo para conservar alguma margem de liberdade e segurança, você tem de pertencer ao Partido governante, a um de seus associados ou aos grupos de influência que orbitam em torno dele. Chamemos a esse pool de organizações, para simplificar, o Esquema. Na mais tolerante das hipóteses, você tem de negociar com essa gente e ceder. Ceder até o extremo limite da degradação e da humilhação. Aí permitem que você conserve o seu lugar na sociedade, mas sempre como concessão provisória, jamais como direito adquirido.

Suponha que você seja um juiz de Direito. Até algum tempo atrás, isso garantia poder, segurança e liberdade. Agora, depende de que você sentencie de acordo com a vontade do Esquema. Se você o contraria, logo descobre que grupos de pressão mandam mais que uma sentença judicial. De algum modo, todas as sentenças já vêm prontas, assinadas pelo Esquema. As outras são inócuas.

Nem falo dos empresários. Podem ganhar dinheiro a rodo, mas toda a sua influência no poder consiste em tentar ser úteis ao Esquema, que os tolera como um mal provisório.

E se você é um general de Exército, dê graças aos céus de que o Esquema lhe garanta ainda um lugarzinho no palanque, em troca das condecorações que você deu a comunistas, terroristas aposentados e ladrões notórios.

Um simples posto na diretoria de “movimento social” dá mais poder que tudo isso junto. Coloca você acima das leis, dos Direitos Humanos, da Constituição, dos Dez Mandamentos e das exigências da aritmética elementar (num país que tem 50 mil homicídios por ano, as mortes de duzentos homossexuais no meio dessa massa de vítimas não consta oficialmente como prova de uma epidemia de violência anti-gay?).

Os novos meios de subir e cair já são uma realidade, já são a nova estrutura social. Quarenta anos de revolução cultural anestesiaram a população para que a aceitasse sem um pio, sem um vago sentimento de desconforto sequer. Essa etapa está encerrada. A revoluç ão social já veio, já está aí, e a única reação do povo e das elites é procurar desesperadamente um lugarzinho à sombra dela, a abençoada proteção do Esquema.

Perguntas proibidas

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 8 de agosto de 2011

Max Weber, quando o acusavam de exagerar em seus diagnósticos, respondia: “Exagerar é a minha profissão!” A boutade referia-se, naturalmente, à técnica dos “tipos ideais”, com que o autor de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, ao descrever uma conduta, um sentimento, uma atitude, ampliava certos traços típicos para maior nitidez do objeto puro, isolado de diferenças e semelhanças acidentais. Mas referia-se também, mais profundamente, à missão do cientista social em geral, que tem de olhar as coisas numa escala que não é a da atualidade patente, visível nos debates públicos e na mídia popular, mas deve cavar em busca das sementes, não raro modestas e discretíssimas, onde o futuro está se gerando longe dos olhos da multidão. Se há uma coisa que nenhum estudioso da sociedade e da História tem o direito de ignorar, é que o poder dos fatores determinantes do curso das coisas é, no mais das vezes, inversamente proporcional à sua visibilidade presente. Daí o descompasso entre os respectivos “sensos de realidade” dos observadores do dia a dia, meros constatadores do fato consumado, e o do estudioso que mergulha em águas profundas para saber o que há de vir à superfície amanhã ou depois. Com o agravante de que o fato consumado só faz sentido para quem o viu crescer desde as raízes. Para os demais, tudo é surpresa desnorteante ou mera coincidência.

Mas, quando digo “cientista social”, uso o termo como um tipo ideal weberiano. Refere-se ao que os cientistas sociais deveriam fazer para merecer o título, não ao que os profissionais universitários que o ostentam estão fazendo realmente no Brasil de hoje. Estes, coitados, não conseguem acompanhar nem o fato consumado, tão presos estão aos seus esquemas mentais rotineiros, à pressão dos seus pares e ao temor de desagradar à mídia. Não ousam sequer fazer perguntas, como por exemplo: Quantos assentados do MST foram recrutados entre militantes urbanos, falsificando completamente o panorama dos “conflitos rurais”? Qual é o peso estatístico real de duzentos assassinatos de homossexuais num país que tem 50 mil homicídios por ano, mesmo sem averiguar quantos daqueles foram assassinados por seus parceiros? Quantas pesquisas sociológicas com resultado previamente estabelecido pelas fundações estrangeiras que as financiaram foram realizadas nas universidades brasileiras nos últimos anos, e quantas foram em seguida usadas como material de propaganda por ONGs e “movimentos sociais”, se não como argumento cabal para justificar leis e decretos? Quanto dos benefícios distribuídos pelo governo federal aos pobres foi pago com puro dinheiro de empréstimos, endividando as gerações vindouras para ganhar os votos da presente? Quantos crimes de morte são praticados com armas legais registradas, e quanto com armas clandestinas cuja circulação o tal “desarmamento civil” não poderá diminuir em nada? Quantas leis e decisões federais vieram prontas de organismos internacionais e tiveram seu caminho aplanado por campanhas bilionárias financiadas do exterior? Quantas delas vieram de decisões tomadas no Foro de São Paulo com anos de antecedência, em assembléias promíscuas onde terroristas, narcotraficantes e seqüestradores debatem em pé de igualdade com políticos eleitos? Se for liberado o comércio de drogas, quem terá mais chances objetivas de dominar esse mercado?

Sem fazer essas perguntas, ninguém pode compreender nada do que está acontecendo neste país, muito menos o que está para acontecer. Mas cada uma delas é um tabu. O simples pensamento de vir a formulá-las um dia já basta para fazer um profissional universitário tremer desde os alicerces, prevendo os olhares de ódio que fulminarão sua pessoa e sua carreira – ao menos ele assim o imagina – tão logo comece a falar. Sim, o brasileiro de hoje em dia – e os cientistas sociais não são exceções – é aquele sujeito valente que teme olhares e caretas como se fossem balas de canhão, que enfia o rabo entre as pernas à simples idéia de que falem mal dele, que troca a honra e a liberdade por um olhar de simpatia paternal de quem o despreza.

É por isso que os processos históricos profundos, que estão mudando a face do Brasil com uma rapidez avassaladora, passam ainda despercebidos até àqueles mesmos que, arrastados na voragem de leis, decretos e portarias, perdem prestígio e poder a cada dia que passa e, iludidos por vantagens financeiras imediatas que o governo atira à sua mesa como migalhas, não ousam nem confessar uns aos outros que estão sendo jogados à lata de lixo da História.

Não vi até agora um único analista político, na mídia ou nas universidades, declarar em voz alta aquilo que, nos altos escalões do petismo e do Foro de São Paulo, todo mundo sabe: a fase da revolução cultural terminou, já estamos em plena revolução social. Explicarei isso melhor no próximo artigo.

Fechando a torneira

Fechando a torneira

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 2 de agosto de 2011

A facilidade com que neste país o comentário político se deleita em miudezas, deixando de lado o essencial, impõe a quem compreende a gravidade do fenômeno a obrigação de avisar ao distinto público que aquilo que hoje lhe vendem como jornalismo é na verdade um produto novo e distinto, com finalidade inversa à daquilo que uma geração atrás se consumia sob essa denominação.

A palavra “notícia” vem do verbo “notar”, que quer dizer captar, apreender, perceber. Quando as notícias que você recebe de vários canais vêm com conteúdo uniforme e num tom acachapantemente idêntico, é claro que elas não expressam a percepção humana, variada e individualizada por natureza, e sim um trabalho de engenharia, um molde prévio imposto aos fatos, não para refleti-los e sim para substituí-los.

O caso dos atentados em Oslo é exemplar, sob esse aspecto. Informações flagrantemente erradas disseminaram-se pelo mundo em poucos minutos, num tom de certezas universalmente reconhecidas, ao passo que seus desmentidos só vieram aparecendo aos poucos, um aqui, outro ali, sem força de rechaçar a massa homogênea de falsidades que, como a “bolha assassina” do famoso thriller, já havia engolido multidões inteiras.

Atentados terroristas, convém repetir, nunca são a finalidade de si mesmos. Estão sempre inseridos em alguma estratégia geral que, por meios políticos e midiáticos incruentos, prepara o seu advento e colhe (ou produz) os seus resultados. A destruição física deve ser precedida e seguida de empreendimentos de demolição moral ou chantagem política que transfigurem a mera carnificina em vantagem política concreta. Só para dar dois exemplos clássicos, o 11 de setembro apoiou-se numa década inteira de propaganda anti-americana crescente e em seguida conseguiu inverter a impressão inicial de horror ao terrorismo, transformando-a numa onda mundial de ódio aos EUA (v. http://www.olavodecarvalho.org/traducoes/terrorism2.htm); na Espanha, menos de 24 horas depois do atentado de 2004 já estava nas ruas uma gigantesca manifestação popular, não contra os terroristas, mas contra… o governo conservador do primeiro-ministro Aznar (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/040325jt.htm). Mas nem precisaríamos ir tão longe: no Brasil, entre 1964 e 1988, cada bomba, cada roubo de armas, cada seqüestro foi seguido de intensa propaganda baseada no slogan de que a culpa desses crimes não era de seus autores, e sim do governo que combatiam. A lenda dos “jovens idealistas em luta contra a tirania” veio a render seus frutos com o retorno maciço dos comunistas ao país e sua irresistível ascensão ao poder (http://www.olavodecarvalho.org/semana/110428dc.html). Cito os meus artigos anteriores para enfatizar a continuidade das análises que venho fazendo, capítulos aliás de um estudo de muitos anos sobre o fenômeno da mentalidade revolucionária.

Ora, no caso norueguês a única campanha de propaganda que se observou foi voltada contra o próprio terrorista, mas associando-o a evidentes bodes expiatórios, os sionistas e os cristãos conservadores. A regra áurea, na análise de atentados terroristas, é: Veja contra quem vai a campanha que se segue, e entenda que a autoria do crime vem necessariamente da direção oposta.

O próprio Anders Behring Breivik deu-nos uma indicação preciosa ao declarar, no seu “Manifesto”, que não era um cristão mas apenas um darwiniano persuadido de que a civilização cristã Ocidental era evolutivamente superior às outras. Isso não apenas desmentia a versão oficial da “grande mídia”, mas alinhava decididamente Breivik no padrão ideológico da Nouvelle Droite Francesa, materialista e evolucionista, chefiada por Alain de Benoist. E outra coisa que os iluminados comentaristas políticos não sabem é que a Nouvelle Droite é uma aliada incondicional… do “projeto Eurasiano” de Alexandre Duguin e Vladimir Putin!

Baseado nessa informação, anunciei no meu programa True Outspeak de 27 de julho último que, por trás de todas tentativas perversas de inculpar sionistas e cristãos, a verdade não tardaria em aparecer ostentando na testa um rótulo de três letras: K,G,B, ou, em versão modificada pela enésima vez, F,S,B.

Não tardou nem 48 horas: sexta-feira, 29, recebi da minha amiga romena Anca Cernea esta notícia da agência russa RiaNovosti: Breivik esteve várias vezes na Belorússia, aí recebendo treinamento terrorista da seção local da FSB (v. http://en.rian.ru/world/20110728/165436665.html). É verdade que aí ele teve também contato com um “extremista de direita”, Viacheslav Datsik, mas Datsik, preso na Noruega por contrabando de armas, acabou confessando que trabalhava para a FSB.

Para tornar as coisas ainda mais claras, Breivik, no “Manifesto” (v. http://www.asianews.it/news-en/Russia-as-the-mass-murderer%E2%80%99s-political-model-22193.html) declara que o alvo ideal de sua luta seria substituir a estrutura política européia, que ele qualifica de “disfuncional”, por um modelo de democracia autoritária “similar à da Rússia” (sic). E, de quebra, faz os maiores louvores a Vladimir Putin.

Completando o quadro, o interesse russo em desestabilizar o governo norueguês é o mais óbvio possível: a Noruega é o único concorrente da Rússia no fornecimento de gás ao continente europeu – quer dizer, o único obstáculo que se opõe ao sonho de Vladimir Putin, de um dia colocar a Europa de joelhos mediante a simples ameaça de fechar a torneira.