Elementos da filosofia de Olavo de Carvalho

Elementos da filosofia de Olavo de Carvalho

Ronald Robson

Ad Hominem, agosto de 2013          

Notas para uma leitura de “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota” (Record, 2013)

I. A obra de Olavo de Carvalho possui uma intuição fundamental: a de que só a consciência individual é capaz de conhecimento (1). O que a afirmação possa ter de banal, em aparência, se esvai se notarmos que aí se fala de “consciência individual”, não se tratando tão somente de “sujeito”, o vocábulo descarnado de uso corrente na metafísica dos últimos séculos. Uma coisa é sujeito enquanto meramente contraposto a objeto em teoria do conhecimento; outra coisa é a modalidade de existência histórica de um ser dotado de consciência, que por definição só pode ser individual. E nisso importa prestar atenção à sutileza vocabular porque aí se afirma uma substância e se afirma uma sua propriedade: “consciência individual”, a primeira, e “capacidade de conhecimento”, a segunda. De um ponto de vista biográfico, a substância atualiza essa sua propriedade em um trauma de emergência da razão (2), que consiste no descompasso entre o crescente acúmulo de experiências do indivíduo, no decorrer do tempo, e a sua capacidade mais limitada de coerenciar e dar expressão a essa massa de fatos que, a princípio amorfa, pode se ordenar – à medida que o indivíduo a expressar a si mesmo – a ponto de nela se tornar discernível uma forma. A cada estágio traumático corresponde um padrão de autoconsciência, um eixo central de estruturação do indivíduo, ao menos a nível psicológico, que se pode melhor compreender mediante uma teoria das doze camadas da personalidade (3): pois, caracterologicamente, o desenvolvimento da psique pode ser apreciado em doze camadas distintas, umas integrativas (formam um quadro integrado estável), outras divisivas (estabelecem uma ruptura da ordem anterior que, assim, propicia uma nova ordem). A terceira camada, por exemplo, a qual em geral é objeto de escolas como a behaviorista e a Gestalt – que equivocadamente, como fazem outras escolas, tomam uma camada da psique por sua própria substância (4) –, compreende aquele período de esforço cognitivo concentrado para aquisição de saberes que permitam à pessoa (criança, aqui) se orientar no mundo com algum grau de independência, ao menos física; a quarta camada, divisiva e decisiva ao seu modo, que afinal foi o verdadeiro objeto de estudo de Freud e Klein, abarca a história pulsional do indivíduo preocupado sobretudo com sua afetividade, com o querer e sentir-se querido; e com a quinta camada, integrativa e de individuação (Jung), já começa a surgir o problema objetivo de quais são os propósitos reais do indivíduo e como alcançá-los – a questão deixa de ser de afetividade, passa a ser de poder. E assim por diante, a passar por camadas que apenas podem ser alcançadas, mas não necessariamente, como a da síntese individual (oitava), a da personalidade intelectual (nona) ou mesmo a do destino final (décima segunda).
II. A identificação de em que camada se está, o indivíduo só pode fazê-la por meio de um gesto de assentimento aos seus próprios atos e pensamentos. Essa aceitação, se vista antropologicamente, tem seu fundamento no princípio de autoria (5): cada indivíduo é responsável pelos seus atos, e essa asserção é universal; não existe registro de nenhuma cultura na qual o ato de um indivíduo devesse ser atribuído a outrem (o que, para além da constatação de fato, demonstra existir a constante antropológica de que um homem é um todo, ele é seus atos, e estes não lhe podem ser alheados). Mas essa aceitação tem no princípio de autoria apenas seu fundamento, não o seu meio ou método, mesmo porque tal princípio só abarca os atos individuais que são testemunhados socialmente. Para além destes, existem outros de outra ordem e de maior importância – os atos sem testemunha (6). Estes são os atos de que o indivíduo só se reconhece autor por uma obrigação interior, não externa; à medida que neles se reconhece, integra a sua personalidade e, assim, fica menos à mercê de quaisquer automatismos de pensamento ou comportamento. Esta outra ordem de objeto de consciência é incorporada ao indivíduo especificamente através do método da confissão(7): uma vez que toda expressão social depende de uma expressão individual e interior, e uma vez que esta só se torna possível após uma condensação de significado sob a forma do juízo, este, antes de se tornar proposição – em sentido lógico – dotada de compreensibilidade pública, deve ser afirmado pelo indivíduo de si para si mesmo – o indivíduo deve, em suma, confessar para si aquilo que ele já sabia, mas de que não estava ciente até então. A esse recenseamento socrático do que se sabe e não se sabe segue-se o processo de extrusão, pelo qual o indivíduo dá forma lingüística e simbolicamente articulável à própria experiência.
III. O trauma de emergência da razão reproduz na escala privada um problema central de qualquer filosofia da cultura: as mediações entre indivíduo e sociedade; ou, se se quiser dizer de outro modo, entre expressão particular e símbolos disseminados socialmente. A esse desenvolvimento psicológico do indivíduo corresponde, é evidente, um desenvolvimento epistemológico, que pode ser apreendido não apenas nessa escala, a individual, mas também na escala social. A teoria dos quatro discursos (8), assim, tenta descrever em amplitude histórica e pessoal – uma filosofia da cultura e uma pedagogia, portanto – a unidade entre os quatro tipos de discurso estudados por Aristóteles (o poético, o retórico, o dialético, o analítico), ao mesmo tempo intentando rever a interpretação do corpus lógico deste: o discurso humano, diz a teoria, é uma potência única que se atualiza de quatro formas – expressando estruturas gerais de possibilidade (poética), estruturas gerais de verossimilhança (retórica), estruturas gerais de probabilidade (dialética) e estruturas gerais de certeza (lógica ou analítica). As mediações entre o indivíduo e o conhecimento, sobretudo o difundido socialmente, podem, então, dar-se através desses quatro níveis – de um pólo estritamente mais simbólico, o primeiro, até um pólo, por oposição, mais analiticamente discernível. Estão em jogo aí diferentes níveis de credibilidade do discurso humano; mas estão, também, as diferentes formas de reivindicação indevida de credibilidade, o que requer estudo tanto da erística (9) quanto das condições epistemológicas do saber científico, ou seja, uma filosofia da ciência (10). Há que se considerar ainda, todavia, as formas próprias que o discurso adquire, umas sendo mais adequadas ou menos a discursos neste ou naquele nível – e então há de se atentar aos fundamentos metafísicos dos gêneros literários (11), cuja teoria, grosso modo, ao levar em conta a modalidade de existência espaço-temporal da linguagem e do ser humano que se serve dela, aplica ao discurso distinções espaciais, temporais e numéricas (de número em acepção antiga: discreto ou contínuo), delas extraindo os princípios da “narração” (tempo), “exposição” (espaço) e da “prosa” e do “verso” (número). As articulações específicas e em diferentes graus desses princípios em uma obra lhe dão a sua feição substantiva – o seu gênero.
IV. Se o discurso é o meio eminente pelo qual o indivíduo se apossa do saber, a finalidade deste, enquanto ser dotado de consciência, não é se limitar ao mero domínio discursivo do saber. É chegar ao próprio saber, o que é ademais verificar suas próprias condições de existência. É, numa palavra, chegar à base metafísica primeira, à investigação daquela faixa da realidade que Platão visava em sua “segunda navegação”, para além das “idéias” e rumo ao mundo dos princípios (12) que as regem, entre os quais o de identidade tem primazia. Tudo o que existe é na medida em que tem possibilidade de sê-lo, de modo que as atualizações das notas de cada ente têm seu esteio em uma estrutura de possibilidades preexistente – por exemplo, a própria possibilidade ontológica (da qual a lógica é só expressão discursiva) de que algo seja a atualização de uma potência. A possibilidade da possibilidade conduz a inteligência à investigação do que de mais substantivo e duradouro possa ter um ente. Mas, nesse caso, a palavra investigação não é a mais apropriada. Trata-se mais, via confissão, da aceitação desse corpo de possibilidades em tudo embutido; trata-se de umconhecimento por presença (13), de treinar a consciência para que, ao invés de falar à realidade, deixar que esta lhe fale: como o conceito de um ente já está potencialmente em sua substância, como toda a mineralogia já está nos minerais, o indivíduo deve se esforçar para perceber que o problema da verdade está submetido ao problema da presença substantiva da realidade. Mesmo a mais refinada técnica lógico-analítica é apenas um meio de retornar ao que sempre aí já esteve. É tomar consciência de uma presença que abarca a nós e a tudo o mais. Eis o nexo remoto entre conhecimento e existência.
V. Eventualmente é necessário, para romper o véu das limitações cognitivas de uma determinada civilização e retornar a essa aceitação da presença, proceder à crítica cultural (14), que poderia ser definida provisoriamente como o ato pelo qual uma consciência individual investe contra as estruturas simbólicas ou políticas que lhe embotam a sensibilidade. Tais estruturas podem, por um lado, ser tão só simbólicas e discursivas – nas artes, nas ciências e na comunicação pública –, ou, por outro, podem mesmo chegar ao cerceamento físico da liberdade de consciência. Aqui, o objeto de crítica cultural mais extensa é a metamorfose da idéia de império ao longo da história do ocidente e a idéia correlata de “religião civil”, com o que se investe no rastreio dos fundamentos remotos da ideologia coletivista e cientificista contemporânea. Cientificismo e nova pax romana, separados sob outros aspectos, dão as mãos no achatamento do horizonte total da experiência humana (longamente preparado, por exemplo, desde as idéias de volonté générale e de quantificação geral das ciências físicas). O drama da vida humana, antes concebido como de almas substantivas a viversub specie aeternitatis, passa a ser o de papéis sociais limitados a um mundo espaço-temporal inteiramente fechado (vários exemplos poderiam ser colhidos na cultura geral: Dostoiévski seria um autor ainda ligado à primeira perspectiva; já os personagens de Balzac se conformariam quase que só à feição da segunda). Com a negação da via de acesso à universalidade da experiência, em grau metafísico, vem também a negação da própria possibilidade de conhecimento do indivíduo. Existiria um vínculo indissolúvel entre a objetividade do mundo e a individualidade da experiência, a qual é preterida em um meio cultural de politização geral (gramscismo) e disseminação de substitutivos das experiências realmente fundadoras do conhecimento (“Nova Era”) – ou seja: coletivismo, no fim das contas, é subjetivismo. E é contra este que se afirma o conhecimento como intuicionismo radical (15): ao contrário do que é comum pensar, o que há de mais objetivo e especificamente humano no conhecimento é o que os antigos lógicos chamavam de “simples apreensão”, ou seja, o ato pelo qual a consciência toma ciência da presença de um determinado dado da realidade. O “raciocínio”, a construção silogística e suas derivadas, é posterior e é uma aptidão de ordem construtiva e, portanto, mais dada a erros. O que é dizer: o homem erra mais na expressão interior do que apreende do que na apreensão em si; pois os métodos mais refinados da lógica apenas desencavam, analiticamente, algo que já estava dado na primeira intuição. E cada intuição, por sua vez, inaugura uma cadeia potencialmente ilimitada de outras intuições; disso trata a teoria da tripla intuição (16): o ato pelo qual o indivíduo intui (primeira intuição) é, ao mesmo tempo, intuição de algo (segunda intuição) e intuição das condições desse ato intuitivo (terceira intuição). Isso explicaria ainda, por exemplo, certos simbolismos naturais, como a identificação do “sol” ou da “luz” com o conhecimento em inúmeras culturas, porquanto em sociedades primitivas, sem o recurso do fogo, só se vê algo – e a visão é o sentido identificado mais diretamente ao conhecimento – quando há luz natural; então o indivíduo percebe que intui, percebe que intui algo e percebe a possibilidade que funda essa intuição paralelamente a uma situação natural. Isso, por fim, afirma a possibilidade de conhecimento objetivo contra todo o discurso contemporâneo de que só existem verdades convencionais, inexistindo as objetivas e, por assim dizer, naturais.
VI. Um capítulo adicional de crítica cultural volta-se para a paralaxe cognitiva (17), que teria se disseminado em larga escala na modernidade. Ela se definiria como o deslocamento entre o eixo da experiência individual e o eixo da formulação teorética. Ou, dito de outro modo: ela seria responsável pela formulação de idéias que são desmentidas pelas próprias condições concretas de que o indivíduo depende para formulá-las. A obra de Maquiavel seria exemplar nesse sentido, toda construída sobre dados intrinsecamente conflitantes, mas sobretudo conflitantes com aquilo que o próprio Maquiavel sabia – ou deveria saber – ser manifestamente falso, porque patente à sua experiência mais imediata. A manifestação aguda da paralaxe cognitiva se encontraria na mentalidade revolucionária (18), caracterizada basicamente por duas inversões: a inversão temporal, pela qual o revolucionário passa a levar em conta o futuro hipotético pelo qual trabalha como o parâmetro de julgamento de suas ações, não mais prestando contas ao passado (e, afinal, a ninguém, pois por definição sua sociedade utópica se afasta à medida que o processo revolucionário avança, nunca se concretizando e, portanto, nunca havendo tribunal no qual se possa julgar abertamente ações ou idéias); e a inversão de sujeito e objeto, pela qual o revolucionário, no ato mesmo de atacar os adversários de sua sociedade futura, os toma na verdade como os atacantes que lhe impedem a consecução de seus planos, de modo que a relação causal entre um e outro é invertida. A paralaxe cognitiva e, em especial, a mentalidade revolucionária inviabilizam um ambiente intelectual no qual o método confessional leve o indivíduo a se dar conta do conhecimento que lhe é imediatamente presente – a primeira, porque faz do sujeito do conhecimento um ser diverso do indivíduo autor de sua própria vida; a segunda, porque, além disso, ameaça destruir todas as bases sociais de convivência humana, já que revolução consiste em concentração de poder nas mãos de uma elite revolucionária com vistas à instauração de um projeto de sociedade, o que rouba aos indivíduos liberdade, senão mesmo, em última instância, a própria existência física, como o demonstram os totalitarismos revolucionários do século passado.
VII. teoria política (19) deriva não tanto de alguma proposta contrária ao estado de coisas analisado nesses estudos de crítica cultural, mas de adaptação metodológica(20) ao tipo específico de objeto da ciência social. Sua premissa fundamental é a de que poder (21) é possibilidade de ação, em sentido geral, mas na política tem o sentido estrito de possibilidade de determinar a ação alheia. Em sentido universal o homem só tem três poderes, o de gerar, destruir e escolher, que correspondem respectivamente ao poder econômico, o poder militar e o poder intelectual ou espiritual, os quais podem ser exercidos ativa e passivamente e correspondem tipologicamente às castas dos produtores, dos nobres e dos sacerdotes. O primeiro se exerce pela promessa de um benefício, o segundo pela ameaça de um malefício e o terceiro pelo convencimento ou cooptação. Em cada civilização, os três tipos de poderes tendem a se cristalizar em grupos específicos (hoje em dia seriam, em ordem respectiva, o globalismo ocidental, a aliança russo-chinesa e o Islã), mas a especificação de quais são estes grupos é procedimento posterior à detecção de quem pode ser sujeito da história (22): não podendo ser um agente individual, porque perecível a curto prazo e limitado geograficamente em sua ação, só o podem ser as tradições, as organizações esotéricas (ou sociedades secretas), as dinastias reais e nobiliárquicas ou demais entidades de natureza similar. Assim, Igreja Católica e movimento revolucionário, nessa acepção específica, são sujeitos da história, mas não São Francisco nem Lênin. O poder realmente decisivo, a longo prazo, é o de ordem sacerdotal ou intelectual.
VIII. Essa multiplicidade de assuntos e disciplinas recoberta na produção de um único filósofo não é fortuita. Ele mesmo define filosofia (23) como a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa. Qualquer outra definição quedaria parcial, tornando difícil apontar no que se distinguem fundamentalmente um filósofo e um cientista, um filósofo e um poeta (24). O cientista pode produzir conhecimento sem que para tanto tenha de se empenhar no resgate confessional pelo qual cada novo dado conhecido se integra ao conjunto daquilo que ele, enquanto indivíduo, é naquele momento; o poeta pode produzir uma obra só com base em intuições manifestamente contrárias à sua índole e à própria verdade, pois o que lhe importa é a unidade daquele momento expressivo. O filósofo não se limita a nada disso, pois seu esforço é direcionado por uma técnica filosófica específica, que consiste em sete pontos:
“1. A anamnese pela qual o filósofo rastreia a origem das suas idéias e assume a responsabilidade por elas.
2. A meditação pela qual ele busca transcender o círculo das suas idéias e permitir que a própria realidade lhe fale, numa experiência cognitiva originária.
3. O exame dialético pelo qual ele integra a sua experiência cognitiva na tradição filosófica, e esta naquela.
4. A pesquisa histórico-filológica pela qual ele se apossa da tradição.
5. A hermenêutica pela qual ele torna transparentes para o exame dialético as sentenças dos filósofos do passado e todos os demais elementos da herança cultural que sejam necessários para a sua atividade filosófica.
6. O exame de consciência pelo qual ele integra na sua personalidade total as aquisições da sua investigação filosófica.
7. A técnica expressiva pela qual ele torna a sua experiência cognitiva reprodutível por outras pessoas.” (25)
REFERÊNCIAS
(1) “Esboço de um Sistema de Filosofia”, apostila do Seminário de Filosofia [doravante referido como SdF]. (2) “O trauma de emergência da razão”, Curso de Astrocaracterologia (1990-1992).(3) “As doze camadas da personalidade humana e as formas próprias de sofrimento”, apostila do SdF; Curso “Conceitos Fundamentais da Psicologia” (4 a 19 de setembro de 2009, Virginia). (4) “O que é psique”, apostila do SdF. (5) Aula 32 do Curso On-Line de Filosofia [doravante referido como COF] (14/11/2009). (6) Aula 2 do COF (21/03/2009). (7) A Filosofia e seu Inverso & Outros Estudos (Vide, 2012); Aulas 9 (06/06/2009) e 13 (04/07/2009) do COF. (8) Aristóteles em Nova Perspectiva: Introdução à Teoria dos Quatro Discursos (Vide, 2013). (9) Como vencer um debate sem precisar ter razão: Comentários à “dialética erística” de Arthur Schopenhauer (Topbooks, 1997). (10) Edmund Husserl Contra o Psicologismo (IAL, 1996; apostila); Curso “Filosofia da Ciência I” (10 a 15 de maio de 2010, Virginia). (11) Os Gêneros Literários: Seus Fundamentos Metafísicos (in A Dialética Simbólica: estudos reunidos, É Realizações, 2007). (12) “Sobre o mundo dos princípios”, aula do SdF (20/04/2009). (13) “O problema da verdade e a verdade do problema”, apostila do SdF (20 de maio de 1999); “Conhecimento e presença”, apostila do SdF (27/09/99); Aula 10 do COF (13/07/2009). (14) A Nova Era e a Revolução Cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci (IAL, Stella Caymmi, 1994); O Imbecil Coletivo I: Atualidades Inculturais Brasileiras (É Realizações, 2006); O Imbecil Coletivo II: A longa marcha da vaca para o brejo (É Realizações, 2008); O Jardim das Aflições: de Epicuro à ressurreição de César. Ensaio sobre o materialismo e a religião civil (É Realizações, 2000); O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (Record, 2013). (15) “Esboço de um sistema de filosofia”, apostila do SdF; aula 32 do COF. (16) “A tripla intuição”, apostila do SdF. (17) “Introdução à paralaxe cognitiva”, transcrição de aula de 26/08/2006, São Paulo; Maquiavel, ou A Confusão Demoníaca (Vide, 2011).(18) “A Estrutura da Mentalidade Revolucionária”, conferência realizada em Bucareste, 16/06/2011; “Resumo de A Mente Revolucionária”, partes I e II, SdF (19/06/2009). (19) Curso “Teoria do Estado”, em 11 aulas, PUC-PR (2003-2004); Os EUA e a Nova Ordem Mundial (Vide, 2012) [debate com Alexander Dugin]. (20) “Problemas de método nas ciências humanas”, apostila do SdF. (21) “Teses sobre o Poder”, apostila do SdF. (22) “Quem é o sujeito da história?”, apostila do SdF. (23) A Filosofia e seu Inverso(24) “Poesia e Filosofia”, in A Dialética Simbólica.(25) A Filosofia e seu Inverso, p. 133.
***
Este é um esboço grosseiro, sumário e bastante pessoal do que se poderia chamar – e que tanto mais é assim chamada quanto mais se a desconhece – de a obra de Olavo de Carvalho. Não é uma síntese dela, mas é pelo menos um mapa preliminar, pelo qual só eu respondo (creio que ao próprio Olavo não agradaria). Tomei a iniciativa de desenhá-lo, com todas as falhas e omissões que aí se assinalarem (muita coisa ficou de fora), pensando no leitor que, lendo O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, o mais recente livro de Olavo de Carvalho (org. Felipe Moura Brasil), pudesse de certa forma perceber a unidade mais ampla que os 193 textos do livro testemunham e, dessa forma, se interessar em conhecer melhor a obra do homem. Tomando por paralelo as seções desses “elementos da filosofia de Olavo de Carvalho”, eu apontaria os seguintes textos do livro como os mais relevantes aos respectivos temas:
I – “O poder de conhecer”, p. 38; “A mensagem de Viktor Frankl”, p. 49; “Redescobrindo o sentido da vida”, p. 53; “Um capítulo de memórias”, p. 91.
II – “Sem testemunhas”, p. 41.
III – “Quem eram os ratos?”, p. 261; “Da fantasia deprimente à realidade temível”, p. 324; “O testemunho proibido”, p. 405; “Como ler a Bíblia”, p. 409; “Debatedores brasileiros”, p. 456; “Zenão e o paralítico”, p. 460.
IV – “Jesus e a pomba de Stalin”, p. 355; “Espírito e personalidade”, p. 610.
V – “Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida”, p. 59; “A origem da burrice nacional”, p. 67; “Cavalos mortos”, p. 94; “Os histéricos no poder”, p. 96.
VI – “Que é ser socialista?”, p. 119; “A mentalidade revolucionária”, p. 186; “Ainda a mentalidade revolucionária”, p. 191; “A mentira estrutural”, p. 196; “A revolução globalista”, p. 159; “A fossa de Babel”, p. 287; “A ciência contra a razão”, p. 393.
VII – “Os donos do mundo”, p. 541; “O que está acontecendo”, p. 543; “Quem manda no mundo?”, p. 545; “Salvando o triunvirato global”, p. 570; “História de quinze séculos”, p. 168; “Onipresente e invisível”, p. 162; “Lula, réu confesso”, p. 472.
VIII – “A tragédia do estudante sério no Brasil”, p. 595; “Se você ainda quer ser um estudante sério…”, p. 599; “Pela restauração intelectual do Brasil”, p. 604.
Dito isso, de resto afirmo que O mínimo…, se bem lido, pode ser uma boa introdução ao estudo sério do pensamento de Olavo de Carvalho (embora seja bastante óbvio que a maior parte dos textos se integre só a uma terça parte da obra do filósofo – a de crítica cultural; as duas outras, a de história da filosofia e de produção filosófica propriamente dita, têm de ser buscadas em outros livros e cursos). A organização que Felipe Moura Brasil deu aos textos é primorosa, em seções e subseções, apondo-lhes ainda notas muito elucidativas (às quais se somam, também boas, as do editor). Um único defeito tenho a notar: a ausência de um índice remissivo. Um bom índice tornaria o livro uma ferramenta de consulta – e até de estudo, limitado que seja – bastante eficiente, com entradas onomásticas e temáticas, o que seria ao fim bom complemento ao sumário já formidavelmente bem estruturado que encontramos ao começo. Seria uma felicidade ver essa ausência sanada em uma edição futura do livro.
Finalmente, e agradecendo-lhes a paciência: desejo a todos uma boa leitura.

Por que alguém gosta do Foro de São Paulo

Olavo de Carvalho

Opera Mundi
, 1 de agosto de 2013

A propósito do XIX Encontro da coordenação estratégica do movimento comunista no continente, um sr. Breno Altman indaga no “Opera Mundi” de 31 de julho, com ares de perplexa indignação: “Por que a direita odeia o Foro de São Paulo?” A resposta, como não poderia deixar de ser em obra de tão criativa inteligência, vem pronta, copiada de qualquer manual de marxismo-leninismo: é “ódio de classe”, é a maldita burguesia inconformada de que após a queda da URSS o socialismo não morresse, mas prosperasse de vitória em vitória.
O próprio sr. Altman reconhece, no entanto, que nenhum sinal de hostilidade ao Foro se viu na “grande mídia”, porta-voz por excelência da “burguesia” segundo o ensinamento esquerdista repetido em todas as escolas. Em vez disso, os protestos direitistas, vindos de “grupos de distintos naipes” (sic), pipocaram por toda parte na blogosfera. Nem de longe ocorreu a esse gênio da estupidez perguntar por que raios a burguesia enraivecida, em vez de fulminar o Foro de São Paulo pelos possantes meios de comunicação de massas que ela mesma possui e comanda, preferiu sussurrar seu “ódio de classe” em blogs raquíticos de alcance limitado e orçamento nulo, como por exemplo o “Mídia Sem Máscara”, que sobrevive das rebarbas do meu salário.
Muito menos notou o arguto mentecapto que, inversa e complementarmente, a sua própria opinião, em vez de ocultar-se em tão paupérrimas e frágeis publicações de quintal, brilha num site protegido pelo bilionário Grupo Folha e subsidiado pela Petrobrás, empresa onde uma parte substantiva da nossa burguesia investe o seu querido capital.
Com toda a evidência, as respectivas “ideologias de classe”, no caso, não correspondem à posse ou falta de posse dos meios de produção. Estão sociologicamente invertidas. Mas no Brasil de hoje isso é normal entre intelectuais de esquerda (e suponho que o sr. Altman se creia um deles): sendo incapazes de discernir sua própria posição de classe, e sentindo-se inibidos de perguntá-la ao papai ou à mamãe, encontram alívio de tão angustiante desorientação inventando estereótipos amáveis e detestáveis e os vestem em quem bem desejem, acreditando que com isso estão fazendo análise sociológica.
É assim que os pés-rapados da blogosfera se transmutam na “burguesia” e os potentados da Folha e da Petrobrás no povão oprimido.
A resposta do sr. Altman vale o que vale o seu conhecimento das classes sociais no Brasil.
Mas, antes mesmo disso, a pergunta mesma já veio errada.
Ao longo de duas décadas e picos, o Foro de São Paulo acumulou uma folha de realizações que ninguém deveria ignorar:
1) Deu abrigo e proteção política a organizações terroristas e a quadrilhas de narcotraficantes e seqüestradores que nesse ínterim espalharam o vício, o sofrimento e a morte por todo o continente, fazendo mesmo do Brasil o país onde mais cresce o consumo de drogas na América Latina.
2) Ao associar entidades criminosas a partidos legais na busca de vantagens comuns, transformou estes últimos em parceiros do crime, institucionalizando a ilegalidade como rotina normal da vida política em dezenas de nações.
3) Burlou todas as constituições dos seus países-membros, convidando cada um de seus governantes a interferir despudoradamente na política interna das nações vizinhas, e provendo os meios para que o fizessem “sem que ninguém o percebesse”, como confessou o sr. Lula, e sem jamais ter de prestar satisfações por isso aos seus respectivos eleitorados.
4) Ocultou sua existência e a natureza das suas atividades durante dezesseis anos, enquanto fazia e desfazia governos e determinava desde cima o destino de nações e povos inteiros sem lhes dar a mínima satisfação ou explicação, rebaixando assim toda a política continental à condição de uma negociação secreta entre grupos interessados e transformando a democracia numa fachada enganosa.
5) Gastou dinheiro a rodo em viagens e hospedagens para muitos milhares de pessoas, durante vinte e três anos, sem jamais informar, seja ao povo brasileiro, seja aos povos das nações vizinhas, nem a fonte do financiamento nem os critérios da sua aplicação. Até hoje não se sabe quanto das despesas foi pago por organizações criminosas, quanto foi desviado dos vários governos, quanto veio de fortunas internacionais ou de outras fontes. Nunca se viu uma nota fiscal, uma ordem de serviço, uma prestação de contas, um simulacro sequer de contabilidade. A coisa tem a transparência de um muro de chumbo.
Diante desses fatos, perguntar por que alguém odeia o Foro de São Paulo é perguntar por que a chuva molha ou por que as vacas dão leite em vez de botar ovos.
É pergunta idiota de quem se faz de desentendido porque tem algo, e muito, a ganhar com uma cínica afetação de inocência.
O que toda inteligência normal e honesta deve perguntar, diante das obras e feitos do Foro de São Paulo, é, isto sim, como é possível alguém, sem ser parte interessada, gostar de uma porcaria dessas.

***

Devo acrescentar, a essas considerações, uma nota pessoal. No artigo do sr. Bruno Altman fui chamado, sem maiores explicações, de “filósofo de bordel”. Embora o julgamento do sr. Altman sobre quaisquer filósofos valha tanto quanto a sua sociologia, devo reconhecer que o rótulo não é totalmente descabido, de vez que tenho, de fato, dedicado bastante atenção filosófica a vários bordéis, lupanares, prostíbulos, alcoices, casas de tolerância, casas da tia ou como se queira chamá-los, cujas atividades espantosas requerem explicação. Há, entre inumeráveis outros, o bordel internacional do Foro de São Paulo, o bordel federal da sra. Dilma Rousseff, o bordel ao ar livre da “Marcha das Vadias” e, agora, o bordel jornalístico do “Opera Mundi”.

Todos os caminhos levam a Olavo

Paulo Briguet

Revista Wink Mag #20, agosto de 2013

Tudo começou por volta de 1996, quando caiu em minhas mãos o artigo de um tal Olavo de Carvalho. Li o texto uma, duas, três vezes – e xinguei alto. Como é que alguém ousava dizer aquelas coisas sobre intelectuais tão importantes da esquerda brasileira? Como é que alguém podia questionar os maravilhosos ideais da revolução socialista? Como é que alguém tinha a petulância de chamar o comunismo de “regime assassino”? Como é que esse mesmo reacionário tinha coragem de falar em Aristóteles, Platão, Leibniz, Nietzsche, Marx, literatura universal e cristianismo como se fosse um grande conhecedor de cada um desses autores e assuntos?

E o mais revoltante: o cara escrevia bem. Na época, aos 25 anos, eu era um militante esquerdista convicto. Sem que os meus companheiros de sindicato e partido desconfiassem de nada, viciei-me nos textos do tal Olavo. Lia-os escondido. Encontrei “O Imbecil Coletivo” numa livraria da cidade e, sem coragem de comprar o livro, passei a lê-lo a prestações, algumas páginas por dia, na livraria mesmo. Eu ainda lia e xingava, mas também me encantava com o poder dos argumentos, a fluência do estilo e a inegável erudição do autor.

Jamais poderia imaginar que, 17 anos depois, seria convidado a passar uma semana na casa do filósofo Olavo de Carvalho, em Richmond, Estados Unidos, para falar com ele e outros quatro escritores sobre o esvaziamento espiritual da cultura brasileira. Ao entrar na biblioteca de Olavo, onde a quantidade de livros só é menos espantosa do que o fato de que realmente foram lidos e compreendidos pelo dono, senti que a minha vida, de certa forma, se encaminhara para aquele momento. A partir daqueles seis dias de intenso debate e reflexão, eu nunca mais me permitiria transigir em termos de honestidade intelectual. E honestidade intelectual, segundo o professor Olavo, define-se de maneira simples: “Nunca fingir que você sabe o que não sabe e não sabe o que sabe”.

Sei, por exemplo, o que é o Foro de São Paulo. Em 1990, lideranças da esquerda, comandadas pelo sr. Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniram na capital paulista com o objetivo explícito de recuperar na América Latina o poder que os regimes comunistas haviam perdido no Leste Europeu no ano anterior, com a queda do Muro de Berlim. A estratégia da esquerda latino-americana não seguiria mais o modelo bolchevique de tomada do poder e terror policial; o caminho seria o da conquista gradual dos corações e mentes, através de uma cuidadosa dominação da cultura, inspirada por Antonio Gramsci, o Maquiavel moderno. A tal campanha pela “ética na política”, durante o governo Collor, era uma das etapas desse processo de revolução cultural, política e, finalmente, social.

Hoje a maioria dos países da América Latina é governada por líderes esquerdistas profundamente identificados e comprometidos com o Foro de São Paulo. Durante muitos anos, Olavo de Carvalho foi ridicularizado como “louco” e adepto de “teorias da conspiração”, enquanto a cultura brasileira, incluindo seus aspectos políticos, era vampirizada pela esquerda gramsciana e forneceria a base de apoio para o governo cleptopopulista dos últimos dez anos. O conservadorismo e o liberalismo brasileiro foram reduzidos a pó – no sentido de que não possuem a menor força e presença intelectual em nosso país.

Mas a resistência sempre surgirá. Foi assim no Leste Europeu e será assim na América Latina Em Richmond, tive a honra de me encontrar com alguns raros intelectuais que não se deixaram seduzir pela mentalidade revolucionária: Rodrigo Gurgel, o melhor crítico literário em atividade no país, responsável pela reabilitação de escritores esquecidos e o desmascaramento de medalhões superestimados; Ângelo Monteiro, autor do antológico ensaio “A lavação da burra” e nome de destaque na procura pela identidade brasileira por meio da linguagem poética, na tradição de Jorge de Lima, Alberto da Cunha Melo e Bruno Tolentino; o cientista político, jornalista e tradutor Bruno Garschagen, nome de proa na defesa das liberdades individuais e estudioso do conservadorismo político; e o professor e filósofo português Miguel Bruno Duarte, implacável crítico da dominação ideológica esquerdista nas universidades lusitanas.

Como faço questão de dizer sempre, estive em Richmond mais como observador e representante de um gênero literário evidentemente menor, a crônica. Faltaram lá outros nomes que ainda alimentam esperanças de dias melhores na cultura brasileira: o jornalista Reinaldo Azevedo; o padre Paulo Ricardo, os escritores Flavio Morgenstern, Felipe Moura Brasil e Gustavo Nogy; o professor José Carlos Zamboni; e até mesmo o cantor e compositor Lobão. De qualquer modo, foi uma experiência marcante, um divisor de águas na vida de qualquer cronista de província. Aprendi muito. Ouvi muito. Falei pouco – mesmo assim, bastante.

Richmond, na Virgínia, foi a capital dos Estados Confederados durante a Guerra da Secessão. As tropas de Lincoln reduziram a cidade a cinzas no final do conflito. Durante nossas conservações – que ficaram documentadas em vídeo –, Bruno Garschagen comparou o atual estado da cultura brasileira com os versos desesperados de T. S. Eliot em “The Waste Land” (A Terra Desolada). Outra imagem evocada por Garschagen foi a do Titanic gradualmente tomado pelas águas geladas. Pessoalmente, acredito que a Richmond arrasada na Guerra Civil oferece-nos uma precisa metáfora do Brasil da era petista. Diz a lenda que restou apenas uma casa em pé em Richmond na época: justamente a casa onde hoje se encontra o Museu de Edgar Allan Poe, o mais ilustre filho da cidade. Na frente da casa existe um carvalho, como se fosse uma testemunha das dores e tragédias que ali se passaram.

Também há um carvalho na frente da casa do professor Olavo. À sombra da velha árvore, os visitantes se reuniam todos os dias daquela semana inesquecível. “Eu gostaria que todo mundo falasse e escrevesse com o coração nas mãos”, disse o nosso anfitrião numa dessas conversas, ao lado de sua querida família que tão bem nos recebeu. Ali ele contou várias histórias sobre sua vida – narrativas que certamente dariam um belo livro. Ali ele falou com carinho sobre Arno Preis e João Leonardo, os dois melhores amigos de meu pai, mortos após aderirem à luta armada nos anos 70. Ali a minha vida recomeçou mais uma vez – a exemplo do dia em que me casei e do dia em que nasceu meu filho. De agora em diante, só escreverei com meu coração nas mãos. Aos 43 anos, já sei quem sou. Obrigado, Olavo.