Ronald Robson
Ad Hominem, agosto de 2013
Notas para uma leitura de “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota” (Record, 2013)
Ronald Robson
Ad Hominem, agosto de 2013
Notas para uma leitura de “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota” (Record, 2013)
Olavo de Carvalho
Opera Mundi, 1 de agosto de 2013
A propósito do XIX Encontro da coordenação estratégica do movimento comunista no continente, um sr. Breno Altman indaga no “Opera Mundi” de 31 de julho, com ares de perplexa indignação: “Por que a direita odeia o Foro de São Paulo?” A resposta, como não poderia deixar de ser em obra de tão criativa inteligência, vem pronta, copiada de qualquer manual de marxismo-leninismo: é “ódio de classe”, é a maldita burguesia inconformada de que após a queda da URSS o socialismo não morresse, mas prosperasse de vitória em vitória.
O próprio sr. Altman reconhece, no entanto, que nenhum sinal de hostilidade ao Foro se viu na “grande mídia”, porta-voz por excelência da “burguesia” segundo o ensinamento esquerdista repetido em todas as escolas. Em vez disso, os protestos direitistas, vindos de “grupos de distintos naipes” (sic), pipocaram por toda parte na blogosfera. Nem de longe ocorreu a esse gênio da estupidez perguntar por que raios a burguesia enraivecida, em vez de fulminar o Foro de São Paulo pelos possantes meios de comunicação de massas que ela mesma possui e comanda, preferiu sussurrar seu “ódio de classe” em blogs raquíticos de alcance limitado e orçamento nulo, como por exemplo o “Mídia Sem Máscara”, que sobrevive das rebarbas do meu salário.
Muito menos notou o arguto mentecapto que, inversa e complementarmente, a sua própria opinião, em vez de ocultar-se em tão paupérrimas e frágeis publicações de quintal, brilha num site protegido pelo bilionário Grupo Folha e subsidiado pela Petrobrás, empresa onde uma parte substantiva da nossa burguesia investe o seu querido capital.
Com toda a evidência, as respectivas “ideologias de classe”, no caso, não correspondem à posse ou falta de posse dos meios de produção. Estão sociologicamente invertidas. Mas no Brasil de hoje isso é normal entre intelectuais de esquerda (e suponho que o sr. Altman se creia um deles): sendo incapazes de discernir sua própria posição de classe, e sentindo-se inibidos de perguntá-la ao papai ou à mamãe, encontram alívio de tão angustiante desorientação inventando estereótipos amáveis e detestáveis e os vestem em quem bem desejem, acreditando que com isso estão fazendo análise sociológica.
É assim que os pés-rapados da blogosfera se transmutam na “burguesia” e os potentados da Folha e da Petrobrás no povão oprimido.
A resposta do sr. Altman vale o que vale o seu conhecimento das classes sociais no Brasil.
Mas, antes mesmo disso, a pergunta mesma já veio errada.
Ao longo de duas décadas e picos, o Foro de São Paulo acumulou uma folha de realizações que ninguém deveria ignorar:
1) Deu abrigo e proteção política a organizações terroristas e a quadrilhas de narcotraficantes e seqüestradores que nesse ínterim espalharam o vício, o sofrimento e a morte por todo o continente, fazendo mesmo do Brasil o país onde mais cresce o consumo de drogas na América Latina.
2) Ao associar entidades criminosas a partidos legais na busca de vantagens comuns, transformou estes últimos em parceiros do crime, institucionalizando a ilegalidade como rotina normal da vida política em dezenas de nações.
3) Burlou todas as constituições dos seus países-membros, convidando cada um de seus governantes a interferir despudoradamente na política interna das nações vizinhas, e provendo os meios para que o fizessem “sem que ninguém o percebesse”, como confessou o sr. Lula, e sem jamais ter de prestar satisfações por isso aos seus respectivos eleitorados.
4) Ocultou sua existência e a natureza das suas atividades durante dezesseis anos, enquanto fazia e desfazia governos e determinava desde cima o destino de nações e povos inteiros sem lhes dar a mínima satisfação ou explicação, rebaixando assim toda a política continental à condição de uma negociação secreta entre grupos interessados e transformando a democracia numa fachada enganosa.
5) Gastou dinheiro a rodo em viagens e hospedagens para muitos milhares de pessoas, durante vinte e três anos, sem jamais informar, seja ao povo brasileiro, seja aos povos das nações vizinhas, nem a fonte do financiamento nem os critérios da sua aplicação. Até hoje não se sabe quanto das despesas foi pago por organizações criminosas, quanto foi desviado dos vários governos, quanto veio de fortunas internacionais ou de outras fontes. Nunca se viu uma nota fiscal, uma ordem de serviço, uma prestação de contas, um simulacro sequer de contabilidade. A coisa tem a transparência de um muro de chumbo.
Diante desses fatos, perguntar por que alguém odeia o Foro de São Paulo é perguntar por que a chuva molha ou por que as vacas dão leite em vez de botar ovos.
É pergunta idiota de quem se faz de desentendido porque tem algo, e muito, a ganhar com uma cínica afetação de inocência.
O que toda inteligência normal e honesta deve perguntar, diante das obras e feitos do Foro de São Paulo, é, isto sim, como é possível alguém, sem ser parte interessada, gostar de uma porcaria dessas.
***
Devo acrescentar, a essas considerações, uma nota pessoal. No artigo do sr. Bruno Altman fui chamado, sem maiores explicações, de “filósofo de bordel”. Embora o julgamento do sr. Altman sobre quaisquer filósofos valha tanto quanto a sua sociologia, devo reconhecer que o rótulo não é totalmente descabido, de vez que tenho, de fato, dedicado bastante atenção filosófica a vários bordéis, lupanares, prostíbulos, alcoices, casas de tolerância, casas da tia ou como se queira chamá-los, cujas atividades espantosas requerem explicação. Há, entre inumeráveis outros, o bordel internacional do Foro de São Paulo, o bordel federal da sra. Dilma Rousseff, o bordel ao ar livre da “Marcha das Vadias” e, agora, o bordel jornalístico do “Opera Mundi”.
Paulo Briguet
Revista Wink Mag #20, agosto de 2013
Tudo começou por volta de 1996, quando caiu em minhas mãos o artigo de um tal Olavo de Carvalho. Li o texto uma, duas, três vezes – e xinguei alto. Como é que alguém ousava dizer aquelas coisas sobre intelectuais tão importantes da esquerda brasileira? Como é que alguém podia questionar os maravilhosos ideais da revolução socialista? Como é que alguém tinha a petulância de chamar o comunismo de “regime assassino”? Como é que esse mesmo reacionário tinha coragem de falar em Aristóteles, Platão, Leibniz, Nietzsche, Marx, literatura universal e cristianismo como se fosse um grande conhecedor de cada um desses autores e assuntos?
E o mais revoltante: o cara escrevia bem. Na época, aos 25 anos, eu era um militante esquerdista convicto. Sem que os meus companheiros de sindicato e partido desconfiassem de nada, viciei-me nos textos do tal Olavo. Lia-os escondido. Encontrei “O Imbecil Coletivo” numa livraria da cidade e, sem coragem de comprar o livro, passei a lê-lo a prestações, algumas páginas por dia, na livraria mesmo. Eu ainda lia e xingava, mas também me encantava com o poder dos argumentos, a fluência do estilo e a inegável erudição do autor.
Jamais poderia imaginar que, 17 anos depois, seria convidado a passar uma semana na casa do filósofo Olavo de Carvalho, em Richmond, Estados Unidos, para falar com ele e outros quatro escritores sobre o esvaziamento espiritual da cultura brasileira. Ao entrar na biblioteca de Olavo, onde a quantidade de livros só é menos espantosa do que o fato de que realmente foram lidos e compreendidos pelo dono, senti que a minha vida, de certa forma, se encaminhara para aquele momento. A partir daqueles seis dias de intenso debate e reflexão, eu nunca mais me permitiria transigir em termos de honestidade intelectual. E honestidade intelectual, segundo o professor Olavo, define-se de maneira simples: “Nunca fingir que você sabe o que não sabe e não sabe o que sabe”.
Sei, por exemplo, o que é o Foro de São Paulo. Em 1990, lideranças da esquerda, comandadas pelo sr. Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniram na capital paulista com o objetivo explícito de recuperar na América Latina o poder que os regimes comunistas haviam perdido no Leste Europeu no ano anterior, com a queda do Muro de Berlim. A estratégia da esquerda latino-americana não seguiria mais o modelo bolchevique de tomada do poder e terror policial; o caminho seria o da conquista gradual dos corações e mentes, através de uma cuidadosa dominação da cultura, inspirada por Antonio Gramsci, o Maquiavel moderno. A tal campanha pela “ética na política”, durante o governo Collor, era uma das etapas desse processo de revolução cultural, política e, finalmente, social.
Hoje a maioria dos países da América Latina é governada por líderes esquerdistas profundamente identificados e comprometidos com o Foro de São Paulo. Durante muitos anos, Olavo de Carvalho foi ridicularizado como “louco” e adepto de “teorias da conspiração”, enquanto a cultura brasileira, incluindo seus aspectos políticos, era vampirizada pela esquerda gramsciana e forneceria a base de apoio para o governo cleptopopulista dos últimos dez anos. O conservadorismo e o liberalismo brasileiro foram reduzidos a pó – no sentido de que não possuem a menor força e presença intelectual em nosso país.
Mas a resistência sempre surgirá. Foi assim no Leste Europeu e será assim na América Latina Em Richmond, tive a honra de me encontrar com alguns raros intelectuais que não se deixaram seduzir pela mentalidade revolucionária: Rodrigo Gurgel, o melhor crítico literário em atividade no país, responsável pela reabilitação de escritores esquecidos e o desmascaramento de medalhões superestimados; Ângelo Monteiro, autor do antológico ensaio “A lavação da burra” e nome de destaque na procura pela identidade brasileira por meio da linguagem poética, na tradição de Jorge de Lima, Alberto da Cunha Melo e Bruno Tolentino; o cientista político, jornalista e tradutor Bruno Garschagen, nome de proa na defesa das liberdades individuais e estudioso do conservadorismo político; e o professor e filósofo português Miguel Bruno Duarte, implacável crítico da dominação ideológica esquerdista nas universidades lusitanas.
Como faço questão de dizer sempre, estive em Richmond mais como observador e representante de um gênero literário evidentemente menor, a crônica. Faltaram lá outros nomes que ainda alimentam esperanças de dias melhores na cultura brasileira: o jornalista Reinaldo Azevedo; o padre Paulo Ricardo, os escritores Flavio Morgenstern, Felipe Moura Brasil e Gustavo Nogy; o professor José Carlos Zamboni; e até mesmo o cantor e compositor Lobão. De qualquer modo, foi uma experiência marcante, um divisor de águas na vida de qualquer cronista de província. Aprendi muito. Ouvi muito. Falei pouco – mesmo assim, bastante.
Richmond, na Virgínia, foi a capital dos Estados Confederados durante a Guerra da Secessão. As tropas de Lincoln reduziram a cidade a cinzas no final do conflito. Durante nossas conservações – que ficaram documentadas em vídeo –, Bruno Garschagen comparou o atual estado da cultura brasileira com os versos desesperados de T. S. Eliot em “The Waste Land” (A Terra Desolada). Outra imagem evocada por Garschagen foi a do Titanic gradualmente tomado pelas águas geladas. Pessoalmente, acredito que a Richmond arrasada na Guerra Civil oferece-nos uma precisa metáfora do Brasil da era petista. Diz a lenda que restou apenas uma casa em pé em Richmond na época: justamente a casa onde hoje se encontra o Museu de Edgar Allan Poe, o mais ilustre filho da cidade. Na frente da casa existe um carvalho, como se fosse uma testemunha das dores e tragédias que ali se passaram.
Também há um carvalho na frente da casa do professor Olavo. À sombra da velha árvore, os visitantes se reuniam todos os dias daquela semana inesquecível. “Eu gostaria que todo mundo falasse e escrevesse com o coração nas mãos”, disse o nosso anfitrião numa dessas conversas, ao lado de sua querida família que tão bem nos recebeu. Ali ele contou várias histórias sobre sua vida – narrativas que certamente dariam um belo livro. Ali ele falou com carinho sobre Arno Preis e João Leonardo, os dois melhores amigos de meu pai, mortos após aderirem à luta armada nos anos 70. Ali a minha vida recomeçou mais uma vez – a exemplo do dia em que me casei e do dia em que nasceu meu filho. De agora em diante, só escreverei com meu coração nas mãos. Aos 43 anos, já sei quem sou. Obrigado, Olavo.