Leituras

Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

Olavo de Carvalho

28 de outubro de 2000

Muita gente me escreveu perguntando onde comprar os livros que citei em artigo de “O Globo” em 28 de outubro, e que descrevem a escabrosa situação do Rio Grande do Sul sob domínio petista. Dois deles, já sei onde encontrar. Dos demais vou procurar me informar.

Os 500 dias do PT, no governo, são outros 500 do deputado Onyx Lorenzoni, pode ser encontrado:

Em São Paulo: (Maury Mello)
Batatais comércio e representação de livros – (011) 32662976 ou 32663097;

Rio de Janeiro: (Sr. Arthur)
Eldorado Sudeste comércio de livros – (021)2385542 – 5726593;

Brasília: (Sr. José Quinderê)
J.Quinderê distribuidora de livros – (061) 3476461 – 347.73.86;

Curitiba: (Sr. Antônio Ferreira)
Livraria Millenium – (041) 3620296;

Belo Horizonte: (Sr. Ailton)
Agencia de Revistas e Livros Líder – (031) 2614372 – 2610464;

Vitória (Sr. Silvio)
Livraria Logus (027) 227.51.99.

Os 500 dias do PT, no governo, são outros 500 é uma publicação da Editora Sulina, Porto Alegre-RS e terá sessão de autógrafos na 46ª feira do Livro de Porto Alegre, na próxima segunda-feira, 13, às 20 horas.

Totalitarismo Tardio: O Caso do PT, de José Giusti Tavares (org.) pode ser comprado na Editora Mercado Aberto:

e-mail: mercado@vanet.com.br
Rua Dona Margarida, 894
Bairro Navegantes – Porto Alegre (RS) – CEP 90.240-610
Fone: (051) 337-4833 – Fax: (051) 337-4905

ou então pelos seus distribuidores:

Acre
        Livraria Universitária
        Rua Rio Grande do Sul, 331
        Rio Branco – AC
        69903-420
        Fone: (068) 224-3432    

Amazonas
        Metro Cúbico Livros e Revistas
        Rua 24 de Maio, 415
        Manaus – AM
        69010-080
        Fone: (092) 234-3030

Bahia
        Livraria Multicampi
        Rua Direita da Piedade, 203
        Salvador – BA
        40070-190
        Fone: (071) 321-4024

Ceará
        Tropical Editora
        Av. do Imperador, 1517
        Fortaleza – CE
        60015-052
        Fone: (085) 231-3620

Distrito Federal
        Vitor Celestino Ferreira Moreira
        CLS 304 – Bloco B – Loja 24
        Brasília – DF
        70337-520
        Fone: (061) 224-9018
        Livraria Eldorado
        SIG Quadra 01 – Lote 725 – Asa Sul
        Brasília – DF
        70610-400
        Fone: (061) 223-7688

Espírito Santo
        Livraria Logos
        Av. Carlos Moreira, 61
        Vitória – ES
        29052-111
        Fone: (027) 222-1856 / 227-5199

Goiás
        Livraria Gold
        Rua 70, 388 – Setor Central
        Goiânia – GO
        74290-270
        Fone: (062) 225-4847 / 223-6329

Mato Grosso
        Marchi Livraria e Distribuidora Ltda
        Av. Getúlio Vargas, 381
        Cuiabá – MT
        78005-000
        Fone: (065) 322-6967     

Minas Gerais
        JLM Distribuidora de Livros
        Rua Bahia, 478 – loja 16
        Belo Horizonte – MG
        30160-010
        Fone: (031) 212-1020 / 212-1811
        Livraria Luziadas
        Rua João Neves de Ávila, 1836
        Uberlândia – MG
        38400-089
        Fone: (034) 234-9548     

Pará / Amapá
        Conte Cunha Ind. E Com. Ltda
        Rua C. João Alfredo, 10
        Belém – PA
        66013-000
        Fone: (091) 223-9422

Paraná
        A. Lorenzet Distrib. E Com. De Livros Ltda
        Av. São José, 587 – Loja 03
        Curitiba – PR
        80050-350
        Fone: (041) 262-8992    

Pernambuco
        Urbanos Comércio e Representação Ltda
        Rua da Floresta, 12-A Santo Amaro
        Recife – PE
        50110-220
        Fone/Fax: (081) 423-3226    

Rio de Janeiro
        ECM Distribuidora de Livros Ltda
        Rua Pareto, 23 – Tijuca
        Rio de Janeiro – RJ
        20550-120
        Fone: (021) 264-2815

Rio Grande do Norte
        Potylivros Distribuidora Ltda
        Rua Felipe Camarão, 609 – Centro
        Natal – RN
        59025-200
        Fone: (084) 211-2001 / Fax: (084) 211-5068

Rio Grande do Sul
        LMC Comércio e Distrib. De Livros Ltda
        Av. Independência, 588
        Porto Alegre – RS
        90035-071
        Fone: (051) 224-5288
        Multilivro Com. E Repr. Ltda
        Av. Osvaldo Aranha, 440/SL. 101
        Porto Alegre – RS
        90040-190
        Fone: (051) 311-2109

Santa Catarina
        Livraria Cuca Fresca
        Rua Fernando Machado, 33
        Florianópolis – SC
        88010-510
        Fone: (048) 222-9966 / 223-6582

São Paulo
        Editora da Universidade de São Paulo
        Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira
        Av. Prof. Luciano Gualberto – Trav. J, 374
        São Paulo – SP
        05655-010
        Fone: (011) 818-4151
        Distribuidora Loyola de Livros Ltda
        Rua Conselheiro Ramalho, 692/694
        São Paulo – SP
        01325-000
        Fone: (011) 287-0688
        Mercado de Letras Ltda
        Rua Tiradentes, 673
        Campinas – SP
        13023-191
        Fone: (019) 234-1214

Comentários às refutações borrônicas

25 de outubro de 2000

Ao publicar nesta homepage os presentes comentários, enviei ao mesmo tempo a seguinte carta à redação de Época:

Senhor redator: Preferindo guardar meu espaço em Época para coisas mais importantes, coloquei em meu websitehttp://www.olavodecarvalho.org, uma resposta detalhada ao blefe pueril com que, na edição de 21 de outubro, o sr. Luca Borroni-Biancastelli fingiu refutar minhas críticas a Lord Keynes.

Olavo de Carvalho

No meu artigo “Palmas para Keynes” (Época, 16 set. 2000), fiz as seguintes afirmativas: 1. Keynes protegeu o círculo de espiões soviéticos de Cambridge. 2. A proposta econômica de Keynes resultava em fazer do Estado o maior dos capitalistas. 3. O New Deal inspirado em Keynes deu errado e só foi salvo pela eclosão da guerra (que, por definição, favorecia o controle estatal da economia). 4. A famosa sentença “A longo prazo estaremos todos mortos” pode ser lida como resposta de Keynes à crítica de que transformar o Estado em empreendedor geraria inflação através do aumento dos gastos públicos. 5. Os admiradores que louvam Keynes como salvador do capitalismo são sobretudo burocratas esquerdistas aos quais ele deu um lugar de honra no seu novo modelo pseudocapitalista.

Prometendo arrasar mediante seu saber econômico de grosso calibre a minha “pseudo-análise” de leigo, o prof. Luca Borroni-Biancastelli (Época, 21 out. 2000) responde com evasivas às duas primeiras afirmações, nada diz quanto à terceira, falseia os dados históricos para fingir que desmente a quarta, e por fim dá uma boa confirmação involuntária à quinta com sua ira de esquerdista ferido pelas críticas liberais a seu idolatrado Keynes.

Se isso é uma refutação, o prof. Borroni é um triângulo isósceles. Mas não me espantaria que ele acreditasse ser um triângulo isósceles, já que pensa também que meu artigo é uma “pseudo-análise” da teoria de Keynes, quando obviamente não há ali análise nenhuma, quer genuína, quer postiça, mas, precisamente ao contrário, a simples expressão sintética de um julgamento.

É compreensível que quem não sabe distinguir análise de síntese também não saiba a diferença entre uma refutação e a simples expressão de uma discordância irritada, sublinhada pela ostentação grotesca de sentimento de superioridade perfeitamente ilusório que denota antes uma mentalidade de adolescente.

Mas, além de tomar a síntese por análise, o prof. Borroni ainda acredita que ela é sobre a teoria de Keynes. Basta ler meu artigo com atenção para verificar que sobre o conteúdo das idéias de Keynes ele contém, no total, uma só frase, e que essa frase não fala da teoria e sim da proposta prática que o autor dessa teoria houve por bem deduzir dela. Análise é divisão de um todo nas suas partes constituintes, e não se vê como seria possível fazê-la, autêntica ou facticiamente, numa sentença breve e única que, além do mais, não fala de nenhuma delas e se contenta com apontar um efeito histórico do conjunto.

Para ser pseudo-alguma-coisa é preciso ter ao menos uma vaga semelhança com essa coisa, e meu artigo não se parece em nada com uma análise. Ele pode portanto ser tudo o que o prof. Borroni queira, pode ser até um aglomerado de bobagens, mas não pode, em hipótese alguma, ser uma pseudo-análise.

Para um carrancudo Ph. D. empenhado em defender sua jurisdição acadêmica contra o leigo intruso, o prof. Borroni não se revela muito hábil no domínio dos instrumentos elementares de toda linguagem científica.

Para ajudar o ilustre sábio a superar essa sua dificuldade, esclareço, a título de exemplo pedagógico, que o primeiro parágrafo destes comentários é um desmembramento analíticodas partes do meu artigo “Palmas para Keynes” e que o segundo é uma síntese dos defeitos que encontrei na argumentação de seu crítico, os quais, para maior clareza, passo a analisarcriticamente:

1. Em resposta à minha afirmativa de que Lord Keynes favoreceu a espionagem soviética em Cambridge, o prof. Borroni diz: “Quanto às inclinações ideológicas do grande economista, a verdade é que Keynes sempre execrou as idéias de Marx.” Ora, uma acusação de cumplicidade em espionagem não pode, obviamente, ser refutada mediante a alegação das convicções ideológicas do suspeito. Espionagem não é militância, que subentende adesão mental. Espionagem pode-se fazer por profissão, por suborno, por interesse político, por envolvimento forçado, por chantagem, por espírito de aventura, por mil e um motivos dos quais a ideologia não é nem de longe o mais relevante. No círculo de espiões em Cambridge, o autor da mais importante contribuição à URSS foi Ludwig Wittgenstein, cujas crenças políticas estavam ainda mais distantes do marxismo que as de Keynes. Da alegação extemporânea do prof. Borroni só se pode concluir que ele ignora não apenas o que é refutação, mas também o que é espionagem e, ademais, tudo o que aconteceu em Cambridge.

2. À minha afirmativa de que “A mágica besta da economia keynesiana consistia em fazer do Estado o maior dos capitalistas”, o prof. Borroni oferece duas respostas. A primeira assegura, com ponto de exclamação, que “Keynes nuncadefendeu tal tese!”. A segunda, linhas adiante, declara que, para Keynes “o governo só deve assumir a tarefa de promover a retomada do crescimento econômico quando as condições do sistema não permitirem a atuação eficaz do capital privado”. Bem, desde logo seria melhor o prof. Borroni escolher uma das duas respostas, pois elas são incompatíveis: ou Keynes não admitiu que se adotasse nunca a proposta de um Estado-empresário, ou admitiu adotá-la em determinadas circunstâncias. A diferença é, precisamente, a que existe entre nada e alguma coisa. Essa distinção pode ser obscura e dificultosa para o prof. Borroni, mas não creio que o seja para o restante da humanidade.

Ademais, há nesse caso um outro aspecto que, como aliás praticamente todos os demais, passou despercebido ao nosso Ph. D.: é que, se Keynes só admitia o Estado-empresário em certas circunstâncias, isto é, “quando as condições não permitirem a atuação eficaz do capital privado”, essas eram precisamente, segundo ele próprio, as circunstâncias  vigentes no momento em que ele publicou sua Teoria e, de modo geral, em toda a fase histórica que vai do fim da I Guerra Mundial até… a morte de Keynes! Ou seja: Keynes “nunca” admitiu a transformação do Estado em empresário, exceto… durante o tempo todo em que viveu.

A resposta do prof. Borroni é, portanto, apenas uma tentativa frustrada de lançar uma cortina de fumaça sobre aquilo que todo mundo sabe: malgrado todas as mediações e atenuações teóricas possíveis, que na prática ficaram sem efeito, a proposta de Keynes consistiu, sim, em fazer do Estado o maior dos empresários, aumentando desmedidamente os gastos públicos e elevando a inflação a alturas estratosféricas.

3. Embora a afirmação do completo fracasso da aplicação das propostas keynesianas nos Estados Unidos esteja no centro mesmo do meu argumento contra Keynes, o prof. Borroni nada lhe responde. A omissão é significativa, pois, se um sujeito ameaça dar cabo de nossas opiniões e depois, em vez de mirar bem no coração e acertá-las com um tiro mortal, fica tentando roer pelas bordas com uma boca sem dentes, a única conclusão possível é que não estamos diante de um adversário sério, mas de um ignorante muito fraco e abusado.

4. Segundo meu artigo, à crítica de que transformar o Estado em empreendedor geraria inflação através do aumento dos gastos públicos Keynes teria respondido com sua célebre evasiva “A longo prazo estaremos todos mortos.” O prof. Borroni acusa-me de citar a frase fora do contexto e informa que ela, na verdade, foi uma crítica a Alfred Marshall.

Bem, é certo dizer que coloquei a citação fora do contexto, mas o prof. Borroni faz pior: coloca-a num contexto falso.

Na verdade puramente textual, a frase não foi dita nem para defender a teoria do próprio Keynes nem para atacar a de qualquer outro. Foi apenas uma observação a propósito de empréstimos de guerra concedidos pelo Tesouro inglês em 1917 e cujo retorno estava demorando mais do que o esperado. (1)

Eu e o prof. Borroni, portanto, ambos cometemos o mesmo delito. Não é delito grave, em si mesmo. Uma frase dita em determinada ocasião por um pensador pode ser perfeitamente usada para resumir ou parafrasear coisas que ele disse em outra ocasiâo, caso o sentido geral coincida ao menos esquematicamente. Por exemplo, Karl Marx não disse em parte alguma de O Capital que “a moderna sociedade burguesa não eliminou os antagonismos de classe”. Ele disse isso noManifesto Comunista, trinta anos antes, mas a frase resume, de antemão, páginas e páginas de O Capital. Portanto, num texto jornalístico, sem obrigatória fidelidade literal ou remissão científica a fontes textuais, não haveria nada de mais em usar essa frase como alusão à doutrina de O Capital.

Identicamente, não é abuso usar da frase de Keynes sobre o empréstimo de 1917, seja para resumir sua atitude ante as advertências de seus críticos, seja para condensar sua crítica a Marshall, pois o sentido é esquematicamente o mesmo em ambos os casos e em ambos trata-se apenas de aludir e resumir sem distorcer. Na verdade, o uso dessa frase como uma espécie de síntese da atitude intelectual de Keynes tornou-se geral entre economistas e não-economistas, keynesianos ou antikeynesianos, mais ou menos como se faz com o “Eppur si muove” de Galileu ou o “Cogito ergo sum” de Descartes, também citados abundantemente fora de contexto, sem qualquer prejuízo do sentido geral das idéias que resumem. Não há nisso nada de especialmente perverso.

A perversão começa no preciso momento em que o prof. Borroni tenta induzir o leitor a crer que, das duas alusões deslocadas, uma é abusiva troca de contexto e a outra, a sua, uma rigorosa citação textual. Aí já abandonamos o terreno da licença jornalística e entramos no da falsificação de fontes.

Nossos delitos, pois, não são o mesmo. A diferença é a que existe entre uma figura de estilo usada para abreviar a explicação e uma fraude concebida para fins difamatórios.

5. Que os louvores a Keynes como salvador do capitalismo venham sobretudo de pessoas que teriam tudo para odiá-lo se ele realmente o fosse, é coisa que não preciso provar, pois o próprio prof. Borroni o prova no momento em que qualifica minhas críticas de “apologia da direita econômica mais obtusa”. A palavra “direitista”, certamente, só pode ser um insulto desde o ponto de vista da esquerda, e é este o ponto de vista que o prof. Borroni subscreve ao fazer a apologia de Keynes.

O tom irritado das suas observações, o nervosismo de uma lógica que se atropela e esborracha em autocontradições a cada linha bem mostram que o prof. Borroni ressentiu minhas críticas a Keynes como uma ofensa intolerável à dignidade do ofício de economista que ele crê, por motivos insondáveis, representar muito bem. E tão piamente ele se imagina a encarnação mesma do saber acadêmico nessa área, que, sem a menor suspeita de que possa ter-se enganado, ele supõe que quem quer que diga as coisas que eu disse de Keynes só pode tê-las aprendido de ouvir-dizer ou de introduções populares de segunda-mão escritas por leigos.

Bem, mesmo que essa conjetura fosse verídica, ela não bastaria para impugnar essas críticas como “velhos chavões desprovidos de qualquer fundamento científico”, precisamente porque o valor de uma crítica não está no prestígio acadêmico da sua fonte, mas na veracidade do seu conteúdo.

Mas o fato é que, ao embarcar nessa suposição com fé de carbonário, o prof. Borroni só revela a sua completa ignorância de que tais críticas a Keynes – e outras muito mais graves – não constam só de livretos populares e sim de obras fundamentais da economia, que, por não as conhecer, ele imagina inexistentes e impossíveis de existir.

Ludwig von Mises, por exemplo, o mestre da escola austríaca, e indiscutivelmente um clássico da ciência econômica, diz que a esperança de corrigir as distorções da economia mediante a intervenção do Estado “é a fábula de Papai Noel elevada por Lord Keynes à dignidade de doutrina econômica, entusiasticamente apoiada por todos aqueles que esperam obter vantagens pessoais com os gastos do governo” (2). É o mesmo que eu digo em “Palmas para Keynes”. O prof. Borroni pode alegar que isso é “de direita” e que ser de direita é o supremo pecado. Mas terá a cara de pau de alegar que é opinião de não-economista ou citação extraída de manual popular? Do mesmo modo, não será um excesso de presunção crer, sem exame, que nada se pode alegar contra Keynes exceto “velhos chavões sem valor científico”, quando a própria doutrina de Keynes é descrita por von Mises como uma coleção de “crenças populares racionalizadas e elevadas à categoria de uma doutrina quase-econômica”?

Por que ludibriar o público, levando-o a imaginar que está diante de um confronto entre o saber especializado e a ignorância leiga, quando os ataques a Keynes não partem de fontes estranhas à ciência econômica, mas de economistas muito mais qualificados que um milhão de Borronis?

Mais adiante, diz von Mises: “Na prática, todos esses expedientes de uma suposta política de pleno emprego mais cedo ou mais tarde conduzem à instauração de um socialismo modelo alemão (nazismo).” Terá o prof. Borroni a desfaçatez de negar que a política econômica keynesiana do governo Roosevelt se apoiou em medidas policiais e repressivas, com campo de concentração e tudo? Se tem, que leia então John T. Flynn, The Roosevelt Myth (3), e depois opine com conhecimento de causa, em vez de presumir que a exibição caipira de títulos acadêmicos substitui com vantagem a informação exata e o estudo sério.

O mais curioso no texto do prof. Borroni é sua confissão final de que Keynes tinha “escasso interesse pela máquina burocrática estatal” e que isso constitui “um ponto frágil” da sua doutrina, bem como, aliás, da de Marx. Ora, esse desinteresse, mais que mera fragilidade teórica do pensamento de Keynes, revela nele (como também em Marx) uma espantosa leviandade e um imoral desinteresse pelos meios práticos de realização de suas idéias. Pois, se a burocracia é o instrumento por excelência da mudança, ignorá-la é simplesmente falsear por completo o próprio raciocínio econômico, produzindo a impressão de que o Estado é um Deus ex machina que pode agir sobre a economia sem depender dela, sem ser sustentado por ela, dando miraculosamente ao povo algo que não tomou desse mesmo povo. É desencadear conseqüências econômicas, políticas e sociais monstruosas, cuja previsão deve constituir motivo de inquietação para todos, exceto para o teórico nefelibata que, do alto da sua torre de marfim, considera o mundo um jogo intelectual e, seguro de estar morto a longo prazo, faz dos destinos da humanidade um brinquedo, como O Grande Ditador de Charlie Chaplin.

Por isso mesmo, não considero imprópria a linguagem com que falei de John Maynard Keynes. Segundo o prof. Borroni, é linguagem “de taberna”, porque usa o termo “desgraçado”. Mas “desgraçado” é termo religioso: designa aquele que foi excluído da Graça. Keynes e seu círculo de amiguinhos em Cambridge estavam bem cientes de sua radical inimizade a um Deus que não chegavam a declarar inexistente. Por isso mesmo, numa caricatura explícita, denominaram “Os Apóstolos” a seu grupo, unido não no amor de Cristo, mas na mútua sedução erótica e na comum afeição a jogos intelectuais de um artificialismo sem par, entre os quais o mais divertido era a espionagem a serviço de uma ideologia assassina na qual nem sequer acreditavam: se podiam brincar com o inferno, por que não haveriam de brincar com os destinos da Terra?

Esse aspecto das coisas é fundamental para quem deseje compreender a inspiração que movia o grupo de Cambridge. Posso falar dele com mais detalhe, numa outra ocasião. Mas ele está tão longe do círculo de visão do prof. Borroni quanto a burocracia estava longe das cogitações daquele que, brincando, brincando, entregou a ela as chaves da onipotência. Por isso, em vez da associação bíblica que o autor do texto teve em vista, a palavra “desgraçado” só traz ao seu pretenso crítico a evocação extemporânea de um ambiente de taberna em cuja conversação, decerto, predominam expressões de teor bem diverso, provavelmente até mais adequadas a descrever o caráter de Lord Keynes. Nisto, como em tudo o mais, o prof. Borroni passou longe da questão. Talvez assim seja melhor: ele não tem ainda nem o saber nem a maturidade espiritual necessários para tomar consciência do tipo de jogo em que se meteu.

Olavo de Carvalho

Notas

(1) Collected Works, vol. IV, p. 65.

(2) Ação Humana. Um Tratado de Economia, trad. Donald Stewart Jr., Rio, Instituto Liberal, 2a. ed., 1995, p. 748.

(3) Old Greenwich, Connecticut, Popsvox Publishing, 1997.

O Império e a globalização

A metalinguagem do colonialismo

Deslumbrados com o conceito de “Império” que acabam de importar dos Estados Unidos, intelectuais brasileiros desconhecem – ou fingem desconhecer – que o filósofo Olavo de Carvalho já o criara no Brasil há cinco anos.

por José Maria e Silva
silvajm@uol.com.br

Opção (Goiânia), 1º de outubro de 2000

Como os índios e escravos do período colonial, que por força da sobrevivência batizavam seus deuses com nomes de santos, os intelectuais brasileiros rendem-se ao imperialismo com um despudor de espantar. Só são capazes de aceitar o Brasil quando descobrem um modo de pronunciá-lo em inglês, como faz o antropólogo Hermano Viana, arremedo de Mário de Andrade. Entre os incontáveis exemplos dessa conduta servil da elite pensante brasileira, o mais recente encontra-se no caderno Mais! do jornal Folha de S. Paulo, que, na edição de domingo passado, 24 de setembro, apresentou como grande descoberta do século o conceito de “Império”, proposto pelo italiano Antonio Negri e pelo norte-americano Michael Hardt, no livro Empire, que está sendo lançado nos Estados Unidos pela Universidade de Harvard. Só no próximo ano o livro será lançado no Brasil, pela Record, todavia, já está sendo festejado por intelectuais como André Singer, professor do departamento de ciência política da USP e autor do recém-lançado Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro. Segundo ele, o aspecto “mais original” da obra de Negri e Hardt “está em perceber o quanto o modelo político norte-americano, inventado no século 18, quando as 13 colônias se fizeram independentes, é adequado ao sistema imperial, hegemônico a partir de 1991”. O que significa que, para ele, o próprio conceito de “Império”, que se propõe a substituir o de “Imperialismo”, já é original.

André Singer parece não saber que essa suposta originalidade importada dos Estados Unidos já se encontrava aqui, autóctone, nas páginas candentes do livro O Jardim das Aflições, do filósofo Olavo de Carvalho, publicado em 1995 pela Editora Diadorim, com o subtítulo De Epicuro à Ressurreição de César: Ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. Nesse estudo magistral, que se estende por 20 séculos de civilização e permeia os mais variados ramos do conhecimento (inclusive o estudo de religião comparada, verdadeiro deserto no pensamento brasileiro), Olavo de Carvalho critica o descaso com que a teoria política trata o “fenômeno Império” e sustenta que “a história política do Ocidente pode ser, sem erro, facilmente resumida como a história das lutas pelo direito de sucessão do Império Romano”. Sem advogar para o seu ensaio o estatuto de uma “teoria”, já que é um crítico do sentido imanentista da história, Olavo de Carvalho procura mostrar que o Império no Ocidente é uma realidade — e realidade “contínua“, com ligeiro interregno entre a queda de Roma e o reinado de Carlos Magno; “problemática“, porque não apresenta a unidade estável e o crescimento orgânico de Roma; “decisiva“, uma vez que se serve indistintamente de todas as demais doutrinas; e “atual“, especialmente depois que a União Soviética sucumbiu ante os Estados Unidos e uma nova Roma ressurge no mundo. Em suma, cinco anos antes dos dois autores estrangeiros, o filósofo brasileiro já mostrava que o Ocidente se move para realizar sua sina de Império.

Sequer a idéia de que os Estados Unidos encarnam o “Império” — considerada por Singer a contribuição “mais original” de Negri e Hardt — deveria ser uma novidade para o país de Olavo de Carvalho. Num estilo primoroso, em que as imagens faíscam como fogos e os sons jorram como cascata, tirando o fôlego do leitor de bom gosto, o filósofo paulista já observava que os Estados Unidos vão “unificando e homogeneizando a humanidade, impondo por toda parte suas leis, seus costumes, seus valores, sua língua, e, administrando sabiamente as diferenças nacionais, é elevado à condição de supremo magistrado do universo”. O Império, segundo Olavo de Carvalho, é “destituído de convicções teóricas”, apoiando, indiferentemente, a revolução ou a reação, a escravatura ou a abolição, o moralismo puritano ou a rebelião sexual, o domínio colonial ou as reivindicações de independência nacional” — o que lhe importa é assegurar a “marcha ascendente da Revolução Americana” sobre o mundo. Depois de várias tentativas frustradas de restauração do Império Romano por parte de potências européias, César ressuscitou do outro lado do Atlântico. Os Estados Unidos — afirma Olavo de Carvalho — são uma “República imperial, capitalista, maçônica e protestante”.

O Conto da Carochinha — Irônico é que exatamente Olavo de Carvalho — tido como sequaz da extrema-direita pela gente da USP — seja muito mais crítico em relação aos Estados Unidos do que Antonio Negri e Michael Hardt, dois discípulos de Marx que pretendem fazer de Empire o Manifesto Comunista do século XXI. Informa o uspiano André Singer, sem fazer nenhuma ressalva, que o Império norte-americano, para os dois autores, é um poder benigno sobre o mundo. Entre outras coisas porque Negri e Hardt, segundo Singer, defendem a tese de que os Estados Unidos “nunca cultivaram um projeto imperialista”, salvo na colonização das Filipinas, e quando interferiram em outras partes do planeta, sua intenção era apenas resguardar a ordem mundial, em nome de valores como “o equilíbrio, a liberdade, a democracia”. Olavo de Carvalho sustenta o contrário desse conto da carochinha: “A vocação imperial norte-americana não nasceu junto com os Estados Unidos: nasceu antes”. E mostra essa “impressionante escalada” imperialista enumerando desde a ajuda “discreta mas decisiva” que os Estados Unidos deram à Revolução Francesa, em 1793, até a construção do Canal do Panamá, em 1906, passando pela compra da Louisana (1803), a tentativa fracassada de invasão do Canadá (1812), a Doutrina Monroe (1823), a anexação do Texas (1845), a intervenção branca na Califórnia e a guerra com o México (1846), a instalação de ponta-de-lança no Japão (1854), a compra do Alasca (1867), a anexação das Filipinas, a intervenção em Cuba e a guerra com a Espanha (1898).

Mas o que leva dois comunistas a tecerem loas aos Estados Unidos e de um modo aparentemente tão entusiasta que o fazem a quatro mãos? Essa questão já está antecipadamente respondida por Olavo de Carvalho no mesmo livro. Estimulado pelo poeta Bruno Tolentino, que lhe escreveu o prefácio da obra, O Jardim das Aflições nasceu de uma necessidade imperativa — encontrar a razão de uma conferência do filósofo Motta Pessanha parecer-se com uma palestra do neurolingüista Lair Ribeiro. Mas o que poderia ser apenas uma provocação sem maior importância revela-se um empreendimento intelectual de inaudita coragem, que devassa as entranhas do Ocidente desde a Antigüidade Clássica à pós-modernidade contemporânea, num vasto painel de erudição vestida de clareza e argúcia despida de malícia, embaladas, ambas, pela sinfonia de um estilo épico, capaz de abalar chavões da história, sofrear devaneios da filosofia e, sobretudo, fixar a verdade em sua única morada possível — na consciência que introjeta o mundo para melhor exprimi-lo. Se a esquerda brasileira perdoasse o polemista corrosivo do Imbecil Coletivo e buscasse o filósofo sincero do Jardim das Aflições, sem dúvida encontraria em Olavo de Carvalho sua melhor arma contra a globalização que tanto a assusta.

Convencido de que o filósofo José Américo Motta Pessanha — em sua conferência sobre ética no Masp e na direção da série Os Pensadores da Editora Abril — “não havia procurado mostrar o passado, mas moldar o futuro”, apresentando a filosofia como uma contínua “tradição materialista”, de Epicuro a Marx, intercalada por recaídas transcendentes, Olavo de Carvalho se propôs a demonstrar o contrário: “A tradição materialista, se existe, não se constitui de outra coisa senão do amálgama fortuito de negações antepostas, por diferentes indivíduos e por um número indefinido de motivos, a toda e qualquer afirmação do espírito. Ela está, para a densidade contínua da linhagem espiritualista, como os buracos estão para o queijo suíço”. Escrevendo numa dialética em espiral, em que as antíteses ascendem em turbilhão, Olavo de Carvalho amplia seus argumentos até o ponto em que parecem desafiar qualquer síntese, como quando intenta conciliar o alegado materialismo de Karl Marx com o caldeirão espiritualista da Nova Era, e o leitor já sem fôlego, atirado ao buraco negro de crenças em agonia, teme que o filósofo não lhe aponte uma outra cosmovisão capaz de substituir aquela que o catecismo materialista lhe ensinou desde o berço. Mas Olavo de Carvalho não o decepciona e, pouco a pouco, recompõe a história do pensamento ocidental — e o faz virando pelo avesso o mundo das idéias para que ele pare de revirar a realidade do mundo.

Conspiração do Silêncio — É tarefa impossível sintetizar O Jardim das Aflições em míseras páginas de jornal, sem ofuscar a cintilância de seu estilo, a profundidade de suas análises e, sobretudo, a originalidade de suas idéias. Filósofo e escritor, Olavo de Carvalho é melhor compreendido quando desfrutado — sua obra, como a melhor arte, é um amálgama de conteúdo e forma. Mesmo quando se discorda dele, — e é possível discordar de muita coisa do que escreve, — não se pode negar que sua obra viverá por si, porque vivifica quem a lê. Ao contrário de quase tudo o que se produz no pensamento brasileiro, ela não é transplante de idéias nem dissimulação doutrinária: Olavo de Carvalho ousa refletir com a própria cabeça e busca a adesão do leitor com argumentos. Daí o silêncio circundante em relação a tudo o que escreve — combater os possíveis senões pontuais de seu pensamento exigiria a admissão de que ele corrói pela base quase tudo o que se ensina nas escolas brasileiras. É o que faz, por exemplo, no livro O Jardim das Aflições. Afirmando que seu propósito “não é mudar o rumo da História, mas atestar que nem todos estavam dormindo enquanto a História mudava de rumo”, o filósofo começa demostrando o absurdo de se apresentar uma história da ética que elege Epicuro em lugar de Platão e Aristóteles, reduz a filosofia medieval a uma Inquisição que vicejou 200 anos depois dela e faz de uma Idade Moderna falsificada a baliza de toda a humanidade, além de transformar a religião numa variável da equação histórica quando ela é a constante que perpassa todas as épocas e os mais diversos regimes.

Olavo de Carvalho desmonta o Epicuro de José Américo Motta Pessanha, mostrando a inconsistência do epicurismo, mas sustenta que a espécie de ilusionismo filosófico proposta pelo filósofo do jardim sempre ressurge em momentos de crise, como uma fuga ante a realidade adversa. E pinta Motta Pessanha, cassado das cátedras sob a ditadura militar e exilado na Editora Abril onde formulou Os Pensadores, como um retrato dessa fuga, consubstanciada no auditório do Masp em maio de 90, quando uma platéia desiludida com a recente derrota de Lula e ainda oprimida pelo sucesso de Collor rendeu-se à “moral evasionista” do epicurismo, que assustava o próprio Marx, apreciador de Epicuro pela sua “crítica da religião oficial grega e sua mistura –dialética– de teoria e prática”. Mas como conciliar duas acusações diferentes contra o mesmo Motta Pessanha: a evasão epícurea do mundo com a transformação marxista da realidade? — perguntaria o leitor a Olavo de Carvalho. Mas não perguntará, porque é o próprio Olavo de Carvalho quem faz essa indagação a si mesmo, dialeticamente, para melhor respondê-la no Livro III do Jardim das Aflições, intitulado “Marx” (os dois primeiros são, respectivamente, “Pessanha” e “Epicuro, e os dois últimos, “Os Braços e a Cruz” e “Cæsar Redivivus”). Depois de provar que a filosofia de Epicuro é o ancestral da programação neurolingüística de Lair Ribeiro e do “materialismo espiritual” de Marx, Olavo de Carvalho explica a “invulnerabilidade do marxista convicto à argumentação racional”.

Esse argumento é um capítulo à parte, em que Olavo de Carvalho demonstra a tragédia axiológica e o rombo epistemológico que a 11ª tese de Marx contra Feuerbach provoca no homem moderno. Ao criticar a filosofia por limitar-se a interpretar o mundo, convidando os filósofos a transformá-lo, Marx, como demonstra Olavo de Carvalho, incorre numa das censuras morais que dirigiu ao capitalismo — sendo “teoria da ação e não do objeto”, a práxis marxista nega a existência ontológica de gentes e coisas para vislumbrá-las apenas como matéria-prima da revolução. Se no capitalismo o homem ainda é uma “mercadoria”, capaz de resistência ao menos por seu valor de troca, no marxismo o homem se reduz ao barro antes do sopro — isto é, a um nada ontológico nas mãos do demiurgo revolucionário. Esse materialismo, observa o filósofo, só foi possível depois que Nicolau de Cusa divinizou o espaço e Giambattista Vico divinizou o tempo, possibilitando ao homem abdicar de Deus para adorar, respectivamente, a geometria e a história. E ante a empáfia do intelectual moderno, capaz de sustentar a morte de Deus em meio a um oceano de crenças, Olavo de Carvalho esgrime uma argúcia afiada na ironia e compara esses desamparados filhos de Nietzsche com os iorubas e os bantos da África, vendo em sua rendição ao materialismo o mesmo culto tribal à natureza (deuses do espaço) e em sua louvação à história o mesmo culto aos antepassados (deuses do tempo).

Os Sacerdotes do Império — A originalidade de Olavo de Carvalho, como filósofo deste fim de século, não está apenas em refletir sobre o Ocidente a partir do conceito de “Império”, mas também em resgatar a importância de Deus como sujeito da história, demonstrando que a libertação da consciência pessoal, iniciada pela filosofia grega, só foi consumada no cristianismo, herdeiro da cultura judaica, talvez a primeira a escrever a história humana como a história da salvação da alma. Espécie de filosofia grega com apelo de massas, o cristianismo libertou a humanidade do mais despótico dos jugos — aquele do Rei que se acredita Deus e faz do Estado uma religião. Dando a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, o cristianismo conferiu ao homem um destino pessoal transcendente, relativizando o poder temporal do Estado, daí o martírio maciço dos primeiros cristãos, por incomodarem os poderes estabelecidos. Olavo de Carvalho demonstra que todas as religiões anteriores ao cristianismo encarnavam uma cosmovisão religiosa numa estrutura social determinada, não admitindo “qualquer possibilidade de uma verdade exterior à crença coletiva”. Contrariando o materialismo dos livros de história, ele sustenta que foi o cristianismo, encerrando a era do Estado sacerdotal, que possibilitou o verdadeiro nascimento do homem, como um ser autônomo e solitário.

Por isso, a Idade Média e a Escolástica saem do livro redimidas. Olavo de Carvalho demonstra que o homem moderno é quem intenta reconduzir o Estado para o trono de Deus, proposta que Comte deixou explícita em seu Catecismo Positivista. “Se Comte era o Messias da Religião da Humanidade, Hegel foi pelo menos seu São João Batista”, ressalta o filósofo, lembrando que a Revolução Francesa, sob o Terror de Robespierre, tentou fazer do civismo uma forma de beatitude. Os Estados Unidos, por encarnar desde o seu nascimento os ideais iluministas, é o lugar em que se realiza a profecia de Hegel — ele é o supremo Estado leigo que absorve indiferentemente elementos capitalistas e socialistas, impondo “à humanidade a imersão no historicismo absoluto”. Como Negri e Hardt, Olavo de Carvalho também reconhece que o Império pode ser “parcialmente um bem”, uma vez que, além de não suprimir as nações, limitando-se a ordená-las, também garante ao mundo um tribunal universal, capaz de reparar as injustiças de potências intermediárias contra nações pequenas. Mas, se do ponto de vista político, jurídico e até econômico o Império pode ser vantajoso, Olavo de Carvalho finaliza O Jardim das Aflições demonstrando que, “do ponto de vista de suas conseqüências psicológicas, culturais e espirituais”, a ascensão do Império mundial “é uma ameaça tenebrosa”. Ele é a ressurreição de César, a materialização da Religião Civil, a redução do homem a um objeto do Estado — sem Deus algum a quem recorrer.

Ironicamente, os intelectuais de esquerda — como Negri, Hardt e Singer — são os que mais contribuem para essa nova escravidão que se avizinha. Reduzindo todas as religiões a meras ideologias, relativizando todos os valores em nome da liberdade e pregando uma ética leiga que se assenta na opinião pública, eles contribuem para fazer do Estado norte-americano o único tribunal da humanidade. Como vem sustentando Olavo de Carvalho em sua cruzada, a única maneira de evitar essa tragédia é devolver ao homem o direito a uma consciência individual. Ela não é burguesa, como querem os comunistas; é simplesmente divina — aquilo que a matéria tem de humano.

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