Leituras

A tortura é cada vez mais chinesa, mas também russa, ucraniana, moldava…

Ernesto Galli della Logia

Sette (encarte semanal do Corriere della Sera, Roma)

Tradução: Giulio Sanmartini

A Anistia Internacional denuncia: só em tempos recentes, mais de 600 casos confirmados de tortura mostram que a vocação totalitária do socialismo chinês não foi atenuada pelo ingresso de generosos investimentos norte-americanos, ao contrário do que profetizavam os adeptos de “negócios da China”. Chicotadas, choques elétricos, violências sexuais ainda são o tratamento que o governo chinês dá aos dissidentes políticos, aos religiosos tibetanos, aos acusados de delitos comuns, até aos casais que violam a obrigação de ter somente um só filho. Curiosamente, esses crimes, ocorridos agora mesmo e suficientemente provados, comovem menos as Cecílias Coimbras, os Bettos e os Paulos Evaristos do que suspeitas de casos de tortura sucedidos trinta anos atrás. — O. de C.

O comunismo aparece cada vez mais como uma experiência histórica da qual não é de fato fácil libertar-se. Pelo menos no campo dos direitos humanos o exemplo da ex União Soviética não deixa qualquer dúvida. Já faz mais de dez anos que o encontro com a democracia continua sendo, para aquele antigo Estado, um encontro atormentado e difícil se não impossível.

O caso da Rússia é o que normalmente chama mais a atenção – por exemplo os acontecimentos da Chechenia –, mas na realidade a situação do que acontece nas outras partes do ex “império” é que suscita (ou deveria suscitar, se o Ocidente fosse menos distraído) um alarme mais agudo. O Turkemenistão continua sendo uma ditadura rígida e intolerável. No Kazakistão, Kirghizistão e Uzbequistão praticamente não existiram nunca eleições livres, e os exparsos grupos de opositores são perseguidos sem piedade. Particularmente no último desses três países funcionam ainda os “gulag” para milhares de prisioneiros políticos. Por seu lado, o presidente da Bielorrússia, Lukashenko, fervoroso admirador de Hitler, continua imperturbavelmente, por meses e meses, a reprimir duramente os protesto suscitados por misteriosos desaparecimentos de grande número de opositores do seu regime, em particular de jornalistas.

Também a Ucrânia e a Moldávia não estão melhor. Na Geórgia vigora a tortura como prática, não de massa, mas sempre habitual, enquanto o conflito entre a Armênia e o Azerbaigian é fonte de continua violação dos direitos humanos.

Naturalmente, onde o regime comunista está ainda no poder, a situação é ainda pior. É o caso particular da China, não obstante sua recente ratificação de uma importante convenção da ONU que trata dos direitos sócio-econômicos, tendo em vista obter do Comitê Olímpico a designação para sede dos jogos de verão de 2008. Todavia a formal adesão ao tratado não suprime a feroz violação dos direitos humanos que foi denunciada essa semana por um documento especificamente dedicado à China pela Anistia Internacional. Nele pode-se encontrar ainda uma vez, antes de tudo, o amplo e sistemático uso da tortura contra os dissidentes políticos, contra os religiosos tibetanos, contra os acusados de delitos comuns, até contra casais que violam a obrigação de ter somente um só filho. Perseguições, chicotadas, choques elétricos, violências sexuais, constituem um tratamento reservado a esses infelizes, destinados, em sua maioria, a morrer pelas violências que lhes são impostas.

Nas 58 páginas do relatório da Amnesty encontram-se em termos gerais, mas de 600 casos de tortura que se tornaram conhecidos. È o caso do camponês Zhou Jianxiong, de 30 anos, pendurado de cabeça para baixo, agredido a pauladas, queimado com cigarros e com ferros em brasa, e que finalmente teve extirpado seu aparelho sexual. Outro caso è do também camponês de Hunan torturado até a morte em 15 de maio de 1998, por funcionários do escritório de planejamento familiar, por não ter revelado onde se escondia sua mulher, suspeita de estar grávida sem o assentimento oficial.

Como se pode ver, o regime de Pequim, mesmo desejoso de assumir fumaças de democrático, para agradar o Ocidente, não pretende de modo algum renunciar às crueldades que são praxe do regime totalitário inaugurado pelo fundador de república, o presidente Mao, há mais de meio século.

Disso sabem alguma coisa os seguidores da seita espiritual Falun Gong, os quais, ao que parece, estão no centro das preocupações e perseguições do Partido Comunista chinês, o qual, através da imprensa oficial de propaganda, não cessa de pedir aos seus funcionários da polícia resultados imediatos e eficientes, convidando-os a recorrer a todos os “meios possíveis”. É até muito fácil imaginar quais.

Mentira e racismo

15 de abril de 2001

O Correio do Povo de Porto Alegre faz uma cobertura salafrária do Fórum da Liberdade e me recusa o direito de resposta.

Olavo de Carvalho

I

         Na sua edição de 11 de abril, o “Correio do Povo” de Porto Alegre, fingindo narrar coisas que se teriam passado no Forum da Liberdade, impingiu ao seu público leitor duas grossas mentiras.

         Primeira. É absolutamente falso que em resposta ao prof. Og Leme, o qual defendia a privatização do ensino, eu tivesse respondido que essa opinião rebaixava a educação “ao nível do adestramento de um animal”. Eu nunca disse isso, nunca pensei isso. Ao contrário: concordo com a proposta do dr. Leme e, ao comentá-la, nada disse sobre animais, mesmo porque não tinha reparado na presença do repórter do “Correio do Povo”.

         Segunda. O “Correio” diz que “Olavo de Carvalho gerou polêmica ao negar a existência de racismo no país. A afirmação foi rebatida, com dados do IBGE, pela jornalista Míriam Leitão.”  Mas o que se deu foi precisamente o contrário. Quem iniciou a polêmica foi a própria Míriam, que emitiu uma opinião e alegou fatos estatísticos para respaldá-la, sendo refutada por mim mediante a demonstração de que entre a opinião e os fatos não existia a menor conexão lógica. Diante disso, Miriam limitou-se a declarar que se mantinha firme na sua convicção – o que, certamente, era um direito dela mas não era de maneira alguma um argumento.

         O falseamento da narrativa se repete-se, quase “ipsis litteris”, na coluna de Denise Nunes, agravada pela insinuação pérfida que dá às declarações da mediadora Miriam Leitão o sentido de uma repreensão disciplinar destinada a refrear um debatedor abusado. Ora, como é que Míriam poderia ter-me “repreendido”, se sua intervenção veio antes e não depois da minha? Conforme a própria Míriam confirmou em entrevista à TV Globo, a repreendida foi ela — repreendida pelo público, que protestou contra o excesso de intervenções da mediadora nos debates.

         O repórter e a colunistas sincronizaram suas tesouras para operar uma drástica cirurgia nas minhas palavras, transmutando-as de “O Brasil não é um país racista” para “Não há racismo no país”, o que é coisa totalmente diversa. Para “existir racismo” num país basta que ali haja racistas, mesmo tímidos e indolentes, mesmo raros e esparsos, mesmo sem poder ou militância, mesmo refugiados no mais fundo do esquecimento e da marginalidade. Nesse sentido, não há um só país do mundo, nem mesmo o Brasil, que possa se dizer totalmente isento de racismo. Um país assim só existe na Terra do Nunca. Mas para um país “ser racista” é preciso que o racismo seja ali uma ideologia operante, ativa, inspiradora de movimentos, partidos e associações. Para um país “ser racista” é preciso que o racismo nele seja crença amplamente aceita por uma parcela significativa da opinião pública e fortemente inscrita nas leis, nos costumes, na cultura popular e erudita. Nada disso acontece no Brasil. (1) Por isso, diante do desafio que lancei a Miriam Leitão – que me apontasse partidos racistas, literatura racista, organizações racistas, militância racista, conflitos de rua entre grupos racistas, que me apontasse, enfim, no Brasil, qualquer coisa similar às manifestações que comprovam a existência do intenso racismo nos EUA, na França, na Inglaterra, na Alemanha ou em qualquer desses países arrogantes que hoje querem nos dar lições de “democracia racial” –, a mediadora nada pôde alegar, exceto que, a despeito de minhas objeções, reiterava sua opinião. Em resposta a isso, última palavra da controvérsia foi minha: “Todo ser humano tem o direito de recusar a verdade.”

         Mas, além de inverter, falsear, mentir, d. Denise ainda dá mostras de uma extraordinária leviandade na sua maneira de resumir meu argumento. O que eu disse, em resposta às estatísticas de inferioridade econômico-social dos negros, citadas por Míriam como provas do racismo brasileiro, foi que entre um dado econômico e sua interpretação causal a relação não é nunca direta e auto-evidente como ela procurava fazer crer. Para que esse efeito econômico pudesse ser explicado pelo racismo, seria preciso provar a presença atuante de uma ideologia racista na sociedade brasileira, em dose capaz de produzir esse resultado pelo acúmulo de exclusões propositais dos negros pelos brancos nos empregos, nas vagas escolares. etc.. Mas, na completa ausência dos meios concretos da propaganda ideológica – organizações, livros, discursos, revistas, folhetos, assembléias, etc. –, o fator “racismo” só poderia ser alegado como causa daquele efeito econômico mediante a hipótese de uma transmissão mágica, imaterial, telepática. Longe de constituir prova de racismo, aquela estatística só poderia ser associada ao racismo caso este já estivesse provado por outros meios e se todas as outras causas que pudessem explicar o fato econômico nela apontado tivessem sido excluídas. Mas, entre essas outras causas, havia pelo menos uma que não só era fato histórico comprovado, mas bastava por si para explicar o fenômeno sem nenhum auxílio da hipótese “racismo”: entre a abolição da escravatura e o primeiro surto industrial brasileiro decorreram quatro décadas e meia; nesse ínterim, a população negra, desamparada por seus antigos senhores, se multiplicou formidavelmente sem que houvesse a menor possibilidade de integrá-la como mão-de-obra livre numa economia capitalista simplesmente inexistente. Entre a hipótese da exclusão acidental causada por um fator econômico objetivo e a de uma ideologia que se trasmite magicamente por meios mágicos, só cretinos e mentirosos interesseiros podem achar que “disparate” é a primeira.          

         Qualquer principiante de metodologia científica sabe que oferecer uma estatística como se fosse ela própria sua auto-explicação causal é, cientificamente, uma fraude. Pior ainda a fraude se torna quando a diferença residual de padrão econômico entre grupos raciais, não podendo ser atribuída aos efeitos da ideologia racista num país onde essa ideologia não existe, passa ela própria a ser designada pelo termo “racismo”, como acontece hoje em dia em todos os jornais e na boca do próprio presidente da República, numa pirueta semântica destinada a inculpar de crime hediondo um povo inocente. (2)

         Essa fraude hoje é impingida à opinião pública brasileira por iniciativa de nações racistas — tão racistas que para controlar mal e mal o seu racismo tiveram de recorrer a métodos corretivos policiais –, as quais, com o slogan do “Brasil racista”, buscam destruir um valor essencial da nossa identidade nacional, quebrar a unidade moral da nossa população e subjugar este país às suas grotescas imposições culturais globalistas e imperialistas. Rios de dinheiro da Comunidade Econômica Européia, das Fundações Ford e Rockefeller e de empresas estrangeiras como o BankBoston correm hoje para os bolsos de qualquer pseudo-intelectual que queira colaborar com esse empreendimento sinistro, certamente a mais brutal intervenção psicológica que um poder estrangeiro já ousou realizar sobre a cultura nacional. Seja entre os liberais de conveniência, seja nas hostes da esquerda fimgidamente nacionalista, não faltam traidores, sabujos e vendidos que se prestem a fazer esse serviço, uns por dinheiro, outros pela simples vaidade de posar de “politicamente corretos” nas revistas chiques. Se há um tipo de racismo que me parece inteiramente justificado, é este: tenho o maior desprezo por essa raça de canalhas.

15 de abril de 2001

Notas

         (1) É claro que no Brasil há pessoas racistas, mas não há um só grupo racista organizado, exceto, por ironia, os grupos negros que, ludibriados pela fraude estrangeira, começaram recentemente a desenvolver um ódio irracional aos brancos e já o expressam em suas letras de “rap”. Pelos frutos os conhecereis: durante quase dois séculos, a música popular brasileira deu testemunho da nossa integração racial, da nossa cultura miscigenada e da cura progressiva e irrefreável das feridas da escravidão. De uns anos para cá, pela primeira vez o ódio racial, trazido de fora por ONGs e empresas milionárias a pretexto de “affirmative action”, fez seu ingresso no nosso repertório musical.

         (2) Fraude comparável é a das estatísticas de opinião que, da crença geral na existência de uma coisa, deduzem a realidade objetiva dessa coisa e não a simples existência da opinião mesma como fato social. A moda foi lançada, creio que em 1998, pela revista IstoÉ, que se destaca das demais publicações semanais pelo seu sectarismo cínico. De uma sondagem de opinião na qual oitenta e tantos por cento dos entrevistados afirmavam haver racismo no Brasil, a revista concluía, em manchete espetaculosa, que havia encontrado “a prova definitiva” do racismo brasileiro. Mas a estatística, obviamente, provava o contrário. Os oitenta e tantos por cento que denunciavam a existência de racismo faziam isso precisamente porque eram anti-racistas. Anti-racista, igualmente, era a parcela minoritária que, julgando defender a boa imagem do Brasil, negava a existência de racismo no país. Somadas as duas parcelas, os racistas, se algum sobrava, só poderiam ser pinçados no número residual dos indecisos e desinformados, descontando-se, evidentemente, os autenticamente indecisos e desinformados. Vender revistas com a manchete “Racismo: a prova definitiva”, em tais circunstâncias, foi evidentemente propaganda fraudulenta. Se eu fosse assinante dessa porcaria impressa, teria levado o caso à Delegacia do Consumidor.

Sem medo de investir contra as panelinhas

Anna Marina

O Estado de Minas, 17 de março de 2001

 A revista Época desta semana publicou mais um dos esplêndidos artigos do filósofo Olavo de Carvalho. Gosto muito das coisas que ele escreve, porque a abordagem é perfeita. Seu vasto conhecimento permite que ele mostre com toda categoria os pés de barro de alguns dos ídolos da mídia brasileira.

Ele é do tipo que, até onde dá para perceber, não pertence às panelinhas , não participa daquela instituição tão nossa que é a “fale-bem-de-mim-que-falo-bem-de-você” que, de certa forma, domina a mídia cultural do nosso país.

Basta ter um pouco de paciência para acompanhar esse tricô de elogios que é tecido para empulhar o leitor, passando para ele conceitos que estão quase sempre longe de serem reais. O pobre do leitor engole a isca e fica achando que fulano é mesmo o máximo, porque foi elogiado por beltrano, que também é o máximo.

O Rio é certamente o celeiro mais profícuo dessa troca de interesses. Por ser um grande balneário, as idéias geralmente rolam em torno da praia, do sol, do verão. Não têm, portanto, necessidade nem de serem duradouras – nem tampouco reais. A crônica cultural do Rio é cheia desses conchavos. De certa forma, eles nasceram de um fato real: a amizade e a excelência das crônicas de Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos.

Amigos extremados, eles se badalavam mutuamente – com direito, é bom que se enfatize, porque todos eram uns craques. Da trinca, só restou Fernando Sabino, que entrou num inferno astral desde que se propôs a escrever aquele malfadado livro sobre Zélia Cardoso de Melo. Desde então, foi incluído no index dos jornalistas da esquerda, que não perdoam essa pisada de bola que ele deu. E que só se apressam em acusar quem acreditam que é simpatizante da direita. Quando se trata das esquerdas, é mais ou menos como aquele patuá de julgamento: “Aos costumes, disse nada”.

Olavo de Carvalho focalizou, nesta semana, a figura controvertida de frei Leonardo Boff, que adota a política de dois pesos e duas medidas. Não dá a menor bola para o que a esquerda apronta, e usa de toda a sua argumentação filosófica para tentar derrubar governos estáveis. O que Olavo de Carvalho pergunta é simples, liminar: como é que ele não consegue enxergar o que a esquerda andou aprontando pelo mundo afora?

Conheço de perto esse tipo de cegueira, ela também grassa por nossos lados. Há os esquerdistas românticos, que até hoje defendem Stalin, não acreditam nas atrocidades que ele cometeu com seu próprio povo. Atrocidades que não deixavam uma brecha para o alívio: iam da censura da cultura até a política, ambas terminando quase sempre nos campos de extermínio que montou na Sibéria.

Mas há também os ativistas, que gostam mais da figura de Fidel Castro. Confesso que nos anos 60 tive uma romântica simpatia por Fidel, Che Guevara, que comemorei no Alpino , com meus amigos, a queda de Batista. Mas o tempo foi passando e deu para descobrir que o que havia acontecido em Cuba era apenas uma troca de ditaduras. Saiu Batista, que conseguiu transforma Cuba num paraíso turístico – e todo mundo sabe que esse tipo de riqueza acaba modificando a qualidade de vida dos habitantes de um país, de um estado, de uma cidade – e entrou Fidel.

Entrou com aquele ideário político que todos nós conhecemos de cor: é melhor nivelar por baixo, é melhor exigir do povo sacrifícios que nem sempre ele está com vontade de fazer. Se a ilha fosse um mar de rosas, qual a razão do mar viver cheio de perigosas embarcações com destino à Flórida.

As loas a Fidel passaram a ser cantadas por aqui por ativistas sociais que conseguiam ir a Cuba como convidados, viam o que eles se animavam a mostrar e chegavam aqui contando maravilhas da revolução social que ele estava fazendo. Essas figuras malhavam a ditadura brasileira de todas as formas – e com razão. Mas se negavam a enxergar que estavam raciocinando com duas medidas. As atrocidades daqui eram diferentes das de lá, desculpáveis por ser um governo de esquerda, que buscava oferecer a penúria para todos os cidadãos do país.

Não é preciso dizer o enfaro tomel dessa gente. No princípio, ainda tentava argumentar, buscar entender qual era o parâmetro que usavam para ter dois raciocínios tão diferentes em relação a um mesmo estado de coisas – radical. Cansei, deixei pra lá. Essa gente falava de Fidel de boca cheia, como se estivesse falando de um Deus nivelador de todos os problemas, distribuidor de todas as benesses fossem… usar jornal cortado em lugar de papel higiênico.

Estou fora dessa – e é por isso que admiro e louvo a coragem do Olavo de Carvalho, que desce sua borduna filosófica sem dó nem piedade na cabeça dos falsos profetas.

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