Leituras

Cartas dos EUA

Estas duas cartas – a segunda, principalmente – mostram como o Brasil de hoje é um país anormal, doente, roído de inveja m esquinha, de ressentimento despropositado e absurdo. A alma desse país reflete a daqueles que o educam – os intelectuais de esquerda da minha geração, que já declarei ser a mais canalha e torpe de quantas nasceram neste solo. Os fracassos dessa geração nasceram da sua ignorância pomposa, da sua inépcia arrogante, da sua pretensão infinita de poder chegar a ser, a preço baixo, a encarnação fácil do bem e das luzes num mundo mau e sombrio. Nunca uma gentinha tão miúda chegou a ter nas mãos o destino de uma grande nação. Graças a esse fenômeno, os sentimentos mais vis e desprezíveis foram aceitos como altas manifestações de virtude e tornaram-se a base de todos os julgamentos. A inveja, o rancor, a covardia, o oportunismo que tudo sacrifica em prol da destruição dos adversários – eis hoje as bases da nossa tão apregoada “ética”. Mas em nenhum momento a baixeza chegou tão fundo quanto nas reações de milhares de intelectuais, de jornalistas, de estudantes brasileiros, diante dos atentados de 11 de setembro. Nunca, na história humana, um genocídio, abertamente reconhecido como tal, foi aplaudido e festejado de maneira tão ostensiva e despudorada. Na esquerda nacional, somente os personagens mais notórios, ciosos de suas reputações ante o público maior, reprimiram a manifestação de seus sentimentos, reservando-os para um círculo íntimo e substituindo-os diante das câmeras por palavras convenientemente ambíguas. Os demais, sentindo-se protegidos pela sua própria insignificância, deitaram e rolaram. Mostraram sem pejo o que são e o que pensam. Eu sempre soube que eles eram isso. Mas nunca imaginei que bastasse uma provocação mais forte para fazê-los exibir o conteúdo podre de suas almas de ratazanas.

Obrigado, Milla Kette, por mostrar que, à distância de um hemisfério, a feiúra dessa gente se torna ainda mais visível. – O. de C.

19 ago 2001

Prezado Senhor:

Vivi no Brasil até uns cinco anos atrás, quando peguei meu (invejado, diga-se de passagem) passaporte, minha filha, vendi meu pequeno apartamento e mudei-me para os EUA.  Nasci aqui quando meu pai estudava em Stanford, CA (um antro de left-wingers, he, he).  De familia brasileira, fui criada em Salvador, Rio e Porto Alegre, tendo vivido em Gramado depois de casada.  Estou com 42 anos e minha filha, de 19, estuda na Universidade aqui.

Tomei conhecimento de seu trabalho atravé do Forum de discussão Politica da UOL, quando alguem postou um texto incrivelmente realista e verdadeiro seu, onde acusa os Lefties brasileiros de xenífobos, entre otras cositas más.  Sou casada com um Yankee (como falam os Brits) e moro em Ohio.  Meu esposo, um naïf, ficou apavorado com a brutalidade das acusacões contra os EUA, seu povo, sua cultura, seu Governo, emfim, tudo.  Eu fui raivosamente atacada num web site chamado Politica Global (http://www.politicaglobal.com.br/) quando exigi que apresentassem o texto do Acordo de utilizacão da Base de Lancamentos de Alcântara, o qual criticavam juntamente com os EUA.  Além de receber dois e-mails cheios de ofensas do autor do “artigo”, ainda ligaram minha carta a um “artigo” contendo os maiores absurdos e acusacões contra mim e os EUA, em vez de publicá-la na devida secão, juntamente com todas as outras. Ha mais ou menos um mês os venho desafiando para que publiquem o texto do Acordo que, ora eles dizem ser confidencial, ora que o enviarão a quem pedir por e-mail!

Acabei caindo no UOL, batendo de cara com aquele monte de marxistas disfarçados em adoradores do PT.  O que nos choca mais que tudo – a meu esposo e a mim –é a total ignorância de fatos históricos, não só mundiais, mas mesmo do Brasil, que demonstram essas pessoas que querem discutir com pretensões de donas da verdade.  Me entristece muito, como brasileira que
sou, saber que tantos dos meus patrícios odeiam a riqueza e a independência que os americanos adquiriram à forca de muito trabalho, muita luta e fé. Sinto-me na obrigacão de fazer algo, mas a tarefa parece-me gigantesca.

Meu sonho – na verdade, adaptado para a realidade depois que conheci meu esposo, alma pratica americana – é abrir escolas no Brasil e recolher crianças de rua a fim de formá-las para a vida, mostrar a eles que há uma chance se trabalharem duro, com honestidade e retidão.  Sou espírita e não posso deixar de me sentir na obrigação de ajudar.  Meu humilde plano é juntar dinheiro para essa façanha.  Descobri aqui (quem diria) que tenho um especial talento para escrever!  Tenho escrito em inglês, incentivada por uma professora que tive na faculdade.  Gostaria de escrever, publicar e reverter toda a renda para a prática desse plano.

Queria enviar-lhe os parabéns, em meu e no nome de meu esposo, pelo excelente trabalho que mostra no seu web site.  Gostaria tambem de pedir-lhe que, se sobrar algum tempinho em sua agenda, que, tenho certeza, é cheia, escreva-me e aconselhe-me sobre as possibilidades (se existirem) de penetrar no mercado literario brasileiro.

Agradeço imensamente sua atenção e peco desculpa por não fazer uso de acentos.  Primeiro, não sei se nossos programas são compativeis e, segundo, dá muito trabalho…   🙂

Milla Kette

12 set 2001

Prezado senhor,

Esta manhã acordei com um gosto amargo na boca e o coração pesado e triste.  Ontem presenciei o mais vil ataque que o fanatismo, a prepotência e a ignorância podem engendrar!

Em outra ocasião — cerca de duas semanas atras — escrevi para parabenizá-lo por seus artigos, bem como por seu web site.  Infelizmente, neste momento faço-o para levar a seu conhecimento um fato que me chocou e encheu de revolta e terror.  Nos fóruns de discussão politica do UOL, pululam textos de cidadãos brasileiros — meus conterraneos, apesar de ter nascido nos EUA — dando vivas pela desgraça que se abateu sobre este bastião da liberdade…  Jamais imaginei que veria — vindo do povo com o qual convivi quase toda minha vida — tamanho ódio cego e revolta ignorante, alimentados contra um país simplesmente porque ele é um sucesso!  Ontem senti vergonha ante a expressão chocada de meu marido (americano) quando traduzia as palavras horriveis expressas no UOL; senti vergonha do passaporte verde que apresento nos aeroportos brasileiros quando em visita à minha familia e amigos queridos…  Esses arrogantes julgam-se Deus e crêem-se no direito de julgar e condenar, sem jamais terem visto, sem nem entenderem o que ou como chegam a tais julgamentos, acreditando na propaganda anti-Americana que muitas agencias noticiosas têm levado avante.

Eu olho as cenas na TV — a teratológica imagem dos aviões chocando-se contra oWorld Trade Center, as torres ruindo, tomando de surpresa os que tentavam retirar-se da área, o Pentagono em chamas –” e o que mais me choca não é apenas o numero de vidas sacrificadas ao fanatismo e ao ódio cego, é que os monstros raivosos, de bocarras espumantes, arreganhadas, os corações negros de inveja e sentimentos de inferioridade, esses, como os loucos que vejo vomitando ódio contra os EUA nesses fórums, são seres humanos, como eu!!!  A única diferenca que, em meu entendimento, separa esses fanáticos que expressam seus complexos de inferioridade com palavras nos forums do UOL e os monstros que atacaram fisicamente os EUA é apenas que os segundos colocaram na prática o ódio insano e sem base que alimentam!  Como eles, os que se escondem atrás de palavras são tambem covardes.  Não consigo crer que o horror que vi na TV ontem seja acolhido por alguns brasileiros como uma “licão” para os EUA!  Quantas lágrimas rolaram de meus olhos ontem, não sei dizer, mas muitas foram por saber que alguns dentre meus conterrãneos abrigam um ódio insensato em seus corações contra um povo que nem ao menos conhecem.

As palavras de um sobrevivente e não as imagens terríveis mostradas pela TV chocaram-me ainda mais ante a ferocidade de tais comentários.  Ele relatou que havia conseguido sair da primeira torre, quando destroços do avião que se chocou com a segunda torre e do proprio predio em que ele estava comecaram a cair.  Em seguida, palavras dele, grandes pedaços comecaram a atingir o solo e carros estacionados nas proximidades do WTC.  Enquanto corria para salvar-se, ele pôde olhar esses “destroços” mais detidamente.  Eram corpos em chamas de pessoas que escolheram o espaço entre os 110 andares e o solo de Manhattan à horrenda morte pelo fogo e pela fumaça…  Que povo merece tal horror, é o que gostaria de perguntar às mentes doentias que, entre outras barbaridades, escreveram: “Bem feito!”. Que povo merece assistir às mortes de mais de 10 mil cidadãos inocentes?  Estou certa de que esses fanáticos estão tão contentes quanto os monstros que planejaram e perpetraram esse ataque a um dos bastiões da liberdade nesse mundo de tantos Fidéis Castros!

Quem quer que tenha sido o perpetrador dos ataques de ontem, não atingiu o coração econômico de Manhattan, não destruiu simbolos da independência econômica, politica e militar dos US.  Os criminosos ceifaram vidas de cidadãos honestos, homens e mulheres que, com seu trabalho e dedicação, fazem dessa nação a potência que o mundo conhece e, infelismente constatei, inveja.  Não foram o Pentagono ou o WTC o que se perdeu ontem, pois que esses podem ser reconstruídos tão rapidamente que assombraria o mundo.  Foram as vidas de cidadãos inocentes, representantes genuínos dos ideais de um povo inteiro — um povo que se ergue do lado oposto ao dos covardes sem rosto que não tiveram a coragem de assumir a responsabilidade pelo ato vil que perpetraram contra trabalhadores honestos!

Esses cães famintos pela desgraca dos Estados Unidos da América regozijam-se com a tragédia que abateu CIVIS!  Dançam em volta dos destrocos dos avioes que vejo em volta doWorld Trade Center, dos corpos cremados, esmagados pelo colapso dos edificios e o choque dos aviões!  Meu único consolo, enquanto as lágrimas lavam meu rosto e uma oração escapa dos meus lábios em prol desses inocentes sacrificados à sanha de fanaticos enlouquecidos e insensíveis, esses paladinos do terror, que desejam impor seu conceito de “liberdade” à custa do sacrifício de vidas inocentes!, meu único consolo é que esses infelizes serão um dia julgados por um tribunal do qual nenhum de nos escapa.

As torres do World Trade Center ruíram, levando consigo vidas preciosas, espalhando destroços por mais de cinco quadras ao seu redor. Lower Manhattan e’ apenas uma gigantesca nuvem de fumaça branca e negra no horizonte, vista pela TV e nas fotos dos jornais; o Pentágono foi atacado e sua negra fumaça sobe ao céu, falando das 800 pessoas mortas ali; um carro bomba explodiu no State Deparment em Washington;  um avião de carga caiu na Pennsylvania, matando tantos outros civis; mas a Estátua da Liberdade ainda empunha para o mundo a representação do mais caro anelo do povo Americano: Liberdade!

Peco-lhe, humildemente, que, utilizando-se dos meios de comunicação que tem em mãos, chame à razão (se tal é possivel!) essas pessoas que — temporariamente, espero — perderam a mínima noção do significado do respeito pela vida humana!

Perdoe-me ter escrito tanto e agradeço-lhe se chegar ate aqui.

Milla Kette

Sobre a violência e as armas

Sérgio Alberto de Castro

17 de agosto de 2001

Sérgio Alberto de Castro, coronel da reserva do Exército Brasileiro, enviou a esta homepage a contundente análise das contradições do monopólio estatal das armas de fogo, que abaixo reproduzimos. Dado o cerco publicitário que protege contra todo argumento adverso o novo dogma globalista imposto aos brasileiros, a internet se torna o único meio de difundir o pensamento de quem diverge do establishmentcínico e ditatorial. Agradeço ao Cel. Castro pela coragem e pertinência das suas observações. — O. de C.

A lei estadual em vigor e a lei federal proposta por FHC ao Congresso, ambas proibindo a venda de armas de fogo ao público, complementam lei anterior que restringe o porte de armas. Na prática agora será impossível ao cidadão não só portar como possuir uma arma de fogo, mesmo em casa, para sua defesa pessoal.

À primeira vista, ainda ecoando a intensa campanha promovida pela mídia e pelas auto-intituladas “organizações representantes da sociedade civil” (1), parece que a intenção governamental é meritória. Assim sendo, todo homem de bem deveria aplaudir as referidas medidas. Não obstante essa presumível boa intenção, há pessoas que têm o péssimo hábito de pensar e, caso alguém pense um pouco, logo fica claro que por trás das boas intenções existe um conjunto de monstruosidades. Vamos a elas.

Comecemos pelo conceito de violência. Violência — o que todos querem combater — é um substantivo. É necessário, pois, adjetivá-lo, ligá-lo a uma situação concreta e determinada, para que adquira sentido de valor, de certo e errado. Assim sendo, dizer que “devemos combater a violência”, de forma genérica, significa igualar em valor moral ações completamente distintas. Quando, no nobre dever de educar um filho, sua mãe o coloca de castigo ou lhe dá uma palmada, está cometendo uma violência. Quando um policial, arriscando a vida, trava um tiroteio com bandidos, pratica um ato violento. Da mesma forma, quando um exército faz a guerra a um agressor. Apesar de violentas, todas essas ações são meritórias, inspiradas no altruísmo, cujo ponto mais alto é arriscar sua vida por outrem (2). Da mesma forma, quando um facínora espanca ou mata alguém, estupra uma mulher, ou assalta um cidadão, comete violência. Creio, porém, que o valor moral da ação é completamente diferente, pois trata-se de ações criminosas.

Essa generalização, a violência sinônimo de crime, é a primeira monstruosidade. Torna iguais o mérito e a torpeza.

Ressaltada essa pequena diferença — o valor moral —, fica evidente que o que deve ser combatido é o crime. Curiosamente, nenhuma fundação Viva Rio, nenhum formador de opinião, nenhum dirigente político se refere a combater o crime (os últimos às vezes falam em combater o “crime organizado” e os “crimes dos colarinhos brancos”), todos porém são unânimes em falar de “combater a violência”. Esta é a segunda monstruosidade.

Por que, será que são obtusos? Não, a resposta é simples. Vamos a ela.

A resposta está no conceito de que o crime seria conseqüência da injustiça, da desigualdade social. Ou seja, a priori o criminoso, definido como pobre, preto, pardo etc. etc., ao cometer o crime só o faz porque é uma vítima da sociedade. Assim sendo, ele, de criminoso, passa a vítima. Por sua vez, a vítima original (o assaltado ou o seqüestrado) é definido como um membro da classe dominante, ou seja, ele é um “criminoso de classe”, aquele que se beneficia com a injustiça social. Assim, nada mais justo do que o crime cometido, que na verdade não é crime, mas sim justiça social (3). Esta é a terceira monstruosidade.

É claro que a tese “crime conseqüência da desigualdade social” é falsa, o que se pode demonstrar facilmente, porém não é o caso. Basta lembrar que, se verdadeeira, a Índia, a China, o Irã, entre muitos outros países, seriam habitados por criminosos, o que é falso. Da mesma forma, os pobres brasileiros seriam todos criminosos, o que também é falso. De fato, a criminalidade se distribui igualmente por todas as camadas da população — o que varia é o tipo de crime, por exemplo: pobre não comete “crime de colarinho branco”.

Juntando-se a generalização conceitual, a definição incorreta e o conceito de “crime social”, teremos, obviamente, a impossibilidade de qualquer ação contra o crime por parte do Estado. Senão vejamos:

1. Combater a violência é também combater a ação policial. Em um tiroteio, caso haja uma vítima inocente, a responsabilidade é sempre da polícia, não dos facínoras que não se renderam quando acuados pelos policiais.

2. Como se combate a “violência “, o combate ao crime deixa de existir como tal, pois estaria implícito.

3. Como o criminoso (bandido) é “vítima social”, não há por que combater o crime, é sim necessário e suficiente “mudar a injusta estrutura social do Brasil ” (ou criar outra utopia qualquer).

Esta é a quarta monstruosidade.

Há, contudo, um outro aspecto. Mesmo sendo o acima exposto o pensamento dos nossos líderes, legisladores, ativistas civis, etc. etc., fica meio feio não fazer nada (FHC disse isto, em outras palavras, a O Globo). Assim sendo, tomou-se a iniciativa brilhante: proibir, aos homens de bem, o porte e a posse de armas de fogo. Digo homens de bem, porque os facínoras, dada a sua própria natureza facinorosa, não cumprem leis, logo, não são atingidos por elas. Era, porém, necessário justificar tal abominação sob uma capa lógica e positiva. Isto foi feito com o seguinte raciocínio:

1. As armas de fogo matam.

2. Se você tiver uma arma de fogo e resistir a um facínora, será morto e sua arma, além de inútil, será usada por outro facínora.

3. Logo, se você não tiver uma arma, o facínora não o matará.

É evidente que a argumentação é falsa, como se demonstra a seguir:

1. Arma de fogo não mata, quem mata é quem a usa, da mesma forma que uma faca, um porrete, as mãos, etc. Quem mata é um ser vivo, não um instrumento.

2. Alguém que resiste, armado, a um facínora, pode também matá-lo, salvando assim sua vida, o que é o mais elementar direito humano.

3. O raciocínio aludido atribui ao facínora a virtude da clemência. Ao homem de bem, no papel de vítima, caberá a passividade. Será assaltado, espancado, etc. etc., porém poderá não ser morto, visto não resistir e, por conseguinte, poder despertar a compaixão do facínora. É possível que, após uma sodomização prazerosa, a vítima sinta até amor pelo facínora, talvez a sexóloga Suplicy saiba explicar isso.

Esta é a quinta monstruosidade.

Finalizando, há o aspecto político-institucional. É presumível que todos saibam que a primeira obrigação do Estado, sua própria razão de existir, é propiciar segurança para o cidadão contra agressões locais e vindas do exterior. Como, por motivos diversos, inclusive os apresentados anteriormente, atualmente o Estado não cumpre esta função, torna-se necessário torcer a realidade, impedindo, até, que os homens de bem busquem se defender. Isto seria a confirmação do fim do Estado Brasileiro. Assim, o mais elementar direito dos seres vivos, uma atitude que todo animal, da barata ao elefante toma se atacado, que é resistir ao ataque de predadores, é negada aos brasileiros. Sendo ilegal ter uma arma, aquele que quiser resistir ao agressor terá de fazê-lo com as mãos nuas, sendo obviamente morto. Para não ser, terá de ser passivo e covarde. A obrigação de ser covarde é a sexta monstruosidade que está implícita na legislação que FHC levou ao Congresso, com o apoio de Garotinho, Viva RioMotoboy, Dr. Gregori etc., etc.

Só resta, para concluir, que passe a ser obrigatório que nossas casas fiquem abertas , sem chaves ou cães. Que estacionemos com os carros abertos e com as chaves na ignição, que portemos, também obrigatoriamente, cem reais para serem cedidos ao primeiro excluído que os exigir. Bem como que nossas filhas e mulheres se exponham, já de antemão, para ser violentadas por pobres meninos carentes que as desejam e não são correspondidos. Com este adendo à nova lei, a violência termina e FHC será um estadista.

Notas

(1) Para mim, e para o conceito de República, quem representa a sociedade civil é o Congresso, para isso seus membros são eleitos. Não é, nem pode ser um ou vários grupos de ativistas autopromovidos. Isto é dever único dos parlamentares.

(2) Assim era ao longo de 5.000 anos de história, pode ser que agora seja diferente.

(3) A origem desse conceito está nos literatos russos do séc. XIX e no conceito marxista da luta de classes

A proibição de perguntar

Mendo Castro Henriques

Euronotícias, 17 de agosto de 2001

O Ministério da Educação anda a ser acusado por alcançar o que nem a Inquisição conseguiu: proibir Camões. Mas o que se passa é muito mais grave. Andam, sim, a proibir a capacidade de perguntar, a liberdade que só nasce quando aprendemos a pôr questões em conjunto com as grandes vozes e textos da humanidade, neste caso, em português.

O que está à vista é assustador. No Programa de Língua Portuguesa para os 10º, 11º e 12º anos dos Cursos Gerais e Tecnológicos, com 77 páginas, e que formará a mente de uns 90.000 adolescentes por ano, a partir de Outubro de 2002, o primeiro autor referido vem na p.36, e é Camões; os seguintes vêm na p.41: Vieira, Garrett e Eça; o último vem na p. 46, Pessoa, por suposto Fernando. Depois, Camões e Pessoa na p.61. E não há mais nomes, nem autores, nada. Em 77 páginas, é obra.

O que se passa é que a revisão curricular nivela por baixo os antigos Português A e B num único programa para cada ano do Secundário. Se os antigos programas do 10º ano tinham as líricas medievais e renascentistas, o actual propõe textos: “informativos”, “publicitários”, “dos media”, “de carácter autobiográfico”, “expressivos e criativos do séc XX” e “contos/novelas de autores do séc. XX”. Está-se a ver a “Lírica” de Camões a par das “Sandálias de Prata”, do Herman José, e da prosa de anúncios, requerimentos, declarações, e contratos. No 11º resistem Garrett, Vieira, e Eça reduzido a um romance. No 12º ano, vem Camões aliado a Pessoa. E mais “textos “, informativos, e dos media.

Perante este espectáculo, elementos do PSD denunciaram “um deplorável complexo de esquerda retrógrada que tem vergonha do passado de Portugal”. No PP, fala-se numa “tentativa de demolição nas gerações mais novas de factores preciosos da identidade portuguesa”. O presidente da CNAP refere “Os Lusíadas” como “documento histórico e cultural importantíssimo”. Elementos da esquerda aproveitaram para denunciar “os burocratas do ministério”; outros fizeram o elogio da literatura pura e “da festa da língua” violentadas por este programa inqualificável. Poucos lembraram como Teófilo começou a abalar a monarquia com o jubileu nacional de Camões, em 1880, em que “Os Lusíadas” “tornou-se para os portugueses o depósito dos germens da sua liberdade”.

Pormenor decisivo: os mais de 120 títulos da bibliografia do novo programa não incluem um estudo sequer sobre Camões, Garrett, Vieira, Eça ou Pessoa. Podia-se estar a falar de livros de cozinha, de manuais de Gulag, de literatura oriental ou de quaisquer outros textos. É o deserto dos conteúdos, recoberto da areia cinzenta das ciências ocultas da educação.

E por aqui se começa a perceber que o problema não é só “acabar com “Os Lusíadas” mas sim acabar com a capacidade de pôr questões. Há já muitos anos que “Os Lusíadas” não são dados na íntegra. Os alunos do secundário liam pouco mais de uma centena de entre as suas 1102 estrofes. Mas agora na ânsia de satisfazer os jovens sem paciência para ler, e dar-lhes textos à altura deles, esqueceu-se que a melhor aprendizagem da língua é a que resulta dos momentos literários culminantes e não dos usos banais. E isso requer interpretações.

A “História da Literatura Portuguesa”, de António José Saraiva e Óscar Lopes, formou uma geração inteira de professores de Português numa síntese instável de humanismo e marxismo. Sem obras de referência, Os Lusíadas e outros clássicos são ininteligíveis para o leitor comum. O que se reclama de cada época é que traga explicações inovadoras, conforme os paradigmas culturais, as perspectivas de comunicação e a sensibilidade estética. Por isso existem enormes bibliografias secundárias sobre a literatura portuguesa, e espectaculares meios audio-visuais e informáticos para auxiliar o estudo.

O cinzentismo do actual programa ignora tudo isso em nome das fatídicas Ciências da Educação. Está por fazer um balanço objectivo dos males que estas infligiram em trinta anos de Ministérios de Educação iniciados pelo Professor Químico Veiga Simão. Mas vê-se pelos resultados, e com horror, que o neo-positivismo dominante nas Ciências da Educação é um cancro da inteligência portuguesa. Opera com esplendor catedrático no que se refere às formas didácticas e como despachante de alfândega no que toca aos conteúdos. Aqui a responsabilidade é da Universidade Portuguesa, mais depressa liquidada pela relativização dos conteúdos que pela falta de vencimentos.

Já quanto à “política cultural”, a responsabilidade é do Governo, que desfaz de noite a rede tecida durante o dia. De dia manda o Ministério dos Negócios Estrangeiros celebrar a lusofonia, o Instituto Camões difundir a língua portuguesa, a Comissão para a Comemoração dos Descobrimentos divulgar o encontro dos povos, o Ministério da Ciência e Tecnologia financiar projectos de literatura de viagens, o Ministério da Cultura apoiar espectáculos camonianos. E pela noite, na cabecinha alegadamente rasca dos alunos portugueses, manda o Ministério da Educação apagar os vestígios da língua, do humanismo, e do universalismo do vate. Homero diz que Penélope esperava pelo marido. O Governo desespera (d)os portugueses.

Por fim, verifica-se que não basta desfazer-nos da Santa Inquisição e da PIDE fisicamente violentas, que proibiam as respostas. A Nova Inquisição educativa, mentalmente brutal, proíbe as perguntas: apenas permitirá comunicar no nível rebaixado do novo ensino.

Manda o bom senso que em Portugal se ensine e aprenda Camões, Fernão Lopes, Gil Vicente, Sá de Miranda, António Ferreira, Fernão Mendes Pinto, Bocage, Camilo, Antero, Cesário, Vergílio Ferreira, Torga, com igual entusiasmo com que os ingleses lêem Shakespeare, os espanhóis Cervantes, e os italianos Dante. Só mesmo os textos das famigeradas Ciências da Educação é que são idênticos em todas as línguas europeias.

 

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