Leituras

O dia em que a História mudou

Maria Lúcia Victor Barbosa


14 de novembro de 2001

Para facilitar a compreensão do processo histórico, historiadores utilizaram alguns marcos ou acontecimentos de importância fundamental, a partir dos quais as relações mundiais tanto a nível cultural, econômico e político foram alteradas substancialmente de forma a produzir mudanças significativas para a humanidade em seu conjunto. Se os marcos podem variar, vamos nos ater aos mais tradicionais tendo em vista tão somente a busca de compreensão didática das transformações planetárias.

Tomemos então a divisão que considerara como Idade Antiga o período que foi de 300 AC até 476 d.C, ano que assinala o fim do Império Romano. Em 476, inicia-se a idade Média, que irá até 1453, data da tomada de Constantinopla pelos turcos. De 1453 até a Revolução Francesa em 1789, teríamos a Idade Moderna. Em 1789 o mundo ingressa na Idade Contemporânea. A partir deste 11 de setembro de 2001, sem medo de errar, podemos dizer que entramos numa nova Idade mundial que ainda não tem nome, da qual vislumbramos muito pouco em termos de futuro, mas que acabou de chegar com toda sua carga de transformações profundas, de alterações que irão marcar a vida de cada ser humano em todo o mundo.

Note-se que se os marcos históricos aqui apresentados são caracterizados por conflitos de grande envergadura, neste dia 11 de setembro o mundo assistiu chocado ao hiper-terror, algo nunca antes havido e de onde deriva uma guerra globalizada contra um inimigo ainda sem face. Uma guerra que não se sabe como acabará.

Portanto, não há motivo para regozijo com relação ao ataque às torres do World Trade Center de Nova York e aos prédios do Pentágono, símbolos do poder financeiro e estratégico-militar dos Estados Unidos, ataques que na verdade vitimaram milhares de civis americanos e estrangeiros. Assim, algumas críticas feitas na nossa imprensa por certos intelectuais, muitos dos quais já estiveram na Nação norte americana para estudar, trabalhar e usufruir de sua prosperidade, soam rudimentares e anacrônicas no cenário que se desenha no pós 11 de setembro. Mesmo porque, governos do mundo inteiro, incluindo os da Rússia, da China, de Cuba e o próprio Yasser Arafat demonstraram sua consternação e sua solidariedade diante do atentado brutal e monstruoso que, na verdade, enlutou a humanidade e principiou um período que repercutirá, inclusive, na frágil economia brasileira que já vinha sendo abalada com a crise argentina e as perspectivas pouco alvissareiras da sucessão presidencial.

A repercussão do ato hediondo é tão séria, que nenhum grupo extremista quer assumir a responsabilidade pelo mesmo. Até o Taleban, que no Afeganistão hospeda o bilionário Osama bin Laden, garantiu que o inimigo número 1 dos Estados Unidos e quintessência do ?islamismo mais enlouquecido? na expressão de Gilles Lapouge, não está envolvido. Isto apesar de Bin Laden ter advertido há três semanas atrás, que seus seguidores lançariam um ataque sem precedentes aos Estados Unidos. Além do mais, o cabeça do terrorismo mundial parece ser o único a ter condições para dirigir com êxito a coreografia perfeita do horror a que o mundo assistiu estarrecido.

Desfilar agora críticas ao ?Grande Satã Branco?, culpar os Estados Unidos pelo brutal atentado a seu povo, é como dizer que Sílvio Santos foi culpado por seu seqüestro porque o seqüestrador é a verdadeira vítima do sistema.

Com essa toada sempre repetida à exaustão, é que conseguimos aperfeiçoar nosso sistema de impunidade e nos tornamos alvos sempre a disposição de seqüestradores, de criminosos de toda a espécie, de traficantes, cujos direitos humanos no Brasil costumam ser defendidos ferozmente.

De todo modo, se os símbolos do poder norte-americano foram atingidos, a estátua da liberdade permaneceu de pé. Em meio à tragédia sem precedentes isso pode ser um bom indício. Pode significar também, que a partir de agora a guerra se dará entre os que defendem a liberdade, a democracia e a prosperidade, e os que defendem o terror, o narcotráfico, os Bin Laden, os Saddam Hussein, as Farcs, a violência, o desrespeito a vida como meio de dominação. Não haverá meio-termo. E é preciso que o governo brasileiro, cheio de bom-mocismo, sempre em cima do muro em termos de sua política externa, tome consciência disso.

*Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, escritora e professora universitária.
mlucia@sercomtel.com.br

Terra em chamas

José Nivaldo Cordeiro


13 de novembro de 2001

Não há que ter ilusões. O que está acontecendo no Rio Grande do Sul, sob o governo do PT, em matéria de invasões de terras, proteção legal a quem atenta contra a propriedade fundiária e incentivos a inovações jurídicas contra a propriedade privada por parte do Poder Judiciário, ao analisar as demandas referentes à questão, é apenas um prelúdio do que será a desordem jurídica e a insegurança que advirá na hipótese daquele Partido ganhar as próximas eleições. È apenas um pequeno movimento, um prelúdio de um processo revolucionário muito maior. Se hoje a Justiça e a polícia já não cumprem corretamente os seus deveres constitucionais, o que dirá com o Lula eleito presidente.

Qualquer conjectura pessimista torna-se realista diante desse cenário. É preciso recordar a nossa própria história, bem como a de países vizinhos, sobre as conseqüências da desordem jurídica. Poderá haver uma convulsão, especialmente no meio rural. O incêndio nos campos poderá frustrar safras agrícolas e, a partir daí, instalar-se-á a fome inevitavelmente, bem como o impedimento físico de geração de excedentes agrícolas exportáveis. Certamente a condição de governabilidade desaparecerá desde o primeiro instante da diplomação do candidato, restando apenas a força militar como instrumento para o governante eleito manter-se no poder.

Por muito menos o Movimento Militar de 1964 foi deflagrado. Francisco Julião e suas Ligas Camponesas nada são quando comparados ao verdadeiro exército revolucionário em que se transformou o MST, que para ser considerado uma milícia guerreira basta apenas trocar os bastões e ferramentas de trabalho, que hoje servem de instrumentos de treinamento paramilitar, por armas de fogo. Rapidamente as chamas chegariam ao meio urbano e o conflito insolúvel dentro da ordem democrática estaria instalado. Fogo queima e deixa destruição. Fogo sobre a terra devastada é o caminho mais curto para que conflitos armados em larga escala sejam iniciados.

A experiência da Colômbia, aqui ao lado, não nos permite dormir tranqüilos. Lá a guerrilha se instalou e domina uma boa metade do país, fazendo se arrastar uma guerra civil por dezenas de anos. O crescimento do poder de fogo das forças de oposição, em comparação com o governo central, é que criou o empate técnico, que impede a definição de um vencedor do embate militar. O morticínio inútil não acaba.

Entendo que no Brasil poderemos ter uma repetição da experiência colombiana, na medida em que as forças de esquerdas estão muito bem situadas dentro do aparelho de Estado, na imprensa, nas universidades e mesmo no meio empresarial. Tem muita gente iludida que pensa que a troca de comando será apenas mais uma efeméride no calendário político. Não será assim, será um evento singular. As forças que constelam na agremiação petista pugnam desde sempre pela revolução, servindo o meio democrático apenas como instrumento para alcançar os seus objetivos últimos, como bem anunciam os documentos internos do Partido e as declarações sistemáticas de seus diversos líderes publicadas na grande imprensa.

O que espanta é que muita gente que não apoia o movimento revolucionário e tem tudo a perder se vier a revolução – a rigor, todos os brasileiros, exceto os líderes revolucionários – ainda não se deu conta do perigo. Aliás, boa parte das classes médias e mesmo superiores perderam o senso de perigo. Só assim para entender que candidatos petistas sejam tão bem votados nos bairros elegantes das principais cidades brasileiras, inclusive elegendo seus representantes para a governança estadual e as prefeituras das principais cidades. Não deixa de haver um paralelo com o que aconteceu na Alemanha durante os anos trinta. Alemanha e Colômbia: são esses os paralelos históricos que encontro como analogia do que está para acontecer no Brasil. Os augúrios são os piores possíveis.

Fogo sobre terra, é tudo que os loucos querem que aconteça em nosso querido Brasil. Haverá como resistir ao que parece ser uma imposição do destino? Ao menos teremos um Thomas Mann para romancear belamente a tragédia anunciada?

Processo de Moscou

Carlos Alberto Reis Lima – médico

dr.lima1@terra.com.br

13 de novembro de 2001

Não interessa à sociedade o destino que o PT dará a Diógenes de Oliveira. Senão por curiosidade, o que acontecerá ao prócer petista é periférico ao interesse maior da sociedade. Se não o fosse, seria forçoso admitir que problemas de foro interno de um partido vibrariam como se o partido, o Estado, o governo, e a administração pública estadual fossem uma única e exclusiva coisa, o que o PT não gosta de admitir, mas que a sociedade começou a perceber neste lamentável episódio de tráfico de influências. Outro não é o motivo da cólera sobre o relator da CPI e a própria CPI quando eles identificaram nas ligações perigosas de Diógenes o dedo do partido-governo, do governo-Estado, da administração pública-partido, e do partido-Estado, uma única e sólida esfera, palavra tão ao gosto dos intelectuais softs do PT. Não têm eles do que se queixar, entretanto; tudo fizeram e fazem para confundir nesta nebulosa esfera aquilo que a verdadeira democracia busca incansavelmente separar, para que bandeiras partidárias não se sobreponham à transitoriedade do governo e à perenidade da administração pública, para não falar no Estado, o ente maior, neutro por definição e imortal por soberana necessidade.

Por tal, não se entende a manifestação apriorística do Secretário da Justiça e da Segurança da inatacabilidade de pessoas e entidades. Olívio não é Deus; o PT é um partido, singular, sui-generis, por certo, mas que nem por isso pode se autoproclamar inatacável como querem seus defensores. Ou bem confessa que esta singularidade o faz precisamente suspeito de se sobrepor às leis que a todos obriga, ou admite de vez o caráter excepcional de um partido que tem na sua vanguarda, pelo menos, uma facção socialista-revolucionária não desprezível, como bem o indica o currículo dos seus principais astros, como um vórtice irresistível que a tudo e a todos arrasta para aventuras perigosas.

De tudo se conclui que a CPI revelou uma ponta obscura até ao momento aos olhos do eleitorado gaúcho e brasileiro; ela tocou um ponto essencial, qual seja, o PT é diferente, e esta diferença não provem de sua honestidade, nem de sua “ética”, mas sim de sua postura revolucionária que o coloca em condições privilegiadas no enfrentamento dos outros partidos. É como se em um duelo um dos contendores usasse armas que são sonegadas ao outro. Não há debate democrático que resista a esta falta de fair-play, nem tampouco há democracia onde um dos contendores não aceita as regras a todos imposta. Diante desta contradição brutal restou ao Partido dos Trabalhadores o insano labor de desqualificar a CPI, não por seus exageros, mas por ela ter revelado ao mundo que há alguns partidos que são mais iguais do que outros. À sociedade alertada por uma imprensa recém desperta não agradará a reedição estalinista de outro Processo de Moscou.

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