Leituras

Dante às avessas

por Percival Puggina

Observe as frases que transcrevo a seguir. 1) “O ódio como fator de luta. O ódio intransigente ao inimigo, que impulsiona além das limitações naturais do ser humano e o converte em uma efetiva, seletiva e fria máquina de matar. Nossos soldados têm que ser assim. Um povo sem ódio não pode triunfar sobre um inimigo brutal”. 2) “Que vamos fazer pelos negros? Não vamos fazer nada porque nada fizeram pela revolução”. 3) “Até agora os camponeses não foram mobilizados mas através do terrorismo e da intimidação, nós os ganharemos.” 4) É necessário que todo guerrilheiro urbano mantenha em mente que só poderá sobreviver se estiver disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão. E se está verdadeiramente dedicado a expropriar a riqueza dos grandes capitalistas, os latifundiários e os imperialistas”. Qual seu conceito, meu caro leitor, sobre tais idéias e sobre quem não apenas as expressa mas se deixa conduzir por elas?

As três primeiras frases são do senhor Ernesto Che Guevara. A última é de Carlos Marighella, líder da Aliança Libertadora Nacional, em seu conhecido e várias vezes traduzido Mini-manual do guerrilheiro urbano. Tornou-se indispensável reproduzi-las em vista das declarações de Lula, sobre a morte do prefeito de Santo André. Disse Lula (Correio do Povo, 16 de janeiro, página 2): “Ele (Celso Daniel) se encontrará com Marighella, Guevara, Paulo Freire, Henfil, Betinho, Chico Mendes, Toninho e os sem terra…”.

Dante Alighieri, naquela que é a mais admirável obra literária da alta Idade Média – a Divina Comédia – se deixa conduzir por Virgílio e atravessa os nove círculos do Inferno, onde vai encontrando personagens da História. Dali ele segue para a montanha do Purgatório, em cujo topo se encontra com Beatriz que o conduz, por fim, ao Paraíso. Lula – cuida-te Alighieri! – fez o contrário. Deu uma espiada no Paraíso e encontrou estes dois bem-aventurados construtores da paz – Guevara e Marighella – levados certamente à força para um lugar de cuja existência descriam. E além de uns poucos companheiros de partido não discerniu mais ninguém.

Dize-me quem são tuas referências e eu te direi onde queres chegar (ou para onde queres me levar, se fores um líder político). As referências de Lula, pronunciadas numa circunstância em que a emoção o afastou, por instantes, dos zelos de candidato, deixam muito claras, para mim, as suas intenções. E seria absolutamente ingênuo supor irrelevante essa comunhão dos santos que ele escalou para acolher Celso Daniel na morada celeste. Não, isso não é irrelevante.

Percival Puggina é arquiteto, político, escritor, presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e de Administração Pública.

O ovo da serpente

por Alexandre Garcia


29 de janeiro de 2002

Há oito anos, quando pedia voto para ser presidente da República, FHC mostrava na mão espalmada suas cinco prioridades. Um dos dedos era o da segurança pública. Que só fez piorar. Tucanos e petistas estão colhendo os frutos de sua política de combate ao crime. Em vez de matarem a serpente, fertilizaram-na e ela se multiplicou. Tucanos e petistas, acostumados a ver a polícia como uma ameaça, nos seus tempos de comícios de esquerda, parece que se vingaram. Acostumados a ver militantes perseguidos, trataram de dar direitos os perseguidos – só que hoje eles são militantes do Comando Vermelho, do Comando da Capital, do tráfico de drogas, dos seqüestros, do contrabando de armas, do controle das prisões.

Os mais à esquerda viam a segurança pública como proteção das elites ameaçadas. Na luta de classe marxista, viam nas ruas apenas a revolução dos pobres contra os ricos. E assim foi durante mais de uma década. Nas ruas, os pobres são os mais sacrificados, porque os mais indefesos. São os mais oprimidos, porque não têm dinheiro para vigilantes, grades, alarmas, segurança eletrônica. Durante anos, os intelectuais apontaram como causa da bandidagem a pobreza, cometendo uma calúnia cruel contra os necessitados, porque a tese implica considerá-los desonestos e sem-caráter. Pode ser até que o desespero leve ao furto, mas não ao seqüestro covarde e cruel. A bandidagem é uma questão de má-formação, não importa que se seja pobre, classe média ou banqueiro.

Durante anos, ai de quem combatesse os criminosos! O Capitão PM que salvou a menina Tábata matando seus dois seqüestradores, em vez de receber medalha no Palácio dos Bandeirantes, foi considerado assassino pela mídia – e absolvido pelo povo que o elegeu Deputado Estadual. O apresentador que investia contra bandidos sempre foi considerado pelos intelectuais da mídia um pregador da violência. Mas o povo o elegeu deputado federal. Os intelectuais teimaram, durante anos, em ficar ao lado dos bandidos e contra a polícia, ignorando as vítimas. Agora que José Genuíno e Aloísio Mercadante pedem prisão perpétua, ROTA e Forças Armadas no combate ao crime, uma boa parte do PT ainda se escandaliza.

Durante anos, as pessoas organizaram passeatas por abstrações: pela paz e contra a violência. Se a passeata de domingo, em São Paulo, tivesse sido feita na Palestina, estaria no lugar certo. Porque o bandido não imagina que um movimento pela paz e contra a violência seja contra ele. E não é. Para combater a violência, se proíbem lutas de boxe, algumas partidas de futebol e até desenhos animados. Mas ninguém consegue prender a violência. Prendem-se bandidos. É preciso mobilizar o povo, sim, contra os criminosos. Esses são concretos e estão nos matando. E dar um puxão-de-orelhas nos legisladores que foram bonzinhos com os criminosos e maus com a polícia. Se a polícia está mal-paga, desestruturada, mal formada, mal armada, dispersa, desorganizada, desarticulada, é porque uma filosofia, durante anos, a desmontou. E se os criminosos de todas as idades estão cada vez mais ousados e confiantes na impunidade, é porque fizeram leis para dar-lhes direitos e penas de cesta básica.

Agora que estão matando prefeitos, juízes, promotores, eles começam a perceber que durante anos a vítima foi o povo e, principalmente, o povo mais pobre. Enquanto isso, outros davam o mau exemplo de enriquecer pela corrupção e pela sonegação. Na semana passada, um juiz carioca pôs no xadrez uma quadrilha de banqueiros. O advogado deles, considerando a decisão como “obcena, violenta e ilegal”, pediu habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça. O habeas foi negado. Mas na segunda-feira, o Presidente do Supremo deu o habeas. Difícil ainda ter esperança.

 

O PT e a violência

Maria Lucia Victor Barbosa


25 de janeiro de 2002

Analisar em profundidade a violência num curto artigo seria impossível. Essa característica inerente ao ser humano demanda abordagens variadas que vão das filosóficas às sociológicas, das psicológicas às antropológicas. A violência pode ser estudada sob o ângulo da história, do direito, da economia e para combatê-la o Estado se utiliza da lei e de várias de suas instituições.

No Brasil as causas da violência são bastante variadas e as opiniões sobre elas também. Há aqueles, por exemplo, que apontam apenas a pobreza como fator desencadeante de atitudes violentas que se desfecham na criminalidade. Porém é necessário dizer que, se o meio em que o pobre vive pode ser propício ao banditismo, tanto não procede o entendimento de que ele é um criminoso nato quanto a tendência de absolvê-lo a priori das penas previstas na lei quando comete um crime por considerá-lo vítima da própria sociedade.

Justamente comiserações deste tipo têm contribuído para estimular a violência no país, assim como a excessiva benevolência para com os bandidos e seus direitos humanos em detrimento dos direitos do cidadão comum. E isso, naturalmente, tem tudo a ver com a falha  da mais importante função do Estado e em nome da qual esta instituição foi criada: a segurança.

Poderia expor também análises referentes à urbanização, desemprego, baixos níveis educacionais e tantos outros fatores que possuem ligação com a violência. Isto seria importante para uma compreensão mais aprofundada do fenômeno, mas aqui vou apenas comentar a questão do PT e da violência, por conta do brutal assassinato do prefeito petista de Santo André Celso Daniel, lembrando que antes dele Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT,  prefeito deste partido em Campinas, também foi morto recentemente.

Em artigo publicado nesta semana no O Estado de S. Paulo, Frei Beto colocou Celso Daniel na “galeria dos “mártires da justiça” que abriga “Jesus, Tiradentes, Gandhi. Guevara  Luther King, etc.”. O bondoso frei não mencionou o prefeito de  Campinas, nem aquela mulher que nesta mesma cidade foi seqüestrada e executada em frente a sua casa, nem a incalculável multidão de brasileiros que têm sucumbido pelas armas de assassinos impunes e muito mais bem armados, treinados e motivados do que a polícia. Aliás, o PT nunca se levantou a clamar em defesa das vítimas comuns, mas já fez muito força para a soltura dos seqüestradores canadenses do empresário Abílio Dinís. Naquele episódio lamentável havia também um membro do PT e o partido preferiu dizer que presença do seu militante era apenas uma trama para inviabilizar a vitória de Lula, então em trânsito  por sua eterna carreira de candidato à presidência da República.

Quanto a José Genoíno (SP) e a senadora Marina Silva (AC), agora se apressam a pedir a prisão perpétua para seqüestradores sem saber ainda se o prefeito foi realmente seqüestrado. Na verdade o caso continua nebuloso, especialmente por conta das versões contraditórias de Sérgio Gomes da Silva que dirigia o Mistsubishi Pajero de onde Celso Daniel foi retirado para ser morto, sem que houvesse sido feito pedido de resgate.

Recorde-se também que num primeiro momento o PT e seu líder Lula, apressaram-se a dizer que tudo não passava de crime político, insinuando que a responsabilidade seria de uma organização de direita. Mas haveria uma organização de direita tão burra  a ponto de fornecer a um partido de esquerda, em plena largada de uma campanha eleitoral, o mártir, a bandeira ensangüentada (recorde-se Volta Redonda) que garantiria a vitória emocional do adversário ideológico? É de se duvidar. E para complicar aparece agora uma fantasmagórica entidade de extrema esquerda denominada Frente de Ação Revolucionária Brasileira (Farb), suposta co-irmã da sangüinária Farc colombiana que o PT tanto exalta, e que se responsabiliza pelos crimes além de ameaçar políticos petistas.

Mas o fato é que se o PT não pode ser responsabilizado diretamente pelas causas da violência no Brasil ou pelas mortes dos seus prefeitos, não deveria esse partido deixar de fazer uma mea culpa para avaliar o resultado do seu estímulo à violência. Afinal, em junho de 1994, o candidato Lula declarou que não lhe interessava a lei mas o que ele considerava como justo e legítimo. Esse discurso de tribunal de exceção foi repetido por lideranças petistas, inclusive, por seu problemático vice José Paulo Bisol, que afirmou: “Quando o Estado não tem condição de coibir a violência, o povo tem direito a ela”. O problema é que a fração do povo que agora tem direito à violência diante da ausência da lei, é aquela composta por facínoras de toda espécie que estão oprimindo o povo.

Há tempos o PT através da CUT – seu braço sindical – e do MST –seu braço armado no campo – tem desencadeando a violência que é colocada como legitima e se sobrepõe à lei. Tudo recheado com uma ideologia socialista que no mundo inteiro não deu certo.

Agora o PT sente os efeitos de um tipo de terrorismo depois de ter declarado que é contra o terrorismo, mas tê-lo justificado quando os seguidores do fanático Bin Laden atacaram os Estados Unidos.

Portanto, é hora do PT fazer seu ato de contrição e de se perguntar qual é sua parcela de culpa diante da morte dos seus próprios companheiros. Conforme o ditado popular: “quem semeia ventos, colhe tempestades”.

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, escritora e professora universitária.

E-mail: mlucia@sercomtel.com.br

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