Leituras

Carta de Michael Peirce sobre Olavo de Carvalho

Olavo de Carvalho

20 de dezembro de 2001

Uma amiga muito querida, que me pede para permanecer anônima, enviou a Michael Peirce, colunista do site de Lew Rockwell (http://www.lewrockwell.com/peirce/peirce-arch.html), algumas traduções de meus artigos publicados logo após o 11 de setembro (reproduzidas noutro lugar desta homepage). Transcrevo aqui a resposta do sr. Peirce. – O. de C.

December 20th, 2001

Dear Mrs…,

Mr. Carvalho seems to be, as we say in the US, “wired tight.” I read the articles you included and found little or nothing I could disagree with, other than the fact that I don’t share his paranoia about Russia. However, smarter people than me do share that paranoia so I may be the one who is wrong.

My sad answer to you is that I’m not surprised that they wish to silence his voice. “They?” Yes, “they” are those wicked people I have thought of over the years as communists, cultural marxists, traitors and much else. It has dawned on me recently that “they” are simple the devil’s own tools – every country in the world is being submerged under a dark curtain of evil and these beasts are behind it all. The struggle is worldwide, and we are losing everywhere. Men are falling away from the church and the Word of God faster than we can evangelize them. Each looks to his own good and forgets his brother – government is almost universally corrupt and many churches have fallen into the pit of apostasy.

The question we as Christians must address is simple: are these the last days written of the Bible? Has the devil been “loosed for a little while?” I can’t be sure, I’m no prophet, but more and more it looks that way to me. I’m not suggesting that any of us give up the struggle for freedom, and take some fatalistic, almost Islamic attitude of “In’shallah” but there will come a time when the struggle against evil appears to be a failure and the Enemy will appear to win everywhere.

When that happens, many of us will die or be locked up. So be it. Better to die standing for righteousness and common sense, than to live as a slave to sin. And if it turns out that this is not the end time, that this is just another cycle in the ongoing battle – then we may even triumph in the end. At this point in time – I feel that is unlikely.

I send you, and Mr. Carvalho my greetings, and best wishes, along with a hearty and sincere merry Christmas. May the Lord bless your efforts to keep the darkness from swallowing up your country. We may or may not meet in this world but I have no doubt that we will meet in the next.

God bless you,

Michael Peirce

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20 de dezembro de 2001

Prezada senhora,

O sr. Carvalho parece estar, como dizemos nos EUA, “bem ligado”. Leio os artigos que a senhora envia e encontro pouco ou nada com que possa discordar, exceto o fato de que não compartilho a paranóia dele com relação à Rússia. No entanto, algumas pessoas mais sabidas que eu partilham dessa paranóia e pode ser que eu é que esteja errado.

Minha triste resposta é que não estou surpreso de que “eles” procurem silenciar a voz dele. “Eles”? Sim, “eles” – são aqueles sujeitos maldosos que ao longo dos anos pensei fossem comunistas, marxistas culturais, traidores e muitas outras coisas. Percebi recentemente que “eles” são simplesmente os instrumentos do demônio mesmo – todos os países do mundo estão sendo submergidos sob uma obscura cortina de maldade, e essas bestas estão por trás de tudo. A luta é mundial, e estamos perdendo por toda parte. Os homens estão caindo para fora da igreja e da Palavra de Deus mais rápido do que podemos evangelizá-los. Cada um busca seu próprio bem e esquece o de seu irmão – o governo é quase universalmente corrupto e muitas igrejas caíram no poço da apostasia.

A questão que nós, como cristãos, precisamos colocar é simples: são estes os últimos dias, a que a Bíblia se refere? Terá o diabo sido “solto por um tempo”? Não estou seguro. Não sou profeta. Mas mais e mais as coisas me parecem ser assim. Não estou sugerindo que nenhum de nós abandone a luta pela liberdade e assuma uma atitude fatalística de “In shah Allah”, mas chegará um tempo em que a luta contra o mal parecerá um fracasso e o Inimigo pareça vencer em toda parte.

Quando isso acontecer, muitos de nós morrerão ou serão presos. Que seja. Melhor morrer de pé pela retidão e pelo senso comum, do que viver escravo do pecado. E se acontecer que estes não sejam os tempos finais, que este seja apenas mais um ciclo de uma batalha contínua – então poderemos mesmo triunfar no final. Neste momento do tempo, acho isso improvável.

Envio à senhora e ao Sr. Carvalho minhas saudações e melhores votos, junto com um “Feliz Natal” sincero e de coração. Que o Senhor abençoe seus esforços de impedir que as trevas submerjam o seu país. Podemos vir a encontrar-nos ou não neste mundo, mas não tenho dúvidas de que nos encontraremos no próximo.

Deus os abençoe,

Michael Peirce

Os companheiros

Maria Lúcia Victor Barbosa


9 de dezembro de 2001

A conhecida frase, “uma imagem vale mais que mil palavras”, me veio à mente quarta-feira passada quando vi uma fotografia na capa do primeiro caderno do O Estado de S. Paulo. Nela estavam Fidel Castro e Lula sentados, lado a lado, barbas viradas de perfil um para outra. O motivo dos dois estarem mais uma vez juntos devia-se à reunião de partidos de esquerda da América Latina, que se realizava em Havana.

Até aí nada de mais. Todos sabem que Lula e seu PT se intitulam-se de esquerda. Além disso, é conhecido o fato de que o tetracandidato presidencial nutre um prazer peculiar em visitar a Ilha e fumar charutos cubanos, considerados os melhores do mundo. Gosto não se discute, mas a questão é que Lula continua em primeiro lugar nas pesquisas de opinião e ninguém pode ainda prever o resultado das urnas em, 2002.

Assim sendo, sua foto com o ditador Castro não é exatamente a de um inocente turista fazendo pose de álbum de retrato. E, por isso, prestei atenção na expressão do presidente de honra do PT. Ele contemplava El Comandante-Jefe que lhe sussurrava alguma coisa, e tinha no rosto aquela expressão de embevecimento do discípulo diante do mestre, quando aquele coloca no rosto um sorriso beatífico e petrificado. A imagem ilustrava de forma inequívoca, mais que mil palavras, o sublime encantamento de Lula para com o ditador que comanda há 42 anos a desventurada e miserável Cuba.

Anteriormente ao encontro dos partidos de esquerda, o eterno candidato do PT tinha estado mais uma vez na Ilha. Voltou de lá dizendo que “Cuba é um modelo de democracia”. Achei isso, para dizer o mínimo, excêntrico. Agora a foto confirma algo que vai além: o modelo de Lula é o próprio Fidel Castro. Seria, então, Cuba, um modelo para o Brasil, segundo o candidato à presidência da República? Deus nos acuda!

Para ser justa, reconheço que há outro companheiro que fascina a magna estrela do PT: Hugo Chávez. Curiosamente, o controvertido presidente da Venezuela enfrentará no próximo dia 10 uma paralisação pouco usual, pois reúne empresários e trabalhadores. Ambas as categorias se posicionarão irmanadas contra as arbitrariedades do governo de Chávez. A gota d’água foi um pacote de 49 itens, considerado estatizante, intervencionista e que “viola de forma grosseira o princípio da propriedade privada”, segundo a Federação de Câmaras da Venezuela (Fedecamaras). Mas voltando ao assunto do encontro, pode-se dizer que Lula da Silva tem algo a comemorar além do souvenir fotográfico. Ele fez um discurso. Políticos são extremamente egocêntricos e o petista não foge à regra, assim, dá para imaginar sua imensa felicidade quando discursou na sessão de abertura da reunião dos partidos de esquerda. Sentindo-se entre companheiros, foi fundo no ataque a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Do alto do seu triunfo ele soltou o verbo para gáudio de esquerdas e, para ser imparcial, direitas latino-americanas: “É um projeto de anexação que os Estados Unidos querem impor. Será o fim da integração latino-americana”. Mas qual seria, me pergunto, essa tal integração no modelo Castro-Chávez-Lula? Quem sabe, a criação da União das Republiquetas Socialistas da América Latina (URSAL)?

Curiosamente, enquanto Lula discursava demonstrando todo seu horror contra a Alca, um grupo de empresários norte-americanos lhe fazia coro, pois, segundo estes, não se deve permitir “que as leis americanas de comércio justo (fair trade) venham a ser parte de negociações globais da Organização Mundial do Comércio”. Portanto, de novo, o cândido e empolgado Lula defendeu interesses alheios, como quando esteve na França. Naquela encantadora viagem onde se avistou com o primeiro-ministro Leonel Jospin, ele defendeu a política agrícola européia que impede o acesso de produtos agroindustriais brasileiros àquele mercado por meio de barreiras alfandegárias e, ao mesmo tempo, cria condições desfavoráveis nos mercados internacionais à agricultura brasileira ao subsidiar o setor rural francês. Alguém mais ajuizado do PT deveria tentar moderar os arroubos retóricos de Lula, sobretudo os cometidos em suas numerosas viagens ao exterior. Não pegam bem nem para o partido nem para o Brasil. Maria Lucia Victor Barbosa é professora universitária.

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga e professora universitária.
E-mail: mlucia@sercomtel.com.br

PT, forever PT

Maria Lúcia Victor Barbosa


9 de dezembro de 2001

Duda Mendonça, o conhecido publicitário que durante anos seguidos acompanhou Paulo Maluf e fez a campanha de Menem, que por sinal acabou perdendo para De la Rúa, agora se encontra a serviço do Partido dos Trabalhadores. Experiente nas artes do marketing, parece que Mendonça sempre intuiu o pensamento de Hannah Arendt: “A política é feita, em parte, da fabricação de uma certa ‘imagem’ e, em parte, da arte de levar a acreditar na realidade dessa imagem”. E assim vai emergindo a imagem de um PT light no centro da qual refulge um candidatíssimo Lula de fala amena, embalado em terno e gravata e sempre pronto a fazer acordos à direita e à esquerda. Estas imagens reconfortantes vão conquistando aos poucos o próprio empresariado, e já não se teme o “Sapo Barbudo”, alcunha dada ao ex-sindicalista por Leonel Brizola.

Será que o partido dos trabalhadores já virou o partido dos patrões e ninguém percebeu?

Convenhamos, porém, que o especialista em marketing só deu uma melhoradinha no que já existia, não tendo executado nenhum passe de mágica, como aquele em que um sapo se transforma em príncipe. Isto porque, há muito tempo Lula trocou o macacão azul pelo colarinho branco. Para usar o jargão marxista, diria que o símbolo da classe trabalhadora se aburguesou. Nada de mais, uma vez que a luta de classes se resolveria se todos fossem burgueses, e todos querem alcançar o discreto charme da burguesia. Mas o fato é que o senhor Silva, ou “Lord Lula”, como o denominou recentemente Brizola, tomou gosto por charutos cubanos caríssimos, talvez por conta da amizade que entretém com o ditador Fidel Castro, com o qual esteve recentemente para tomar lições de democracia. Sim, o homem que quer ser presidente do Brasil entende que Cuba é uma democracia, e aqui não cabe maiores comentários, bastando a si mesmo o exotismo, digamos assim, da afirmação. Além do mais, Lula adora viagens ao exterior, onde realiza sua fantasia de estadista ao se avistar com certos chefes de Estado ou personagens de destaque do mundo fashion do socialismo. Nesses aprazíveis passeios ele vai a seus lugares favoritos como a China e a Venezuela, sendo que este país é governado por outra figura apreciada por Lula, o ditador disfarçado Hugo Chávez, amigão das Farcs. Mas se Lula, o eterno candidato do PT, tem sua imagem mais caprichada por obra do marketing, o que aconteceu ao seu partido? Ah, dirão muitos, o PT amadureceu, mudou. Já não é mais socialista, pela primeira vez tem um programa coerente de governo, seus membros deixaram de brigar entre si, abandonou o radicalismo, afirma que adotará em parte o Plano Real de FHC ao concordar com a manutenção do equilíbrio fiscal e a estabilidade da moeda, não fica apenas nas promessas. De fato o Partido dos Trabalhadores foi se tornando aos poucos um Partido de Classes Médias, que cultiva o moralismo udenista e se fortalece principalmente através do funcionalismo público, dos intelectuais universitários, dos profissionais liberais e dos devotos religiosos católicos, com algumas ramificações entre os protestantes politicamente corretos. Todos se dizem de esquerda, só que ninguém nunca conseguiu definir o tipo de socialismo que professam.

Na verdade, a idéia do socialismo se perde na noite dos tempos, espelhando a eterna luta entre ricos e pobres, a necessidade de igualdade que sempre foi muito forte no coração dos homens. O século XIX foi pródigo em socialistas, cada um com sua proposta igualitária como Saint-Simon, Fourier, Owen, Louis Blanc, Proudhon. Entretanto, o socialismo era um movimento relativamente burguês, e os burgueses tinham medo mesmo era do comunismo, este sim, um movimento operário por excelência. Por isso Marx e Engels, que se pretenderam socialistas científicos em oposição a todos os demais considerados por eles utópicos, acabaram preferindo para si mesmos a denominação de comunistas. Em 1848 lançam o “Manifesto do Partido Comunista”, panfleto destinado aos operários europeus, que substituía a divisa “todos os homens são irmãos”, excessivamente imbuída de cristianismo, de “devaneio amoroso” e debilitante, segundo os autores, pela epígrafe “proletários de todo o mundo, uni-vos”. Mais tarde, seguindo a tradição, os marxistas-leninistas se denominaram de comunistas e criticaram os sociais-democrátas por entenderem serem estes apenas reformadores das instituições capitalistas. O PT nunca soube a que socialismo veio e isso não mudou. É significativo, por exemplo, que no seu programa de governo exista uma só referência elogiosa ao socialismo. Depois afirmam paradoxalmente, que no seu partido “não existe nenhum compromisso com o socialismo”. Para complicar mais, asseguram que seu objetivo é o de “transformar o capitalismo selvagem em capitalismo democrático”, algo que deve soar enigmático aos ouvidos dos aguerridos militantes. O PT não mudou também em termos de brigas internas. Suas facções já estão se estranhando por conta justamente do programa de governo. E mesmo que o documento incorpore traços do Plano Real, não foge ao radicalismo nem às promessas impossíveis de se cumprir. Isso pode ser observado com relação ao antiamericanismo que rejeita a Alca, à centralização estatal, ao paternalismo trabalhista que acaba infelicitando aos trabalhadores, e outras mazelas que sempre conduziram ao atraso quem as cultiva. Além do mais, como observou o ex-ministro Maílson da Nóbrega, o documento do PT traz uma série de contradições, pois tem “propostas para aumentar os gastos, mas não explica como vai aumentar a arrecadação”. Tudo indica, portanto, que se Lula chegar lá, teremos não o efeito Orloff que vem da Argentina, mas o efeito caipirinha gelada com ressaca de cuba libre, pois, afinal, o PT é forever PT.

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga e professora universitária.
E-mail: mlucia@sercomtel.com.br

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