Leituras

O mal é o que sai da boca do intelectual de esquerda

Por Alceu Garcia


Maio de 2002

Conta Aristóteles que seu mestre Platão ocasionalmente interrompia as aulas que ministrava na Academia para questionar-se, e a seus alunos, se no tema desenvolvido eles estavam partindo dos primeiros princípios ou no caminho que se dirige a eles. No Brasil são poucos, mesmo nos mais sisudos centros acadêmicos, os que efetivamente se preocupam com essa investigação preliminar de máxima importância em qualquer campo do saber. Nos debates públicos ventilados na imprensa, então, nem se fala. Nesse universo marcado pelo falatório sofístico não só inexiste preocupação com princípios, como a própria linguagem encontra-se tão corrompida que é impossível sequer saber com um mínimo de clareza e precisão do que se está tratando nas discussões. E o maior problema é que a adulteração do sentido das palavras é deliberada, envolvendo um projeto de dominação ideológica no sentido marxista do termo, a falsa consciência, o véu de idéias forjadas por um grupo para, ocultando a realidade, explorar os demais com a anuência expressa ou tácita dos próprios explorados. Esse grupo é a classe letrada, a intelligentsia, obcecada pelo socialismo e imbuída do método gramsciano de reforma do senso comum para implementá-lo, como tem denunciado e fartamente provado o filósofo Olavo de Carvalho. A depravação da linguagem torna impossível identificar, isolar, compreender e enfrentar os problemas postos para a coletividade. Como discutir proveitosamente sobre algo que sequer sabemos o que é?O objetivo desse texto é contribuir modestamente para a difícil tarefa de remover a névoa pegajosa e traiçoeira que recobre certas palavras e expressões vertidas incessantemente na imprensa por intelectuais e políticos de “esquerda” (mas não apenas eles), de modo que os interessados de boa-fé possam ao menos tentar entender com alguma nitidez o que realmente está sendo afirmado e se as propostas de ação política reclamadas são compatíveis ou não com os fins (ocultos ou declarados) almejados.

“JUSTIÇA SOCIAL” – Justiça deriva do latim justitia, exprimindo conformidade com o Direito, não necessariamente o Direito Positivo, legislado, que pode ser, e frequentemente é, injusto (ex: pensão vitalícia de dez mil reais para ex-governadores), mas os princípios gerais derivados dos valores que formam a Ética de um determinado grupo, que antecedem e informam as leis objetivas e sua interpretação, consubstanciado no mister de dar a cada um aquilo que é seu, como diziam os juristas romanos. E cada indivíduo só é proprietário daquilo que produziu com o seu próprio trabalho ou que adquiriu contratualmente por meio de trocas voluntárias (compra e venda, locação, contrato de trabalho, doação, etc). Social vem de sociale, relativo à sociedade (do lat. societate), ou seja, uma coletividade humana. Ora, se justiça é dar a cada um o que é seu, infere-se necessariamente que a existência de mais de um indivíduo é sua condição sine qua non . Não havia necessidade de justiça para o solitário Crusoe em sua ilha deserta, antes do aparecimento do Man Friday. Tudo lhe pertencia. Assim, toda justiça é por definição social, um imperativo de convívio humano. O adjetivo “social” é, pois, redundante e dispensável. O mesmo obviamente ocorre com outras expressões, tais como “movimento social”, “política social”, “investimento social”, “questão social”, “direitos sociais”, “democracia social” e muitas outras. Quem se lembra do slogan da propaganda oficial do malsinado Governo Sarney? Era “Tudo pelo Social”, o cúmulo do estelionato semântico demagógico. Até o erudito e em geral lúcido J. G. Merquior embarcou nessa canoa furada com o seu “liberalismo social”. O economista e filósofo Friedrich Hayek, em seu clássico Law, Legislation and Liberty, deu-se ao trabalho de enumerar dezenas de termos adjetivados com o infalível “social”, que nada acrescentava de racional e esclarecedor aos respectivos substantivos.

Se o “social” nada significa de relevante, porque é tão usado? Porque o sentido oculto dessa palavra é “socialismo”, ou seja, a intervenção coletiva, política, estatal, na esfera de autonomia individual, mesmo e sobretudo aquela em que as pessoas não estão tomando dos outros o que não lhes pertence. Em outras palavras, “social”, nesse contexto, consiste em ações coercitivas por meios das quais aqueles que detém o Poder Político ordenam os comportamentos e dispõem do patrimônio dos indivíduos da forma que bem entendem, dando a cada um o que, segundo critérios inteiramente arbitrários, entendem que cada um merece. Vê-se que o “social” é mais do que tautológico em relação à justiça. É incompatível com ela. “Justiça social” é pura e simplesmente injustiça. E quem aceita esse conceito distorcido e contraditório como premissa para o debate, mesmo que não seja socialista, já admitiu a viabilidade prática e conferiu validade moral ao socialismo.

“POLÍTICA PÚBLICA” – Política origina-se do grego polis, cidade-estado, daí politiké, ciência dos negócios de Estado, ou seja dos negócios públicos, sendo que público tem raiz no latim publicu, relativo à coletividade, oficial, estatal. Ou seja, “política pública” é mais uma expressão vazia, pois se é política já é pública. Seu uso tem se disseminado a partir das principais estações difusoras do gramscismo – as universidades – sobretudo por soar bonito, vestindo um modelito novo e sedutor às velhas e já algo desgastadas “políticas sociais”, intervenções estatais indevidas no domínio particular para “resolver” problemas que desastradas “políticas sociais” anteriores causaram. “Política pública” é, assim, mais um eufemismo para – adivinhem? – socialismo.

“NEOLIBERALISMO” – Liberalismo é o nome de um conjunto de idéias e doutrinas que basicamente defendem a liberdade individual contra o Poder Político, formuladas por filósofos e economistas como John Locke, David Hume, Adam Smith, Herbert Spencer, Frédéric Bastiat e John Stuart Mill. A partir da segunda metade do século 19 o prestígio do liberalismo decaiu tão rapidamente quanto ascendeu a aceitação geral do socialismo entre os intelectuais e políticos, com sua ênfase na ação coletiva e estatal como meio de se alcançar a plena liberdade e dignidade do Homem. O liberalismo então extinguiu-se como doutrina politicamente eficaz, subsistindo apenas na obra de um punhado de estudiosos e publicistas isolados e espalhados pelo mundo, como Walter Lippmann, Wilhelm Ropke, Ludwig von Mises e Frank Knight.

Após a Segunda Guerra, contudo, diante do óbvio fracasso do socialismo, no atacado e no varejo, em cumprir suas mirabolantes promessas de abundância material e excelência moral, o pensamento liberal recuperou paulatinamente uma pequena parte de sua antiga influência graças aos esforços de Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, Peter Bauer, James Buchanan, Raymond Aron e outros pensadores eminentes. É isso o famoso neoliberalismo, que se traduz em continuação e aperfeiçoamento do antigo liberalismo. Na esfera política, o neoliberalismo só alcançou alguma expressão nos anos 80 do século passado, inspirando certas medidas, bastante limitadas, de alívio para a iniciativa individual na economia, tomadas pelos governos Thatcher e Reagan, tão claramente bem-sucedidas que logo foram imitadas por todo o mundo, inclusive em países comunistas como a China e o Vietnã. Vale frisar que o neoliberalismo ganhou força nos meios intelectuais combatendo os socialismos comunista e fabiano (ou social-democrata) com argumentos irrefutáveis, reforçados pela prova empírica inegável do fiasco universal do coletivismo, totalitário ou limitado, e só teve aplicação restrita no cenário político quando todas as formas de socialismo possíveis e imagináveis (comunismo, fascismo, nazismo, social-democracia etc) já tinham sido tentadas e rejeitadas.

Essa tímida ressurreição do liberalismo como doutrina intelectualmente respeitável e como alternativa política e econômica válida enfrentou uma formidável barragem de propaganda caluniosa movida pela esquerda culturalmente hegemônica. O neoliberalismo passou a ser inculpado por tudo de mau que acontecia pelo mundo, sobretudo em regiões em que absolutamente jamais houvera liberalismo ou neoliberalismo, como a África, continente dominado por regimes socialistas em variados graus. Após décadas de vulgarização e abuso, o termo “neoliberal” adquiriu uma conotação extremamente negativa -malgrado ninguém saiba ao certo o porquê -, comparável ao sentido odioso de palavras como “nazista” e fascista”. Acontece que nazista é a abreviação de nacional-socialista, assim como virulentamente nacionalista e socialista foi o fascismo. Dito de outro modo, o nazi-fascismo é irmão xifópago do socialismo dito de “esquerda”. O resultado dessa monumental campanha ideológica pode ser aferido pela simples análise do sentido comum dos termos “comunista” e “socialista”, usualmente significando uma doutrina política intrinsecamente benevolente e humanista, cujos efeitos bárbaros são debitados exclusivamente à perversões acidentais identificadas com o termo “stalinismo”. Muita gente ainda se diz comunista, e quase todo mundo se considera socialista (ou de “esquerda”, que é a mesma coisa), com a maior naturalidade, embora regimes comunistas e socialistas tenham perpetrado as piores barbaridades da História em toda parte. Por outro lado, ninguém – ninguém mesmo! – ousa assumir-se publicamente como neoliberal. Ora, pode-se concordar ou discordar das idéias liberais (ou neoliberais), desde que se procure tomar conhecimento do que efetivamente são essas idéias, submetendo-as então à uma crítica racional. É absurdo tomar como reais idéias pela imagem caricatural dela que seus inimigos forjaram. Mas é exatamente isso que ocorre.

O economista Eugen von Bohm-Bawerk certa vez foi censurado por não intervir quando alguns alunos de seu seminário expunham teorias obviamente erradas e absurdas. Ele disse em resposta que nada era mais eficaz para se revelar o erro de um raciocínio do que permitir que fosse desenvolvido até suas últimas consequências lógicas. A humanidade parece ter seguido procedimento similar em relação ao socialismo, o qual contou com meios e tempo mais do que suficientes para provar suas proposições e falhou lamentavelmente, precisamente onde e como seus críticos previram que falharia. Será que já não sofremos o bastante para admitir que o socialismo é um erro trágico?

“DIREITOS HUMANOS” – O Direito, do latim directu, aquilo que deve ser reto e justo, é uma criação humana, e somente o Homem é sujeito de direito. Mesmo as pessoas jurídicas e patrimônios personalizados (fundações) são ficções jurídicas cuja criação e atuação no mundo concreto se materializam através da vontade e da ação humana. O risível “direito dos animais”, que aliás acaba de ganhar foro constitucional na Alemanha, não é gerado pelos marinbondos e papagaios, é claro, mas pelos homens. Sendo assim, é evidente que o Direito é sempre humano, constituindo esse adjetivo mera tautologia. O que esse conceito espúrio pretende de fato, enrolado em um falso manto humanitário, é conferir às pessoas – sobretudo pessoas enquadradas em certas classificações capciosas – “direitos” a coisas imateriais, como felicidade e amor, ou coisas materiais, como emprego, renda, habitação etc, que o Estado não pode dar, porque não possui, ou só pode dar a um quando tira de outro, fazendo uma caridade farsesca com o chapéu alheio, mediada por uma casta burocrática que reserva para si a parte do leão dos recursos “pilantrópicos” que amealha. “Direitos Humanos”, em síntese, é mais um exemplo de socialismo disfarçado com belas palavras, um pretexto polivalente para a múltipla intromissão estatal injusta na esfera de autonomia individual..

Muito mais clara e adequada é a denominação Direitos Inalienáveis inscrita pelos fundadores dos Estados Unidos no preâmbulo de sua Constituição, derivados da filosofia lockeana dos Direitos Naturais. Esses direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade (aos quais deve ser acrescentado o direito à propriedade legitimamente adquirida) são inalienáveis porque não se pode dispor deles sem deixar de ser Homem, bem como se caracterizam pela reciprocidade, isto é, ao direito de cada pessoa corresponde direito igual de todas as outras, e o dever geral de respeitá-los. Esses atributos de reciprocidade e universalidade são violados pelos chamados “direitos humanos”, vez que, por exemplo, ao “direito” de fulano a uma renda de mil reais mensais inevitavelmente corresponde o “dever” de sicrano, que ganha mais do que isso, de prover recursos para fulano, muito embora este não seja culpado pela pobreza daquele. Os “direitos humanos” são a cristalização da injustiça sistematizada, ou seja, dos “direitos desumanos”.

“DESIGUALDADE SOCIAL” – Novamente o adjetivo “social” é objetivamente inútil, porém politicamente malicioso. Para haver desiguais há naturalmente que haver mais de um ser humano, de maneira que “social” já está implícito no substantivo “desigualdade”. Nada é mais lacrimosamente denunciado pelo intelectual, com tom de ira santa, do que a desigualdade. Que esta existe é um fato incontestável, um dado da natureza.. As pessoas são mesmo desiguais, e o seriam mesmo que toda a humanidade fosse constituída de clones. Não há outra igualdade possível senão aquela diante da lei, fundada nos direitos inalienáveis, recíprocos e universais estudados acima. A intelligentsia, entretanto, discorda categoricamente. Há que haver igualdade material, dizem de modo bastante vago, e cabe ao Estado instaurá-la, comandado por eles mesmos ou por quem acate suas idéias. Como Thomas Solwell observou com sagacidade, os intelectuais de “esquerda” dividem a humanidade em três grupos: os desvalidos, os desalmados e os iluminados. Os primeiros, os pobres, são maltratados pelos segundos, os ricos, cabendo aos terceiros – os próprios intelectuais de “esquerda” – intervir munidos dos poderes coativos estatais para defender os bons dos maus e implantar a “justiça social” na Terra. A contradição insolúvel nesse discurso igualitário é que sua execução exige que um determinado grupo seja incumbido da tarefa de igualar os outros grupos, detendo para tanto poderes exclusivos, o que por si só inviabiliza a priori a igualdade. De resto, se os indivíduos são naturalmente desiguais e a igualdade material é impossível – até porque se fosse viável igualar a renda monetária de todos (e não é), seria impossível igualar a renda real, vez que, v.g., para quem vive no litoral é muito mais barato o lazer na praia do que para quem vive no interior – a doutrina igualitária é absolutamente inexequível, portanto absurda e, logo, intrinsecamente nefasta.

A eficácia desse discurso absurdo depende da associação implícita e falaciosa da desigualdade com a miséria, e também da estimulação sub-reptícia do sentimento da inveja. A falsidade do sofisma da miséria pode ser facilmente exposta em termos econômicos. A miséria é causada basicamente pela baixa produtividade do trabalho, que deriva de reduzidos padrões de capital investido per capita em determinada comunidade. A solução, assim, passa necessariamente pela acumulação de capital de modo a que o trabalho se torne mais produtivo, elevando ipso facto o nível de consumo das profissões marginais (aquelas cuja remuneração é mais baixa) para um patamar acima da mera subsistência. A teoria e a experiência provam que somente a economia de mercado, ou seja o capitalismo, é capaz de gerar os requisitos necessários e suficientes para se extinguir rapidamente a miséria. Como, porém, o capitalismo é rejeitado veementemente pelos intelectuais de esquerda, conclui-se que Joaozinho Trinta estava certíssimo quando afirmou que esses sujeitos adoram a miséria. Miséria para os outros, bem entendido. A invocação da inveja, além de imoral, é contraproducente, posto que a ênfase na expropriação dos que têm mais em prol dos que têm menos desencoraja o trabalho e incentiva o parasitismo. No final do processo, a inveja resulta na miséria geral, pois quem vai querer produzir para ser roubado? E se ninguém produz, o que o parasita vai parasitar?

“GLOBALIZAÇÃO” – Quando o homo sapiens emigrou há milênios de sua África natal para todos os recantos do planeta estava terminada a única “globalização” de fato relevante. Tratando-se de uma única espécie, gregária e sociável, nada mais natural do que a progressiva intensificação dos intercâmbios de todos os tipos entre seus componentes. A língua, o fogo, a roda, a escrita, a matemática, as religiões e muito mais coisas se “globalizaram” no curso do tempo. Então o que há de diferente e novo no que hoje se chama vulgarmente de “globalização”? Nada. Em boa parte o termo tem conotação negativa, identificado com capitalismo, imperialismo e bobagens do gênero. Para identificar a má-fé nessa campanha de desinformação propagandística basta constatar que seus autores são os mesmos que ainda ontem pregavam (e ainda pregam, embora em outros termos) o “internacionalismo proletário”, isto é, a globalização do comunismo.

“EXCLUSÃO SOCIAL” – Olhem o infame “social” aí de novo! O termo “excluído” foi concebido pela intelectuária para substituir aos desgastados “proletário”, “trabalhadore” e “camponês”, malgrado corresponda, mais tecnicamente, ao que os marxistas clássicos rotulavam de “lumpenproletariado”. Como a retórica da “esquerda” é cada vez mais vaporosa, contraditória e mutante, “excluído” pode identificar as mais diversas categorias. Hoje são os índios, para os quais se exigem terras equivalentes ao território de vários países, amanhã são os “sem-terra”, que demandam o fim do “latifúndio” e a divisão de todas as terras em pequenas propriedades, e assim por diante.

“A LÓGICA DO CAPITALISMO” – A lógica é a disciplina filosófica que estuda a forma do raciocínio, pelo qual de premissas admitidas como certas se inferem conclusões necessárias, pois já implícitas nas premissas. Assim, quando um intelectual de “esquerda” fala em “lógica do capitalismo”, essa expressão só é válida se o interlocutor aceita as premissas sugeridas. Quando, ao contrário, o interlocutor pretende justamente problematizar essas premissas, não há lógica nenhuma, e sim dialética. Infelizmente é quase impossível um intelectual de esquerda aceitar esse debate franco e aberto – dialético – acerca da real natureza do que se conhece como capitalismo. Para ele, premissas como “exploração”, “egoísmo”, “exclusão”, “imperialismo” são artigos de fé (rectius: de má-fé) em toda e qualquer peroração sobre o assunto. E se o oponente prova cabalmente os múltiplos erros nos seus teoremas, o intelectual de esquerda recorre ao argumento ad hominem, também denominado por Ludwig von Mises de polilogismo, que se resume a colar no interlocutor impertinente a etiqueta odienta de “capitalista”, que o torna inerentemente incapaz de sequer compreender a “lógica proletária”, quanto mais refutá-la.

“AS FORÇAS CEGAS DO MERCADO” – O mercado é essencialmente um processo através do qual os fatores de produção (terra, trabalho e capital) são alocados segundo as demandas mais urgentes dos consumidores, processo esse não controlado e dirigido por nenhum órgão central. A maior e mais antiga controvérsia da economia, desde Adam Smith e até mesmo antes dele, tem por objeto a capacidade auto-reguladora do mercado. Para Smith e Bastiat, von Mises e M. Rothbard, o mercado é auto-regulável; para Malthus e Sismondi, Marx e Keynes, a economia de mercado sofre de contradições internas que acarretam sua destruição, exigindo, pois, a intervenção estatal para corrigir (ou abolir, no caso de Marx) as suas “falhas”. Quem assevera que as forças de mercado são “cegas” está afirmando que o planejamento estatal é onisciente, ou menos falível do que o mercado. Nesse ponto temos que aplaudir a coerência dos socialistas totalitários (comunistas e nazistas), posto que, se o Estado é capaz de corrigir as falhas do mercado, deve logicamente suprimi-lo por completo. A posição dos socialistas fabianos (terceira via, keynesianos, sociais-democratas) nessa questão é frágil, vez que, se o Estado é intrinsecamente superior ao mercado na organização da economia, porque então não substituí-lo integralmente?

Por outro lado, se a intervenção do Estado no domínio econômico também é “cega”, a economia será sempre um processo pelo qual cegos são guiados por cegos. E se algo pôde ser inferido de certo e conclusivo da calamitosa experiência econômica do século 20 é que a intervenção estatal é sempre “cega”, muito embora conduzida por políticos, intelectuais e burocratas dotados de enorme “olho grande”. Proponho ao leitor o seguinte teste empírico: a oferta de pão está em nosso país à cargo do mercado, enquanto que a provisão de serviços de segurança incumbe ao estado. Quem o atende com mais eficiência? Quanto a mim, não há dúvida. Eu viajei por todo o Brasil e não encontrei lugar em que não houvesse uma padaria disponível para se adquirir o tradicional pãozinho para o café da manhã. Por outro lado, sempre que necessitei de auxílio policial nas diversas ooprtunidades em que fui roubado ou furtado, fiquei frustrado. Imaginem só se a oferta de pães fosse monopólio estatal afetado a uma “Pãobrás” qualquer. Provavelmente não haveria pão em lugar nenhum, como não há em Cuba nem havia nos países comunistas.

“DIREITOS DAS MINORIAS” – Todo sujeito de direito é uma minoria de um, uma vez que ao seu direito corresponde o dever geral de não infringi-lo, conforme estabelecido na breve investigação acima sobre a natureza do Direito. De maneira que a expressão “direitos das minorias” é vazia. O direito do homossexual é precisamente o mesmo do heterossexual, como o direito do branco é o mesmo que o do negro, e assim por diante. A campanha dos “direitos das minorias” não passa de uma ofensiva da intelligentsia esquerdista contra o Estado de Direito com o fito de fomentar conflitos artificiais para depois “resolvê-los” via coerção policial. Não é outra coisa a recente importação da “affirmative action” (outra expressão melíflua e contraditória em seus termos) dos Estados Unidos pelo hediondo governo FHC, com sua infame política de quotas raciais. Isso equivale a institucionalizar o racismo num dos poucos países do mundo isentos desse problema. Até mesmo as mulheres, maioria da população, são qualificadas como “minoria”, o que é ridículo.

“CONSCIÊNCIA CRÍTICA” – O intelectual de “esquerda” ama de paixão a palavra “crítica”, desde que não seja jamais criticado. Para ele, somente aqueles que foram devidamente doutrinados nas idéias esquerdistas são indivíduos “conscientes” e “críticos”. Ocorre que a peculiaridade de pessoas que pensam assim é exatamente a completa incapacidade de raciocinar criticamente, isto é, de pensar por si mesmas, articular argumentos e formar juízos objetivos e imparciais sobre a realidade. Na melhor tradição orwelliana, para o intelectual de “esquerda”, “consciente” é o que para gente normal é “lobotomizado”, e “crítico” traduz-se por “acrítico”.

“SETORES CONSCIENTES E ORGANIZADOS” – Essa é clássica. Os intelectuais de “esquerda” denominam assim os grupos que estão inteiramente doutrinados e arregimentados por eles. Quem está fora é “alienado” ou “inimigo de classe”.

“ELITES PERVERSAS” – Para os intelectuais de esquerda as “elites perversas” são sempre os outros, nunca eles mesmos, não obstante eles constituam evidentemente um grupo de elite. Reparem no Luis Fernando Veríssimo, por exemplo. Nascido em berço de ouro, educado nos Estados Unidos, escritor de um best-seller atrás do outro, prestigioso e regiamente pago colunista de grandes jornais, bajulado servilmente pela mídia, amigo e guru de políticos influentes e poderosos, ele costuma passar as férias em Paris. Se Veríssimo não integra a elite brasileira, a que classe ele pertence então? Mas o insensado escritor de “esquerda” e seus pares jamais se incluem na fina-flor da sociedade brasileira, a despeito de contribuirem mais do que ninguém para a formação da cultura do país, e daí naturalmente para a organização política nacional.

Fala-se muito no “poder econômico” das “elites”, que seriam responsáveis pelo atraso e pela miséria no Brasil. Ora, e quem tem mais poder econômico nesse país do que o Estado, que inclusive detém o poder de criar dinheiro? Que indivíduo, que empresa, que elite se reveste do poder de tributar, de se apropriar de 34% do que se produz nacionalmente? Quem tem privilégios como estabilidade no emprego, vencimentos desvinculados da produtividade do trabalho, aposentadoria especial, remuneração muito acima da média nacional etc. etc. etc.? Ora, que eu saiba são os funcionários públicos a elite mais rica e poderosa do Brasil. O rendimento médio mensal de um servidor federal está por volta de R$ 3.355,09; já o assalariado do setor privado recebe em média R$ 751,60 por mês. Os funcionários federais aposentados e pensionistas ganharam em média R$ 2.474,37 ao mês; os aposentados do regime comum do INSS tiveram que se contentar com R$ 324,00 mensais em média. Acontece que a incessante ladainha dos intelectuais de “esquerda” é justamente atribuir ainda mais poder e mais dinheiro a essa elite insaciável, da qual a maioria deles faz parte. Isso é que é “utopia” em causa própria!

A lista acima é meramente exemplificativa. Cada leitor pode compor a sua própria lista, e, se uma vinte pessoas o fizessem, poderiam publicar uma enciclopédia de sofismas com uns dez volumes. O fato é que enquanto a linguagem continuar ideologicamente viciada como está nada vai mudar nesse país – salvo para pior.

Observando o observatório

Por Alceu Garcia


Maio de 2002

 

Incluí o endereço do jornalista Alberto Dines na lista de e-mails pela qual divulgo os meus artigos porque, embora discordando em geral de suas opiniões, admiro a qualidade literária de seus textos e também porque tenho a pretensão de suscitar discussões com quem eu sei que defende idéias diferentes das minhas. O ilustre jornalista presumiu que o meu objetivo com a remessa dos textos fosse vê-los publicados no site Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br), dirigido por ele, tendo eu explicado que não era essa a minha intenção. Após uma cordial troca de e-mails, Dines polidamente solicitou que seu endereço fosse excluído da lista, o que foi feito imediatamente. O episódio despertou a minha curiosidade a respeito da linha editorial e outros aspectos desse Observatório, que até onde sei goza de razoável prestígio e influência nos meios jornalísticos.O Observatório da Imprensa é ele mesmo um periódico de imprensa, com edições semanais. Conta com uma eficiente e competente equipe de profissionais, a começar pelo Editor, o experiente e consagrado Alberto Dines, e com ampla rede de colaboradores. Malgrado não fique claro qual é a fonte dos recursos necessários ao custeio de um projeto indubitavelmente caro, consta que ele é vinculado ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, a universidade pública estadual de Campinas – SP. Salvo melhor juízo, é razoável deduzir que o Observatório é financiado com verbas estatais, ou seja, pelo contribuinte.

Seria interessante se a ocorrência ou não de financiamento estatal fosse esclarecida pelos jornalistas do Observatório, que é definido pelos próprios como uma “entidade civil, não-governamental, não-corporativa e não-partidária”. Afinal, não é nada demais esperar de um órgão informativo uma informação de caráter elementar sobre ela mesma. Seria estranho que uma instituição que se diz não-governamental vivesse do dinheiro que o governo extrai compulsoriamente dos cidadãos mediante impostos. Se é esse o caso, fica anotada desde já a contradição e invocada uma objeção de ordem moral: o contribuinte estaria sendo obrigado a custear uma empreitada jornalística, sem sequer saber que a está custeando, e consequentemente privado do direito de escolher entre financiá-la voluntariamente ou não.

Registrada essa dúvida, passemos a observar que tipo de missão o Observatório se propôs a cumprir. Diz-se que seu objetivo é acompanhar o desempenho da imprensa brasileira, funcionando “como um fórum permanente onde os usuários da mídia – leitores, ouvintes e telespectadores -, organizados em associações desvinculadas do estabelecimento jornalístico, poderão manifestar-se e participar ativamente num processo no qual, até agora, desempenhavam o papel de agentes passivos.”

Faltou especificar nessa pretensiosa declaração de intenções que nem todos os “leitores, ouvintes e telespectadores” poderão “participar ativamente” desse processo, mas somente aqueles cuja ideologia passar pelo crivo da instituição. Afinal, o próprio editor Alberto Dines recusou a publicação dos meus artigos no Observatório – publicação não oferecida, frise-se – pelo motivo de que não combinavam com a filosofia adotada pelo periódico. Longe de mim questionar o direito de uma sociedade de jornalistas publicar apenas material afinado com a sua própria linha editorial. Porém, seria bem mais honesto que isso ficasse bem claro. Do jeito que está, a manifestação de pluralismo absoluto resvala para a propaganda enganosa – o que contradiz os princípios éticos que ostensivamente regem a publicação.

E para que um observatório da imprensa? Deixemos que o próprio responda com suas palavras: “No caso da mídia, a cidadania foi convertida num conjunto de consumidores, ficticiamente vocalizados por pesquisas de opinião pública que empregam metodologia quantitativa, necessariamente redutora, e com pautas alheias aos reais interesses e necessidades dos opinadores.” Pelo que se pode inferir da fraseologia obscura, a direção do Observatório vislumbra algum tipo de incompatibilidade entre o papel das pessoas como cidadãs e como consumidoras. Não seria lícito esperar que essa incompatibilidade fosse especificada? Por outro lado, a condenação genérica à “metodologia quantitativa” redutora, sem que se ofereça alternativas de “vocalização”, carece de objetividade, pecado grave para tão excelso grupo de especialistas em objetividade. Por fim, parece que os diretores do periódico estão reclamando de seus patrões nas empresas particulares de jornalismo, por supostamente não lhes permitem que, como “opinadores”, expressem seus reais interesses e necessidades. Curiosa queixa, vez que, para a empresa privada, é vital priorizar os interesses e necessidades dos consumidores de seus produtos, nesse caso os seus leitores. São os consumidores de jornalismo que indiretamente pautam o noticiário, pois se este não interessar a um número suficiente de pessoas, a empresa quebra. Voltarei a esse ponto.

Mas voltemos ao que dizem os nossos catões midiáticos: “Os meios de comunicação de massa são majoritariamente produzidos por empresas privadas cujas decisões atendem legitimamente aos desígnios de seus acionistas ou representantes.” Tradução: a empresa jornalística particular só divulga aquilo que atende aos “desígnios de seus acionistas ou representantes”. Isso é uma mentira deslavada. Essas empresas são forçadas, pela própria natureza da ordem de mercado, a publicar material que agrade os desígnios de seus consumidores. E, de todo modo, o que impede que esses indignados “opinadores” constituam suas próprias empresas de jornalismo, publicando assim apenas o que lhes agradar? Talvez porque somente quando se consegue uma bocada nos subsídios estatais isso seja possível sem correr riscos, posto que o consumidor é eliminado da equação, substituído pela figura do contribuinte, aquele cujo papel exclusivo é simplesmente pagar e não bufar.

Prossegue o Observatório: “Mas o produto jornalístico é, inquestionavelmente, um serviço público, com garantias e privilégios específicos previstos em vários artigos da Carta Magna, o que pressupõe imperiosas contrapartidas em matéria de deveres e responsabilidades sociais.” A refutação da premissa falsa do parágrafo anterior invalida igualmente a conclusão mal-disfarçada de que o “produto jornalístico” deve ser controlado, quiçá monopolizado, pelo Estado. Os limites das atividades de imprensa, como ocorre com qualquer atividade, são as leis gerais que protegem o direito individual à vida, à liberdade, à propriedade e à honra. Será difícil prever que espécie de imprensa teríamos se coubesse ao Estado – rectius: aos grupos que o controlam – definir o que são esses tais “deveres e responsabilidades sociais” do “produto jornalístico”? Quem pensou em “imprensa cubana” ganhou um doce.

Mas continuemos com nossas observações. Diz mais o observatório que “Num momento em que o debate ideológico confina-se à falsa questão das dimensões e atributos do Estado, é indispensável compreender as múltiplas convocações para que se aumente significativamente a atuação da Sociedade Civil, que não pode continuar reduzida a um conjunto de siglas de prestígio ou, no caso, minimizada como a combinação dos vários segmentos do mercado consumidor de informações.” Alguém pode ter a bondade de explicar porque as dimensões e atributos do Estado são uma “falsa questão”?! Será indiferente aos cidadãos que o governo seja proprietário de tudo ou que tenha o poder de se controlar todos os aspectos da existência individual? Penso que é exatamente o contrário; poucas questões são mais fundamentais do que essa. A luta contra a exorbitância do poder político é um elemento presente em toda a História Ocidental. Como é possível que jornalistas tão bem informados ignorem a tragédia totalitária que afetou tão desastrosamente a humanidade há tão pouco tempo? Ouso cogitar que quem afirma que a dimensão do poder político é uma “falsa questão” está consciente ou inconscientemente à serviço de quem almeja o poder político absoluto.

Para finalizar, assevera a direção do Observatório que “a Sociedade Civil deve abranger sucessivos níveis de monitoração e atuação, de forma a diminuir a distância entre os poderes e a cidadania, convertendo-se ela própria numa instância. No caso dos meios de comunicação de massa, o Observatório da Imprensa propõe-se a funcionar como um atento mediador entre a mídia e os mediados, preenchendo o nosso “espaço social”, até agora praticamente vazio.” Afora essa persistente e inquietante alusão ao vago conceito de “sociedade civil”, cabe opor, mutatis mutandis, a essa tese o argumento do terceiro homem com que Aristóteles criticou a teoria das idéias de Platão. Pois se o Observatório funciona como mediador entre a mídia e os mediados, quem funcionará como mediador entre o Observatório e a mídia e os mediados? Em outras palavras, com que autoridade esse pessoal se propõe a exercer essa missão?

Esquadrinhando as múltiplas edições do Observatório fica evidente que se trata de uma órgão monopolizado pela esquerda, sobretudo a esquerda mais radical, petista. Nele não há lugar para opiniões de outros quadrantes político-ideológicos. Logo, as pretensões pluralistas do periódico e a sua invocação de neutralidade ficam invalidadas pela sua própria atuação. Tremenda contradição existencial e incoerência axiológica. Que fique claro que eu nada tenho a opor que jornalistas de esquerda se organizem para criticar a imprensa como bem entendam. O que é inaceitável, creio, é apresentar como neutras e objetivas posições manifestamente tendenciosas e parciais.

Resumindo minhas observações, pois, constato, entre outras, as seguintes falhas no Observatório da Imprensa:

1. Falta de transparência econômica: quem afinal financia a empresa?

2. Militância ideológica apresentada falsamente como neutralidade pluralista

3. Preconceito político-idelógico contra o sistema de mercado

4. Desprezo pelos interesses dos consumidores do “produto jornalístico”

5. Graves incorreções conceituais e linguagem propositalmente obscura e enganosa

Precisamos urgentemente de um Observatório do Observatório da Imprensa!

Prever e prover

Por José Nivaldo Cordeiro


17 de Maio de 2002

Ontem eu estava a ouvir o noticiário no rádio, quando me dirigia ao trabalho, ocasião em que ouvi uma entrevista do secretário de Planejamento de São Paulo, Jorge Wilheim, defendendo o novo Plano Diretor da cidade, que está tramitando na Câmara Municipal. O secretário defendia a nova lei, quando fez uma declaração que me deu o que pensar: “planejar é prever e prover”, decretou.Fiquei chocado. Essa frase resume todo o equívoco que os transformadores sociais têm como proposta política. Levada ao pé da letra, seria possível imaginar que, através do mero ato de planejar, poderia se eliminar a miséria do mundo, abolir a escassez.

Pena que não seja simples assim, como querem o secretário e seus pares ideológicos. Ainda me soa aos ouvido o tom professoral com que a ilustre autoridade fez a sua prédica radiofônica, saboreando cada sílaba que pronunciava. Doutoral. Tudo isso para justificar o injustificável, que é a criação de mais impostos sobre os munícipes paulistanos, agora por ocasião da construção civil. Para prover, os políticos de esquerda não têm o menor constrangimento de assaltarem mais e mais o bolso do contribuinte.

Toda a gente sabe que em São Paulo há déficit de oferta de moradias e não será encarecendo a tributação, através de impostos, que o problema será minorado. Muito ao contrário. Tudo pelo popular vira tudo contra o popular. É um Deus nos acuda. É uma conspiração contra o bem-estar da população da cidade

Entendo que nosso secretário, além de errar no instrumento que impede a solução de um problema estrutural, ainda caiu em um equívoco maior. Planejar definitivamente não é prever e prover, mas sim, avaliar devidamente os meios disponíveis para se alcançar um fim almejado. O ato de planejar, em si, é estéril: planejamento não gera nada. Então é absolutamente sofístico vincular o ato de prever com o de prover, se não for considerado, em simultâneo, a escassez de recursos, a limitação de meios para a obtenção dos fins.

Na ânsia de justificar o injustificável – a elevação de impostos – o secretário apenas deu mostra de desprezo pela inteligência dos paulistanos. Sua “aula” foi digna do quadro humorístico da Ofélia, a caricatura do ignorante metido a sabido.

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