Leituras

O varejo e a indústria

Por José Nivaldo Cordeiro


7 de Junho de 2002

A revista “Exame” que está nas bancas traz uma excelente matéria sobre a relação do varejo com a indústria no Brasil. É um trabalho jornalístico excelente, feito por Nelson Blecher. Quero aqui basicamente sublinhar alguns pontos. O primeiro é que a concentração do varejo no Brasil trouxe um comportamento oposto ao que poderia ser esperando do ponto de vista teórico, pois ela acarretou o acirramento da concorrência, tornando-se uma das causas da queda da inflação no chamado segmento competitivo nos últimos anos. É
claramente uma das âncoras do Plano Real. O outro aspecto é mostrar que o varejo, de todos os ramos de negócio, é o que mais atua sob a ótica do consumidor. Na verdade, as grandes cadeias de varejo tornaram-se os verdadeiros órgãos de defesas do consumidor, na medida em que não aceitam os abusos de preços que eventualmente a indústria queira praticar e a obriga a repassar a maior parte de seus ganhos de produtividade
aos preços.

Um terceiro aspecto que merece destaque é o fato de que os monopólios e oligopólios industriais ficaram enfraquecidos diante do consumidor, pois o varejo tem o poder de desenvolver fornecedores e marcas alternativas, de modo a servir de anteparo contra o poder monopolista dos fornecedores. Não é
um fenômeno econômico pouco relevante. O caso da indústria de refrigerantes é emblemático, pois as chamadas tubaínas tomaram boa parte do mercado mas marcas líderes.
Por último, a questão das marcas. As marcas funcionavam, do ponto de vista do consumidor, como uma garantia de qualidade e de diferenciação. Para a indústria, como um fator de fidelização da clientela. Ora, hoje quem dá a garantia de qualidade é o próprio varejista, perdendo importância o
marketing da indústria. Não é à toa que as marcas próprias cresceram e o investimento da indústria em publicidade caiu.
O caso de varejo é um exemplo do benefício que a economia de mercado pode trazer para a sociedade. Sempre que o governo tenta regular ou intervir nesse mercado, só distorce preços e alocação de recursos, mais das vezes subsidiando. Só a liberdade de empreender pode garantir a prosperidade e a melhor alocação de recursos. O varejo está dando sobejas provas dessa
verdade insofismável.

As FARC e o silêncio obsequioso

Por Janer Cristaldo


7 de Junho de 2002

Tentando chegar a uma definição aceita universalmente sobre o que seja terror, a ONU até hoje não chegou a nenhuma. Ao tentar uma definição, esbarra numa parede, os países muçulmanos. Se estes países não concordam sobre o que seja terrorismo, chegaram a um consenso sobre o que não é terrorismo: qualquer coisa que se inclua na luta palestina. Trocando em miúdos: um palestino que se enrola em bombas e se explode em meio a civis, velhos, mulheres e crianças, não pode ser definido como terrorista. Porque os árabes não querem.

Se o Ocidente tem conceitos precisos sobre o que seja terror, a Suécia fez uma bela presepada à União Européia no mês passado. Os quinze países da UE pretendiam incluir as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), guerrilha marxista colombiana, na lista de organizações terroristas. Os suecos alegaram que não devem fazer parte da lista organizações que estejam em processo de negociação ou diálogo com seus governos. Ou seja, você pode explodir carros-bomba, matar, seqüestrar, mas não será considerado terrorista enquanto se dispuser a dialogar com as vítimas. Porque os suecos não querem.

A decisão dos suecos foi amplamente divulgada na imprensa internacional e brasileira. Fere a delicada psique das esquerdas associar marxismo a terrorismo. Se nossos jornais se apressaram a divulgar o veto nórdico, há um silêncio obsequioso quando se trata de trazer ao leitor documentos que associem as Farc ao terror. Numa época em que até mesmo órgãos como O Globo e o Estadão abrem colunas para velhos bolcheviques, pouco se pode esperar dos demais jornais, que se pretendem de esquerda ou que pelo menos com as esquerdas simpatizam. Torna-se então inteligível mas nem por isso justificável o silêncio em torno a temas que possam prejudicar o PT.

Embora o partido atualmente as negue, são notórias suas relações com a guerrilha que há décadas vem destruindo a Colômbia. Seus representantes são recebidos com tapete vermelho pelo governo petista gaúcho e fazem palestras em universidades e escolas de prefeituras geridas pelo PT. Se alguém ousa afirmar que as Farc vivem do narcotráfico, não falta um militante indignado para dizer que tais denúncias não passam de estratégia do Estados Unidos para invadir, primeiro a Colômbia, e depois o continente.

O leitor já deve ter notado a escassa presença, nas páginas dos jornais, do narcotraficante Luiz Fernando da Costa, mais conhecido por Fernandinho Beira-Mar. E não é por falta de notícias. Preso em Brasília desde abril do ano passado, Fernandinho aceitou reunir-se com agentes da DEA (Drug Enforcement Administration) e falou de suas relações com a guerrilha colombiana. A gravação desta confissão, pela sua importância, tornou-se a peça-chave que permitiu aos Estados Unidos pedir a extradição de três guerrilheiros das Farc e três narcotraficantes brasileiros, entre eles Fernandinho. Foi publicada, há questão de um mês, na revista colombiana Cambio, dirigida por Gabriel Garcia Márquez. Você pode lê-la, na íntegra, aqui. Na imprensa brasileira, nem um pio sobre este documento.

Em correspondência com meus interlocutores, costumo afirmar que as gentes já não lembram de fatos ocorridos há dez anos. Urge uma errata: não lembram de fatos ocorridos há dois meses. Se o PT hoje nega qualquer relação com as Farc, há poucas semanas elas eram publicamente defendidas pelos militantes. Não bastassem as boas relações do governo gaúcho com a narcoguerrilha colombiana, em março passado, líderes petistas de Ribeirão Preto, ligados ao prefeito Antônio Palocci Filho, coordenador do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, anunciaram um comitê pró-Farc no município. Entre as funções do Comitê de Solidariedade ao Povo Colombiano e aos Movimentos de Libertação Nacional estariam colher assinaturas pró-guerrilha e defender as posições do grupo no Brasil. “Precisamos difundir e abrir comitês das Farc no mundo inteiro sobre os problemas que ocorrem naquele país”, disse Beto Cangussú, vereador petista. Para selar a união, houve uma reunião em Ribeirão Preto entre o ex-vereador Leopoldo Paulino, o proponente do comitê, e Olivério Medina, porta-voz informal da narcoguerrilha no Brasil, que chegou a ser preso em 2000 em Foz do Iguaçu, a pedido do governo colombiano, acusado de atividades terroristas.

Fernandinho Beira-Mar pagava dois milhões de pesos aos camponeses pela coca, por 600 quilos por semana, e às Farc mais um milhão por cada quilo, para cristalizá-la. Vendia o quilo de cocaína por U$ 3.500 no Brasil. A operação exigia um vôo que custava U$ 15.000, mais U$ 15.000 pelo aluguel da pista de aterrissagem. Mais U$ 25.000 para o piloto e U$ 5.000 para o co-piloto. Fernandinho, que também fornecia munição à guerrilha marxista, chegou a entregar-lhes 150 mil caixas de balas, com 20 balas cada uma. Segundo o narcotraficante brasileiro, as Farc não têm ideologia, Estão ali pela grana, se tornaram capitalistas e só querem a grana, a grana, a grana….

O ex-vereador Leopoldo Paulino pensa diferente. Não é a eleição que vai resolver, é a revolução. Hoje no Brasil não há condição de fazer uma revolução armada, mas na Colômbia não é assim. Eles têm um exército organizado”. Este exército redentor são as Farc, é claro.

ONU, árabes ou suecos podem permitir-se uma posição dúbia. Ser benevolente com o terror distante é fácil. Mais difícil é aceitá-lo quando se vive sob sua mira. O PT, herdeiro das mais sinistras ditaduras do século, sente-se naturalmente atraído pela narcoguerrilha marxista. Tenta então desvencilhar-se do aliado inconveniente. Ocorre que o terror está em seu DNA. E produz reflexos condicionados.

Todo leitor adulto deve lembrar-se do belíssimo filme de Kubrick, Dr. Strangelove. No papel-título, temos um cientista alemão paraplégico refugiado nos Estados Unidos, cujo braço direito conserva ainda reflexos dos dias do Reich. Esporadicamente, o braço se ergue em saudação nazista, e Strangelove precisa segurá-lo com a mão esquerda. É o que ocorre com os petistas. Podem reivindicar os melhores propósitos, fazer juras de bom comportamento, mas volta e meia o braço totalitário não resiste e saúda o terror. Como aconteceu na semana passada, quando o PT, au grand complet, prestou homenagens de herói ao terrorista João Amazonas.

Não é conveniente, em ano eleitoral, falar de Fernandinho. Felizmente, vivemos dias de Internet, onde sempre há uma brecha para conjurar o silêncio obsequioso da grande imprensa.

Os dois Lázaros

Por José Nivaldo Cordeiro


6 de Junho de 2002

Meu amigo Janer Cristaldo escreveu-me a propósito do trecho do meu artigo “Moral e Política”, no qual relatei a defesa que um padre, em plena missa, fez da luta de classe, acusando os ricos pela existência de pobres. Ele me escreveu: “a Bíblia é um poema de ódio ao rico”. Não posso concordar com essa afirmação e vou dizer o por quê. Na verdade, a Bíblia contem um festival de aparentes contradições, praticamente sobre todos os assuntos. Como sabemos, os livros que a compõem
foram escritos em diferentes épocas e sofreram um sem número de glosas e acréscimos ao longo do tempo. E os temas específicos tiveram tratamento de acordo com os tempos e a necessidade do momento de quem escreveu. Vemos, por
exemplo, desde a aceitação da poligamia no Antigo Testamento até a categórica proibição do divórcio feita pelo próprio Cristo.
E não podemos esquecer que os textos recentes, os Evangelhos e as Epístolas, foram também escritos de ocasião, na luta inaugural para a implantação da nova religião. Então seus autores tinham em vista questões específicas, às
quais procuravam dar resposta. Penso que, na questão da riqueza, é preciso separar o joio do trigo. A leitura que faço da mensagem bíblica é que se condena nos ricos não a riqueza em si, nem o seu usufruto, mas os vícios derivados dela, como a usura, a sovinice, a impiedade (falta de caridade), a avareza.
Parafraseando outra linda passagem dos Evangelhos, poderíamos dizer que a riqueza é para o homem, não o homem para a riqueza. E não podemos esquecer que Jó, o servo querido de Deus, era rico e para compensa-lo de suas agruras
Deus o abençoou com muito mais riquezas. E também não podemos esquecer a parábolo do Bom Samaritano, um homem rico. A partir dessa ambigüidade é que se construiu absurdos do tipo da teologia da libertação, que não passa de uma forma requentada de marxismo, que nada tem nem de cristã e nem de religiosa. Os episódios envolvendo os dois Lázaros dos Evangelhos são emblemáticos. Um, relatado no Evangelho de Lucas (26:19-31), é pobre e é comparado a um homem
rico. Ao morrerem, Lázaro vai para o céu e o rico para o inferno. A lição que fica é que a riqueza sem as virtudes cristãs é pecaminosa e que a pobreza, para um cristão, não passa de uma cruz necessária a ser carregada, que não impede o acesso a bondade divina. Claro fica também que, do ponto de vista da Eternidade, tanto faz ser rico ou pobre. O que vale é a fé e as
obras.

Já o outro Lázaro, o famoso ressuscitado do Evangelho de João (11:1-44), é um homem rico, cuja irmã havia untado a cabeça de Jesus com bálsamo caríssimo (Lucas 10:38-39 e Mateus 26:7). Tinha a afeição de Jesus e sua casa era por Ele freqüentada. Jesus gostava tanto de Lázaro que ele foi usado para o seu maior sinal: a ressurreição dos mortos, confirmando e
prefigurando a sua promessa para a Humanidade. Essa ênfase no fato de que nem a pobreza e nem a riqueza são importantes
diante da Eternidade é que deu a base para a construção da idéia de igual dignidade jurídica para todos os homens, independentemente de origem e condição social. Essa idéia é a base para os sistemas políticos do Ocidente, o fundamento da sociedade aberta. Ela se opõe frontalmente às propostas
políticas totalitárias, que fundamentam os defensores da teologia da libertação e demais partidários do comunismo, que na prática impõem o sistema de castas.

Cristo não fez tratados de economia e nem estava preocupado com coisas materiais: “Olhai os lírios do campo…”. Ele veio anunciar o Reino de Deus, no Além. Aqui, no tempo de vida, temos que nos virar da melhor forma,procurando as virtudes e usando a razão. E usar a razão e buscar as virtudes é recusar todas as formas de materialismo, especialmente aquelas que querem se substituir à verdade redentora, uma blasfêmia inominável diante de Deus.

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