Leituras

A taxa de juros

Por José Nivaldo Cordeiro


3 de Junho de 2002

O site do Professor Ricardo Bergamini
(www.angelfire.com/sc3/ricardobergamini) é daqueles imperdíveis para quem estuda a economia brasileira. Ele tem sistematicamente acompanhado a conjuntura econômica e os grandes números dos dois Governos FHC, colocando no site as suas preciosas conclusões. É, claro, um economista crítico com
relação ao governo e também não poderia ser diferente: quem enxerga os números sabe que as coisas não andam bem no Brasil.

Um dos pontos de destaque da sua análise é a determinação da taxa de juros do mercado. Para ele, é inútil tentar reduzir a taxa de juros na ponta do tomador privado apenas pela redução da taxa básica. Esta última só interessa para o próprio governo, na medida em que, para cada ponto percentual de redução da mesma, a taxa de mercado sofre contração de apenas 0,04%, segundo seus cálculos.

A fato objetivo é que, pelo mecanismo do depósito compulsório, o governo se apropria de grande parte do dinheiro disponível para crédito, de sorte que pouco sobra para o mercado privado. A taxa básica média para o governo está em torno de 18% a.a., enquanto que a taxa média para o mercado é de 59,42%
a.a., sem considerar os impostos, taxas e demais custos do serviço bancário. As lideranças empresariais melhor fariam se lutassem para reduzir essa intervenção indevida no mercado de crédito, que coloca pesada cunha para os tomadores finais. A taxa básica pouco importa para as empresas. Por impedir o desenvolvimento de um sistema de crédito sadio, praticando o
quase monopólio da dívida, o que vemos é a economia minguar. Na verdade, os brasileiros (pessoas físicas e jurídicas) se dividem em dois grupos. De um lado, os que são superavitários e sócios do governo na massa tributária. Vivem felizes, cobrando elevados juros do devedor monopolista. Do outro, os
que, por qualquer motivo, são obrigados a tomar recursos emprestados, ao custo de mercado. Esses vivem asfixiados financeiramente e freqüentemente apresentam problemas de solvência. Em outras palavras, quebram ou vêem seu
nome sujo na praça, sendo automaticamente excluídos do sistema de crédito. A culpa é única e exclusiva do Estado, que impede o desenvolvimento econômico através de um dos seus mecanismos naturais, que é o crédito.

Se o leitor tiver em conta que os brasileiros já pagam uma brutal carga tributária, que cresce sistematicamente a cada ano, irá perceber o verdadeiro horror econômico em que estamos metidos: o governo brasileiro simplesmente impede que a prosperidade aconteça. Quem está desempregado e
sem crédito no mercado sabe quem é o autor das suas desgraças. Aqueles que, por algum motivo, vêem os seus sonhos de crescimento fracassarem, sabe quem os seqüestrou.
Da mesma forma, o desempenho frustrante da balança comercial só tem um responsável: o governo e sua voracidade fiscal e creditícia. O mercado internacional não paga o sobrecusto governamental embutido nos preços dos
produtos. Então, caro leitor, dá para imaginar o grande engano que é apoiar plataformas políticas que pugnam precisamente por aumentar a intervenção governamental no processo econômico. É suicídio.

Guerra fantástica

Por José Nivaldo Cordeiro


2 de Junho de 2002

Sou aficcionado por filmes de guerra. A guerra é um momento crucial na existência, seja dos indivíduos, seja dos coletivos. É um fenômeno caracteristicamente humano e quando nos referimos à Natureza usando o vocábulo “guerra” é apenas força de expressão, uma metáfora, uma projeção antropomórfica pura. Guerra e História formam uma unidade indissolúvel. Não
podemos ser contra a guerra, da mesma forma que não podemos ser contrários ao nascer do sol. Nesse sentido, o pacifismo é coisa de ignorantes, uma estupidez. Podemos estudá-la, analisá-la, odiá-la, mas jamais podemos negá-la como realidade e necessidade histórica. É um fato da vida.

A guerra é sobretudo um fenômeno psicológico, uma loucura coletiva que sacrifica homens no altar do deus da morte. Será talvez o instante em que o mal é mais palpável, mais objetivo: quem dela participa vê o fundo dos olhos de Mefisto e é tomado por seu fascínio macabro. Na vida civil o que mais se aproxima desse instante nefando é o crime e a constelação dos que vivem à sua volta: a polícia, a o sistema Justiça, o sistema prisional. Há uma dialética que une profundamente os que praticam a delinqüência e os que punem. Quantas taras e quanta maldade se escondem por trás dos homens que punem, que supostamente praticam a Justiça? Quanto de carrasco de inocentes não compõe a psique de um promotor, um juiz e um policial? Temo que freqüentemente o agente da lei possui uma psique muito mais criminosa e muito mais perigosa do que aqueles que são flagrados em delito. Sobretudo agora que vivemos tempos de relativismo moral e jurídico.

Infelizmente, na justiça estatal não há lugar para o perdão e para a redenção, apenas para o castigo, para a vingança e para a subjugação do indivíduo. Como na guerra.

Por isso que gosto tanto de filmes de guerra e de filmes com temática policial. Se os filmes são artisticamente bem feitos, eles encantam porque conseguem retratar em profundidade a psique humana. Toda obra de arte de valor – e não apenas as do cinema – devem ter como ponto focal a redenção humana, o que equivale a abordar sem medo e sem nenhuma pieguice o mal
metafísico. São filmes que poderíamos chamar de religiosos, no sentido que tratam do drama humano mais específico, a sua relação com o bem e com o mal, com Deus, em resumo. Talvez algumas pessoas se escandalizam por eu escrever isso, mas eu realmente penso assim.

Malgrado a malvadeza e a crueldade da guerra, ela acaba por ter um lado benéfico, que foi reconhecido e estudado por muitos autores importantes. Voegelin, por exemplo, afirma a sua necessidade para o restabelecimento do equilíbrio perdido na sociedade política. A guerra também acaba por se tornar uma terapia coletiva, exorcizando o mal que acomete a coletividade
humana, não obstante o seu elevado preço e a sua estupidez. Dito de outra forma, a guerra serve não apenas para moldar o caráter dos homens e impor o devido respeito pelas coisas do Além (a guerra e a morte são irmãs gêmeas), reafirmando a pequeneza humana diante da Eternidade. Serve também para curar as patologias psíquicas coletivas que, de outra forma, não poderiam ser resolvidas. Outra não é a visão de Jung quando analisa as Grandes Guerras do século passado. Como criminosos da dimensão de um Hitler e seus sequazes poderiam ter sido destruídos?

O curioso é que na História do Brasil registramos muito poucas guerras, sempre episódicas e de pequena dimensão. Nosso povo jamais viveu o que a Europa, os EUA, o Japão, a Rússia, o Continente africano viveram. Se foi uma dádiva para as gerações passadas, desconfio que esse fato pode ter gerado
uma maldição para as gerações futuras: as tensões psíquicas acumuladas no coletivo brasileiro podem estar aguardando o tempo devido para a sua erupção, na forma de um conflito devastador. E talvez esse tempo não esteja distante, a se tomar como medida o que vemos acontecer no corpo político e
na vida privada brasileira. A cizânia psíquica pode ser percebida pela divisão esquizofrênica no mundo político, pelo afrouxamento dos costumes, pela perda de senso moral das massas, pela exaltação do que é caracteristicamente baixo e infame e o aviltamento das coisas do alto, sagradas.

E, claro, o primeiro sacrificado em tudo isso é a razão. Quem vive no Brasil de hoje pode compreender a plenitude do significado da expressão do livro de Eclesiastes: “Muito conhecimento, muito desgosto; quanto mais conhecimento,
mais sofrimento”. E muita solidão de alma, acrescento.

Para aqueles que não se deixam enganar pelo remanso suave da maré e sabe queo maremoto se aproxima, só resta fazer como o general que comanda os soldados no campo de batalha, personagem do filme “Platoon”, de Oliver Stone, que ao ver o inimigo invadir o seu quartel-general ordena que a Força
Aérea despeje suas bombas no campo em que ele está com seus comandados. Ao desligar o telefone em que dá a ordem de bombardeio, ele exclama: “Que guerra fantástica!”.

A lógica da tribo e a guerra nuclear

Por José Nivaldo Cordeiro


1 de Junho de 2002

A descrição que Roberto Godoy, jornalista especializado em questões de defesa do jornal “O Estado de São Paulo”, fez na edição de hoje sobre as conseqüências de possíveis explosões atômicas no conflito Índia/Paquistão, é apocalíptica. Detonar tais armas sobre centros urbanos não é apenas irracional, é uma afronta à espécie humana. E o que está em jogo naquela
disputa? 

Objetivamente, o que vemos é um governo tribal – o Paquistão – confrontar uma democracia, alimentando de forma irresponsável um movimento separatista. Seu ponto de vista da revolução islâmica é um perigo, não apenas para a
Índia, mas para o mundo civilizado em geral. Dar a chefes tribais o poder de manejar artefatos com tal poder de destruição é algo que remete aos finais dos tempos.

A doutrina nuclear da Índia é sensata e responsável. Ogivas, mísseis e detonadores ficam em locais diferentes e só podem ser juntados para o respectivo disparo com decisão envolvendo inúmeros pessoas – incluindo todo o Parlamento. Dificilmente uma guerra nuclear de ataque pode ser gerada com
tal estrutura decisória.

Já o governo do Paquistão delegou aos chefes militares das suas unidades o poder solitário de decisão, algo muito perigoso, sobretudo se levarmos em conta a psicologia desses guerreiros islâmicos. Estão sempre com o dedo no gatilho.

Esse conflito me faz lembrar a ação de Israel, destruindo preventivamente a capacidade industrial que poderia fazer do Iraque uma potência nuclear.

Israel agiu muito corretamente, livrando o mundo da ameaça de um outro chefe tribal, muito mais irresponsável e arrogante, para manipular tais meios de destruição. Se a Índia tivesse feito o mesmo não estaria envolvida agora nesse pesadelo.

Isso coloca a responsabilidade das democracias ocidentais para mediar e prevenir tais conflitos. É inevitável imaginar que se aqueles dois países forem à guerra nuclear, o mundo jamais será o mesmo, pois os países mais poderosos terão que servir de polícia anti-nuclear. Acho até que já deveriam exercer tal papel. Até porque atentados com artefatos nucleares nos EUA e na
Europa só poderão acontecer a partir de artefatos fabricados nesses países, geridos como se fossem tribos no deserto. Prevenir a guerra nuclear em regiões distantes é também preveni-la no seu próprio território.

A questão crucial é se a eclosão de um conflito desse tipo será necessária para que seja feito o que é preciso de modo preventivo. Os líderes dos países mais importantes não poderão se omitir, sob pena de o mundo pagar um preço muito caro.

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