Leituras

A última do Mendonção

Por José Nivaldo Cordeiro


12 de julho de 2002

Em seu artigo de hoje na Folha de São Paulo, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros comenta a sua participação no debate ocorrido na última quarta feira na própria Folha, envolvendo também João Sayad, secretário da Fazenda de D. Marta, em São Paulo, e Paulo Rabelo de Castro, um dos mais brilhantes liberais em atividade no Brasil, como também diversos jornalistas da casa.

Mendonção foi muito feliz ao resumir o ponto de vista do PT, na fala de João Sayad, de que “o déficit fiscal não causa inflação”. Uma afirmação dessa não é apenas anticientífica, é de uma irresponsabilidade asinina. É por crenças assim que o mercado sabe que a eleição de Lula pode ser um desastre terminal para o Brasil.

O que há de novo no artigo é a crítica direta que faz ao que chamou de “malanismo” e o relato do que aconteceu no interior do governo na disputa por posições. Para Mendonção, “infelizmente, no desenvolvimento desse plano de vôo (do Real) em busca de uma economia moderna e competitiva, prevaleceu um fanatismo ideológico que não fazia parte do pensamento original”. Fanatismo ideológico? Não disse em que consistiu. Terá sido a ossificação da taxa de câmbio? É provável. Ele conclui dizendo que “não chegamos ao pior, como foi o caso da Argentina, pela resistência (sic) quase heróica de um pequeno grupo incrustado nos ministérios da Fazenda e do Planejamento”.

Mendonção novamente não teve uma única palavra em seu artigo a respeito da política tributária e do excessivo peso do tamanho do Estado na economia brasileira patrocinado pela Era FHC, a meu ver os reais problemas com os quais temos que conviver e administrar. A dívida pública e a taxa de juros são meras decorrências, bem como o desequilíbrio no balanço de pagamentos. Ele prefere acusar uma indefinida “preferência ideológica” como o determinante dos males da economia: “O segundo mandato de FHC, com a saída dos resistentes a essa guinada ideológica do governo tucano, o modelo radical prevaleceu. O resultado foi uma economia estagnada, tensa pela volatilidade de nossa situação externa e incapaz de criar um futuro melhor para a maioria da sociedade brasileira”.

É esse o problema principal do Brasil. Enquanto homens como Mendonça de Barros, que se revezam no exercício do poder de Estado enquanto membros da tecnocracia, não perceberem onde está o problema real, que é o excesso de Estado, não há como sair dos descaminhos. Esses tecnocratas são o espelho dos seus chefes políticos, os que ganham eleições enganando as pessoas com a promessa do Estado “grande”, como se esse pudesse servir para alguma coisa além de escravizar e roubar – pela via tributária – o seu próprio povo.

Mendonção e Malan não divergem ideologicamente – e nisso o autor faltou com a verdade. Divergem no modo de como chegar ao mesmo resultado de suas crenças socialistas. Nem nisso ele se permitiu fazer uma autocrítica.

Temos que reconhecer, como Raymond Aron, que o socialismo continua sendo o ópio dos intelectuais. O resultado que nos espera será sempre o desastre, enquanto esse for o pensamento hegemônico entre os políticos e os tecnocratas.

Nivaldo Cordeiro

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

Um templo no Himalaia

Por Maria Lucia Victor Barbosa


12 de julho de 2002

Confesso que às vezes sucumbo a um devaneio: retirar-me para um imaginário templo no Himalaia. Ali, na atmosfera rarefeita e entre neves imaculadas, tentaria elevar o espírito e descansar dos descalabros que raça humana infringe a si mesma com aquele misto de euforia, ingenuidade e ignorância tão características da nossa espécie.

Não nego o grande progresso havido nos meios de transporte e comunicação, na ciência e na tecnologia. Mesmo assim, não se pode dizer que a criatura humana tenha mudado em sua essência. E nem a experiência que a história deveria transmitir nem o bom senso que adverte para que não se cometa certos erros, impede que o homem galope para o abismo da sua desgraça com aquela alegria infantil de quem desconhece os perigos.

Parece que tudo isto nada tem a ver com nosso momento político, mas é justamente esta encruzilhada do destino que me faz sonhar com aquele fantasioso templo no Himalaia. Mesmo porque, depois que o PT e seu candidato despertaram a fase risco Brasil, que se antes já existia agora vai em desabalada carreira rumo aos confins do Terceiro Mundo, não houve mais tranqüilidade. Sobe bolsa, despenca bolsa, sobe a cotação do dólar, sobe a inflação, desorganiza-se aos poucos a economia em meios a intrigas e rompantes não só do candidato do PT mas dos demais presidenciáveis.

Logo vão dizer que esqueci de explicar, que as oscilações da economia são também provocadas por fatores externos. Antes que me acusem desta falha, aviso que estou a par das circunstâncias internacionais, mas que por questão do pequeno espaço do artigo, prefiro me ater às questões internas, especialmente as ligadas ao momento eleitoral.

A estas alturas, não queiram me iludir com o argumento de que tudo não passa de perseguição dos investidores estrangeiros. Afinal, ninguém é obrigado a embarcar em canoa furada para atravessar mares revoltos. E se formos sinceros, admitiremos que o risco Brasil fomos nós mesmos que produzimos.

Vejamos, por exemplo, o caso do PT: este é o único partido que trabalha o tempo todo e não apenas durante as eleições e, assim, trabalhou incessantemente contra o atual governo para desmoralizá-lo. Inclusive, tentou de todo jeito derrubar esse Fernando como o fez ou colaborou decisivamente para a derrubada do outro. A maioria acreditou e nem o próprio governo soube defender-se como devia. Até fez vista grossa para os desmandos do MST, que por mais que o PT negue, é seu braço armado no campo e sua cria dileta.

O PT é o único partido que possui a mística, os demais nem ligam para isto. Por conta da mística, a crença dos petistas lembra o da fé. Nenhum militante acreditará que seu partido pode errar e qualquer erro será considerado acerto mesmo que seja igual ao erro dos outros. Tão pouco os adeptos do PT aceitam que suas hostes podem sucumbir ao pecado da corrupção, pois seu partido é isento do pecado original.

O PT possui disciplina rígida, enquanto os outros não têm nenhuma e seus procedimentos são seguidos de forma idêntica em todos os lugares em que seus membros logram chegar ao poder. Qualquer dos integrantes de suas fileiras, que negue os dogmas partidários ou aponte alguma falha, é sumariamente excomungado, quer dizer, alijado, proscrito das fileiras ou falanges.

O PT, sob o olhar indiferente ou complacente da nação, foi assumindo pontos vitais de controle social, como a imprensa e as universidades. Com isso, foi assegurando na prática a lição de Gramsci: “tomar a direção cultural e moral da sociedade”.

Enquanto isso, onde estavam os outros partidos? Ou mesmo aqueles indivíduos que conhecem a mentalidade do atraso que campeia no PT? Os primeiros flanando, os segundos esparsos, isolados, resistindo como podiam ao patrulhamento, á censura, à perseguição deste partido inquisidor por excelência.

E há ainda uma diferença entre as chamadas esquerda e direita: enquanto a esquerda abriga e protege os seus, a direita, pelo menos em tempos mais recentes, é desunida e só lembra do perigo na hora da adversidade.

Por isso o PT empolgou prefeituras e governos e agora se prepara de novo para o salto maior. Tem feito péssimas administrações, é acusado de corrupção em Santo André, São Paulo, Rio Grande do Sul, etc., conforme noticiado pela imprensa, mas como trabalhou bem e dispõe de mecanismos para abafar os escândalos, sua aura imaculada permanece. O PT é um partido acima de qualquer suspeita.

Mas mesmo com Lula sempre em primeiro lugar nas pesquisas, não se pode prever o que acontecerá quando em 6 de outubro as urnas forem abertas. No momento, Ciro Gomes vai ascendendo nas intenções de voto. Seu estilo bem latino-americano de nacionalisteiro, seu populismo, seu anti-americanismo começam a fazer sucesso, e quem não gosta da esquerda de botequim do Lula Mendonça vai para esquerda de butique do Ciro Gomes. Enquanto isso, Serra tem uma vice que continua a se opor ao presidente Fernando Henrique e Garotinho, bem, esse não conta mais.

Por essas e por outras, penso às vezes naquele tranqüilo templo entre as neves do Himalaia. Mas fico. Fico e tem mais, voto.

Ciro Gomes

Por José Nivaldo Cordeiro


11 de julho de 2002

Ciro Gomes pode se tornar o grande fenômeno das eleições que se aproximam. Ele está na legenda que é a herdeira do velho “Partidão” (PPS) e é apoiado por gente que fez carreira na esquerda. Militou no PSDB, tendo chegado ao posto de ministro da Fazenda. Sua plataforma política é, portanto, de esquerda.

Ciro veio de uma família conservadora de Sobral, cidade de seu Estado de origem, o Ceará, tendo sido toda a vida discípulo e protegido de governador Tasso Jereissati, empresário e político poderoso daquele Estado. Esse histórico conservador forma um grande contra-peso ao seu presente esquerdista.

Ocupou vários cargos eletivos, entre eles o de governador do Ceará. As fontes disponíveis dão conta de que fez um bom governo e não há acusações sobre a sua lisura na condução dos negócios públicos. Tem um bom currículo administrativo.
Seu guru econômico é Mangabeira Unger,o intelectual da MIT cujas idéias parecem nascer diretamente dos debates do antigo ISEB nos anos cinqüenta. Unger é um estatista convicto, na linha da Terceira Via européia e do Partido Democrata dos EUA. Um esquerdista light, em resumo.

Tem como característica de personalidade uma certa arrogância e pavio curto que, paradoxalmente, o credenciam para ser um bom orador. Usa muito bem os recursos da televisão. Essa impetuosidade, aliada com a juventude, coloca um imponderável sobre o seu comportamento depois da sua eventual subida ao poder. Sabemos que um presidente da República nunca deve ser explosivo e deve ter como máxima virtude a paciência.

Será que ele é, de fato, de esquerda? Penso que sim, mas tem vivência o bastante e histórico também que lhe permitem aumentar o grau de realismo sobre a ação do Estado e os seus limites. Comparado com os outros dois candidatos (Lula e Serra), é o que tem perfil mais conservador. Ele alia experiência administrativa com uma origem menos mudancista. Certamente será o nome em que os conservadores descarregarão os seus votos, já no primeiro turno, se revelar reais chances de chegar lá. Muitos dos líderes dos PFL não escondem a sua preferência por ele.

Ciro vai ser uma sombra ameaçadora sobre a candidatura Serra. Se Ciro crescer nas pesquisas, as chances de Serra se tornar o desaguadouro dos votos conservadores e anti PT caem. E penso até que no segundo turno Ciro reúne as melhores condições para derrotar Lula. Os próximos dois meses serão decisivos para consolidar as tendências do eleitorado.

Ciro está vivo no jogo, para desespero dos Tucanos e a alegria dos inimigos de Serra.

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