Leituras

Interpretando o eleitor

Por José Nivaldo Cordeiro


18 de julho de 2002

O crescimento recente de Ciro Gomes nas pesquisas de intenção de votos para a Presidência da República coloca a necessidade de compreender o eleitor e o seu comportamento. Vou aqui arriscar um palpite, baseado no histórico eleitoral.

Por que Collor venceu? Por que FHC ganhou duas vezes? Por que caminhamos para a surpreendente vitória de um out side novamente, Ciro Gomes? A resposta é direta: porque o eleitor não é burro e tem senso de perigo. O que tem ocorrido é que o nosso sistema político não tem oferecido alternativas mais conservadoras como opção de escolha, de maneira que o eleitorado tem sido sempre colocado entre escolher um candidato das esquerdas, nitidamente revolucionário (Lula) e um outro de centro-esquerda ou um aventureiro (Collor).

Entre a proposta revolucionária e qualquer um outro candidato, a maior parte do eleitorado escolheu sempre a opção contra a revolução. O que se vê agora é o mesmo fenômeno. Ciro provavelmente vai ganhar porque o candidato governista carrega o ônus de estar há oito anos no poder e também o ônus de sua psicologia, mais de corte autoritário, que o levou a perder importantes apoios eleitorais.

A classe política brasileira carrega a crença de que, para se eleger, é preciso fazer um discurso “social”. Até os supostos liberais inventaram um tal social-liberalismo, como se isso fosse possível. O que eu percebo é que há um vazio no campo político que precisa ser ocupado por claras propostas de direita. Se alguém tivesse feito isso um ano atrás, com propostas claras no sentido de reduzir o Estado, reduzindo a carga tributária e a ingerência governamental na vida das pessoas, penso que teria um lugar reservado no segundo turno das eleições, com chances reais de vitória.

O que se vê é que a classe política se envergonha de ser “direita”, ainda que o seja no íntimo. É uma falsa perspectiva. Para ganhar votos não é necessário necessariamente fazer propostas demagógicas e populistas, que passam como se fossem plataformas de esquerda. Penso que o nosso eleitorado já amadureceu o suficiente e sabe muito bem o que quer. E ele é conservador, especialmente quando se trata dos cargos majoritários. Estou certo de que as próximas eleições confirmarão isso, ainda uma vez.

Em resumo, os nossos políticos não estão à altura do eleitorado.

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

Administrando a inflação

Por José Nivaldo Cordeiro


17 de julho de 2002

Encontrei com antigo conhecido que hoje exerce alto cargo no Ministério da Fazenda e, dessa conversa, brotou para mim a lógica aterradora da política econômica em vigor. Pode ser que eu esteja errado, e até gostaria, posto que então a realidade seria menos dramática para todos nós. Mas duvido.

Até ter realizado a conversa com essa pessoa, a lógica da política de preços “administrados”, dos grandes monopólios como a Petrobrás e a Eletrobrás, me escapava. Esses preços teoricamente são controlados por agentes políticos do governo. Seria simples burrice deixar que essas empresas pratiquem a loucura que estão fazendo com os preços de seus produtos, em prejuízo de todos os brasileiros, especialmente os mais pobres? Isso em um ano eleitoral, o que poderia comprometer a eleição do candidato oficial? Não seria uma política alucinada, que poderia colocar a estabilização da inflação no lixo?Algo não se encaixava.

Ele me disse que o governo está segurando dinheiro em caixa, conforme planejado, o que é a única maneira de gerar o superávit primário, e que a inflação precisa subir, para comportar um superávit fiscal maior, levando-se em conta que o PIB crescerá pouco. Traduzindo: o imposto inflacionário é indispensável para o ajuste das contas públicas, vez que o governo não tem nem a vontade e nem a força para mexer no foco essencial das despesas, que é a Previdência do setor público, segundo ele mesmo reconheceu..

Depois de ir embora rememorei a conversa e cheguei à seguinte conclusão. Por acordos internacionais e pela vigilância do Congresso e da sociedade, a nossa inflação não está sendo puxada pela expansão primária da moeda, contrariando a lógica ensinada nos livros-texto de economia. Os macrocéfalos governamentais decidiram elevar os preços ditos administrados para elevar a inflação e assim alcançar alguns objetivos: 1- Ajustar para baixo os gastos reais, pela inflação mais alta; 2- Arrecadar mais, pois os setores que estão puxando a inflação são gravados por elevadas tarifas; 3- A maior inflação impõe uma maior desvalorização do câmbio, na medida que eleva as incertezas, vez que o nível de preços e o câmbio movem-se conjuntamente, sendo que, a cada momento, um puxa o outro; 4- Abrir a taxa de câmbio traz a vantagem de aumentar o superávit na balança de pagamentos.

Tudo em prejuízo do povo mais pobre, que é o grande pagador do imposto inflacionário, mas não apenas. Todos aqueles que têm rendas de contratos em bases anuais são perdedores, são os contribuintes forçados desse imposto nefando. O trágico é que esse verdadeiro crime está sendo cometido para que os privilégios de alguns poucos sejam mantidos, mediante o empobrecimento programado da Nação. É imoral.

Dessa forma, com a elevação do nível de preços, a expansão monetária terá que ser feita em algum momento, para que a liquidez do sistema seja mantida. Tudo se encaixa perfeitamente.

A única coisa que está fora dessa equação é a eleição. A percepção de que o governo conspira contra o povo se traduz na rejeição ao candidato oficial, conforme as pesquisas que têm sido divulgadas. A conclusão que se impõe é que, do ponto de vista de quem está na Presidência da República, não faz muita diferença quem será o sucessor, desde que seja um dos três que estão bem situados nas pesquisas. Afinal, qualquer deles mudará tudo, a fim de que nada seja mudado.

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

Capitalismo e liberdade (II)

Por José Nivaldo Cordeiro

16 de julho de 2002

“Liberalismo em seu sentido original: doutrinas que dizem respeito ao homem livre”. Milton Friedman

Continuando os comentários sobre o livro de Milton Friedman “Capitalismo e Liberdade”, convém observar que o livro, grosso modo, divide-se em duas partes. Como ele mesmo escreveu na Introdução, “os dois primeiros capítulos tratam dessas questões (referentes ao liberalismo) de modo abstrato, mais em termos de princípios do que de aplicações concretas. Os capítulos seguintes aplicam esses princípios a um bom número de problemas particulares”.

Para os interesses a que me propus, restringirei os meus comentários aos capítulos teóricos. Aqui abordarei o tema do primeiro capítulo – a relação entre liberdade econômica e liberdade política – e, no próximo artigo, com o qual pretendo fechar essa série, o tema do segundo – que é o papel do governo numa sociedade livre.

Fiedman abre o capítulo negando que economia e política possam constituir territórios separados de investigação. Ele afirma: “A organização econômica desempenha um papel duplo na promoção de uma sociedade livre. De uma lado, a liberdade econômica é parte da liberdade entendida em sentido mais amplo e, portanto, um fim em si próprio. Em segundo lugar, a liberdade econômica é também um instrumento indispensável para a obtenção da liberdade política”.

Friedman insiste em adjetivar o capitalismo de “competitivo”, como se pudesse existir um outro tipo e como se houvesse, na prática, os modelos de concorrência perfeita. Talvez reflita um pouco o clima da época, de luta contra os monopólios, tradição nos EUA. Eu particularmente comungo com a tese de Alceu Garcia de que não cabe essa qualificação, vem que a realidade mostra que, nos micromercados, há sempre uma forma de monopólio de fatos para aquela cadeia produtiva e que monópolis, na ordem capitalista, não se mantêm sem haja apoio estatal.

O ponto essencial de Friedman, todavia, e com o qual estou inteiramente de acordo, é precisa haver a separação clara entre o poder econômico e o poder político. Isso é essencial e se não ocorrer na prática elimina-se a sociedade aberta, posto que se as pessoas não tiverem como obter os meios de sobrevivência pela via do mercado, independentemente do Estado, a condição de liberdade desaparece. Nas suas palavras:

“O tipo de organização econômica que promove diretamente a liberdade econômica, isto é, o capitalismo…, também promove a liberdade política porque separa o poder econômico do poder político e, desse modo, permite que um controle o outro”.

Friedman insiste que, do ponto de vista teórico, só há duas formas de coordenar as atividades econômicas de milhões de seres humanos. Ou pela cooperação voluntária via mercado ou pela coerção – o planejamento centralizado dos Estados socialistas autoritários (uma tautologia). Não há meio termo. E, está mais do que provado, a primeira alternativa é a única verdadeiramente racional, pois a par de obter a máxima eficiência econômica, é a única que pode conviver com a liberdade.

E vai mais longe, ao afirmar que “a ameaça fundamental à liberdade consiste no poder de coagir, esteja nas mãos de um monarca. De um ditador, de uma oligarquia, ou de uma maioria momentânea. A preservação da liberdade requer a maior eliminação possível de tal concentração de poder e a dispersão e distribuição de todo o poder que não puder ser eliminado”.

Esses são os pontos essenciais por ele abordados. Fica claro que a antípoda dessa proposta – o Estado intervencionista – é a materialização da opressão. As diferentes formas de socialismo são apenas a negação da liberdade, ou seja, a escravização dos indivíduos.

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

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Capitalismo e liberdade (I)

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