Leituras

A recessão e o mercado livreiro

Por José Nivaldo Cordeiro

29 de julho de 2002

A recessão chegou e ela deve durar muitos meses, na minha forma de ver, independentemente de quem venha a ser o próximo presidente da República. O ponto que quero colocar para discutir é como ela deverá impactar no mercado livreiro.

O que estamos vendo é uma reversão do processo que o Plano Real, ao ser instituído, criou, qual seja, a redistribuição de renda em favor dos mais pobres, em virtude do estancamento do processo inflacionário. Esse processo favoreceu fortemente os mercados que dependem das classes “D” e “E”, ou seja, os mais pobres. Os produtos básicos tiveram demanda crescente por conta desse fenômeno, mas não apenas. Pela primeira vez em décadas as classes pobres tiveram acesso a bens que antes não passavam de sonho, como os produtos eletro-eletrônicos.

A reversão desse processo, com a volta da inflação em patamares próximos aos dois dígitos, deverá afetar fortemente os mercados que abastecem as referidas classes de renda. A recessão, ainda que geral, estará muito concentrada aqui. As indústrias e as respectivas cadeias varejistas que exploram esse mercado estarão expostas a uma forte crise.

O mercado livreiro, todavia, nunca dependeu dessas classes. Seja porque a sua demanda de livros quase sempre é atendida diretamente pelo governo, na forma de distribuição de livros gratuitamente para o alunado da rede pública, seja porque nessas classes de renda é que se verifica uma concentração de baixa escolaridade, excluindo-as, por definição, da clientela do livro.

O mercado do livro sempre foi mais elitizado, voltado para as classes de maior escolaridade e de maior renda. Infelizmente, é assim. Por outro lado, de certa maneira o setor fica um pouco mais protegido dos efeitos da queda de renda que deverão se verificar nos próximos meses. Além disso, o livro tem valor unitário relativamente baixo e, dentro das opções de economia do consumidor que pode estar perdendo renda, não é o primeiro produto da lista a ser cortado. Certamente os bens mais caros são os que mais sofrerão.

Os mercados mais voltados para o público de baixa renda, ou que têm nesse público uma larga parcela de consumidores, como o gás de cozinha, não obstante serem bens de primeira necessidade, simplesmente não são mais comprados. O empobrecimento dessas classes significa lançar as pessoas diretamente na miséria, como antes do Plano Real. É como se tivéssemos voltado ao ponto de partida. Já os consumidores habituais do livro – os freqüentadores de livrarias – por terem renda mais elevada, podem manter relativamente o seu padrão de vida, não obstante a queda da renda corrente.

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

Que país é esse?

Por José Nivaldo Cordeiro

28 de julho de 2002

Somos, por temperamento, um povo afetivo, dominado pela imaginação e transbordante de sentimentos ardentes. Somos em geral extrovertidos, agitados, displicentes e volúveis, freqüentemente irresponsáveis e pouco inclinados ao pensamento frio, mas recorrendo constantemente à intuição… Nesse nosso tipo psicológico, ao qual repugna a introspecção e todo o confronto lógico consigo mesmo – a ‘função inferior’, isto é, o lado secretamente negativo e sombrio no inconsciente, é de certo modo relacionada com as funções racionais do intelecto”. Meira Penna.

Acabo de reler, agora com outros olhos, o livro do ilustre Embaixador Meira Penna “Em Berço Esplêndido” (Editora Topbooks, 1999), um catatau de quase seiscentas páginas que é, até onde eu sei, a única tentativa séria de sistematizar a história brasileira mediante o uso de métodos psicológicos, no caso os de origem junguiana. Como obra pioneira, tem os méritos do desbravador, abrindo caminho para os futuros pesquisadores. Ao fazer isso, buscou também mostrar as limitações históricas – que são na verdade limitações psicológicas – a determinar o atraso material da sociedade brasileira. O presente texto, caro leitor, é menos um resumo e uma crítica a essa obra do que a tentativa de pensar a nossa realidade inspirando-se nesse grande mestre que é Meira Penna.

É absolutamente certo que estamos nós, os brasileiros, diante dos dilemas existenciais que se movem na nossa alma coletiva e que são traduzidos, na instância política, pela fratura exposta decorrente da disputa que está em curso desde o último quartel do século XX. Há um permanente embate das Forças da Ordem contra as Forças da Desordem, em todos os níveis, seja psíquico, seja político, seja social, os dois últimos espelhando o primeiro. Essa disputa tem acumulado desequilíbrios e tensões que agravaram, de forma aguda, antigas tensões jamais resolvidas desde a origem, em 1500. O acúmulo dessas tensões tem explodido em episódicos surtos de violência, que têm florescido ao longo dos anos – na verdade, têm-se agravado com a exacerbação da violência urbana, no quase colapso da segurança pública. Os surtos episódicos, que se iniciaram com a violência política nos anos sessenta, transformaram-se na epidemia que hoje devora toda a sociedade brasileira.

A violência rural, de cunho político, hoje capitaneada pelo MST, só sublinha e agrava a sua irmã das cidades. A sombra mais abjeta de nossa psique coletiva está ativada pelos que lutam pela terra. Essa sombra desprezada, quando recebe energia, fica sedenta de sangue e é um perigo para normalidade psíquica e política da coletividade. Não pode ser desprezada e deve ser temida. E ela tem recebido doses contínuas de energia da intelectuária tupiniquim, que odeia a matriz cultural do Ocidente.

A violência, todavia, não é de hoje. O próprio ato de conquista e povoação foi violento e doloroso, tanto para os nativos quanto para o que chegavam. A escravidão aqui foi apenas o elemento que combinou extrema violência com o elemento civilizador. Não menos que os negros e os índios, os brancos pobres padeceram por primeiro, aqui, o seu degredo e o seu exílio. Tivemos um batismo de sangue.

As crises políticas não passam da expressão quebrada e parcial da crise maior que se move na psique coletiva, são a sua expressão empírica no curso histórico. A disputa política entre os atores sociais são a manifestações dos titãs da alma, a eterna luta entre os princípios do Bem e do Mal. São os arquétipos do inconsciente coletivo em sua face mais visível. Um psicólogo como Meira Penna percebeu e, como vimos no trecho em epígrafe, logo definiu o nosso tipo psicológico. Não casualmente o único e genuíno ditador de nossa história – Getúlio Vargas – foi a expressão acabada de nossa sombra coletiva, um tipo notavelmente racional e frio. O ator político é rotineiramente o receptáculo da projeção da sombra.

Olhar a realidade brasileira com um olho de psicólogo é algo verdadeiramente assustador. O que nos espera no futuro imediato pode ser nefando: as gerações passadas legaram uma maldição para as gerações futuras, na forma de desequilíbrios não resolvidos. O psicólogo sabe, todavia, que não adianta querer apressar o processo, vez que ele amadurecerá no tempo devido. Em 1930, por exemplo, tivemos uma inflexão histórica com a subida de Getúlio Vargas ao poder. Recebendo a projeção da sombra coletiva que viu na pessoa do ditador seu gancho perfeito – racional e frio – Getúlio serviu paradoxalmente de um anteparo para que a crise aguda vivida por todo o Ocidente tivesse seus efeitos aqui minimizados. Fascismo, nazismo e comunismo aqui duelaram mas não levaram a botija do poder e não ensangüentaram a terra como na Europa. O guardião da brasilidade driblou a todos e manteve o nosso Berço Esplêndido relativamente a salvo do fogo dos invernos em que o Mundo ardeu.

Perguntar “Que País é esse?” é mesmo que perguntar: “Quem somos nós?” Para responder a essas perguntas, temos que mergulhar nos mitos que deram origem ao nosso imaginário – à nossa alma – , daí o método psicológico ser o mais adequado, talvez o único capaz de responder aos quesitos. Para falar da alma só a Psicologia, como ensinava Jung, mas não podemos dispensar o concurso das outras ciências. Meira Penna se apóia fortemente na Sociologia e na Antropologia, especialmente na obra de Max Weber.

Um dos capítulos mais preciosos do livro é o resumo que ele faz do que chamou de “os três mitos da terra”: 1- A Visão do Paraíso; 2- O Inferno Verde; e 3- O Eldorado. É fantástica a descrição desses mitos pelo autor, a exuberante erudição com que narra a história do Brasil usando-os como fio condutor. Esses três mitos resumem, de uma maneira geral, os motivos que atraíram o conquistador europeu para nossas terras e, posteriormente, os habitantes do litoral em direção ao interior.

Meira Penna não critica os autores que, bem ou mal, abordaram esses mitos. Antes, ele toma o que está na literatura para mostrar e exemplificar os mitos que nos moldaram. Daí porque não lemos nenhuma palavra, por exemplo, sobre as simplificações de Sérgio Buarque de Holanda e a sua insuficiência analítica. Meira Penna está interessado no mito enquanto tal e não nas interpretações, melhores ou piores.

Para dissecar esses mitos, o autor faz um mergulho nos arquétipos do inconsciente coletivo, utilizando as categorias junguianas. Meira Penna ilustra, com magistral erudição, na literatura científica e de ficção, cada um dos arquétipos que identifica. Faz da identificação dos mitos o meio para singularizar o caráter nacional brasileiro, que ele classificou de sociedade erótica, no sentido carnal e telúrico da expressão. Afinal, somos a terra do Carnaval.

Não cabe aqui enumerar toda a exaustiva pesquisa dos arquétipos feita pelo Embaixador, devendo o interessado ir buscá-los diretamente na obra. Importa sublinhar na verdade que o autor deixou uma lacuna importante, ao não seguir em frente na sua argumentação em busca do mito unificador da psique coletiva, do nosso Si Mesmo. Meira Penna enumerou, um a um, os arquétipos mais periféricos da psique brasileira, mas aquele que dá a unidade – que é o mesmo de todo o Ocidente, ficou faltante. Refiro-me ao mito central do Cristianismo, a figura do próprio Cristo, que é o ponto central da alma coletiva brasileira, ainda que vivido de forma pouco ortodoxa, quando comparado com a tradição européia.

[Miguel de Unamuno dizia que o Cristo espanhol é moribundo, em agonia no limiar da morte. Como será o nosso? Tendo a pensar que está na nossa psique o Senhor morto e crucificado. Se nos debruçarmos sobre a religiosidade popular como, por exemplo, Antonio Conselheiro em Canudos e Tiradentes, veremos que essas personalidades são uma forma de projeção de Cristo. O sacrifício do Conselheiro era prefigurado desde o início da sua jornada, na medida em que o povo o via como o próprio Messias encarnado. Aqui importava o cadáver do herói sacrificado. Tiradentes não seria um mito político tão importante se não tivesse a associação do seu sacrifício com o de Cristo. A sua representação quase sempre mal disfarça a sua imagem como um Cristo substituto. A história do Padre Cícero de Juazeiro vai na mesma direção. O seu santuário sagrado de adoração dos fiéis é o seu túmulo e o morro onde está a sua estátua tem o sugestivo nome de Horto.]

Na verdade, todos que aportaram aqui estavam em busca de si mesmo, da sua unidade psíquica, que para nós está inapelavelmente associada à figura de Cristo.Vemos que mesmo os adeptos das religiões animistas e reencarnacionistas, de inspiração nitidamente oriental, não hesitam em se declarar cristãos, ainda que um cristão ortodoxo assim não os reconheça. E o florescer acelerado dos cultos pentecostais nos últimos anos mostra muito bem em que direção se move a alma coletiva brasileira, em busca de sua inteireza. A ânsia pela unidade gerou sobretudo a ânsia pelo Espírito Santo, algo bem adequado ao nosso tipo psicológico intuitivo, menos afeito ao frio da filosofia e mais tocado pela experiência direta da Divindade.

Essa ânsia pelo Espírito Santo é um movimento intuitivo de defesa da alma coletiva contra a sombra que ameaça a soletividade.

Como psicólogo e discípulo de Jung, Meira Penna sabe que o número três é um arquétipo incompleto, que oculta sempre um quarto fator, aquele que dá o equilíbrio da psique total. E o quarto mito não podia ser outro que não o próprio Cristo. Talvez a descoberta desse caráter erótico da brasilidade o tenha feito esquecer o outro lado, o lado cristão, que se lhe opõe, mas que de forma alguma deixa de existir e completar a alma coletiva. Ele é o eixo central da alma brasileira.

Da mesma forma, a conclusão política que ele retira do atraso brasileiro, fundada na análise de Weber sobre a ética protestante, como já tive ocasião de me manifestar anteriormente, é demasiado pobre para explicar o subdesenvolvimento nacional. Aliás, a obra de Weber lançou uma miríade de preconceitos sobre as sociedades de tradição católica, a partir de uma falsa compreensão do Cristianismo, como se a ética protestante pudesse ser superior à ética geral que vige desde a origem cristã e da qual o catolicismo tem sido o guardião.

Se olharmos bem, as sociedades protestantes foram as maiores responsáveis pelos grandes crimes e genocídios verificados no século XX e também pelo afrouxamento moral nunca antes visto na história das relações humanas em sociedades cristãs. A sua suposta ética superior gerou os meios para que os maiores crimes de todos os tempos contra a humanidade pudessem ser praticado.

Se somos uma sociedade erótica, e nisso Meira Penna tem razão, não há nada de mal nisso. O erotismo carnal é que permite afinal a procriação e a perpetuação da existência. O próprio Meira Penna ressalta a notável taxa de natalidade nacional, que permitiu a ocupação do território. O Ocidente nórdico, acima do Equador, ao contrário, produziu a mais profunda negação dos valores cristãos, na forma de negação da vida (aborto sistemático e premeditado, com suporte ideológico e justificativa “científica”), do envenenamento das relações entre os sexos (feminismo), do hedonismo mais execrável (drogas e sexo livre) de que se tem notícia, do homossexualismo como forma de vida (um retorno aos tempos Romanos) e das formas políticas mais genocidas da história (comunismo e nazismo).

O nosso senhor de engenho, o nosso malandro, a mulata e outros tipos populares têm uma sexualidade saudável, ainda que fora dos cânones cristãos em alguma medida. O que se viu no Hemisfério Norte, todavia, foi a explosão do sexo doentio, a exaltação da homossexualidade, e, mais recentemente, a politização do sexo no limite da sua deserotização, o que equivale a matá-lo, o oposto da santidade que Deus lhe deu, segundo a tradição cristã.

A cenas filmadas por Kubrick no seu “Eyes Wide Shut” são a máxima estilização da degenerescência do Cristianismo que se verificou no Ocidente protestante. Nesse ponto, o grande cineasta foi um cronista dos tempos.

Sempre me impressiona como os nossos autores não enxergam esses defeitos óbvios na transposição diretas dos preconceitos germânicos e anglo-saxões para o Brasil, servindo de espelho distorcido para a nossa própria imagem. Weber estava errado no geral e a sua adaptação para a interpretação da nossa realidade é também um erro. O Brasil independente já nasce como Império, um eco longínquo do Império Romano, a negação dos fundamentos para que se verifique o progresso material, o qual, vimos, não corresponde necessariamente ao progresso de uma vida psíquica mais saudável e mais desejável, se não for acompanhada de uma autoconsciência desenvolvida. A liberdade de empreender ainda está para ser instituída no Brasil.

Se a nossa história política não registra grandes feitos épicos e nem grande crimes, em boa parte se deve a isso: durante muito tempo ficou imune à corrupção materialista da alma que se verificou no mundo protestante. É sempre útil não esquecer que o próprio protestantismo é uma expressão gnóstica, uma forma de rebelião contra Deus. Não somos imperialistas conquistadores, talvez porque nos falte o elã protestante, o que nunca faltou aos países europeus anglo-saxisônicos e aos EUA.

O que assusta é que a mesma degenerescência verificada naqueles países agora está batendo com força à nossa porta, com todos os ismos citados fortalecidos pelo seu passado de crimes penetrando na alma brasileira e se transformando em movimento políticos poderosos. São os agentes ativos de todos os nossos conflitos. Suas bandeiras hoje arregimentam multidões por aqui e estão às vésperas de tomar o poder de Estado. É essa a nossa tragédia, que mesmo sem o Brasil ter coletado os frutos da modernidade em sua plenitude, poderemos ter que pagar pelos seus pecados tanto quanto a Europa e os EUA já o fizeram. É esse o meu medo, que a mesma explosão de violência que vimos ao longo do século XX no Ocidente, possa ter vindo agora bater à nossa porta.

E, pior, não há nenhuma personalidade referencial como tivemos na primeira metade do século XX, o sombrio ditador que, como Mefistófeles no poema de Goethe, era aquele que procurou fazer o mal e acabou por fazer o bem, ao livrar o país dos vírus políticos alienígenas. A sombra cresceu demais, espalhou-se demais e ganhou força demais para ser dominada de uma maneira indolor. É como se vivêssemos um paralelo com a Alemanha dos anos trinta e com a Rússia pré-revolução.

É preciso ler Meira Penna para tentar compreender o que nos desafia, o nosso enigma. Suspeito que responder às perguntas acima seja também vislumbrar o nosso futuro, o que pode ser algo desagradável. Mas ninguém escapa àquilo que é a sua essência e nisso há algum consolo.

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

Considerações sobre o Quarto Poder

Por Maria Lúcia Victor Barbosa

27 de julho de 2002

Quando A deseja provocar determinado comportamento em B sem manifestá-lo explicitamente, e B obedece sem se dar conta de que está se comportando exatamente como A deseja, estabelece-se o que se chama de manipulação. Como elemento do poder, a manipulação é uma das mais insidiosas forma de domínio, pois prescinde de qualquer legitimação ou argumentação e não tem face, sendo instrumento de controle capaz de obter a obediência incondicional, inclusive, de grande parte da sociedade.

A manipulação difere da persuasão, porque neste tipo de controle é utilizado um arsenal de argumentos como técnica de convencimento, ainda que possam ser na sua maioria ilusórios.

As eleições, se bem observadas, são como palcos de persuasivos candidatos convertidos em prestidigitadores que prometem benefícios tais, que se postos em prática converteriam a terra em paraíso.

Convém aqui relembrar que os meios de comunicação, notadamente a televisão, constituem-se em poderosos instrumentos de manipulação e de persuasão, sendo na atualidade os maiores formadores não só de opinião como de comportamentos, hábitos e atitudes. A partir daí, infere-se que a mídia colabora como nenhum outro tipo de controle social para o processo de massificação da sociedade. O resultado é que temos cada vez mais uma sociedade de massas e menos uma sociedade de públicos seletos e capazes de opinião própria.

Este fenômeno pode explicar a força do Quarto Poder, ou seja da mídia, cuja força política repousa no fato de que é capaz de dar “vida” ou “morte” aos políticos. Mesmo porque, é esse Poder que faculta ao político o espaço público sem o qual ele não existiria perante aos eleitores ou, uma vez eleito, diante dos governados.

Forma-se desse modo uma situação em que, sendo refém do Quarto Poder, o homem público tem ao mesmo tempo como meta dominá-lo, para fazer dele o instrumento privilegiado de suas ambições. Os que conseguem concessões de rádios e televisões ou propriedade de jornais, têm em mãos imensas vantagens. Os que não chegam a obter tanto, especialmente em campanha, valem-se da imagem cuidadosamente trabalhada pelo marketing, da oratória que procura convencer através da crítica veemente ou de promessas impossíveis de serem cumpridas mas agradáveis de se ouvir. Quanto aos que governaram ou governam, sempre tiveram com relação ao Quarto Poder a coabitação capaz de lhes possibilitar a extensão possível do seu domínio.

Sem esquecer o rádio, lembremos que Hitler, por exemplo, usou e abusou desse “medium quente”. Em Mein Kampf ele escreveu: “Toda campanha deve determinar seu nível intelectual de acordo com a compreensão do mais limitado dos indivíduos”. Dos governantes franceses, De Gaulle foi o que mais se notabilizou no uso do microfone, pois o sabia fazer com inigualável carisma. Nos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt foi um dos que mais soube usar o rádio como arma política.

Por isso se anda dizendo tanto que as eleições de 6 de outubro ainda não estão definidas, pois se aposta no programa eleitoral que começa em agosto. Naturalmente, continuarão a ter as honras de superstar os candidatos à presidência da República. O resto será coadjuvante.

Com relação aos presidenciáveis, que se esmeram em persuadir e manipular, note-se que todos gostam de ostentar que são de centro-esquerda (ou seriam centro-avantes?); há neles um falso ufanismo que os faz dispensar através da retórica populista o capital externo, como se o país fosse uma ilha e pudéssemos viver sem este recurso; e todos prometem mudar desde que façam o que atual governo faz ou que a oposição – sobretudo o PT – não deixou fazer.

No festival de persuasão e manipulação em que vai se convertendo cada vez mais a campanha, o Quarto Poder usa e é usado, e poucos eleitores saberão distinguir a mentira da verdade. Como escreveu o jornalista L.H. Mencken, “a verdade é uma mercadoria que as massas não podem ser induzidas a comprar”. Ele explica que assim o é, porque “as idéias que entopem a cabeça do cidadão normal são formuladas por um mero processo de emoção”. Sintetizo o pensamento de Mencken, dizendo que faltam-nos públicos esclarecidos e racionais. Mas para ser justa, preciso mencionar que também nos faltam bons candidatos.

Assim encerro sem saber se um dia nos livraremos da síndrome latino-americana, cujos sinais mais evidentes são o estatismo, o populismo, o nacionalismo xenófobo, o paternalismo que mantém os pobres sempre pobres e esse vezo esquerdista que me faz lembrar o saudoso Roberto Campos. Ele dizia que no Brasil se é socialista como pessoa física e capitalista como pessoa jurídica. Em todo caso, pelo socialismo tupiniquim assumido pelos candidatos à presidência da República, qualquer um deles que vença ainda vai fazer muita besteira.

Ah, meu Brasil, tão rico e ao mesmo tempo tão pobre, quando o gigante adormecido se levantará do berço esplêndido?

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, escritora e professora universitária.

mlucia@sercomtel.com.br

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