Leituras

Um dia de inverno

Por José Nivaldo Cordeiro

25 de julho de 2002

Hoje em São Paulo faz um dia lindo de Sol. Parece uma primavera antecipada. Seria um dia fantástico se não fossem as más notícias: 1- Armínio Fraga diz que talvez seja necessário fazer um novo acordo com o FMI. O que se pode entender da mensagem é que os recursos previstos na forma de capitais de risco a aportar devem estar sendo frustrados. Deus nos acuda! 2- O dólar passou a barreira do R$ 3,00. Ave Maria! 3- FHC tornou pública a sua preferência por Lula e a sua previsão do fracasso do Serra. Esperado; 4- O Banco Central admitiu que a meta de inflação vai estourar. Minha própria estimativa é de que chegaremos em dezembro já na casa dos dois dígitos.

Sol não é tudo, como se vê. O ponto é que a partir de agora as más notícias deverão ser multiplicadas. Os torniquetes que o governo tinha colocado para chegar até o período eleitoral estão perdendo efeito.

Na verdade, o agravamento do quadro econômico tem como única novidade que os votos da situação não estão reforçando o Lula Lá. Parece estar acontecendo um fenômeno novo, pois até votos cativos do candidato do PT parecem estar migrando para a candidatura Ciro Gomes. Com eles, legiões de cabos eleitorais e chefes políticos que, por falta de melhor alternativa, haviam desembarcado na candidatura Serra. A última que eu soube foi o grupo do deputado Paulo Octávio, do PFL de Brasília. Se esse processo continuar, a candidatura Serra murcha antes mesmo do início do período da propaganda eleitoral gratuita.

Propaganda eleitoral sem apoio dos puxadores de voto de pouco serve.

Em São Paulo, consolida-se dia a dia a candidatura de Paulo Maluf. A minha própria intuição é que o ressurgir do malufismo está diretamente associado ao fracasso da proposta social-democrata na área de segurança pública. Mais do que o sentimento de insegurança está pegando a raiva das pessoas pela impunidade dos malfeitores e o descaso das autoridades na matéria. Gostemos ou não, Maluf sempre ligou o seu nome ao combate sem tréguas à delinqüência. Não é mais o medo, mas a raiva que está direcionando a preferência do eleitorado, que passou a buscar um xerife.

Se for confirmada a queda dos ingressos de recursos estrangeiros, podemos ter uma moratória técnica do Brasil ainda antes das eleições. Aí todos os demônios da caixa de Pandora, ajudados pelos quatro cavaleiros do Apocalipse, estarão realizando a sua obra maligna. FHC corre o risco de entregar o País em situação ainda pior do que aquela em que recebeu, há oito anos atrás.

A vítima de tudo isso será todo o povo, especialmente os mais pobres. Está mais do que provado que, fora do receituário liberal, a condução dos negócios públicos sempre desemboca em crises periódicas. Viveremos mais uma e essa vai ser de arrasar, talvez a maior de todos os tempos.

Ainda bem que o dia de hoje tem um Sol primaveril.

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

Debatendo o liberalismo clássico

Por Alceu Garcia

24 de julho de 2002

Quem mora no Rio de Janeiro e adjacências e se interessa por filosofia, história, política e economia não pode perder as palestras sobre o liberalismo clássico promovidas pelo Instituto Liberal, na Universidade Cândido Mendes, Rua da Assembléia, 10/1105 (tel. 2531-3911). As conferências acontecem às terças-feiras, 18:30 hs, tendo por tema o pensamento de grandes autores como Locke, Hume, Kant, Bentham e Adam Smith, e são seguidas por estimulantes debates abertos ao público. Entre os palestrantes há estudiosos de renome nacional, como Ricardo Vélez, Ubiratan Iorio e muitos outros. Mesmo quem não simpatiza com o liberalismo tem muito o que aprender no evento, inclusive expondo livremente suas críticas, se assim o desejar.

O ciclo atual já teve três palestras. Infelizmente não pude comparecer à primeira delas, pronunciada pelo Professor Og Leme, sobre os fundamentos do liberalismo. Para minha sorte, contudo, já tive a oportunidade de assistir a uma conferência do Professor Og em um ciclo anterior. Conversar com ele é até engraçado, pois os grandes autores como Mises, Knight, Hayek, Rothbard e Friedman, que para mim são clássicos tão inacessíveis quanto Adam Smith ou Frédéric Bastiat, ele os recorda como seus professores (estudou economia na Universidade de Chicago) e amigos pessoais.

As duas palestras seguintes versaram respectivamente sobre as raízes do liberalismo clássico e sobre Thomas Hobbes. O conferencista foi o Professor Alex Catharino de Souza., que, com sua esposa Márcia Xavier de Brito e André Andrade organizam o ciclo já há vários anos. São verdadeiros agitadores liberais esses três mosqueteiros. Jovens, simpáticos e muito cultos, eles estão sempre planejando e empreendendo projetos como cursos, palestras, traduções, publicações e muito mais. Não sei como arranjam tempo e energia para fazer tanta coisa ao mesmo tempo.

A palestra sobre o autor do famoso Leviathan, livro mais citado do que lido, foi soberba. Alex Catharino traçou um belo painel da vida e obra do pensador inglês, contextualizando seus escritos, relatando o estado da questão na ciência política da época, seus interlocutores e adversários intelectuais, quem o influenciou, sua metodologia, seus melhores intérpretes (Voegelin, Oakeshott). Uma aula completa. Eu saí de lá ansioso por tirar o meu exemplar do Leviathan da prateleira empoeirada onde ele descansa há anos. Alguns podem estranhar que Hobbes seja situado entre as fontes do liberalismo, pois ele é visto por muito apenas como um teórico do absolutismo e até um apologista do Estado. Alex refuta essa visão superficial do filósofo, lembrando que ele defendia a monarquia e o Estado como um meio de garantir o exercício das liberdades individuais, e com a condição de que o poder político fosse legítimo, ou seja, repousasse sobre o consentimento dos súditos. Nada contra a democracia ou a aristocracia em tese, desde que legítimas. Hobbes, porém, desconfiava da democracia, regime de governo tendente à corrupção e à demagogia. Olhando à nossa volta, como censurá-lo por isso? Mas Hobbes é o primeiro a reconhecer que um governo ilegítimo deve ser derrubado pelo povo. Lembra o Prof. Alex ademais que o famoso “estado da natureza” hobbesiano, a luta implacável de todos contra todos, era apenas um “começo epistemológico”, uma construção mental ou um modelo, diriam os economistas, não o relato de um período histórico.

O filósofo britânico viveu numa época de revoluções e guerras civis. A violência o marcou profundamente e da perplexidade diante dela ele construiu o seu sistema. Pessimista, para ele o Estado era mesmo um mal inexoravelmente necessário. Mas, atenção: Estado mínimo, na terminologia atual. A função do governo é a de prover segurança e nada mais. Hobbes rompe com a tradição filosófica no campo da moral desde Aristóteles, pois, ao invés de enfatizar o Bem, ele se preocupa antes com a liberdade negativa, cristalizada na “regra de ouro”: Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a ti. Por isso e pela concepção ontológica e epistemológica individualista, fica evidente a influência que Hobbes exerceu sobre Locke, o grande teórico dos Direitos Naturais.

O debate que se seguiu contou com a participação do eminente filósofo Mario Guerreiro, que traçou um sombrio paralelo entre a época conturbada de Hobbes e o nosso próprio tempo, marcado pela falência do Estado brasileiro em prover um mínimo de segurança para a população. Guerreiro manifestou grave preocupação com o momento atual, lembrando a contemporaneidade de Hobbes numa ocasião em que a ordem e a autoridade estão em dissolução no Brasil. O que esperar de um governo que sequer garante a integridade física dos cidadãos? Nada, de modo que todas as propostas edificantes dos candidatos às próximas eleições de nada valem. Na sequência, a interessante discussão pegou fogo quando um assistente objetou corretamente que também o excesso de ordem e autoridade estatais, como na União Soviética de Stalin, pode ser profundamente caótico e infrutífero. O mesmo se pode dizer do Brasil e suas milhares de leis contraditórias e prolixas que não são obedecidas e não “pegam”. O Professor Alex então invocou o conceito hayekiano de “ordem espontânea” para frisar que nem toda ordem é compatível com uma sociedade justa e saudável, mas somente aquela em que o Estado provê as condições para que os direitos individuais à vida, à liberdade e à propriedade possam ser exercidos livremente. Postas essas condições, os rumos que a evolução social toma não podem ser previstos nem pré-determinados. Nada mais se pode pedir do governo. Hobbes com certeza aprovaria essa conclusão.

De qualquer maneira, a admissão hobbesiana da necessidade de um governo não anula a inquietação e as incisivas investigações sobre a natureza do Estado levadas a cabo por anarcoliberais como Murray Rothbard (Anatomy of the State, por exemplo). O impulso de dominar e espoliar é inato ao homem e o Estado é o veículo perfeito e consumado para o exercício da violência, da dominação e da espoliação. Até mesmo no contexto estatal é concebível um estado da natureza de Hobbes, a luta de todos contra todos pelas posições mais vantajosas no saque generalizado e sistematizado que o “Estado do Bem-Estar” se torna, fenômeno aliás presenciado e relatado magistralmente por Frédéric Bastiat já no século 19. Rothbard gostava de citar um adágio de Proudhon: A liberdade é a mãe, não a filha, da ordem. Nada mais correto. Sem a liberdade dos direitos naturais e ordem é inútil. É uma desordem disfarçada e de curta duração.

Idéias de Jerico

Por José Nivaldo Cordeiro

24 de julho de 2002

Qualquer governante sério que assuma o poder no Brasil terá que tomar – TERÁ que tomar, repito – duas decisões que se impõem: congelar o salário mínimo e a remuneração dos servidores públicos por tempo indeterminado e aumentar o superávit fiscal, o que significa, na prática, reduzir a ação do Estado, eliminando programas sociais e evitando criar novos. Será a única maneira de ganhar tempo para escolher as opções para administrar o rombo da Previdência Social e não deixar a dívida pública sair do controle.

Os jornais de hoje dão destaque a alguns temas da proposta econômica do PT – a sua enésima versão divulgada ontem ao público supostamente light – à qual ainda não tiver acesso, dizendo que supostamente ela teria sido desideologizada. Algumas delas: redução da jornada de trabalho, ampliação do seguro-desemprego e o aumento da multa por rescisão no contrato de trabalho. Ora, implantar essas medidas será a decretação da falência do Estado e da desordem econômica no Brasil. Só alguém que misture em seus propósitos mendacidade e burrice para expor idéias dessa natureza. É tentar apagar incêndio com gasolina.

Aumento de salário mínimo de 20% a.a. (a outra taxa que seja, ainda que menor) fará com que a déficit da Previdência Social fique incontrolável, vez que ela concentra um enorme contingente de pessoas que recebem nessa faixa. O mesmo pode ser dito dos gastos com pessoal das esferas de governos mais pobres, os estados e municípios.

A idéia de ampliar o seguro-desemprego se choca com a necessidade de gerar superávit primário, isso numa conjuntura em que a arrecadação está caindo de forma rápida. Simplesmente será impossível custear novos benefícios dessa natureza. Não passa de uma idéia asinina, impraticável, de quem não tem qualquer limite para pregar mendacidades eleitoreiras.

A redução da jornada de trabalho, além de demente, pois colocaria as empresas diante de um custo adicional que não teriam como repassar ao mercado e, portanto, significaria desemprego instantâneo, prejudicaria os trabalhadores, os supostos beneficiados. A economia informal tenderia a substituir a economia formal, prejudicando adicionalmente a Previdência Social.

Aumentar a multa na rescisão do contrato de trabalho vai na mesma direção. Esse conjunto de medidas, se implantado, jogaria a economia em depressão no espaço de tempo não superior a três meses. Sandice pura.

E a promessa de fazer crescer o PIB a 5% a.a. é piada de mau gosto. Como? Não tem como, se não for resolvido antes o estrangulamento externo, que não tem nem solução fácil e nem de curto prazo. É um delírio demagógico de cunho eleitoreiro.

Se, caro leitor, você é um possível eleitor de Lula Lá e leu essa patacoada nos jornais, pense bem no que vai fazer. O PT tem nas suas propostas uma mistura explosiva de loucura, irrealismo e irresponsabilidade. Eleições não são apenas eleições, é todo o nosso porvir que estará sendo definido. Pense bem.

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

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