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A glória de Obama

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 4 de julho de 2011

Exatamente como os pomposos negadores da existência do Foro de São Paulo acabaram se revelando uns pobres coitados, indignos de seus salários e de qualquer atenção pública, o mesmo destino aguarda, inelutavelmente, aqueles que hoje se recusam a enxergar a grotesca fraude documental com que um candidato inelegível usurpou a presidência dos EUA.

Pouca diferença há, nesse particular, entre quem faça piada dos birthers, fingindo uma certeza que não tem, e quem prefira a incerteza das meias-palavras, como se fugir à escolha entre a verdade e a mentira fosse prova de meritória imparcialidade.

Ocupando espaço na mídia ou pontificando do alto das cátedras, ambos esses tipos são fanfarrões desprezíveis, sem entendimento nem cultura, vivendo somente de poses e trejeitos, sem a mais mínima condição de compreender a matéria que são pagos para comentar e ensinar.

Não posso dizer o mesmo daqueles que, nos EUA, encobrem propositadamente os fatos, pois esses têm interesse político ou financeiro na manutenção do engodo. Mas seus imitadores brasileiros nada ganham com a mentira exceto a proteção temporária contra um ou outro risinho malicioso, sem suspeitar que este recairá sobre eles mais tarde, inflado em gargalhadas sarcásticas, quando a palhaçada a que serviram com abjeta e gratuita solicitude estourar no ar como uma bolha de sabão.

Nunca a diferença entre quem busca a verdade e quem se acomoda às verossimilhanças convenientes foi tão patente quanto neste caso.

Se a resistência dos fingidores é vasta, maciça, obstinada e cínica como jamais se viu, as provas contra Obama, por seu lado, são certas e irrefutáveis. A certidão de nascimento que ele mandou publicar, alardeando que com isso tapava a boca de seus acusadores, é falsa como uma nota de 32 dólares. Não tapou boca nenhuma. Ao contrário, deixou boquiabertos dezenas de técnicos que a examinaram, incrédulos ante a grosseria da forjicação, tosca como cola em prova escolar.

Pior: mesmo que conseguisse impingi-la como autêntica a uma platéia de sonsos, Obama estaria depondo contra si mesmo, ao confessar-se filho de um estrangeiro após ter aprovado a decisão unânime do Senado segundo a qual um candidato presidencial, para ser elegível, tem de ser filho de pai e mãe nascidos nos EUA.

Contra o poder do óbvio, Obama tem apelado às forças de uma popularidade declinante e à lealdade de uma tropa-de-choque que vai esgotando rapidamente seu arsenal de desconversas e histrionismos.

Mas há um elemento extra em favor dele. Embora a Constituição dos EUA seja clara em reservar a presidência aos “natural born citizen”, o fato é que nunca se criou nenhum mecanismo legal ou administrativo para verificar se um candidato cumpre ou não esse requisito. Não se criou porque não pareceu necessário. A Constituição americana, como dizia John Adams, foi feita só para homens dotados de séria consciência moral e religiosa, e não pode funcionar para outro tipo de pessoas. Os Founding Fathers simplesmente não podiam prever que algum dia um filho de estrangeiro seria cara-de-pau o bastante para se apresentar como candidato presidencial fingindo ignorar que é inelegível e apostando na possibilidade de que ninguém percebesse esse detalhe. Muito menos poderiam conceber que esse personagem teria o cinismo de usar documentos forjados e encomentar a um hábil ghost writer toda uma autobiografia fictícia para posar, ao mesmo tempo, de vítima do sistema, de alma santa e de grande escritor. Foi nessa brecha que Barack Hussein Obama introduziu sua irrisória pessoinha, aproveitando-se também da chantagem psicológica que carimbava como racista quem quer que se recusasse a votar num candidato nominalmente “negro” (ainda que biologicamente tão branco quanto negro). Se não foi o maior blefe da história humana, foi pelo menos o maior da história eleitoral americana.

Como todo blefe, esse depende da inibição de suas vítimas em denunciá-lo. Aí o medo de ser chamado de racista concorre, em poder paralisante, com a vergonha de reconhecer-se otário e o temor de admitir a vulnerabilidade do sistema político americano ante a investida de um simples vigarista audacioso.

O que não se sabe, o que somente o tempo dirá, é se o truque foi montado no intuito de manter a população no engano até o fim do mandato presidencial, conservando no cargo um inimigo ali posto com a finalidade consciente de demolir o poder nacional, ou se ao contrário foi concebido precisamente para ser denunciado a meio-caminho, lançando o país numa crise constitucional em pleno tempo de guerra. Provavelmente ambas as alternativas foram pensadas – e, se é para danar os EUA, qualquer das duas serve igualmente bem.

Mas, a esta altura, os fatos já não podem ser negados. Quanto mais o homem se remexe, mais se enrosca na rede de provas que o acusam. Judicialmente, não tem escapatória. Mais dia, menos dia, sua única saída será provavelmente a renúncia, seguida de uma longa viagem pelo Quênia, onde merecerá ser recebido como um herói popular: o bandidinho chinfrim que, com uma lorota boba, ludibriou e expôs ao ridículo o Estado mais poderoso do planeta. Bem medidas as proporções, é feito mais notável, pela originalidade e audácia, do que qualquer vitória eleitoral legítima. Se houvesse um Prêmio Nobel de Caradurismo, Obama levaria os de 2008, 2009, 2010 e 2011, todos de uma vez. Essa glória ninguém lhe tira.

Fingindo loucamente

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de junho de 2011

Mesmo sem contar os eventos paralelos que a acompanharam em dezenas ou centenas de cidades menores, a Marcha para Jesus 2011, em São Paulo, foi de longe a maior manifestação de massas já registrada ao longo de toda a História nacional, pondo no chinelo a “Diretas Já”, os protestos estudantis do tempo da ditadura e tudo o mais que a mídia chique enaltece e badala como expressão histórica e paradigmática da vontade popular. Com a diferença adicional de que foi preparada sem nenhuma ajuda de jornais, canais de TV, partidos políticos, fundações bilionárias e outras entidades que injetaram toneladas de hormônio publicitário naquelas efusões de esquerdismo cívico.

Com toda a evidência, a elite opinante tem seu próprio “povo brasileiro”, moldado à sua imagem e conveniência, que não coincide em nada com aquele que vemos nas ruas, nas praças, nas igrejas e nas casas.

Se fosse preciso mais uma prova do abismo que separa o Brasil real do Brasil politicamente correto dos bem-pensantes, a Marcha demonstrou que esse abismo não foi cavado só pela ignorância e incompetência dos chamados “formadores de opinião”, mas pelo ódio mortal e intolerante que votam a tudo quanto o povo ama, respeita e venera.

O Brasil oficial de hoje é, de alto a baixo, criação de um grupo de professores ativistas uspianos, semicultos e presunçosos, que se acreditavam o cume da inteligência humana e o tribunal de última instância para o julgamento de tudo. Num horizonte mental circunscrito pelas “ciências sociais” com viés entre marxista e positivista, não se ouvia nesse tribunal nem a voz dos clássicos da religião e da espiritualidade, nem a da alma popular brasileira, ali substituída pelo estereótipo prêt-à-porter da militância sindical.

Os profissionais que hoje dominam as redações tiveram sua mentalidade formada por essa gente, não sendo de espantar que ainda tomem os mitos esquerdistas dos anos 60-70 como medida máxima de aferição da realidade, nem que, por isso mesmo, se sintam atônitos e enraivecidos quando um Brasil cuja existência negavam faz ouvir o seu protesto contra aquilo que tomavam como valores certos, definitivos e universalmente aprovados.

Nem espanta que, sem saber o que dizer, apelem aos artifícios verbais mais bobos para salvar o que podem de uma fantasia autolisonjeira impiedosamente despedaçada pelos fatos. Num paroxismo de fingimento, o Sr. Gilberto Dimenstein, por exemplo, nega a realidade do protesto multitudinário, jurando, contra os números, que a cidade de São Paulo é ainda “mais gay do que evangélica”. Prova? A Parada Gay, diz ele, é alegre e festiva, enquanto o protesto evangélico é “raivoso”. O argumento é doido em si, já que o tom emocional das manifestações não constitui medida de aferição de sua respectiva popularidade ou impopularidade. Se assim fosse, as “Diretas Já”, espumando de indignação cívica, teriam sido menos populares que qualquer festinha de aniversário. Mas o julgamento ético aí subentendido é de um cinismo pérfido, ao insinuar que a índole lúdico-carnavalesca das paradas gays é prova de superioridade moral e o protesto indignado dos evangélicos um indício de maus instintos. De um lado, é claro que julgamento similar jamais ocorreu ou ocorreria a Dimenstein ante explosões de ódio esquerdista ao capitalismo, à religião, a George W. Bush ou ao que quer que fosse. De outro, é preciso ter galgado os últimos degraus da hipocrisia para olhar só a expressão material dos sentimentos sem ter em conta os motivos que os geraram. Afinal, gays em parada saltitam pela cidade, cobertos de batom e rouge, vestidos de freiras ou trajes de sex shop, celebrando os favores estatais concedidos à sua modalidade especial de satisfação sexual. Quem não estouraria de felicidade triunfante ao ver seus caprichos eróticos elevados à condição de méritos oficiais? Bem diversa é a motivação dos evangélicos, que saíram às ruas para precaver-se contra autoridades insanas que ameaçam levá-los à cadeia por delito de opinião. Deveriam fazê-lo em tom de festa, para não posar de malvados na coluna de Gilberto Dimenstein? Ele finge imaginar que sim. Mas quem acredita em Gilberto Dimenstein? Nem ele mesmo, é claro.

Publicado com o título “Renegando a real vontade popular”

Princípios de uma política conservadora

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 27 de junho de 2011

Estes princípios não são regras a ser seguidas na política prática. São um conjunto de critérios de reconhecimento para você distinguir, quando ouve um político, se está diante de um conservador, de um revolucionário ou de um “liberal”, no sentido brasileiro do termo hoje em dia (que é uma indecisa mistura dos dois anteriores).

1. Ninguém é dono do futuro. “O futuro pertence a nós” é um verso do hino da Juventude Hitlerista. É a essência da mentalidade revolucionária. Um conservador fala em nome da experiência passada acumulada no presente. O revolucionário fala em nome de um futuro hipotético cuja autoridade de tribunal de última instância ele acredita representar no presente, mesmo quando nada sabe desse futuro e não consegue descrevê-lo senão por meio de louvores genéricos a algo que ele não tem a menor idéia do que seja. Quando o ex-presidente Lula dizia “Não sabemos qual tipo de socialismo queremos”, ele presumia saber (1) que o socialismo é o futuro brilhante e inevitável da História, quando a experiência nos mostra que é na verdade um passado sangrento com um legado de mais de cem milhões de mortos; (2) que ele e seus cúmplices têm o direito de nos conduzir a uma repetição dessa experiência, sem outra garantia de que ela será menos mortífera do que a anterior exceto a promessa verbal saída da boca de alguém que, ao mesmo tempo, confessa não saber para onde nos leva. A mentalidade revolucionária é uma mistura de presunção psicótica e irresponsabilidade criminosa.

2. Cada geração tem o direito de escolher o que lhe convém. Isto implica que nenhuma geração tem o direito de comprometer as subseqüentes em escolhas drásticas cujos efeitos quase certamente maléficos não poderão ser revertidos jamais ou só poderão sê-lo mediante o sacrifício de muitas gerações. O povo tem, por definição, o direito de experimentar e de aprender com a experiência, mas, por isso mesmo, não tem o direito de usar seus filhos e netos como cobaias de experiências temerárias.

3. Nenhum governo tem o direito de fazer algo que o governo seguinte não possa desfazer. É um corolário incontornável do princípio anterior. As eleições periódicas não fariam o menor sentido se cada governo eleito não tivesse o direito e a possibilidade de corrigir os erros dos governos anteriores. A democracia é, portanto, essencialmente hostil a qualquer projeto de mudança profunda e irreversível da ordem social, por pior que esta seja em determinado momento. Nenhuma ordem social gerada pelo decurso dos séculos é tão ruim quanto uma nova ordem imposta por uma elite iluminada que se crê, sem razão, detentora do único futuro desejável. No curso dos três últimos séculos não houve um só experimento revolucionário que não resultasse em destruição, morticínio, guerras e miséria generalizada. Não se vê como os experimentos futuros possam ser diferentes.

4. Nenhuma proposta revolucionária é digna de ser debatida como alternativa respeitável num quadro político democrático. A revogabilidade das medidas de governo é um princípio incontornável da democracia, e toda proposta revolucionária, por definição, nega esse princípio pela base. É impossível colocar em prática qualquer proposta revolucionária sem a concentração do poder e sem a exclusão, ostensiva ou camuflada, de toda proposta alternativa. Não se pode discutir alternativas com base na proibição de alternativas.

5. A democracia é o oposto da política revolucionária. A democracia é o governo das tentativas experimentais, sempre revogáveis e de curto prazo. A proposta revolucionária é necessariamente irreversível e de longo prazo. A rigor, toda proposta revolucionária visa a transformar, não somente uma sociedade em particular, mas a Terra inteira e a própria natureza humana. É impossível discutir democraticamente com alguém que não respeita sequer a natureza do interlocutor, vendo nela somente a matéria provisória da humanidade futura. É estúpido acreditar que comunistas, socialistas, fascistas, eurasianos e tutti quanti possam integrar-se pacificamente na convivência democrática com facções políticas infinitamente menos ambiciosas. Será sempre a convivência democrática do lobo com o cordeiro.

6. A total erradicação da mentalidade revolucionária é a condição essencial para a sobrevivência da liberdade no mundo. A mentalidade revolucionária não é um traço permanente da natureza humana. Teve uma origem histórica – por volta do século XVIII – e terá quase certamente um fim. O período do seu apogeu, o século XX, foi o mais violento, o mais homicida de toda a História humana, superando, em número de vítimas inocentes, todas as guerras, epidemias, terremotos e catástrofes naturais de toda ordem observadas desde o início dos tempos. Não há exagero nenhum em dizer que a mentalidade revolucionária é o maior flagelo que já se abateu sobre a humanidade. É uma questão de números e não de opinião. Recusar-se a enxergar isso é ser um monstro de insensibilidade. Toda política que não se volte à completa erradicação da mentalidade revolucionária, da maneira mais candente e explícita possível, é uma desconversa criminosa e inaceitável, por mais que adorne sua omissão com belos pretextos democráticos, libertários, religiosos, moralísticos, igualitários, etc.

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