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Três pistas falsas

Olavo de Carvalho

Época, 29 de setembro de 2001

Elas ajudam você a não entender nada dos atentados terroristas

Decorridas duas semanas dos atentados, todos os erros de avaliação mais óbvios e previsíveis, em que uma inteligência medianamente alerta se envergonharia de incorrer, já foram cometidos, com a tranqüilidade dos inconscientes, pelos sábios de plantão que opinam sobre o assunto. Anoto aqui três deles – e seus respectivos autores.

Primeiro: atribuir o crime a uma reação legítima contra o “agressivo militarismo dos EUA”. Autores: praticamente toda a intelligentzia esquerdista do Terceiro Mundo.

Ao longo de um século, em duas guerras mundiais e vários conflitos locais, o total de vítimas de ações militares americanas foi de aproximadamente 1,6 milhão de pessoas – a trigésima parte do que os comunistas chineses mataram em sua própria pátria em metade desse tempo. Na Segunda Guerra Mundial, em todos os fronts, os EUA fizeram 925 mil mortos, metade do que os comunistas mataram só no Camboja, menos do que eles mataram no Tibete ou – adivinhem onde mais? – no Afeganistão. No Vietnã, as vítimas dos americanos, de 1960 a 1972, foram 213 mil. Em Ruanda, em 1994, multidões insufladas por agitadores esquerdistas mataram, em dez semanas, quatro vezes esse número de pessoas.

Quando, nesse panorama, um esquerdista qualifica os EUA de nação agressiva e militarista, ele simplesmente não é honesto.

Segundo: explicar os atentados como efeitos do “fanatismo”, da “belicosidade” ou do “atraso” da religião islâmica. Autores: intelectuais pró-Ocidente cristãos, ateus ou judeus – orgulhosos do que imaginam ser a superioridade essencial de suas respectivas pátrias, culturas e religiões.

Não há um só mandamento belicoso no Corão que não se encontre também no Antigo Testamento. Pelo menos até o século XX, os invasores muçulmanos sempre foram mais tolerantes com as religiões dos povos vencidos que o foram os cristãos na Índia e na África ou os israelitas com os cananeus e amorreus.

O eminente Paul Johnson, ao deplorar que os muçulmanos não tenham passado por reviravoltas modernizantes como o Ocidente atravessou desde o século XVI, vai parar longe do alvo, porque essas reviravoltas deram origem ao absolutismo colonialista e, depois, às ideologias totalitárias que inauguraram a era do terrorismo e da violência genocida, duas pragas que só tardiamente e por meio delas vieram a contaminar os povos islâmicos.

Esse erro é talvez o mais grave de todos, pois fomenta um conflito geral entre o Islã e o Ocidente, fazendo o jogo das forças anticapitalistas – e islâmicas só de fachada – que subsidiam e manipulam os extremistas muçulmanos.

Terceiro: impugnar moralmente a reação americana, fazendo a apologia do “perdão”. Autores: fariseus, santarrões, terroristas de batina.

Nenhuma religião do mundo confere a quem quer que seja o direito de “perdoar”, contra a vontade das vítimas ou de seus descendentes, ofensas feitas a terceiros. O perdão de que essa gente fala é o perdão fácil de quem não sofreu nada e que só tem a ganhar com a desgraça alheia.

Fazer proselitismo antiamericano em cima de um total desprezo à voz dos ofendidos é uma baixeza inominável. Por isso o culto ecumênico “pela paz” realizado em São Paulo no dia 23 foi uma paródia satânica da celebração simultânea no Yankee Stadium. Nesta, crentes de todas as religiões – a islâmica inclusive – irmanaram-se num ato de gratidão e fidelidade, oferecendo suas vidas em defesa da pátria que lhes deu a liberdade de culto. Naquele, o que se viu foi a palavra “perdão” aflorar com leviandade obscena à boca de indivíduos que, por baixo de sua afetação melosa de bons sentimentos, até hoje espumam de ódio à lembrança da derrota infligida a seus amigos terroristas, 30 anos atrás, pelo governo militar. Aquele que não perdoa a morte de revolucionários armados, mas, com desenvoltura cínica, quer que os parentes de vítimas inermes confraternizem com os assassinos de seus pais, mães e irmãos, esse não é nem pode ser um homem de Deus.

Pergunta de um desesperado

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 23 de setembro de2001

Semanas atrás mencionei aqui, de passagem, a máxima de Sun-Tzu: “Fazer-se de fraco quanto está forte, de forte quanto está fraco”. Ela resume o “timing”, a alternância rítmica do discurso comunista. Anatoliy Golitsyn, desertor da KGB e provavelmente o melhor conhecedor do assunto nos meios ocidentais, dá-lhe a seguinte interpretação: quando o movimento comunista está ocupado em alguma manobra global, de longo prazo, e precisa ganhar tempo, ele vem com fala mansa, adocicada, denotando fragilidade, divisão, hesitação, aplacando as suspeitas ocidentais mediante uma florida exibição de sentimentos conciliadores e até de adesão “modernizadora” aos valores democráticos. Quando sente que está periclitando, necessitado de restaurar nos militantes o espírito belicoso e a disciplina marcial, ele abandona toda afetação de prudência e parte para ameaças truculentas e as demonstrações de força.

Neste preciso momento, esse movimento está empenhado na mais vasta e complexa manobra de toda a sua história: reorganizar-se em escala mundial, passando de uma estrutura centralizada e hierárquica, com um comando sediado na URSS, para uma organização flexível e multicêntrica, diversificando também suas fontes de suporte financeiro, transferidas da máquina soviética de lavagem de dinheiro para uma complicada rede de fontes independentes, que vão desde respeitáveis empresas multinacionais montadas com fundos secretos da KGB até quadrilhas de traficantes.

Portanto, não é hora de bravatas. É hora de fazer-se de bonzinho, de coitadinho, de morto. O ataque ao World Trade Center e ao Pentágono foi uma precipitação de aliados afoitos, os malucos do Talibã. Aplaudi-lo ostensivamente seria declarar uma guerra para a qual as forças comunistas não estão preparadas. Condená-lo “in totum” seria humilhar-se ante os EUA. Daí a palavra-de-ordem, ambígua e escorregadia, emanada de Cuba e obedecida uniformemente pela militância esquerdista mundial: maldizer da boca para fora a violência do atentado, mas legitimando-a moralmente e lançando as culpas sobre a vítima, por meio da alegação de que “quem semeia ventos colhe tempestades”.

D. Luciana Genro, deputada estadual petista, foi uma das vozes inumeráveis que, no coro geral do esquerdismo, ecoaram fielmente na mídia brasileira a voz do mestre, falando mal do atentado mas explicando-o como reação lógica — e, em última análise, justa — de povos levados ao desespero pela opressão imperialista dos EUA.

É claro que esse raciocínio é louco. Nem um único país está sob ocupação de tropas dos EUA, enquanto em Lhasa, Tibete, restam menos tibetanos do que soldados da China comunista. O Afeganistão nunca foi agredido pelos americanos, mas sim pelos soviéticos, que mataram um milhão de afegãos e só foram embora quando o socorro americano fez pender a balança para o lado islâmico. A revolução iraniana jamais encontrou oposição militar dos EUA, que, bem ao contrário, lhe deram uma boa ajuda por baixo do pano para a derrubada de Reza Pahlevi. Por fim, na guerra do Golfo, quando poderiam ter invadido Bagdá e transformado Saddam Hussein em poeira atômica, os americanos se contentaram em libertar o Kuwait e deixar o ditador iraquiano esbravejando, humilhado mas intacto, no seu troninho de sombras. De modo geral, as economias do mundo islâmico já teriam ido todas para o beleléu sem o apoio americano, e no fim das contas a única coisa que os muçulmanos têm a reclamar contra o imperialismo ianque é que ele não os deixa empurrar para o oceano a população judaica de Israel, como tantos gostariam de fazer.

Desespero por desespero, haveria mais motivo para jogar dois Boeings no Kremlin ou no Palácio da Paz Celestial do que no World Trade Center.

Para ensinar isso a D. Luciana, mas querendo fazê-lo em termos simples, didáticos, acessíveis aos neurônios recalcitrantes de uma pertinaz cabuladora de aulas de democracia, o jornalista Diego Casagrande concebeu uma historieta pedagógica, na qual eleitores gaúchos liberais e conservadores, desesperados com a ascensão da prepotência petista neste Estado, davam uns cascudos na deputada e ainda sobrava um pouco para o Padre Roque, também deputado e petista, que a acompanhava em tão infausta e hipotética circunstância.

Do exemplo, que não ocupava mais de um parágrafo, Casagrande extraía então a moral da história: por maior que fosse o desespero dos agressores, nada justificaria esse ato de maldade contra as duas Excelências ou contra quem quer que fosse.

Mensagem mais clara não podia haver: se o desespero não justifica bater em D. Luciana e no Padre Roque, muito menos justifica jogar aviões em prédios.

Suepreendentemente, D. Luciana, interpretando a história ao contrário, disse que Casagrande estava induzindo as pessoas a baterem nela e no Padre, e anunciou sua intenção de processar o jornalista.

Não creio poder ser mais didático do que o foi o autor da historieta. Imagino ser um razoável professor universitário, mas confesso não ter vocação para a pedagogia infantil. Desisto, pois, de explicar à deputada o que quer que seja, e limito-me a colocar para os leitores o seguinte dilema, que me atormenta neste momento difícil. As FARC já mataram 30 mil pessoas no seu país e, por meio de Fernandinhos Beira-Mar e “tutti quanti”, dominam hoje uma boa fatia do mercado brasileiro de drogas. Eu desejaria fazer algo contra isso, para evitar que o Brasil tenha o destino da Colômbia. Desejaria, mas não posso. As FARC, aqui, têm prestígio oficial, são recebidas pelo governador do Rio Grande e homenageadas no Forum Social Mundial. Mesmo o tal Fernandinho é intocável: mal foi preso, já começou na imprensa o vendaval de desinformação, destinado a fazer sumir do noticiário a aliança macabra do banditismo nacional com a revolução internacional.

Estou, pois, de mãos amarradas. Nada posso fazer. Estou desesperado. Que é que os leitores acham? Se, nessa situação extrema, eu seqüestrar, não digo um Boeing, mas um bimotor da Embraer, e o atirar sobre o Palácio Piratini, estarei moralmente justificado pelo desespero? Ou melhor: se, constatando minha completa falta de qualificações aeronáuticas para tal empreendimento, eu optar por algo mais ao alcance dos meus talentos, jogando na cabeça do Dr. Olívio Dutra o “lap top” em que escrevo o presente artigo, poder-se-á alegar em minha defesa que apenas fiz desabar sobre S. Excia. a tempestade semeada pelos seus atos oficiais?

E se o jornalista Diego Casagrande, querendo me dissuadir de semelhantes intuitos terroristas, escrever uma historieta ilustrativa para me mostrar como seria feio Dona Luciana e o Padre Roque baterem em mim, por mais que me odiassem, terei o direito de concluir daí que ele os induz a me agredir?

Casta de farsantes

Olavo de Carvalho

O Globo, 22 de setembro de 2001

 “O maior perigo das bombas é a explosão de estupidez que elas provocam.” (Octave Mirbeau, 1850-1917)

Diante dos ataques do dia 11, uma onda de indignação se levantou espontaneamente nos corações brasileiros contra o terrorismo internacional. Desde então, o mandarinato acadêmico local se esforça, por todos os meios e artifícios, para fazê-la voltar-se contra o país atacado. Tão vasta é nisso a mobilização de cérebros que, se igual dispêndio de neurônios fosse aplicado em tarefas úteis, o Brasil, que jamais ganha um prêmio de pesquisa científica no universo, ganharia todos. É espantoso ver como o nosso povo, sempre tão revoltado com a drenagem de verbas do Estado por parte dos senhores parlamentares, consente docilmente em sustentar com seus impostos uma casta ainda mais inútil e perversa que a dos políticos. Mais inútil, mais perversa e mais cara. O Brasil é o país que, no mundo, mais tem professores universitários per capita em relação à população discente: um para cada oito alunos. Um pajé para cada oito índios. Dir-se-ia que é o país mais culto da Terra. Mas, com louvabilíssimas exceções, cada um desses pajés tem seus próprios objetivos, uma agenda secreta que nada tem a ver com ensino, cultura, civilização. Fingindo lecionar, cada um só trata de promover a revolução socialista que fará dele, professor fulaninho, um ministro de Estado, um oficial da polícia secreta ou, na mais modesta das hipóteses, um comissário do povo.

Ser intelectual neste país é fazer a revolução gramsciana, que é a tomada do poder pelos intelectuais. Ser intelectual acadêmico é fazê-lo com dinheiro público. Quando um desses doutores, com um ar de superior isenção científica, impinge ao caro leitor a versão de que os atentados foram obra da “extrema direita” ianque, e não de fanáticos estimulados pela mídia esquerdista internacional, o que ele está fazendo, meu amigo, é tratar você como um cão de Pavlov, como um urso de circo, como um bichinho desprezível que está aí para dançar e abanar o rabinho à voz do mestre, sem poder ou querer pensar. Ele está mentindo e manipulando a serviço da operação de guerra psicológica que, neste como em todos os atentados, dá respaldo aos terroristas e amplifica os efeitos políticos de suas ações. Ele não é um analista, um estudioso, um professor: é um terrorista de beca, designado para a seção de desinformação por ser covarde demais, velho demais ou esperto demais para ser desperdiçado em investidas truculentas.

Em outras partes do mundo, um falsário pensaria duas vezes antes de tentar repassar ao público uma nota tão ostensivamente falsa. No mundo, há pessoas, inclusive na casta acadêmica, que sabem que os militantes de extrema direita nos EUA, incluindo milicianos, profetas do apocalipse, suprematistas brancos e tutti quanti, são, segundo a contagem do FBI, pouco mais de quatro mil; que eles são monitorados pela polícia em cada um de seus passos e que, no fim das contas, constituem a força política mais irrisória do planeta, só relevante graças à mídia esquerdista que os usa como espantalhos… No mundo, há pessoas que viram o temido e alardeado movimento neonazista alemão dissolver-se junto com o governo comunista de Berlim Oriental que o financiava… No mundo, há pessoas que, ante o discurso de inculpação da “extrema direita”, logo reparariam na dubiedade escorregadia do termo, usado para fundir numa névoa semântica, de um lado, aqueles marginais que são acuados pelo establishment e, do outro, o próprio establishment: anarquistas de porão, nazistas e anti-semitas, conspirando com capitalistas americanos e judeus para que estes consintam em explodir-se a si mesmos com a pura finalidade de suscitar uma onda de ódio antiesquerdista. A imagem é tão pueril que dificilmente algum agitador acadêmico em seu juízo perfeito ousaria puxá-la de dentro da cartola ante um público maduro. Mas, no Brasil, não apenas damos ouvidos a essa gente. Pagamos para que nos reduza à menoridade mental.

Igualmente imbecilizante, embora de maneira um pouco menos ostensiva, é o apelo geral ao argumento lançado por Fidel Castro de que os atentados, maus em si, são moralmente explicáveis ou justificáveis como reações de desespero ante a onipresença sufocante do poderio americano.

Que onipresença é essa? Não há um só país do mundo sob ocupação americana, enquanto em Lhasa, Tibete, restam menos tibetanos do que soldados chineses; e no próprio país que dá abrigo a Bin Laden não foram os americanos e sim os russos que mataram um milhão de afegãos, só parando o morticínio quando a ajuda americana fez pender a balança para o lado muçulmano.

E que desespero é esse, que se volta contra o mais generoso dos benfeitores? Com exceção do que se passou no Kuwait e em Granada, há décadas os EUA, manipulados pela ONU, só tomam parte em intervenções no estrangeiro quando é para ajudar comunistas a tomar o poder ou a manter-se nele. Assim foi, por exemplo, nas agressões comunistas a Angola e Goa. Assim foi em Katanga, onde as tropas da ONU, subsidiadas e aplaudidas pelo governo americano, devastaram uma província rebelde para integrá-la na ditadura sangrenta de Patrice Lumumba, um filhote da KGB. Assim é hoje na África do Sul, onde a ONU e o establishment nova-iorquino, por baixo de sua retórica anti-racista, dão cobertura à “limpeza étnica” promovida pelos comunistas contra os fazendeiros bôeres. E, quando esse tipo de política desemboca num massacre de proporções colossais como o de 1994 em Ruanda, quando 800 mil pessoas foram trucidadas por hordas intoxicadas de ideologia igualitária, não só o Departamento de Estado se cala, nem só o Conselho de Segurança da ONU se omite, mas a própria mídia americana faz o possível para abafar o sentido ideológico dos acontecimentos, reduzindo a uma “guerra entre selvagens” o que foi na verdade o efeito lógico e previsível de uma longa insuflação doutrinal revolucionária. Com uma regularidade quase obsessiva, desde que Roosevelt fez vista grossa ante a revolução na China sob a desculpa mirabolante de que Mao Tsé-Tung não era comunista e sim um “reformador agrário cristão”, até as concessões suicidas feitas ao armamentismo chinês por um presidente eleito com verbas de campanha chinesas, ciclicamente ressurge na política americana, com intensidade crescente ao longo dos anos, essa conduta pérfida e masoquista: favorecer os comunistas mediante operações nebulosas que, para cúmulo de cinismo ou de loucura, são apresentadas ao público como anticomunistas. Para os comunistas, o benefício é duplo. De um lado, recebem a ajuda material: dinheiro, armas, apoio dos organismos internacionais. De outro, a cada nova ocasião, ganham um pretexto altamente verossímil para vociferar na mídia contra mais uma sórdida investida do anticomunismo ianque.

Como poderia qualquer esquerdista deste mundo estar “desesperado” com uma situação tão confortável?

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