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A mensagem que não veio

Olavo de Carvalho


 O Globo, 29 dez. 2001

Muitos amigos estranharam que eu não publicasse aqui a mensagem de Natal que lhes passei por e-mail no dia 24. Mas uma coisa é escrever para um círculo de amigos, outra para um jornal. A única mensagem de Natal que, neste ano de 2001, eu faria estampar num diário de grande circulação seria um inútil apelo a meus colegas jornalistas para que prestassem um pouco de atenção à situação dos cristãos no mundo.

Michael Horowitz, erudito judeu ortodoxo que nobremente assumiu a vanguarda da campanha em defesa dos cristãos perseguidos, calcula que uns 150.000 deles — o total dos mártires dos primeiros séculos — morrem anualmente assassinados pelas ditaduras da China, do Vietnã, da Coréia do Norte, do Irã, do Sudão, etc. Dessas ditaduras, umas são comunistas: cumprem fielmente a máxima leninista de “varrer o cristianismo da face da Terra”. Outras são islâmicas: violam despudoradamente o mandamento corânico que proíbe a coerção em matéria religiosa. Coerentes ou incoerentes, são todas genocidas.

Jesus disse que Deus Pai não aceitaria nossas preces e sacrifícios enquanto não pagássemos o que devemos a nossos irmãos. Uma mensagem de Natal que se omitisse de dizer antes de tudo uma palavra em favor desses mártires seria uma blasfêmia.

Mas seria preciso também reservar umas linhas para aqueles que tentam defendê-los e cujas vozes são abafadas pela indiferença geral. Esses também são mártires, em escala menor. Seu martírio é lutar pelo reconhecimento de fatos que, justamente por ser desprezados pela mídia, não adquirem jamais aquele grau de credibilidade pública que preservaria da pecha de paranóico o homem que os divulga.

Os que sofrem insulto e chacota por dizer verdades não reconhecidas do mundo são imagens vivas do Cristo atado à coluna, entre Anás e Caifás, perguntando em vão: “Se minto, prova-o. Se digo a verdade, por que me bates?”

Se eu, falando do Natal na grande imprensa, nada dissesse deles, meu silêncio seria também insulto e chacota.

É verdade que minha reputação nada sofreria com isso. O insulto e a chacota, quando voltados contra cristãos, não são delito, não são discriminação, não são coisa feia. São a expressão dos altos sentimentos de uma elite falante que hoje é aceita como superior, em moralidade e consciência, a todos os santos da Igreja.

Um representante dessa elite acaba, aliás, de produzir a típica mensagem de Natal dos novos tempos. Em artigo publicado no “Jornal do Brasil” do dia 25, o sr. Gerald Thomas celebra como um grande progresso moral a iniciativa de uma faculdade de filosofia holandesa, a qual, a título de lição de casa, sugeriu a seus alunos heterossexuais que fizessem uma experiência “gay” e em seguida a descrevessem num ensaio literário. Mais pormenorizadamente: a experiência seria na forma de sexo oral, a “fellatio”, devendo prosseguir até o orgasmo e sendo proibido cuspir o esperma ejaculado.

Não se trata propriamente de um experimento, e sim (embora o sr. Thomas decerto o ignore por completo) da aplicação de uma técnica bem conhecida de indução comportamental, descrita por C. A Kiesler em “The Psychology of Commitment”, de 1971, cujo princípio se pode resumir assim: persuadido a adotar por brincadeira uma conduta que reprova, na maioria dos casos o sujeito a aprovará retroativamente. “Tanto mais profunda será a mudança de atitudes, diz Kiesler, quanto mais o comportamento adotado seja inconsistente com as convicções anteriores”. Gostando ou não, os novos adeptos da “fellatio” dirão que gostaram.

Segundo o sr. Thomas, esse procedimento, adotado universalmente, libertaria a humanidade de muitos de seus males, inclusive a guerra americana contra o terrorismo, a qual — quem não sabe? — é puro homossexualismo reprimido. Porém, mais que resolver problemas político-militares, a espetacular inovação pedagógica traria ainda um benefício de ordem espiritual: ela nos levaria, assegura o sr. Thomas, “mais perto da belíssima filosofia prática… de Jesus Cristo”.

O que é o gênio, meus amigos! Ao longo de dois milênios, em todo o cortejo dos papas e doutores, ninguém se deu conta, com a inteligência iluminada do sr. Thomas, de um método tão simples e eficiente de evangelização.

Se não fosse a intervenção providencial desse cavalheiro, jamais teríamos percebido que Nero, Calígula e os outros aficionados da felação descritos na “História dos Doze Césares” de Suetônio estavam mais próximos do espírito cristão do que aqueles mártires que, desconhecendo o verdadeiro sentido da oralidade evangélica, se deixaram devorar pelos leões.

Suponha-se, agora, que eu escrevesse coisa análoga a respeito, não dos cristãos, mas de qualquer das comunidades queridinhas da Nova Ordem Mundial; que eu dissesse, por exemplo, que os índios, ou os chamados “afro-brasileiros”, contribuiriam muito mais para o bem da humanidade se, em vez de se apegar aos complexos ritos de suas religiões de origem, tratassem de chupar os membros uns dos outros.

Alguém tem dúvida de que eu seria preso, processado e condenado, além de flagelado nos jornais como disseminador de preconceitos, como nazista, como inimigo da espécie humana?

Mas, se essas coisas são ditas a respeito de cristãos, tudo se inverte. Mau, preconceituoso, inumano, é o cristão que tenha o desplante de se sentir insultado e aviltado em sua fé pelas palavras do sr. Thomas.

O sr. Thomas, naturalmente, negará qualquer intenção de insultar. Dirá que foi sincero, que no seu entender a identificação da essência do cristianismo com o sexo oral “gay” é a mais alta homenagem que se poderia prestar à fé cristã. Ninguém, ao menos nos meios jornalísticos, porá em dúvida seu direito de acreditar nisso e apregoá-lo. Podem achar que exagerou, que foi de mau gosto, mas jamais admitirão que cometeu um crime. Ao contrário: acharão inconcebível que alguém se magoe, por mero conservadorismo religioso, com uma coisa tão cândida, tão singela, tão… cristã! Tal é o milagre da imaginação moderna: à luz dela, qualquer ilusão autolisonjeira de um membro das classes falantes, por mais estapafúrdia, se torna critério de veracidade e legalidade, sobrepondo-se à opinião de milhões de religiosos, rejeitada como crença subjetiva com base na qual seria injusto julgar um ser humano. E ninguém vê nada de mais em que o total desprezo pelo sentimento alheio coexista, numa mesma alma, com pretensões de moralidade superior.

Uma longa tradição de retórica anticristã preparou a classe culta não somente para receber com simpatia as palavras do sr. Thomas, mas para ouvir com a mais completa indiferença a notícia da morte anual de 150.000 cristãos, não lhe opondo, na melhor das hipóteses, senão um sorriso de desprezo olímpico e incredulidade desdenhosa. Essa mesma opinião letrada, se a notícia lhe fosse dada no dia de Natal, acusaria a mensagem de extemporânea e truculenta. Eis por que preferi deixar essa mensagem para depois do Natal.

Um inimigo do povo

Olavo de Carvalho


 O Globo , 22 dez. 2001

Em “Os Demônios” de Dostoiévski, publicado em 1872, um revolucionário diz a outro: “Você sabia que já somos tremendamente poderosos? Preste atenção. Já fiz a soma de todos eles. Um professor que, com as crianças, ri do Deus delas, é alguém que está do nosso lado. O advogado que defende o assassino educado porque ele é mais culto que suas vítimas… é um de nós. O promotor que, num julgamento, treme de medo de não parecer progressista o bastante, é nosso, nosso… Você sabe quantos deles vamos conquistar aos pouquinhos, por meio de pequenas idéias prontas?”

Quase meio século antes da tomada do Palácio de Inverno, um século antes da difusão mundial das obras de Antônio Gramsci, o romancista já havia captado a estratégia macabra da “revolução cultural”, à qual o fundador do Partido Comunista Italiano deu apenas um embelezamento teórico mas que, em essência, já estava em ação desde o século XVIII, nos salões onde aristocratas se deliciavam com as idéias de Diderot e Rousseau sem perceber que o único propósito delas era legitimar sua decapitação.

Os homens que se gabam de ser práticos — empresários, políticos, comandantes militares — são os mais lentos em perceber o sentido prático de certas modas culturais sem teor político demasiado aparente, nas quais não enxergam senão curiosidades acadêmicas ou até exigências morais legítimas, mas cujo efeito, temporariamente obscurecido pela variedade e confusão das palavras que as veiculam, mais cedo ou mais tarde acaba por se manifestar da maneira mais brutal. Invariavelmente, esse efeito é um só: o assassinato político em massa, o genocídio.

Em geral, só dois tipos de observadores estão conscientes dessa conexão: os intelectuais ativistas, que desejam produzi-la, e os estudiosos independentes. Os primeiros têm todo o interesse de mantê-la oculta sob um véu de pretextos diversionistas, de ordem moral, estética, pedagógica, econômica, etc., sob cuja profusão as vítimas não apreendam a unidade do processo revolucionário subjacente. Os segundos, quando tentam alertar a sociedade para o que se passa, quase que invariavelmente são rejeitados como alarmistas e paranóicos por aquela mesma parcela parcela do tecido social que a revolução há de extirpar da maneira mais cruel e sangrenta.

Basta a constatação desse fato, aliás, para dar por terra com a teoria gramsciana do “intelectual orgânico”, segundo a qual as classes criam seus intelectuais sob medida para a defesa de seus interesses: com regularidade sinistra, de Voltaire a Antonio Negri, é sempre o inimigo da classe dominante que é cortejado por ela, enquanto o intelectual que desejaria preservar o sistema, por descrer da bondade e utilidade das revoluções, é estigmatizado, no mínimo, como excêntrico e marginal.

Dostoiévski, que defendia a monarquia e a religião, continuou sempre um “outsider”, enquanto os escritores revolucionários eram recebidos nos círculos elegantes, onde gozavam de toda a estima e consideração — quando não da confiança cega — de suas futuras vítimas. Nicolai Berdiaev, aristocrata de nascimento, revolucionário de convicção, conta em suas memórias como, na juventude, gostava de escandalizar princesas e condessas com discursos inflamados contra a moral e a hierarquia. Só mais tarde, ao saber que todas elas tinham morrido na Revolução, se deu conta de que contribuíra levianamente para a consecução de um crime hediondo. O caso mostra que nem mesmo os próprios colaboradores mais ativos da “revolução cultural” precisam ter plena consciência da finalidade a que seus atos, aparentemente inócuos ou então rodeados de uma aura de piedoso idealismo, concorrem quando somados a milhões de outros atos semelhantes, praticados nesse mesmo instante por uma legião dispersa de militantes, colaboradores e simpatizantes que se ignoram uns aos outros. No topo, só uma elite muito restrita tem a visão intelectual do conjunto, que não precisa ser “dirigido” como uma conspiração organizada, mas apenas sutilmente orientado, de tempos em tempos, por intervenções oportunas. O automatismo, o espírito de imitação e a atração incoercível das modas fazem o resto.

Mesmo quando não resulta diretamente numa tomada do poder político, a revolução cultural deixa marcas profundas e indeléveis no corpo da sociedade. Dois estudos recentes de Roger Kimball, editor de “New Criterion” — “Tenured Radicals: How Politics Has Corrupted Our Higher Education” e “The Long March: How The Cultural Revolution of the 1960’s Changed America” — mostram como a incansável guerra psicológica movida pelos intelectuais ativistas contra a religião, a moral, a lógica e o bom-senso produziram, na vida americana, resultados catastróficos praticamente irreversíveis: a perda coletiva dos padrões mais elementares de julgamento, a prematura decrepitude intelectual dos estudantes, a disseminação endêmica das drogas, a criminalidade desenfreada. Não por coincidência, os mesmos intelectuais que conscientemente se esforçaram para criar esse estado de coisas (muitos deles a serviço da KGB ou da espionagem chinesa, como hoje se sabe graças à abertura dos Arquivos de Moscou) são os primeiros a tirar redobrado proveito político de seus próprios atos, imputando os resultados deles ao “sistema”, à “corrupção intrínseca do capitalismo” etc. etc.

É preciso ser muito cego para não perceber que coisa idêntica se passa no Brasil, com o agravante — verdadeiramente desesperador — de que estudos como os de Kimball (e centenas de outros similares) nem são traduzidos nem há equivalentes produzidos pela intelectualidade local, dividida entre a maioria de ativistas enfurecidos e a minoria de observadores acovardados, mudos, ou então acomodatícios e cúmplices. Em resultado, a simples tentativa de diagnosticar o estado de coisas é rejeitada — mesmo por parte do “establishment” — como ousadia impolida e abuso intolerável, quando não como conspiração de extrema direita.

A revolução cultural, aqui, já alcançou seu máximo triunfo, que é o de tornar proibitiva a sua própria discussão. Pouparei aos leitores o relato dos constrangimentos, ameaças e boicotes que tenho sofrido em resposta à minha simples iniciativa de analisar e mostrar à plena luz do dia a marcha de uma revolução que desejaria poder continuar florescendo à sombra protetora do implícito, do nebuloso e do não declarado. Mas, quando um escritor independente, isolado, sem conexões políticas ou protetores de espécie alguma, é combatido não por meio de argumentos e sim de manobras de bastidores e mobilizações coletivas de ódio, como se fosse um governante ou um poderoso líder de massas, então é que a atividade intelectual já se encontra inteiramente submetida aos cânones da “revolução cultural”, e quem quer que ouse contrariá-los, mesmo em pura teoria, mesmo a título pessoal e sem qualquer pretensão de reagir politicamente ao curso dos acontecimentos, já é considerado um elemento perigoso e um inimigo do povo.

O país mais burro do mundo

Olavo de Carvalho


 Zero Hora , 16 dez. 2001

Dentre estudantes de 32 países, testados em sua compreensão de leitura, os brasileiros tiraram o último lugar. Não o penúltimo ou o antepenúltimo. O último. Com uma das maiores redes de ensino público do universo, com uma quantidade impressionante de professores “per capita”, com investimentos maciços do governo e o esforço conjugado de milhares de ONGs e empresas milionárias empenhadas “soi disant” em “elevar o nível” da nossa educação, o Brasil é, hoje mais que nunca, um país de analfabetos funcionais.

Nada do que saiu impresso nos últimos dias pode dar, como esse fato alarmante, uma idéia da verdadeira situação do Brasil no mundo.

Por que uma notícia tão significativa — a mais importante da semana, sob certos aspectos — suscita na mídia e nos meios ditos intelectuais uma quantidade tão escassa de comentários? Por que as poucas reações que se fazem discretamente ouvir se limitam às lamentações convencionais de sempre, quando não a desculpas de ocasião?

A resposta é simples. A estupidez da nossa classe estudantil não se explica por causas menores, de ordem administrativa ou econômica, nem por curiosas coincidências. Ela não é um fato isolado. Ela reflete o estrago geral da cultura brasileira que tenho documentado desde 1996 nos dois volumes publicados e nos três inéditos de “O Imbecil Coletivo. Atualidades Inculturais Brasileiras” — uma amostragem suficientemente ampla para que ninguém possa negar a realidade dos fatos. Ela reflete os efeitos de uma devastadora “revolução cultural” que, iniciada nos anos 70 e empenhada em reduzir a rede de ensino e todas as instituições de cultura a instrumentos do mais maquiavélico oportunismo político de todos os tempos, estampa agora diante de nós o seu abjeto resultado. Não se pode manipular a inteligência humana sem engessá-la, imobilizá-la e atrofiá-la.

Vinte anos atrás eu trabalhava numa revista de educação, distribuída a professores da rede pública. Por intermédio dessa publicação e de outras análogas, os intelectuais ativistas faziam críticas ferozes ao que chamavam “educação tradicional” e infundiam nas professorinhas uma confiança ilimitada nos novos modelos que, a seu ver, dariam aos jovens brasileiros a educação ideal. Esses modelos traziam algo das idéias de Jean Piaget mas eram inspirados sobretudo nos ídolos pedagógicos do esquerdismo militante: Paulo Freire, Demerval Saviani, Emília Ferrero e, no fundo de tudo, Antonio Gramsci. Sinceramente: eu lia aquela porcaria toda e previa uma catástrofe. Hoje a catástrofe está aí, mas ela é tão profunda que já não pode tomar consciência de si mesma. Aquelas entusiasmadas professorinhas que imaginavam fazer uma revolução por meio de seus alunos, convertidos em “agentes de transformação social”, foram elas próprias transformadas no curso do processo: já estão burras demais para atinar com a conexão de causa e efeito. Por isto a revelação brutal dos resultados da mutação idiotizante não suscita nenhum debate sério, nenhuma tomada de consciência, nenhuma corajosa admissão do erro fundamental. As professorinhas não apenas esqueceram o que sabiam: esqueceram que esqueceram. Estão amortecidas e estupidificadas pelo seu próprio discurso.

Revoluções análogas ocorreram nos EUA, na França e em outros países, com resultados igualmente perversos, documentados, por exemplo, em “A Escola dos Bárbaros” de Isabelle Stahl, “Machiavel Pédagogue” de Pascal Bernardin, “Brave New Schools” de Berit Kjos e “The Long March. How the Cultural Revolution of the 1960’s Changed America” de Roger Kimball. Quem leia esses livros verá que os brasileiros não apenas são os piores estudantes do mundo, mas que o são em comparação com uma média geral monstruosamente inferior à dos anos 60. Há uma queda mundial do nível de inteligência, e o Brasil está na vanguarda do abismo.

Não há também nenhum motivo para supor que o baixo desempenho dos estudantes não se repita, igualzinho, em outros setores da sociedade. Estudantes não são uma entidade separada e distinta, mas uma fatia, uma amostra do bolo. Os índices de burrice seriam muito provavelmente os mesmos se a comparação fosse entre empregados da indústria. Uma pesquisa local do antropólogo Luiz Marins mostrou que nas fábricas brasileiras é inútil passar um aviso por escrito: ou o aviso é dado oralmente, ou o conteúdo simplesmente não entra na cabeça dos operários. É razoável conjeturar que os índices comparativos de incompreensão de leitura não seriam muito diferentes se a avaliação não fosse entre estudantes, mas entre políticos, jornalistas, professores universitários — ou profissionais da escrita. A prodigiosa degradação do gosto literário nacional fez com que os poucos escritores valiosos que restam se tornassem confidenciais, cedendo o lugar nas páginas do noticiário editorial a uma galeria de patetas mais ou menos alfabetizados que passam por escritores. O público “letrado” já perdeu até mesmo a distinção entre um escritor e um sujeito qualquer que escreve qualquer coisa. Um escritor é membro de uma confraria artesanal milenar. Ele conhece os instrumentos expressivos criados por uma tradição que vem de Homero a Naipaul, e no que ele escreve se percebe, nas entrelinhas, o diálogo com seus parceiros de ofício, por cima das fronteiras de épocas. Um sujeito qualquer que escreve, mesmo que o faça direitinho, não dispõe senão dos instrumentos usuais da mídia — ele não dialoga senão com os tagarelas do momento: quando morrerem, sua escrita morrerá com eles. Essa distinção, que deveria ser a base da educação literária nas escolas, já se tornou imperceptível à média dos leitores “cultos”. Daí o fenômeno espantoso dos nomes mais cogitados para a última vaga aberta na Academia Brasileira. Não havia entre eles um único escritor: apenas sujeitos que escreviam direitinho. E ninguém notava a diferença.

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