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Baita democracia

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 1o de outubro de 2006

Pelos frutos os conhecereis, mas não adianta ver os frutos sem saber de qual planta e raiz brotaram. Com exceções minguadíssimas e irrelevantes, a classe política atual é constituída de três grupos sociais bem nítidos:

1. Os componentes da oposição de esquerda ao regime militar, todos ligados a organizações comunistas como o PCB, o PC do B, a AP, a Pol-Op etc. São a casta superior da política nacional. Têm o prestígio da antigüidade, da luta contra a ditadura e dos sofrimentos inenarráveis que, embora não incluam uma só ferida sangrenta ou um só membro quebrado, lhes rendem indenizações rechonchudas às quais os milhares de aleijados e mutilados das prisões cubanas, que eles ajudaram a prender e torturar, não ousariam aspirar nem em sonhos.

2. A segunda geração de militantes comunistas e pró-comunistas, que não participou diretamente da luta contra a ditadura mas se formou sob a influência direta e abrangente do grupo 1.

3. Arrivistas variados, sem cor ideológica definida, provenientes de organizações religiosas ou de interesses regionais, que, gostando ou não gostando dos grupos 1 e 2, acabam se adaptando à sua linguagem e aos seus valores, seja por oportunismo, seja por absoluto desconhecimento de outras alternativas mentais possíveis.

Se você sabe o que é conservadorismo – aquela política que se constitui da síntese inseparável de economia de livre mercado, democracia parlamentar, lei e ordem, moral judaico-cristã e predomínio da cultura clássica na educação -, sabe também que não há um só conservador nos grupos 1, 2 ou 3. O leque das opções disponíveis resume-se ao esquerdismo e à inocuidade acomodada. Escolha e vote. É a democracia brasileira em ação. Segundo o senhor Geraldo Alckmin, cuja fidelidade admirável à segunda opção lhe valeu o apelido de Chuchu, isso sim é que é democracia. Baita democracia. Não aquela farsa americana, onde os eleitores têm de escolher entre radical right, paleoconservatives, neoconservatives, libertarians, left-liberals (esquerda moderada) e radical left – um tédio.

Para piorar – o senhor Alckmin não disse, mas digo-o eu -, os políticos americanos têm a mania de registrar suas propostas em livros antes de apregoá-las de cima dos palanques eleitorais. Seus adeptos seguem o exemplo, e seus adversários lhes respondem com outros livros. E os livros, droga!, têm de ser muito bem escritos, senão a mídia ranheta não lhes presta a mínima atenção. A cada novo pleito, é uma biblioteca inteira de opiniões, de críticas, de análises, de depoimentos, de projetos que aparece na praça. A produção intelectual de uma só eleição americana supera de longe, em volume e qualidade, tudo o que se escreveu sobre política no Brasil ao longo de aproximadamente meio século. Assim não dá, gente. O senhor Alckmin precisa ir lá dar um jeito nisso.

Aqui, os únicos três livros interessantes para a orientação do eleitor neste pleito não foram escritos por candidatos. Já celebrei, de passagem, as memórias do senhor Ricardo Kotscho, onde ele explica como é possível estar sempre por dentro de tudo sem nunca ficar sabendo de nada. Assinalo também Nervos de Aço, o depoimento do herói-bufão Roberto Jefferson, em caprichada edição da Topbooks, narrativa animada de como ele foi parar no melhor lugar da política brasileira, que é fora dela. E, é claro, O Chefe, de Ivo Patarra, meticulosa reconstituição de 403 dias de roubalheira petista, que editora nenhuma quis publicar mas pode ser descarregado do site http://www.escandalodomensalao.com.br/. O problema é que nenhum dos três ajuda a escolher candidato. Ajuda é a desistir de votar.

Pergunta e resposta

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 29 de setembro de 2006

Pergunta: Por que, entre os esquerdistas decepcionados com Lula, há tantos que aparecem na mídia explicando os crimes dele como efeito de uma “guinada à direita” e nenhum, nem um único sequer, para dizer a mesma coisa nas assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo? Por que tantos querem convencer o eleitorado de que Lula os abandonou, mas não se mexem para repassar tão preciosa informação aos líderes máximos da esquerda latino-americana, Hugo Chávez e Fidel Castro, que, coitadinhos, ainda continuam iludidos confiando nele? Por que todos têm tanta pressa em denunciar o traidor ante o público em geral mas nem pensam em avisar as supostas vítimas da suposta traição? Por que permitem que o renegado, o vendido, o apóstata, continue desfrutando do prestígio de militante fiel e honrado nos círculos internos da esquerda, enquanto o desmascaram perante o resto da humanidade?

Resposta: agem assim porque são todos uns farsantes, mentirosos, salafrários como o próprio Lula. Agem assim porque, vendo que o homem está sujo demais perante a opinião pública, só lhes resta tentar limpar nele o projeto criminal-revolucionário que o criou, que o colocou no poder, que montou para ele a máquina de roubar e o adestrou no uso do equipamento. Estão apenas sacrificando o produto para salvar a fábrica. Sabem perfeitamente que estão mentindo. Contam, para isso, com a cumplicidade do próprio Lula. Quando o acusam diante do consumidor, mas não na reunião de diretoria, é porque sabem que em último caso ele é capaz até de sacrificar sua carreira pessoal pela salvação geral do plano. Chamam-no de infiel porque sabem que é fiel. Fiel o bastante para aceitar humilhações em prol da causa. Fiel o bastante para acobertar seus velhos cúmplices mesmo quando o acusam. Fiel o bastante para aceitar com igualdade de ânimo o papel que lhe destinem – de santo ou de réprobo, de herói ou de traidor –, sabendo que no círculo dos iniciados ninguém dá a mínima para a diferença e todo mundo sabe que ele é apenas um “companheiro”, um militante como qualquer outro. Dentro da fábrica de onde ele veio estão estocados, ou em linha de produção, milhares de outros Lulas, e Dirceus, e Paloccis, aguardando para ser lançados no varejo. Não vale a pena jogar fora o estoque inteiro por causa de uns quantos produtos que se desmoralizaram.. Não vale a pena perder clientes por causa de umas quantas vendas mal sucedidas. Ao contrário: pode-se até ampliar o mercado, lançando as culpas do fracasso no concorrente. Aliás, direitista existe para isso. Existe para ser xingado, cuspido, acusado do que não fez – principalmente dos crimes de seus inimigos. Existe para ser removido do emprego, proibido de trabalhar, reduzido à mendicância e depois ainda xingado de explorador capitalista, como se faz com os escritores de oposição em Cuba. Existe para para ser preso, torturado, assassinado às centenas de milhões, e depois ainda acusado de genocida. Existe para dar anistia aos que tentaram matá-lo e depois passar o resto da vida sendo difamado, caluniado, chamado de homicida e torturador. Direitista não é gente. Direitista é uma forma animal com aparência humana, criada pela evolução biológica só para ser sacrificada no altar do progresso, das luzes, do socialismo ou até da justiça poética, a única justiça que interessa quando os crimes da esquerda, como aliás sempre acontece, não rimam com o dogma da impecância essencial do esquerdismo.

P. S. – Os desiludidos a que se refere este artigo são tantos, que citá-los nominalmente ultrapassaria a extensão do Diário do Comércio. Mas, para não dizerem que falei só genericamente, dou o nome de três entre os mais famosos: Luiz Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro e Luiz Eduardo Lins e Silva. Este último usou para fins de lavagem da esquerda até a resenha, no mais elogiosa, que fez do meu livro O Imbecil Coletivo na Folha de S.Paulo. Ser esquerdista, afinal, é ter todos os direitos – e não perder a mais mínima oportunidade de usá-los.

Resumo didático

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 28 de setembro de 2006

Vou repetir, com todo o didatismo e paciência:

1. Lula é o fundador e mentor do Foro de São Paulo, entidade que articula o combate político legal com a prática de crimes — narcotráfico, seqüestros, homicídios, terrorismo –, para que da convergência e suporte mútuo dessas duas linhas de ação resulte a sujeição integral da América Latina ao movimento comunista, aquele mesmo que matou cem milhões de pessoas e impôs o terror e a miséria a continentes inteiros.   

2. Jamais houve nas Américas uma organização criminosa tão gigantesca e temível quanto o Foro, nem delinqüente tão perverso e malicioso quanto o criador e líder máximo dessa geringonça infernal.

3. Durante dezesseis anos, a elite brasileira, que ele professava destruir, tratou de lisonjeá-lo, subsidiá-lo e protegê-lo, encobrindo sua atividade criminosa e condenando ao ostracismo quem ousasse tocar no assunto. Carreiras foram destruídas, sementes de renovação cultural foram arrancadas, idéias promissoras foram abortadas para que o bandido passasse por cidadão honesto, quando não por ungido e santo.

4. Durante a gestão do indivíduo na Presidência, a mesma elite, vendo que ele mentia, subornava e trapaceava com naturalidade demoníaca, protestou contra alguns de seus delitos avulsos, mas ainda ocultando o crime inicial e maior, o crime-raiz, de modo que aqueles parecessem o desvio acidental e tardio de uma conduta ética exemplar e não a simples continuação lógica de uma década e meia de delinqüência colossal. Tão resguardado ele se sentia, entre os muros da fortaleza de desconversas, acobertamentos e eufemismos erguida pelos seus próprios críticos e adversários nominais, que até em discurso oficial ele podia gabar-se do embuste supremo, rindo da opinião pública, seguro de que ela continuaria na mais completa ignorância do sentido de suas palavras (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm).

5. Por fim, cansando-se de ser humilhada pelo seu protegido, a elite decidiu livrar-se dele, mas ainda abstendo-se de revelar a verdadeira identidade do sujeito e só admitindo, para derrotá-lo, o uso de meios eleitorais, reduzindo portanto a diferença entre a lei e o crime a uma mera questão de livre escolha. Nas últimas semanas, vendo que a divulgação de casos escabrosos não diminuía a popularidade do indigitado, ela tratou de elevar um pouco o tom das denúncias, mas teimando em omitir o essencial, consagrando o ludíbrio dos eleitores como um direito adquirido do excelentíssimo e fazendo da eleição de 2006 uma farsa ainda mais grotesca que a de 2002.

Aceitar que o criminoso, em vez de ir para a cadeia, se apresente candidato, já é favorecê-lo acima de toda generosidade cabível. Mas Lula vai para as urnas tão armado de imunidades e privilégios que, mesmo na hipótese improvável da sua derrota, o poder semi-secreto que ele criou continuará pairando acima da leis, do Estado e da moral, tendo nas mãos, como refém inerme, o presidente eleito. Vocês, a elite, fortaleceram esse monstro e lhe concederam o benefício da quase total invisibilidade. Quando ele os devorar, quem chorará por vocês?

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