Yearly archive for 2007

Pânico no circo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 16 de agosto de 2007

A estratégia revolucionária é uma técnica específica, altamente desenvolvida e em constante aprimoramento no mundo. Sua bibliografia é imensa. No Brasil inteiro, fora dos círculos esquerdistas diretamente interessados – que seriam os últimos a querer disseminá-la entre os adversários, ou mesmo explicá-la em detalhes para os baixos escalões da militância –, praticamente ninguém a estuda. Comentaristas de mídia, consultores empresariais, analistas políticos ignoram tudo a respeito. Seus esforços quase sempre bem remunerados para explicar o atual processo político mundial e latino-americano à luz das disciplinas ao seu alcance – economia, direito e relações internacionais principalmente, quando não o puro e simples jornalismo – produzem resultados semelhantes ao que se poderia alcançar tentando fritar um ovo na geladeira. Mas duas décadas de previsões erradas não parecem ter afetado em nada o prestígio desses luminares, muito menos a autoconfiança patológica com que continuam opinando com ares de quem sabe o que fala. Quando a realidade os desmente, como o faz invariavelmente, elevam um pouco o tom de superioridade olímpica, mudam de assunto e se esmeram em dar novas contribuições à alienação geral.

Se, ao contrário, você estuda o assunto com seriedade, chega a conclusões razoáveis e as expõe com o máximo de didatismo que a complexidade do assunto admite, o resultado que obtém é despertar inveja e ressentimento entre os incompetentes, que se esforçarão mais para se livrar de você do que para se precaver contra o furacão revolucionário que promete reduzi-los a pó. O medo reprimido, sepultado no inconsciente junto com o sentimento da própria debilidade, expressa-se de maneira invertida na ostentação histriônica de autoridade contra o portador das más notícias.

A simples exposição analítica dos fatos é condenada então como “extremismo de direita”, e os demais membros da “direita” se apressam então em sacrificar o extremista para dar aos poderes constituídos uma prova de subserviência e a si próprios uma ilusão de ordem, moderação, equilíbrio e normalidade, no instante mesmo em que sua própria conduta prova o estado geral de pânico.

A idéia usual de pânico é a de gritaria e confusão. Mas a palavra vem do deus grego Pan, e designa o sentimento de terror que se apossava dos animais quando ele entrava na floresta. E o primeiro momento do pânico não era nem um pouco ruidoso. Era silêncio e imobilidade paralítica.

Vocês conhecem a piada. Um homem gordo vai ao circo e, encontrando a platéia lotada, só consegue um lugarzinho na última fileira da arquibancada, acomodando como pode seu volumoso saco escrotal no vão entre duas tábuas, vergadas sob o peso do excesso de espectadores. Decorridos uns minutos do espetáculo, um leão escapa da jaula e o público sai correndo em debandada, enquanto entre os gritos de terror mal se ouvem os gemidos do gordo, que implora: “Senta, que o leão é manso!”

Essa anedota, um clássico do humor brasileiro, não me sai da cabeça hoje em dia, por um motivo muito simples. Dêem um porrete a esse cidadão e ele rachará o crânio de qualquer um que passe ao seu lado gritando por socorro. Reprimir o alerta de pânico é às vezes o sintoma de um pânico maior ainda.

 

O preço das ilusões

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial),9 de agosto de 2007

Numa carta enviada a José Sarney em 15 de abril de 1985, José Guilherme Merquior aconselhava ao então presidente fazer “ desde já certos gestos simpáticos à esquerda ” especialmente “ reatar relações com Cuba. Eles [os esquerdistas] ficariam meio ano digerindo este pitéu, obrigados a achar que ‘pô, esse Sarney até que não é assim tão reaça…’ .” (v. José Mário Pereira, “O Fenômeno Merquior”).

Explicando as razões dessa idéia que deve ter lhe parecido tão genial quanto ao destinatário da mensagem, o autor de A Astúcia da Mímesis ponderava:

Cuba hoje não oferece maiores perigos na América do Sul. O guevarismo já era. E o reatamento tem pelo menos três vantagens para nós: a) abriria um significativo potencial de exportações brasileiras; b) permitiria ao Brasil influir, em boa medida, na conduta internacional de Havana, como faz o México, em sentido moderador e realista; c) evitaria que, no futuro, nosso reatamento se desse a reboque de uma reconciliação diplomática Cuba/USA, reconciliação essa, a médio prazo, tão certa quanto o foi o reconhecimento de Pequim por Washington, na década passada .”

Se houvesse um concurso mundial de previsões erradas, esse parágrafo não perderia nem para os prognósticos do ministro iraquiano Mohammed al-Sahaf quanto ao futuro glorioso de Saddam Hussein. Por si só, ele explica por que José Guilherme Merquior, depois de morto, se tornou o direitista predileto da esquerda brasileira. Seus não exerceram nela grande influência. Não consta que algum esquerdista tenha abjurado da admiração por Michel Foucault por ler O Niilismo de Cátedra , nem aderido, exceto por fingimento tático, ao triunfalismo liberal de A Natureza do Processo . Em compensação, essas breves palavras dirigidas a um presidente da República deixaram marcas duradouras. Sarney não só pôs em prática a sugestão de reatar as relações do Brasil com Cuba já no ano seguinte, mas, no doce embalo da morte do guevarismo, mandou tirar a disciplina “Guerra Revolucionária” do currículo das escolas militares, deixando duas gerações de oficiais brasileiros desaparelhadas para lidar com a expansão subversiva nas décadas seguintes. Para a esquerda, foi realmente um “pitéu” em dose dupla. Para o Brasil, vejamos:

a) Do total das exportações brasileiras, Cuba compra não mais de 0,2 por cento (dados de 2005; v. http://www.apexbrasil.com.br/media/cuba.pdf ).

b) O Brasil não influencia em nada a política cubana, mas Cuba, através do Foro de São Paulo, determina e orienta a política de vários países da América Latina, entre os quais o Brasil.

c) A reconciliação entre EUA e Cuba, anunciada como inevitável, simplesmente não aconteceu.

d) Quanto ao falecido “guevarismo”, é o cadáver mais enérgico que já se viu. Hoje em dia a esquerda é praticamente a única força política organizada do continente, amparada no narcotráfico, no apoio da mídia internacional, na ajuda das fundações bilionárias e no poder bélico das Farc. É aliás muito mais eficazmente coordenada pelo Foro de São Paulo do que jamais o foi pela velha OLAS (Organização de Solidariedade Latino-Americana). Em comparação com isso, as guerrilhas dos anos 60-70 parecem escaramuças de crianças.

Poucos políticos de esquerda podem se gabar de haver contribuído tanto para criar essa diferença quanto a dupla Merquior-Sarney.

No entanto, uma coisa continua imutável: na “direita” brasileira ainda predominam os que acreditam antes em ilusões animadoras do que em diagnósticos realistas. É uma gente doente e covarde, que paga para ser enganada.

Rede de proteção

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 09 de agosto de 2007

A prisão do traficante Juan Carlos Ramirez Abadia, o “Chupeta”, foi noticiada no Brasil sem qualquer menção às Farc, embora seja universalmente reconhecido que nem um grama de cocaína sai da Colômbia sem passar pela narcoguerrilha, a qual vai assim controlando seus concorrentes até que o último deles se transforme em seu colaborador ou seja eliminado do mercado.

Há anos venho chamando a atenção dos meus leitores para a constância sistemática com que no território nacional as Farc, unidas ao PT por estreitos laços de amizade, são mantidas a salvo de qualquer ação policial mais decisiva, ao passo que seus competidores são perseguidos, presos e exibidos à população como provas de que o nosso governo é implacável e até heróico no combate ao narcotráfico. O principal resultado desse heroísmo, assim como de outras políticas oficiais coordenadas, como a famosa “redução de danos”, é que o Brasil, segundo dados da ONU, é o único país onde o consumo de drogas cresce (na base de dez por cento ao ano), enquanto no resto do mundo permanece estacionário.

Desinformantes e idiotas úteis espalhados na mídia fazem a sua parte do serviço, procurando dar a impressão de que as drogas são um problema policial como outro qualquer e encobrindo o fato de que elas são um instrumento maior da estratégia revolucionária comunista no continente.

Mas não é só aqui que as Farc têm amigos. Pelo menos desde o Plano Colômbia de Bill Clinton, calculado para demolir os velhos cartéis – acusados de cumplicidade com os famosos “paramilitares de direita” — e entregar às Farc o monopólio do narcotráfico na América Latina, o Partido Democrata dos EUA tornou-se o grande padrinho da esquerda armada colombiana.

ONGs de “direitos humanos”, subsidiadas pela esquerda chique americana, estão sempre ativas na Colômbia, ora para impedir que a população se arme contra os guerrilheiros que a aterrorizam, ora para pressionar no sentido de que as Farc (nunca as milícias de direita, é claro) sejam aceitas como força política legítima, convidadas à mesa de negociações e premiadas em vez de punidas por seus crimes, cujo leque vai do narcotráfico ao genocídio, passando por inumeráveis seqüestros e pelo treinamento em guerrilha urbana dado no Brasil ao Comando Vermelho e ao PCC para que mantenham o país em estado de pânico.

A coordenação internacional da rede de proteção às Farc é mais eficiente e precisa do que o mais inventivo “teórico da conspiração” poderia exigir. Com poucos dias de intervalo, rolou pela imprensa mundial uma fotografia manifestamente forjada na qual Álvaro Uribe parecia estender a mão a um daqueles paramilitares (que ele afirmava jamais ter conhecido), o Congresso democrata se recusou a renovar o acordo comercial americano com a Colômbia, que precisa dele desesperadamente para subsidiar a repressão às guerrilhas, e o senador Al Gore saiu indignado do plenário para protestar contra a presença do presidente colombiano, cujo maior pecado é ter oitenta por cento de aprovação popular no seu país pelo combate bem sucedido que vem movendo contra as Farc.

Quando, pressionado por tantos lados ao mesmo tempo, Uribe consente enfim em trocar a vitória militar pela derrota política e em aceitar a possibilidade de negociações com as Farc, o fato é noticiado na nossa mídia como se surgisse do nada, de repente, por inspiração divina.

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