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Para além da covardia

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 31 de agosto de 2007

Enquanto os liberais e conservadores continuarem fingindo para si próprios que estão lutando contra adversários políticos normais e decentes, que é possível mudar o rumo das coisas por meio de palavras tímidas e ações simbólicas, não haverá a mínima esperança de melhora para este país.

Os homens que nos governam, formados no ventre da mentalidade revolucionária, são sociopatas amorais e cínicos, absolutamente indignos de confiança. Imaginem um parlamentar que, às escondidas, mete dois artigos na Constituição sem dar ciência disto à Assembléia Constituinte, isto é, fazendo-se ele próprio de Assembléia Constituinte. Normalmente, um sujeito desses não deveria ser aceito como advogado nem mesmo num caso de multa de trânsito. O Brasil, em vez disso, faz dele ministro da Justiça, depois juiz da Suprema Corte e por fim ministro da Defesa, com autoridade sobre o conjunto das Forças Armadas. E ele sai falando grosso, tapando a boca de generais e almirantes. Imaginem um indivíduo pobre, que sobe à presidência nos braços de um movimento popular, e depois de dois anos de mandato, ainda ostentando a imagem de presidente-operário, já tem em vez disso um filho bilionário. Tais são os homens que nos governam — as encarnações vivas da moral socialista, que é a moral do roubo santificado. Se não forem desmascarados, continuarão acumulando parcelas de poder cada vez maiores, até tornar-se indestrutíveis. E então farão aqui o que seus semelhantes fizeram em Cuba, no Camboja, no Vietnã, na Coréia do Norte.

Já estão bem preparados para isso, com suas massas militantes armadas e treinadas, com a rede internacional de alianças que os une a organizações de terroristas e narcotraficantes e a uma dúzia de governos genocidas.

Não contentes com extorquir 2,5 bilhões de reais dos cofres do Estado para premiar atos terroristas cometidos por seus amigos, fazem cada vez mais alarde em torno dos “crimes da ditadura”, com a ajuda solícita da grande mídia. Mas o que são esses crimes – a morte de quinhentos terroristas, autores por sua vez de duzentos assassinatos – em comparação com a ajuda prestada pelo nosso governo à organização narcoguerrilheira que inunda de cocaína o mercado local e através de seus agentes no PCC e no Comando Vermelho mata anualmente dezenas de milhares de brasileiros inocentes?

Que são os delitos da ditadura, em comparação com os do regime de Fidel Castro, ao qual nossos heróis de hoje, alguns na condição oficial de agentes do serviço cubano de inteligência militar, prestaram auxílio em seus inumeráveis empreendimentos revolucionários no Brasil e em outros países?

Que são os crimes da ditadura, em comparação com a exportação maciça de armas brasileiras para organizações terroristas e ditaduras genocidas em todo o mundo, por parte de um governo que ao mesmo tempo faz o que pode para desarmar os cidadãos honestos no seu próprio país? (V. VejaOnline).

Curiosamente, o maior dos crimes da ditadura – o único digno de atenção mundial — jamais é alardeado, jamais é sequer mencionado pelas Folhas e Globos da vida: a cumplicidade ostensiva, material, com a intervenção de Fidel Castro na África (v. MidiaSemMácara), que resultou na morte de pelo menos dez mil angolanos. Ah, esse crime não conta, porque se é a favor da esquerda não é crime.

Não, não pensem que eu esteja inventando esse argumento, mediante ampliação retórica, para colocá-lo na boca dos esquerdistas. Ao contrário: foi da boca de um deles que o extraí. Vejam o noticiário da BBC-Brasil de 28 de agosto: “O ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, disse que não usa a formulação ‘crimes’ para classificar a morte de agentes de órgãos de segurança e do Estado por militantes de esquerda durante o regime militar.” O próprio Vanucchi, na mesma entrevista, externou com uma candura exemplar a repulsa que lhe infunde a idéia de igualdade perante a lei: “A idéia de que tem que fazer uma investigação dos dois lados peca por ignorar que durante o regime militar essas pessoas foram expulsas do país, demitidas, perseguidas, espionadas, presas e algumas foram mortas.”

Bem, ainda não fui assassinado, mas já fui perseguido, espionado, ameaçado de morte e demitido, por motivos políticos, de três empregos. Quererá isso dizer que estarei no meu pleno direito se penetrar ilegalmente no Brasil, armado de uma 45, e der dois tiros na cabeça oca do sr. Vanucchi com a naturalidade de quem estoura uma melancia? É claro que não. Não só alguns são mais iguais que os outros, mas o direito de ser mais igual é desigualmente distribuído. O critério de distribuição é aquele que Herbert Marcuse chamava “tolerância libertadora” e definia assim: “Toda a tolerância para com a esquerda, nenhuma para com a direita.”

Nem a “linha dura” militar ousou jamais fazer pender tão vertiginosamente para o seu lado a balança da justiça. Durante a ditadura, os tribunais militares deram a cada terrorista pleno direito de defesa. Os advogados que ali atuaram – mesmo esquerdistas eles próprios — são unânimes em reconhecê-lo. Tanto pior. Isso é apenas uma razão a mais para que a esquerda se escandalize ante a hipótese de ser julgada pelas mesmas leis com que deseja punir seus inimigos.

Tal como a noção de justiça, a de veracidade também é cinicamente prostituída, todos os dias, para servir a uma insaciável ambição de poder. Em matéria de mendacidade, o sr. Vanucchi é pinto, em comparação com o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Esse abortista fanático, cego, louco, não hesita em falsificar as estatísticas do seu próprio ministério para ludibriar a opinião pública e induzi-la a apoiar a legalização do aborto. Em 29 de março de 2007 ele declarou à Folha de S. Paulo que “ mi lhares de mulheres morrem todos os anos no Brasil por causa de abortos ilegais”. Em agosto, sabatinada na ONU, sua cúmplice Nilcéia Freire diminuía um pouco o tamanho da mentira: “E m 2002, 2003 e 2004 ocorreram 115, 152 e 156 mortes anuais provocadas por abortos ilegais”. Os dados do próprio DataSUS mostram que as mortes por essa causa foram respectivamente, nesses anos, em número de seis, sete e onze. Sim: seis, sete e onze mulheres. Tal é o gigantesco, o epidêmico problema de saúde pública que os dois ministros querem eliminar mediante o assassinato de milhões de bebês no ventre de suas mães. Ambos conhecem perfeitamente esses dados. Ambos mentem deliberadamente, friamente, na defesa de uma causa insana e homicida.

Como se pode ter uma “divergência política” com esses indivíduos? O que há entre eles e as pessoas normais é um abismo moral imensurável.

Mas como poderá a “direita” condená-los, se ela própria falsifica em favor da esquerda, com tanta devoção quanto eles, o quadro da realidade nacional?

Quando lemos os discursos dos chamados oposicionistas, direitistas etc., temos a impressão de que o maior ou único mal do Brasil é a corrupção, o roubo de dinheiro público. Enquanto isso, o partido governante, nos anúncios do seu 3º. Congresso, assume abertamente a liderança do Foro de São Paulo, “espaço de articulação estratégica” ( sic ) onde trama e executa planos em comum com as Farc e o Mir, organizações criminosas notoriamente empenhadas em seqüestrar e matar brasileiros e em aparelhar e treinar as quadrilhas locais para que seqüestrem e matem mais ainda. Que a direita queira ser “apolítica”, é covardia, mas é compreensível precisamente por isso. Mas que ela ajude a ocultar a trama política responsável pela matança anual de dezenas de milhares de nossos concidadãos, é um crime puro e simples, e este ela não pode atribuir aos esquerdistas. Ninguém a obriga a calar-se, ao menos por enquanto. Ninguém a obriga a agir como se dinheiro roubado fosse mais chocante do que sangue derramado nas ruas. Ninguém a obriga a fingir que o inimigo é apenas ladrão, quando ele é cúmplice ativo de assassinato em massa.

O Foro de São Paulo é o coração do inimigo, e, ao mesmo tempo, o seu único ponto vulnerável. Acertem-no aí, com firmeza e coragem, e o destruirão. Tentem roê-lo discretamente pelas beiradas – e ele os destruirá.

Promessa aos leitores

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 30 de agosto de 2007

Em entrevista ao Jornal da Unicamp, João Carlos Kfouri Quartim de Moraes, indagado sobre o atentado terrorista que matou o capitão americano Charles Chandler em 1968, respondeu: “Essa ação me valeu dois anos de condenação.” (v. aqui). Confiando nessa informação, repassei-a aos leitores do JB, e por isso fui acusado, pelo próprio Quartim, de publicar “uma mentira deslavada”. Em entrevista ao jornal eletrônico www.vermelho.org , reproduzida no site oficial do PT, o referido jura, agora, que não foi condenado por essa ação terrorista, mas por outro motivo. Não vou me perguntar se ele tem falta de memória ou falta de vergonha. Ambas essas deficiências aparecem sintetizadas na mentira esquecida, atribuída retroativamente a quem teve a imprudência de acreditar nela.

Ainda nas declarações à Unicamp, Quartim afirmou sobre o caso Chandler: “Boa parte dos indiciados morreu nos porões do Doi-Codi.”

Bem, da lista total de indiciados (publicada na Folha da Tarde de 28 de novembro de 1969), Carlos Marighela morreu em tiroteio de rua; Dulce de Souza foi trocada por um embaixador seqüestrado, viajou pelo mundo e voltou ao Brasil depois da anistia; Diógenes José Carvalho prosperou como presidente do Clube de Seguros da Cidadania e tornou-se tristemente célebre com o apelido de “Diógenes do PT”; João Leonardo da Silva Rocha foi para Cuba; Ladislau Dowbor continuou vivo, dando aulas na PUC de São Paulo; Onofre Pinto morreu em combate na fronteira com a Argentina, em 1974; Marcos Antonio Brás de Carvalho foi morto em tiroteio, na sua própria casa, em 1969; Pedro Lobo de Oliveira trabalhou como segurança do advogado Luís Eduardo Greenhalgh até pelo menos 1986, quando o vi pela última vez; João Carlos Kfouri Quartim de Moraes está vivo e, aparentemente, passa bem, pelo menos até ler este artigo. Só não sei de Manoelina de Barros, mas suspeito que ela também não “morreu nos porões do Doi-Codi”, pois seu nome não consta de nenhuma das listas de mortos e desaparecidos que circulam pela internet. Doravante – prometo aos leitores — darei a qualquer declaração de Quartim de Moraes a mesma quota de credibilidade que cabe à expressão “boa parte dos indiciados”.

Sugiro a mesma precaução aos militares brasileiros – poucos, espero – que aparentemente aceitam esse indivíduo como interlocutor confiável no “diálogo” que ele orquestrou entre as Forças Armadas e as organizações comunistas.

Afinal, esse diálogo – um novo nome para aquilo que antigamente se chamava infiltração — é composto de sorrisos e lisonjas, em público, mas entrecortado de ameaças veladas.

Às vezes a duplicidade não é só de palavras, mas de atos.

Matar prisioneiros inermes é um crime monstruoso em qualquer circunstância. Mas a liderança comunista tem-se esforçado para que aqueles que o cometeram sob as ordens do Estado brasileiro sejam objeto de castigo, enquanto os que fizeram o mesmo a mando de organizações terroristas são homegeados como heróis.

A última dessas homenagens glorificou a figura macabra de Carlos Lamarca – tão macabra quanto a de qualquer torturador do Doi-Codi –, que não só matou um prisioneiro amarrado, mas o fez em pessoa, com sucessivas coronhadas, esmagando-lhe metodicamente o crânio.

Naturalmente, esperar que crimes iguais tenham tratamento igual é extremismo de direita.

Palavras de um infiel

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 29 de agosto de 2007

Anos atrás, impressionado com a quantidade de autores nulos e desprezíveis a que Wilson Martins dera meticulosa atenção na sua História da Inteligência Brasileira , enviei a ele uma pilha de livros de Mário Ferreira dos Santos, sugerindo que remediasse, numa segunda edição, a falta de menções ao maior dos nossos filósofos. A resposta que recebi foi um atestado de leviandade: alegando que o assunto escapava à sua área de competência, Martins se eximia de cumprir o mais elementar dos seus deveres de historiador. Na edição aumentada do calhamaço, Mário continuou ausente. Melhor para ele, é claro: livrou-se de ser pesado na balança da inépcia.

Já eu não tive a mesma sorte. Abjurando do seu voto de abstinência filosófica, mas confirmando plenamente a razão que alegou para emiti-lo, o crítico paranaense se mete a resenhador e juiz de meus livros A Dialética Simbólica e O Futuro do Pensamento Brasileiro (São Paulo, É-Realizações, 2007), com resultados que me levam a conjeturar, entre espasmos de terror, o que teria ele podido entender da Filosofia Concreta ou de Pitágoras e o Tema do Número, que tive a ingenuidade de lhe remeter naquela ocasião.

Omitindo-se de tocar no conteúdo dos meus escritos, que lhe escapa por completo, Martins limita-se a condenar-lhes o tom “agressivo”, provando que a incapacidade de elevar-se à esfera das significações não imuniza contra a percepção das ênfases emocionais respectivas, como pode aliás confirmá-lo quem quer que já tenha gritado com um cãozinho doméstico ou mesmo com uma galinha.

No único ponto em que tenta discutir algo das minhas idéias, Martins não só escolhe um detalhe secundário, mas ainda lidando com tópico mais ao alcance do seu QI o melhor que ele consegue é produzir um formidável contra-senso: afetando desprezo pela distinção que faço entre verso e prosa, ele lhe opõe a de Gustave Lanson em L´Art de la Prose (1908) e, após citar esta última, assegura, com a cara mais bisonha do mundo, que “Olavo de Carvalho chega, por inesperado, a conclusões semelhantes” às do autor francês. O leitor jamais saberá se errei por discordar ou concordar e muito menos o que pode haver de tão inesperado no fato de duas opiniões concordantes concordarem.

Na verdade, não importa. O que Martins tem sobretudo a objetar aos meus ensaios é que estão imersos na ilusão pueril de poder contestar erros filosóficos, quando ele, Martins, desde o alto do seu Olimpo de serenidade e isenção, sabe que “não há idéias erradas” ( sic ), frase que ele atribui a um juiz da Suprema Côrte americana mas que, independentemente da autoria, é com certeza a mais idiota que li nos últimos quarenta anos (levando mesmo a suspeitar que o crítico, em segredo, alimente ambições presidenciais). Não havendo diferença substantiva entre verdade e erro, só restam, como critérios aceitáveis de julgamento filosófico, o bom-mocismo e a polidez, aos quais, é certo, falho miseravelmente.

Meses antes, eu já havia aqui condenado o primado das regras de polidez sobre a verdade, a moralidade, as leis – a apoteose do enfeite, em plena derrocada de tudo o mais. Martins não precisava, logo numa resenha dos meus livros, ter personificado tão bem o culto idolátrico à futilidade, que impera no Brasil de hoje. Mas, no fundo, estou felicíssimo de ter sido condenado como infiel a essa religião de socialites. Se para ser escritor neste país é preciso praticá-la, de bom grado deixo esse emprego para Wilson Martins e similares. Eu não o aceitaria por dinheiro nenhum deste mundo.

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