Yearly archive for 2006

Guerra e dietas

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 25 de junho de 2006

O senador republicano Rick Santorum, usando dos privilégios do Freedom of Information Act (“Lei da Liberdade de Informação”), conseguiu obter do serviço secreto militar a relação completa das armas químicas de destruição em massa encontradas até agora no Iraque. São mais de quinhentas – o suficiente para matar por intoxicação os habitantes de umas vinte cidades americanas. O jornalista Richard Miniter já havia revelado a existência dessas armas, no seu livro Disinformation: 22 Media Myths that Undermine the War on Terror (Regnery, 2005). Mas agora a coisa é oficial: não há mais como negar honestamente que o governo de Saddam Hussein ludibriou os inspetores da ONU, exatamente como o governo americano proclamou ao declarar guerra ao Iraque. A informação, é claro, não vai tapar a boca de Ted Kennedy, Nancy Pelosi, John Kerry e John Murtha: mas continuar de boca aberta é uma coisa, falar de boca cheia é outra. Quando Murtha, na mesma semana, saiu apontando supostos defeitos de tática na operação que matou o terrorista Al-Zarqawi, mesmo os democratas mais enragés se esquivaram de ajudá-lo a pagar o mico.  Ser crítico do sucesso é posar de advogado do fracasso.

Desde o início da campanha anti-guerra, era evidente que o slogan “Bush lied, children died” era mais postiço que bunda de silicone. Nenhum presidente americano seria sonso o bastante para arriscar o país e seu próprio pescoço numa aventura militar baseada em informações totalmente furadas.

O estranho no episódio é que o senador Santorum tenha tido de arrancar à força uma informação que o governo Bush, pela lógica, deveria estar alardeando desde cima de todos os telhados. Não sei se Bush é masoquista, se está guardando cartas na manga para um momento eleitoralmente mais propício ou se, através do CFR (Council on Foreign Relations), tem algum acordo secreto com os democratas. Sei é que ele parece estar fazendo o que pode para agradar seus adversários e irritar seus eleitores. Por enquanto é tudo mistério. Bush é o presidente mais retraído e enigmático que os EUA já tiveram.

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Quem não quer levar uma vida como a do ator cômico George Burns – ser forte como dois pôneis, ter multidões de fãs, divertir-se a valer, acordar cheio de gratidão a Deus todos os dias, comer, beber e fumar à vontade, e depois morrer mansamente com um último charuto nos lábios, aos 101 anos, muito depois do seu médico?

Burns, que teve mesmo a satisfação de fazer o papel de Deus numa comédia maluca, vem-se tornando um emblema das polêmicas anti-politicamente corretas contra os rigorismos dietéticos que os americanos, é verdade, mais alardeiam do que praticam.

Mark Twain deplorava o ascetismo sombrio com que tantas pessoas se privam de experiências deliciosas na vã esperança de esticar sua vida por uns miseráveis minutinhos. Uma pesquisa recente mostrou que, das oitenta pessoas mais velhas do mundo, setenta e oito eram fumantes. Algumas haviam até deixado de fumar depois dos cem anos, por achar que estava lhes fazendo mal. Dados oficiais do governo americano provam que morrem uns quatrocentos mil fumantes por ano nos EUA – mas morrem com uma média de idade que é até um pouco mais avançada que a dos não-fumantes falecidos. E uma outra pesquisa, mais recente, mostrou que algumas das populações mais longevas do planeta não têm o hábito de comer vegetais e vivem quase que exclusivamente de carne vermelha – uma dieta que, segundo a Organização Mundial da Saúde, deveria ter dado cabo das infelizes muito antes de encerrada a pesquisa. A OMS, por sua vez, segundo informa um estudo do filósofo inglês Roger Scruton, é uma entidade benemérita que gasta oitenta por cento do seu orçamento com o pagamento de seus funcionários, mais uns doze por cento com despesas administrativas e o restante à preservação da saúde da espécie humana.

Definitivamente, há algo de errado com a “cultura da saúde”.

Dissolvendo os EUA

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 23 de junho de 2006

Entre os conservadores americanos, o escândalo do mês é o relatório do Council on Foreign Relations (CFR) que propõe – nada mais, nada menos – a abolição das fronteiras entre os EUA, o México e o Canadá. O plano seria implantado com rapidez fulminante. Por volta de 2010 a nação de Washington e Jefferson simplesmente teria deixado de existir, sendo substituída por uma “Comunidade Norte-Americana” multilíngue e sem identidade cultural.

O documento é de dois anos atrás: a novidade chocante é que o presidente Bush, discretamente, assinou em 2005 um acordo com os governos dos dois países vizinhos para implementá-lo. Ninguém até agora tinha prestado atenção nisso. E ninguém poderia imaginar que o governante eleito por uma maioria de conservadores e nacionalistas tivesse se deixado envolver tão profundamente numa trama globalista anti-americana.

A proposta é nitidamente inspirada na idéia do velho Morgenthau, de chegar ao governo mundial por meio de sucessivas integrações regionais, e se harmoniza às mil maravilhas com a constituição simultânea de uma União das Repúblicas Socialistas Latino-Americanas, inevitavelmente mais dependente de ajuda internacional do que nenhum país capitalista jamais foi.

Só mesmo nesse templos da ignorância que são a universidade brasileira, a Folha de S. Paulo e a Escola Superior de Guerra pode haver ainda quem acredite que globalismo é “imperialismo americano”. O relatório pode ser lido, na íntegra, no site cfr.org.

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Primeira Leitura fechou por falta de anunciantes, enquanto o governo alimentava com verbas oficiais uma revista de propaganda lulista. Tal é o estado de coisas na mídia nacional.

Trinta anos atrás, a distinção entre o jornalismo profissional e o subjornalismo de partido era um ponto de honra para os membros da classe. Cláudio Abramo, mais comunista que Che Guevara, jamais tentou transformar a Folha de S. Paulo num órgão de propaganda esquerdista. Roberto Marinho, um dos mentores do regime de 1964, protegia os comunas do Globo, porque sabia que colocavam a ética da profissão acima do partidarismo.

Hoje em dia um sujeito trabalha para o governo cubano, faz pregação comunista em panfletos eletrônicos com foice e martelo no logotipo, e não só é reconhecido como jornalista profissional mas também ganha um cargo na diretoria da ABI. Depois, chamado de “agente de influência”, que é precisamente o que ele é, se finge de ofendido e processa o jornal que disse a verdade. Não sou de fazer alusões sem dar nome aos burros. Que tal “Mário Augusto Jacobskind“?

Já tive meus arranca-rabos com Janer Cristaldo, mas subscrevo integralmente o que ele disse no seu último artigo: “Jornalista que vende sua capacitação para ideologias ou partidos não passa de um venal. Uma vez que optou pela prostituição, deveria ser sumariamente excluído, e para sempre, das redações de jornal.”

Na realidade do Brasil atual, excluídos são os outros. O próprio Janer, por exemplo.

Cinismo pedagógico

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 22 de junho de 2006

O PT está adestrando os brasileiros para que aceitem dele, com docilidade canina, doses faraônicas de tudo aquilo que mesmo em quantidades mínimas os indignava e enfurecia nos governos anteriores.

O cinismo com que os acusados sorriem das denúncias – Mensalão, assassinatos, terrorismo biológico, parceria com narcotraficantes, invasão do Congresso, o diabo – não nasce da cara-de-pau natural. É uma técnica pedagógica, bem conhecida desde Lênin, calculada para quebrar a resistência mental do povo por meio de choques sucessivos, até habituá-lo a uma ética invertida, na qual o crime e a trapaça, desde que praticados por agência ideologicamente aprovada, se tornem fontes de autoridade moral.

Se aplicado uma vez ou duas, o ardil provocaria ódio em vez de submissão. É preciso repeti-lo, em doses crescentes, até que o desespero da razão comece a enxergar na resignação ao absurdo a única esperança de alívio.

Também é preciso que os golpes não atinjam um ponto só, mas, variando a direção do ataque, dêem uma impressão de onipresença sufocante, repentina e devastadora como uma nuvem de gafanhotos. Todos os setores da vida devem ser acossados por um bombardeio simultâneo de novas regras, cada uma delas insensata e ridícula em si mesma, mas terríveis e assustadoras no conjunto e na prepotência súbita com que se impõem. Do dia para a noite, tudo se inverte. Possuir uma fazenda é crime; invadi-la e queimá-la é um direito e um dever. O sistema representativo é opressão; a violência é democracia. Revoltar-se contra os abusos do governo é perseguição macartista; calar a oposição é liberdade. Assassinos e ladrões são vítimas; suas vítimas são criminosas.

Depois de alguns anos desse tratamento, toda resistência começa a ceder. A malícia da operação é tão imensa, a crueldade psicológica que a inspira é tão obviamente diabólica, que até almas bem estruturadas se recusam a acreditar em tamanha perversidade. Então, como crianças aterrorizadas, inventam uma outra realidade, mais amena, e juram para si próprias que estão vivendo dentro dela. E é aí mesmo que se tornam inofensivas e dóceis como planejado.       

           

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Se vocês querem saber quem é Evo Morales, dêem uma olhada no site http://www.univision.com/content/content.jhtml?cid=781409. Espremido pelo jornalista Jorge Ramos com perguntas sobre Cuba, narcotráfico e direitos humanos, o invasor da Petrobrás se atrapalha todo e faz um strip-tease moral entre cômico e obsceno. É a imagem viva da ignomínia comunista diante da qual o nosso presidente se baba de admiração.           

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Não conheço fanáticos mais irracionais do que os adeptos de teorias científicas. Quando discuto com um entusiasta de Newton, de Darwin, de Georg Cantor, de Richard Dawkins, saio até com a impressão de que os comunistas são pessoas razoáveis, dispostas ao diálogo. Nada se compara à fúria sagrada com que, desafiados em suas crenças, os profissionais da razão se dispensam de usá-la e partem para o arremedo provinciano do argumentum auctoritatis.

Em resposta ao meu artigo anterior, meia dúzia de Ph.-Ds. me escreveram, indignados, alegando que se a teoria de Newton fosse absurda não teria sido possível extrair dela tantas aplicações técnicas, incluindo as viagens espaciais. Um título de doutor deve estar custando muito barato, a julgar pelo número de pessoas que logram obtê-lo sem haver sequer aprendido que aplicações técnicas, mesmo espetaculares, não têm jamais o poder de provar teoria alguma. Se é para dar o exemplo das viagens, basta lembrar que todos os cálculos de navegação aérea e marítima ainda são feitos segundo a astronomia de Ptolomeu. Se a eficácia dessa aplicação provasse alguma coisa, Copérnico estaria frito. Toda e qualquer técnica se baseia num recorte postiço da realidade, sem o qual a ação humana teria de estender-se ao infinito. A técnica nada prova exceto a sua própria possibilidade, e mesmo assim dentro de um conjunto de condições rigidamente limitadas.

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