Yearly archive for 2002

PT muda

Por Janer Cristaldo

“A imprensa mudou, os partidos mudaram e eu mudei”, diz Lula. Ora, mudar tem época. O homem que era adulto no pós-guerra, tinha sobrado conhecimento dos crimes do comunismo. Os gulags datam de 1918. As purgas e assassinatos, de 1936. Se permanecia marxista até o final dos 30, no fundo apoiava os expurgos, massacres, assassinatos e gulags. Em 1949, este homem teve mais uma chance de abandonar o barco, a affaire Kravchenko.Victor Andreïevitch Kravchenko, alto funcionário soviético que havia trocado a URSS pelos Estados Unidos, relatou esta opção em Eu escolhi a liberdade, livro em que denunciava a miséria generalizada e os gulags do regime stalinista. O livro foi traduzido ao francês em 1947 e teve um sucesso fulminante. A revista Les Lettres Françaises publicou três artigos difamando Kravchenko, apresentando-o como um pequeno funcionário russo recrutado pelos serviços secretos americanos. Kravchenko processou a revista, no que foi considerado, na época, o julgamento do século. No banco dos réus estava nada menos que a Revolução Comunista. Em seu testemunho, Kravchenko trouxe ao tribunal Margaret Buber-Neumann, esposa do dirigente comunistas alemão Heinz Neumann, como também o ex-guerrilheiro antifranquista El Campesino, ambos aprisionados por Stalin em campos de concentração. Kravchenko, que perdeu toda sua fortuna produzindo provas no processo, teve ganho de causa. Recebeu da revista francesa, como indenização por danos e perdas … um franco simbólico.

A partir daquela data ninguém mais podia negar o universo concentracionário soviético. 1949 é a data limite para um homem que se pretenda honesto abandonar o marxismo. Em 56, Kruschov denuncia os campos em seu famoso discurso no 20º Congresso dos PCUS. No mesmo ano, foi invadida a Hungria. O muro de Berlim data de 61. No entanto, até os anos 90, ilustres
intelectuais, no Brasil e no planetinha, gabavam-se de pertencer ao partido e a ideologia que matou cem milhões de pessoa ao longo do século passado.

O PT nasce em 1980, sob a égide do socialismo. Em sua árvore genealógica estão o PCB, PC do B e as diversas siglas guerrilheiras que surgiram a partir dos 60, todas financiadas por Moscou, Pequim ou Havana. Em sua gestação estão a CNBB e a ala guerrilheira da Igreja Católica. Ora, em 1980, a nenhum homem medianamente informado era permissível ignorar as feições do marxismo. Mesmo assim, o PT nasce compromtido com o totalitarismo. Até hoje mantém em seus quadros egressos da guerrilha que sonhou transformar o Brasil em uma ditadura socialista. Nasceu senil e nenhum esforço fez para rejuvenescer. Prova disto são as homenagens prestadas por Lula e demais petistas a João Amazonas, morto nesta semana. Amazonas, que iniciou sua carreira de aparatchik sob as ordens de Moscou, optou mais tarde pelo linha de Pequim, para terminar defendendo o tosco e ridículo regime albanês. No Brasil, foi um dos organizadores da guerrilha do Araguaia, aventura irresponsável que levou à morte um punhado de ingênuos.

Este senhor, que a justo título merece o mesmo repúdio que dedicamos a um líder nazista, teve exéquias de herói e seu cadáver foi coberto com a bandeira da tirania que empestou o século. Líderes petistas, comovidos, lhe prestaram preito. “João Amazonas tem um simbolismo muito grande para quem lutou neste país por democracia”, disse Lula, referindo-se ao homem que toda sua vida foi fiel à filosofia que abafou qualquer pingo de democracia, onde quer que se instalasse. (Fernando Henrique e José Serra, rebentos da mesma vergôntea, não perderam a ocasião de render homenagens. Cadáver de comunista ainda rende votos). Neste sentido, o PT não mudou. Continua cultuando os celerados que estão em suas origens. Até hoje, o partido nada disse contra a mais antiga ditadura do planeta. Pelo contrário, Lula costuma refestelar-se junto a Castro.

“É óbvio que Lula mudou, que o PT mudou”, me escreve um irado leitor, a respeito da crônica passada. Lendo os jornais da semana, tenho de rever meus conceitos. De fato, em algo Lula e o PT mudaram. Se não no essencial, pelo menos na superfície. “Lula defende Quércia”, diz a Folha de São Paulo. O PT, que denunciou as falcatruas do ex-governador paulista, agora por ele toma-se de amores. “Acho que todas as denúncias, contra qualquer pessoa, têm que ser apuradas. Ou a pessoa ganha uma condenação ou um atestado de idoneidade. Sempre parto do pressuposto de que todas as pessoas são inocentes até que se prove o contrário”, disse Lula em São Carlos.

Quércia foi denunciado por envolvimento nos escândalos do Banespa (desvio de U$ 55 milhões), na compra sem licitação de equipamentos israelenses (U$ 310 milhões) e outras irregularidades como a venda da Vasp, a construção do Memorial da América Latina e superfaturamento em obras do governo. Partindo do pressuposto aventado por Lula, até mesmo alianças com Collor, Maluf, ACM, Jader Barbalho ou Pitta seriam bem-vindas, pois nenhum destes senhores até agora ganhou uma condenação. Não se sabe ainda o que as autoridades esperam para conferir-lhes um atestado de idoneidade.

“Lula nunca dirigiu um carrinho de pipocas”, costumava dizer Quércia. “Mas eu também nunca roubei pipoca”, respondia Lula. Hoje, para Lula, Quércia é um “homem de bem”. Se antes defendia ditaduras, o PT defende hoje aqueles que denunciou como corruptos. De fato, o partido mudou

Cem anos de pedofilia

Olavo de Carvalho


O Globo, 27 de abril de 2002

Na Grécia e no Império Romano, o uso de menores para a satisfação sexual de adultos foi um costume tolerado e até prezado. Na China, castrar meninos para vendê-los a ricos pederastas foi um comércio legítimo durante milênios. No mundo islâmico, a rígida moral que ordena as relações entre homens e mulheres foi não raro compensada pela tolerância para com a pedofilia homossexual. Em alguns países isso durou até pelo menos o começo do século XX, fazendo da Argélia, por exemplo, um jardim das delícias para os viajantes depravados (leiam as memórias de André Gide, “Si le grain ne meurt”).

Por toda parte onde a prática da pedofilia recuou, foi a influência do cristianismo — e praticamente ela só — que libertou as crianças desse jugo temível.

Mas isso teve um preço. É como se uma corrente subterrânea de ódio e ressentimento atravessasse dois milênios de história, aguardando o momento da vingança. Esse momento chegou.

O movimento de indução à pedofilia começa quando Sigmund Freud cria uma versão caricaturalmente erotizada dos primeiros anos da vida humana, versão que com a maior facilidade é absorvida pela cultura do século. Desde então a vida familiar surge cada vez mais, no imaginário ocidental, como uma panela-de-pressão de desejos recalcados. No cinema e na literatura, as crianças parecem que nada mais têm a fazer do que espionar a vida sexual de seus pais pelo buraco da fechadura ou entregar-se elas próprias aos mais assombrosos jogos eróticos.

O potencial politicamente explosivo da idéia é logo aproveitado por Wilhelm Reich, psiquiatra comunista que organiza na Alemanha um movimento pela “libertação sexual da juventude”, depois transferido para os EUA, onde virá a constituir talvez a principal idéia-força das rebeliões de estudantes na década de 60.

Enquanto isso, o Relatório Kinsey, que hoje sabemos ter sido uma fraude em toda a linha, demole a imagem de respeitabilidade dos pais, mostrando-os às novas gerações como hipócritas sexualmente doentes ou libertinos enrustidos.

O advento da pílula e da camisinha, que os governos passam a distribuir alegremente nas escolas, soa como o toque de liberação geral do erotismo infanto-juvenil. Desde então a erotização da infância e da adolescência se expande dos círculos acadêmicos e literários para a cultura das classes média e baixa, por meio de uma infinidade de filmes, programas de TV, “grupos de encontro”, cursos de aconselhamento familiar, anúncios, o diabo. A educação sexual nas escolas torna-se uma indução direta de crianças e jovens à prática de tudo o que viram no cinema e na TV.

Mas até aí a legitimação da pedofilia aparece apenas insinuada, de contrabando no meio de reivindicações gerais que a envolvem como conseqüência implícita.

Em 1981, no entanto, a “Time” noticia que argumentos pró-pedofilia estão ganhando popularidade entre conselheiros sexuais. Larry Constantine, um terapeuta de família, proclama que as crianças “têm o direito de expressar-se sexualmente, o que significa que podem ter ou não ter contatos sexuais com pessoas mais velhas”. Um dos autores do Relatório Kinsey, Wardell Pomeroy, pontifica que o incesto “pode às vezes ser benéfico”.

A pretexto de combater a discriminação, representantes do movimento gay são autorizados a ensinar nas escolas infantis os benefícios da prática homossexual. Quem quer que se oponha a eles é estigmatizado, perseguido, demitido. Num livro elogiado por J. Elders, ex-ministro da Saúde dos EUA (surgeon general — aquele mesmo que faz advertências apocalípticas contra os cigarros), a jornalista Judith Levine afirma que os pedófilos são inofensivos e que a relação sexual de um menino com um sacerdote pode ser até uma coisa benéfica. Perigosos mesmo, diz Levine, são os pais, que projetam “seus medos e seu próprio desejo de carne infantil no mítico molestador de crianças”.

Organizações feministas ajudam a desarmar as crianças contra os pedófilos e armá-las contra a família, divulgando a teoria monstruosa de um psiquiatra argentino segundo a qual pelo menos uma entre cada quatro meninas é estuprada pelo próprio pai.

A consagração mais alta da pedofilia vem num número de 1998 do “Psychological Bulletin”, órgão da American Psychological Association. A revista afirma que abusos sexuais na infância “não causam dano intenso de maneira pervasiva”, e ainda recomenda que o termo pedofilia, “carregado de conotações negativas”, seja trocado para “intimidade intergeracional”.

Seria impensável que tão vasta revolução mental, alastrando-se por toda a sociedade, poupasse miraculosamente uma parte especial do público: os padres e seminaristas. No caso destes somou-se à pressão de fora um estímulo especial, bem calculado para agir desde dentro. Num livro recente, “Goodbye, good men”, o repórter americano Michael S. Rose mostra que há três décadas organizações gays dos EUA vêm colocando gente sua nos departamentos de psicologia dos seminários para dificultar a entrada de postulantes vocacionalmente dotados e forçar o ingresso maciço de homossexuais no clero. Nos principais seminários a propaganda do homossexualismo tornou-se ostensiva e estudantes heterossexuais foram forçados por seus superiores a submeter-se a condutas homossexuais.

Acuados e sabotados, confundidos e induzidos, é fatal mais dia menos dia muitos padres e seminaristas acabem cedendo à geral gandaia infanto-juvenil. E, quando isso acontece, todos os porta-vozes da moderna cultura “liberada”, todo o establishment “progressista”, toda a mídia “avançada”, todas as forças, enfim, que ao longo de cem anos foram despojando as crianças da aura protetora do cristianismo para entregá-las à cobiça de adultos perversos, repentinamente se rejubilam, porque encontraram um inocente sobre o qual lançar suas culpas. Cem anos de cultura pedófila, de repente, estão absolvidos, limpos, resgatados ante o Altíssimo: o único culpado de tudo é… o celibato clerical! A cristandade vai agora pagar por todo o mal que ela os impediu de fazer.

Não tenham dúvida: a Igreja é acusada e humilhada porque está inocente. Seus detratores a acusam porque são eles próprios os culpados. Nunca a teoria de René Girard, da perseguição ao bode expiatório como expediente para a restauração da unidade ilusória de uma coletividade em crise, encontrou confirmação tão patente, tão óbvia, tão universal e simultânea.

Quem quer que não perceba isso, neste momento, está divorciado da sua própria consciência. Tem olhos mas não vê, tem ouvidos mas não ouve.

Mas a própria Igreja, se em vez de denunciar seus atacantes preferir curvar-se ante eles num grotesco ato de contrição, sacrificando pro forma uns quantos padres pedófilos para não ter de enfrentar as forças que os injetaram nela como um vírus, terá feito sua escolha mais desastrosa dos últimos dois milênios.

A Hundred Years of Pedophilia

OLAVO DE CARVALHO

O Globo, April 27, 2002
Translated by Assunção Medeiros
In Greece and in the Roman Empire, the use of minors for the sexual satisfaction of adults was a tolerated and even prized costume. In China, castrating young boys to sell them to rich pederasts was legitimate commerce during millennia. In the Islamic world, the rigid morals that ordain the relationships between men and women was not rarely compensated by the tolerance with homosexual pedophilia. In some countries this lasted al least until the beginning of the 20th century, making Algeria, for example, a garden of delights for depraved travelers (read the memoirs of André Gide, “Si le grain ne meurt”).

In all the places where the practice of pedophilia receded, it was the influence of Christianism — practically alone — that freed the children from this awful rule.

But this had a price. It is as if an undercurrent of hate and resentment had gone through two millennia of history, waiting for the moment of revenge. This moment has arrived.

The movement for the induction to pedophilia starts when Sigmund Freud creates an erotic parody of the first years of human life, a version that is very easily absorbed by the culture of the century. Since then, family life appears more and more, in western imagining, as a pressure cooker of repressed desires. In movies and in literature, children seem to have nothing to do but to spy on the sexual life of their parents through the keyhole, or to engage themselves in the most amazing erotic games.

The politically explosive potential of the idea is soon put in use by Wilhelm Reich, communist psychiatrist who organizes in Germany a movement for the “sexual liberation of youth”, that was afterwards transferred to the US, where it will constitute what is maybe the main idea and power behind the student rebellions of the sixties.

Meanwhile, the Kinsey Report, which today we know was a fraud all down the line, demolishes the image of respectability of the parents, showing them to the new generations either as sexually diseased hypocrites or as feigning libertines.

The advent of the birth-control pill and of condoms, which governments start to distribute happily in schools, sounds like a call for total liberation of infant-juvenile eroticism. Since then, the eroticism of childhood and adolescence expands from academic and literary circles into the culture of middle and lower classes, through an infinitude of films, TV programs, “meeting groups”, courses on family guidance, ads, you name it . Sexual education in schools becomes a direct induction of children and youth to the practice of everything they saw on the movies and on TV.

But up to that point the legitimization of pedophilia appears only in innuendo, hidden among general demands that bring it along as implicit consequence.

In 1981, however, “Time” announces that arguments pro-pedophilia are becoming popular among sexual counselors. Larry Constantine, a family therapist, proclaims that children “have the right to express themselves sexually, what means they can or cannot have sexual contact with older people”. One of the authors of the Kinsey Report, Wardell Pomeroy, pontificates that incest “can sometimes be beneficial”.

On the pretext of fighting discrimination, representants of the gay movement are authorized to teach in schools the benefits of the homosexual practice. Whoever opposes them is stigmatized, persecuted, fired. In a book praised by J. Elders, ex-secretary of health of the US (the surgeon general — that same one who makes apocalyptic warnings against smoking), the journalist Judith Levine affirms that the pedophiles are harmless and that the sexual relation of a boy with a preacher can even be a beneficial thing. Really dangerous, says Levine, are the parents, who project “their fears and their own desire for infantile flesh on that mythical molester of children”.

Feminist organizations help to disarm children against pedophiles and to arm them against the family, divulging the monstrous theory of an Argentine psychiatrist according to which at least one in every four girls is raped by her own father.

The highest consecration of pedophilia comes in a 1998 edition of the “Psychological Bulletin”, organ of the American Psychological Association. The magazine affirms that sexual abuse in infancy “does not cause intense damage in a pervasive manner”, and besides that, recommends that the term pedophilia, “charged with negative connotations”, be changed to “intergenerational intimacy”.

It would be unthinkable that such a vast mental revolution, spreading throughout society, would spare miraculously a special part of the public: priests and seminarians. In their case, added to outside pressure, there was a very special stimulus, well calculated to act from inside. In a recent book, “Goodbye, good men”, the American reporter Michael S. Rose shows that, for three decades, the gay organizations in the US have been putting their people in the psychology departments of the Seminars to make the entrance of the vocationally gifted postulants more difficult and force the massive entrance of homosexuals in the clergy. In the most important Seminars, homosexual propaganda became ostensive and heterosexual students were forced by their superiors to submit to homosexual conduct.

Cornered and sabotaged, confounded and induced, it is fatal that sooner or later many priests and seminarians end up yielding to the general infant-juvenile orgy. And, when this happens, all the spokesmen of the “liberated” modern culture, all the “progressive” establishment, all the “forward looking” media, all the powers, therefore, that along a hundred years were stripping children of their protecting aura of Christianity to give them to the lust of perverse adults, suddenly rejoice, because they found an innocent on which to lay all their blame. A hundred years of pedophile culture are all of a sudden absolved, clean, paid for before the Almighty: the only one to blame for it is… clerical celibacy! Christendom will now pay for all the evil it stopped us from doing.

Do not doubt this: the Church is now accused and humiliated because it is innocent. Its detractors accuse it because they are themselves to blame. Never before has René Girard’s theory – of the persecution of the scapegoat as an expedient for the restoring of an illusory unity of a collectivity in a crisis – found such patent, such obvious, such universal and simultaneous confirmation.

Whoever does not realize this, at this time, is divorced from his own conscience. Has eyes, but does not see, has ears but does not listen.

But the Church itself, if it – instead of denouncing them – prefers to curve itself before its attackers in a grotesque contrition act, sacrificing pro forma a few pedophile priests so as not to have to face the forces that were injected inside it like a virus, will have made its most disastrous choice of the last two thousand years.

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