Yearly archive for 2001

A tortura é cada vez mais chinesa, mas também russa, ucraniana, moldava…

Ernesto Galli della Logia

Sette (encarte semanal do Corriere della Sera, Roma)

Tradução: Giulio Sanmartini

A Anistia Internacional denuncia: só em tempos recentes, mais de 600 casos confirmados de tortura mostram que a vocação totalitária do socialismo chinês não foi atenuada pelo ingresso de generosos investimentos norte-americanos, ao contrário do que profetizavam os adeptos de “negócios da China”. Chicotadas, choques elétricos, violências sexuais ainda são o tratamento que o governo chinês dá aos dissidentes políticos, aos religiosos tibetanos, aos acusados de delitos comuns, até aos casais que violam a obrigação de ter somente um só filho. Curiosamente, esses crimes, ocorridos agora mesmo e suficientemente provados, comovem menos as Cecílias Coimbras, os Bettos e os Paulos Evaristos do que suspeitas de casos de tortura sucedidos trinta anos atrás. — O. de C.

O comunismo aparece cada vez mais como uma experiência histórica da qual não é de fato fácil libertar-se. Pelo menos no campo dos direitos humanos o exemplo da ex União Soviética não deixa qualquer dúvida. Já faz mais de dez anos que o encontro com a democracia continua sendo, para aquele antigo Estado, um encontro atormentado e difícil se não impossível.

O caso da Rússia é o que normalmente chama mais a atenção – por exemplo os acontecimentos da Chechenia –, mas na realidade a situação do que acontece nas outras partes do ex “império” é que suscita (ou deveria suscitar, se o Ocidente fosse menos distraído) um alarme mais agudo. O Turkemenistão continua sendo uma ditadura rígida e intolerável. No Kazakistão, Kirghizistão e Uzbequistão praticamente não existiram nunca eleições livres, e os exparsos grupos de opositores são perseguidos sem piedade. Particularmente no último desses três países funcionam ainda os “gulag” para milhares de prisioneiros políticos. Por seu lado, o presidente da Bielorrússia, Lukashenko, fervoroso admirador de Hitler, continua imperturbavelmente, por meses e meses, a reprimir duramente os protesto suscitados por misteriosos desaparecimentos de grande número de opositores do seu regime, em particular de jornalistas.

Também a Ucrânia e a Moldávia não estão melhor. Na Geórgia vigora a tortura como prática, não de massa, mas sempre habitual, enquanto o conflito entre a Armênia e o Azerbaigian é fonte de continua violação dos direitos humanos.

Naturalmente, onde o regime comunista está ainda no poder, a situação é ainda pior. É o caso particular da China, não obstante sua recente ratificação de uma importante convenção da ONU que trata dos direitos sócio-econômicos, tendo em vista obter do Comitê Olímpico a designação para sede dos jogos de verão de 2008. Todavia a formal adesão ao tratado não suprime a feroz violação dos direitos humanos que foi denunciada essa semana por um documento especificamente dedicado à China pela Anistia Internacional. Nele pode-se encontrar ainda uma vez, antes de tudo, o amplo e sistemático uso da tortura contra os dissidentes políticos, contra os religiosos tibetanos, contra os acusados de delitos comuns, até contra casais que violam a obrigação de ter somente um só filho. Perseguições, chicotadas, choques elétricos, violências sexuais, constituem um tratamento reservado a esses infelizes, destinados, em sua maioria, a morrer pelas violências que lhes são impostas.

Nas 58 páginas do relatório da Amnesty encontram-se em termos gerais, mas de 600 casos de tortura que se tornaram conhecidos. È o caso do camponês Zhou Jianxiong, de 30 anos, pendurado de cabeça para baixo, agredido a pauladas, queimado com cigarros e com ferros em brasa, e que finalmente teve extirpado seu aparelho sexual. Outro caso è do também camponês de Hunan torturado até a morte em 15 de maio de 1998, por funcionários do escritório de planejamento familiar, por não ter revelado onde se escondia sua mulher, suspeita de estar grávida sem o assentimento oficial.

Como se pode ver, o regime de Pequim, mesmo desejoso de assumir fumaças de democrático, para agradar o Ocidente, não pretende de modo algum renunciar às crueldades que são praxe do regime totalitário inaugurado pelo fundador de república, o presidente Mao, há mais de meio século.

Disso sabem alguma coisa os seguidores da seita espiritual Falun Gong, os quais, ao que parece, estão no centro das preocupações e perseguições do Partido Comunista chinês, o qual, através da imprensa oficial de propaganda, não cessa de pedir aos seus funcionários da polícia resultados imediatos e eficientes, convidando-os a recorrer a todos os “meios possíveis”. É até muito fácil imaginar quais.

O holocausto contínuo

Olavo de Carvalho

O Globo, 21 de abril de 2001

Desde 1789, praticamente todas as perseguições em massa, todos os genocídios do mundo seguiram o mesmo esquema, obsessivamente repetitivo e invariável: o sacrifício dos crentes pelos ateus militantes. O quadro é aterrador. França, México, Espanha: matança dos católicos. Rússia e países satélites: matança dos cristãos ortodoxos (católicos, na Polônia, na Croácia e na Hungria). Alemanha: matança dos judeus. China, Tibete, Indonésia etc.: matança dos budistas e muçulmanos. Total: mais de cem milhões de mortos.

Em todos esses casos, a vítima é religiosa, o assassino é ateu, materialista, progressista, darwinista, portador do projeto de “um mundo melhor” em qualquer de suas inúmeras versões. Esse é o fato mais constante e mais nítido da história moderna, e também o mais ignorado, omitido, disfarçado. O homem religioso é uma espécie em extinção, não porque suas crenças tenham sido substituídas por outras melhores, mas porque está sendo extinto fisicamente.

Não obstante, ainda há quem acredite que as religiões, e não as ideologias ateísticas, cientificistas e materialistas, são responsáveis pela falta de liberdade no mundo. Daí que a propaganda anti-religiosa, malgrado os efeitos devastadores que produziu, seja aceita não somente como atividade cultural elevada e digna, mas como um dos pilares mesmos do sistema democrático e até como expressão suprema dos mais belos ideais humanos. Quando milhões de jovens imbecilizados pela mídia chegam às lágrimas de comoção idealística ao ouvir em “Imagine’’, de John Lennon, a descrição de uma sociedade paradisíaca, nem de longe percebem que seu apelo à supressão de todas as religiões é, em essência, uma legitimação do maior dos genocídios.

Nos países em que não sofrem violência física, os religiosos vêem suas crenças excluídas do debate superior sob a alegação da neutralidade do Estado leigo, e expostas à derrisão em publicações acadêmicas sem direito de resposta. Nos filmes, raramente aparece um padre ou pastor protestante que não seja virtualmente um psicopata, um pedófilo ou um serial killer.

Mesmo os rabinos, que durante um tempo foram poupados de ataques cinematográficos diretos por conta da memória recente do Holocausto nazista, já começam a ser mostrados como repressores insanos. A blasfêmia imposta ao público por um establishment industrial milionário é apresentada como expressão da liberdade criadora de artistas independentes, e qualquer protesto de entidades religiosas isoladas e impotentes é logo sufocado em nome da liberdade e da tolerância. Desse tipo de liberdade dizia Eric Voegelin: ”Até os nacional-socialistas defendiam a liberdade. A liberdade para eles, é claro, com exclusão de todos os outros.”

A rigor, não há qualquer diferença significativa entre uma teoria biológica racista, que sem nenhuma intenção política explícita acabe concorrendo indiretamente para justificar a discriminação de negros, amarelos, judeus ou árabes, e uma argumentação anti-religiosa que, com a maior inocência e os ares mais democráticos do mundo, ajude a amortecer na opinião pública a consciência do horror das matanças de crentes. Em ambos os casos há cumplicidade ao menos inconsciente com o genocídio. A diferença é que todos os crimes do racismo, somados, não produziram metade do efeito letal da anti-religião.

No entanto, os próprios religiosos, com freqüência, se recusam a perceber que o ódio anti-religioso do mundo moderno é geral, que ele se volta contra todas as religiões e não contra alguma delas em particular. A maioria deles parece ainda mais empenhada em polêmicas inter-religiosas do que na defesa comum do direito de crer em Deus.

Historicamente, a cegueira para o perigo comum já foi, entre os séculos XVI e XVIII, a causa de que a religião (católica, no caso) perdesse sua legitimidade de poder público, cedendo-a aos Estados nacionais nascentes. Um clero intelectualmente frágil, sem medida de comparação possível com a elite esclarecida dos séculos XII e XIII, revelou-se incapaz de rearticular a civilização ameaçada pela pululação de seitas em guerra, e in extremis a Europa foi salva pela emergência da nova autoridade, nacional e monárquica. Mas o advento desta não apenas acelerou o processo de fragmentação da consciência religiosa como também elevou incalculavelmente o potencial destrutivo das guerras, que, de conflitos locais entre grupos, se tornaram lutas de grande escala entre nação e nação.

Hoje, a ascensão de um poder global ateu e materialista apela, novamente, à urgência de apaziguar conflitos inter-religiosos, em muitos casos fomentados por “agentes provocadores”. E de novo os intelectuais religiosos — só que, agora, de todas as religiões — se mostram incapazes de apreender o quadro geral. Apegando-se a velhas polêmicas dogmáticas que podem ter sua importância, mas que nesse quadro se tornam extemporâneas e suicidas, parecem julgar mais importante humilhar as religiões concorrentes do que enfrentar o inimigo comum que vai esmagando todas elas juntas.

No Corão, Deus adverte a muçulmanos, judeus e cristãos: “Concorrei na prática do bem, que no juízo final Nós dirimiremos as vossas divergências.” Se, na prática, nem todas as divergências podem ser adiadas para o juízo final, algumas, pelo menos, podem ficar para depois de passado o perigo imediato, e outras podem ser canalizadas para uma simples “concorrência na prática do bem”. Qualquer disputa interconfessional que não esteja numa dessas duas categorias ameaça tornar-se, na situação presente, apenas um pretexto piedoso para fazer o mal.

PS – Não escrevi este artigo pensando no filme “O Corpo”, mas este é um exemplo escandaloso de tudo o que aí digo. Filmes como esse não devem ser respondidos com pedidos de censura, que só ajudam a sustentar a farsa do artista coitadinho perseguido pela autoridade inquisitorial, disfarçando a dura realidade das organizações religiosas inermes e marginalizadas que gemem sob o tacão da mais poderosa indústria de propaganda que já existiu no universo. O que se deve fazer é deixar que vão às telas, que façam sucesso — e em seguida processar os produtores por cumplicidade moral no massacre de religiosos, cobrando indenizações pesadas. As organizações cristãs, judaicas e muçulmanas deveriam juntar-se para isso — aproveitando que “O Corpo” esculhamba com as três religiões ao mesmo tempo — e fazer a coisa doer na única parte sensível desses safados: o bolso.

PS 2 – A discussão do impeachment de Olívio Dutra na Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa gaúcha foi adiada para maio. Enquanto isso, no jardim de “Marie Claire”, a propaganda comunista nas escolas já passou da fase da doutrinação à do ensino tático. A Escola Josué de Castro, de Veranópolis, RS, está ensinando a seus alunos a técnica da invasão de fazendas. Para esse fim, acaba de receber da Secretaria da Educação do RS uma verba extra de R$ 325.965,00. Se isso não é a revolução comunista financiada com dinheiro público, não sei que raio de coisa possa ser.

Transgênicos em Cuba

Olavo de Carvalho

Época, 21 de abril de 2001

Quem diria? Mas nem tudo o que é bom para Cuba é bom para o Brasil

Alertado por um gentil leitor, fui verificar na internet e comprovei que os transgênicos, tão odiados pela esquerda nacional, recebem as mais solícitas atenções do governo de Cuba e têm ajudado a melhorar consideravelmente a produção agrícola daquele Jardim do Éden.

Se têm dúvidas (e há indivíduos cuja ocupação primordial na vida é cobrir de suspeitas qualquer informação que venha de Olavo de Carvalho, chegando alguns a questionar a existência física desse articulista), podem tirá-las examinando o site http://www3.cuba.cu/ciencia/ibp/index.html , do Instituto de Biotecnología de Las Plantas, de Santa Clara, Cuba, entidade estatal destinada “al desarrollo y aplicación de técnicas biotecnológicas” e entre cujas criações se destacam “plantas transgénicas de caña de azúcar, banano, papa y papaya”, de grande sucesso entre os agricultores.

O senhor Bové, portanto, só será admitido na ilha de mãos amarradas e com focinheira, para não obstruir o progresso da ciência.

Mas a incongruência da situação não nos deve fazer esquecer que nada, na atuação das forças de esquerda no continente, é pura arbitrariedade de excêntricos. Desde a fundação do Foro de São Paulo, vem tudo muito bem coordenadinho de Havana, exatamente como nos tempos da Organización Latinoamericana de Solidariedad, a Olas, o QG da revolução continental do qual aquela entidade é a reencarnação pós-moderna.

Se Cuba aposta nos transgênicos, mas busca impedir que sejam usados aqui, não é por loucura: é por cálculo. É pelo mesmíssimo cálculo que o MST, dizendo querer plantar e produzir, invade, desmantela e paralisa fazendas produtivas.

“Loco sí, pero no tonto.” No novo panorama do mundo, os movimentos revolucionários tornaram-se um dos principais instrumentos com que a Nova Ordem Mundial debilita e subjuga os Estados nacionais. Por isso os ataques que esses movimentos fazem às grandes potências são meramente verbais e pro forma. Nem poderia ser de outro modo, pois delas vêm o dinheiro que os sustenta e o aplauso que recebem da mídia chique em Londres e Paris. Já suas investidas contra a ordem pública, contra os valores nacionais, contra as forças armadas e contra o progresso econômico dos Estados periféricos nunca ficam em palavras. São ações materiais, contundentes, eficazes, profundas.

Entregue à sanha de invasores e de ecologistas enragés, a agricultura acabará por se tornar um investimento caro demais para as fortunas brasileiras. Quem ganhará com isso? Investiguem quem patrocina esses sujeitos e terão a resposta.

Mas a agricultura é só um detalhe no conjunto de uma estratégia que, hoje, só os cegos de profissão não querem enxergar. Que exemplo poderia ser mais patente que a santa aliança das multinacionais com a extrema esquerda na luta pela affirmative action?

O mais cínico nisso tudo é que essa esquerda, para vender o país, se utiliza da velha retórica nacionalista dos anos 50. E o discurso ainda funciona tão bem que muitos patriotas sinceros, ouvindo-o, não chegam a perceber que o orador diz uma coisa e faz outra.

PS – Um outro leitor, escandalizado por minha afirmativa de que a associação de iluminismo com liberdade é só um reflexo condicionado verbal sem respaldo na realidade histórica, protesta que sou ingrato com o iluminismo, desfrutando as liberdades que ele criou e ainda falando mal dele. Que raio de raciocínio é esse? Se acabo de dizer que o iluminismo criou o totalitarismo, não posso, ao mesmo tempo, estar grato a ele por liberdade nenhuma. Ou o distinto trate de provar que minha premissa é falsa, ou não exija que eu aceite a conclusão da premissa contrária. Mas os requisitos mínimos de consistência, sem os quais nenhuma discussão é possível, parecem que se tornaram, para o típico brasileiro opinante de hoje, sutilezas inapreensíveis e mistérios esotéricos. E, quanto mais o sujeito tem preguiça de se elevar ao nível de uma discussão, menos resiste à comichão de dar palpite nela.

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