Yearly archive for 1999

Carta do Ministro do Exército a Olavo de Carvalho

Clinton, a guerra e a China

Olavo de Carvalho

CENSURADO

2 de maio de 1999

Este artigo, escrito durante os bombardeios em Kosovo, foi recusado pela revista República. — O. de C.

Na juventude, Bill Clinton foi um dos milhares de estudantes esquerdistas que se beneficiaram das verbas da KGB, ganhando uma daquelas viagens à URSS que eram o meio preferencial para o recrutamento de agentes soviéticos nos meios universitários do Ocidente. Na década de 60, isso seria impedimento bastante para qualquer candidatura a prefeito de cidade do interior. Nos anos 90, após três décadas de revolução cultural gramsciana, as ligações perigosas não impediram que Clinton fosse eleito presidente dos EUA com o apoio do Partido Comunista Americano. Graças a um bem calculado discurso “politicamente correto”, o novo governante tornou-se um ídolo da esquerda, a qual moveu céus e terras para mantê-lo no cargo a despeito de um variado leque de acusações que, entre futilidades sexuais, imbróglios financeiros e uma multidão de pequenos watergates, incluía alguma coisa de perfeitamente sério e apavorante: a suspeita de favorecimento à espionagem nuclear chinesa. A imprensa bem-pensante resistiu a toda investigação do assunto.

Agora, quando o pobre inocente lança os EUA numa aventura militar despropositada e cruel, a decorrente onda de indignação universal preserva misteriosamente a sua pessoa, preferindo falar em tom genérico contra a OTAN e o “imperialismo”, de modo que aos olhos do público a culpa das atrocidades acabe recaindo, por via subliminar, sobre aqueles que nos EUA mais energicamente se opuseram à iniciativa brutal do queridinho das esquerdas. Ato contínuo, segundo denuncia o Wahington Post, a máquina policial do Estado comandado por Clinton faz o possível para abafar as investigações sobre o recém-desmascarado espião Wen Ho Lee, que passou à China informações secretas do Laboratório Nuclear de Los Alamos, enquanto a alta hierarquia militar chinesa já se permite falar indiscretamente de seus preparativos bélicos e da formação de uma aliança internacional para reagir à agressão americana e começar a III Guerra Mundial. A imagem dos EUA deteriora-se a cada dia, enquanto a de Clinton permanece intocável, permitindo que ele continue a dar aos chineses os motivos, a ocasião e, para cúmulo de generosidade, os meios materiais para uma “guerra justa” contra o imperialismo americano.

Tudo isso é tão perverso, tão cínico e ao mesmo tempo tão assustadoramente claro e lógico, que chego a duvidar de que a esquerda ocidental esteja apenas agindo com a sua tradicional frivolidade e inconseqüência histórica. Chego a me perguntar se ela e Bill Clinton não sabem perfeitamente para onde as coisas estão indo e não desejam ardentemente chegar lá.

É claro que esse prodígio de mistificação não se poderia produzir sem algum controle das informações. Coincidência ou não, continua desprovido de qualquer repercussão mundial o combate feroz que a opinião pública direitista vem movendo nos Estados Unidos contra o bombardeio de Kosovo. Quem leia os colunistas conservadores de maior sucesso, como William Buckley Jr., Thomas Sowell, Joe Sobran, Pat Buchanan, George Will, será informado de que, na opinião unânime da direita, o bombardeio é uma conspiração esquerdista pelo menos tanto quanto a exploração do caso Lewinsky foi, segundo Hillary Clinton, uma conspiração direitista. Para que a esquerda conserve seu monopólio das denúncias de conspiração, facilmente impugnando como paranóia toda acusação similar que parta do lado contrário, a audiência destes colunistas deve ficar restrita ao território americano, sem abalar o consenso mundial que lança sobre a imagem do imperialismo direitista as culpas de William Jefferson Clinton e de sua curriola comunista.

Se o prezado leitor deseja furar o bloqueio, dirija-se às fontes, hoje acessíveis graças à internet. Leia:

Buckley em http://www.sacbee.com/voices/national/buckley,

Sobran em http://www.uexpress.com/ups/opinion/column/js/archive/,

Sowell em http://www.jewishworldreview.com/cols/sowell1.asp,

Buchanan em http://www.theamericancause.org/pat_buchanan.html

e Will em http://www.sacbee.com/voices/national/will.

Depois tire suas próprias conclusões. Diga se não há algo de estranho num ataque imperialista que é tão condenado pela direita e que a esquerda só critica tomando meticuloso cuidado para ocultar a responsabilidade pessoal do comandante supremo que o determinou.

 

 

A ditadura minimalista

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 29 de abril de 1999

“A estratégia das revoluções de hoje, nos países capitalistas desenvolvidos, tem de orientar-se para ganhar os aparatos ideológicos do Estado – e não destruí-los como previa a doutrina leninista… Entre os aparatos ideológicos que atuam sobre a consciência, estão os religiosos, os familiares, os jurídicos, os políticos, os de informação – imprensa, rádio e televisão – e os culturais… E aí está a chave para transformar o Estado por ‘uma via democrática’.” (Santiago Carrillo, Eurocomunismo y Estado , Madrid, 1977.)

Esse programa está sendo cumprido no Brasil há tempo suficiente para tornar bem clara a única diferença que o separa da estratégia leninista.

Lenin pregava a conquista do Estado por via insurrecional sob o comando de uma elite autoritária. Quaisquer que fossem os vícios e horrores dessa ditadura, ela não poderia ser acusada de tentar fazer-se passar por uma democracia. A tirania leninista tinha a virtude de seu inventor: a sinceridade brutal dos cínicos.

Já na “transição democrática”, que Carrillo aprendeu em Gramsci, não há ditadura, não há nem mesmo um chefe que se proclame chefe: longe de encarnar-se na figura visível de um líder autoritário, a mão de ferro do partido se desmembra, se subdivide em milhares de dedos autônomos, espalhados discretamente por todo o tecido da sociedade, agindo por vias independentes nas quais só o estudioso discerne a unidade de uma estratégia e onde o povo não consegue ver senão aquela convergência fortuita de resultados, que dá ao conjunto a autoridade miraculosa do curso impessoal da História.

Mas como se dá, em cada uma dessas pequenas unidades, a ocupação do espaço pelos comunistas? Ao contrário do que acontece na esfera eleitoral, onde cada partido é fiscalizado por seus adversários, a luta pelo poder numa empresa, numa escola, numa igreja simplesmente não tem regras. Uma vez conquistada a chefia, o grupo dominante faz o que quer: contrata, demite, ameaça, impõe e, enfim, não governa como um presidente constitucional cuja autoridade é limitada por um Parlamento, mas como um galo que manda e desmanda no galinheiro.

A ditadura, a que a elite comunista abdicou em aparência, é assim restaurada sob a forma de uma multiplicidade de pequenas ditaduras, onde o arbítrio de tiranetes reina gostosamente longe de toda fiscalização pública, tudo sob a sutil coordenação de um partido que, diante dos holofotes, continua exibindo sua carinha bisonha de neodemocrata.

Neste mesmo momento, milhares de subordinados politicamente inconvenientes, na imprensa, no mundo editorial, nas escolas, nas clínicas de psicologia, estão sendo pressionados, chantageados, ameaçados e forçados a seguir uma “linha justa”, que, apresentada diante das câmeras como proposta eleitoral, seria rejeitada no ato com horror e indignação.

Transferida para a meia-luz difusa da “sociedade civil”, a ditadura minimalista passa despercebida, em parte porque a imprensa já está domada para obedecê-la, em parte porque as mentalidades independentes que ali restam mantêm os olhos voltados para a cena política ostensiva, sem suspeitar do que se passa nos cantos mais discretos da vida nacional.

O mais asqueroso da história é que, nenhum outro partido tendo a descomunal cara-de-pau de empreender idêntica manobra, a usurpação comunista encontra campo livre, arrombando portas abertas e arrogando-se um poder a que o tempo e a falta de contestações acabam por dar a legitimidade de um direito adquirido. Foi assim que o simples rótulo de “direitista” se tornou alegação bastante para desqualificar um mestrando na universidade, um candidato a bispo nas igrejas ou um postulante a emprego nos jornais e revistas, como se a hegemonia esquerdista fosse uma cláusula pétrea da Constituição. Capitalistas liberais cretinos, covardes, aproveitadores – ou talvez afetados de “síndrome de Estocolmo” – se acumpliciam com a operação, financiando-a nababescamente em troca dos aplausos do beautiful people esquerdista, elevado, para cúmulo de sem-vergonhice, à condição de distribuidor exclusivo dos encantos sociais.

O mais lindo efeito dessa manobra é a rasteira que, por meio dela, a esquerda vem dando no processo eleitoral, de modo a, rejeitada nas urnas, poder governar sem as responsabilidades de governo.

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