Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 15 junho de 2009

Duas decisões recentes do judiciário brasileiro ilustram com perfeição a debacle moral irreversível que vem transformando esse país no paraíso dos criminosos.

Primeira: a Sexta Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença que absolveu um cidadão de vinte anos por ter mantido relações sexuais com sua namorada de doze. Na justificação da sentença, o Desembargador Mário Rocha Lopes Filho baseou-se em parecer do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, “onde prevaleceu a interpretação flexível à rigidez anacrônica do artigo 224a do Código Penal, norma forjada na década de 40 do século XX, porém não mais adequada à hodierna realidade social.”

Com o nome de “flexibilização”, fica assim estabelecido que a prática do sexo com menor 14 anos, se consentida pela criança, não é mais estupro. O Desembargador deixou de informar que a adoção dessa regra é a reivindicação mais essencial e urgente do movimento mundial pró-pedofilia. Também não esclareceu se a liberação da pedofilia consentida vale só para crianças de doze anos ou também para as de cinco, quatro, e assim por diante.

A segunda decisão veio, ao que parece unanimemente, de oitenta juízes das varas de execução criminal no Rio Grande do Sul reunidos com o juiz-corregedor Márcio André Keppler Fraga na sexta-feira passada: não serão mais enviados à prisão os réus condenados que responderam ao processo em liberdade, exceto nos casos de crime hediondo ou se a pena estiver na iminência de prescrição.

A desculpa é a falta de vagas nas cadeias.

Essas duas medidas mostram que: primeiro, os juízes se desobrigam de cumprir as leis, passando a modificá-las ou inventá-las como bem entendam; segundo, usam dessa autoridade usurpada para forçar a introdução de novos critérios que vão diretamente contra as crenças majoritárias da população.

Inconformado com a segunda decisão, o promotor Fabiano Dalazen diz que o Ministério Público tentará derrubar a medida no Poder Judiciário. “Se a lei determina que o sujeito seja preso, ele terá de ser preso”, diz ele, com toda a razão. Talvez ele consiga seu intento, mas quanto tempo falta ainda para que todos os juízes passem a pensar como essa camarilha do Rio Grande?

Tanto eles quanto o Desembargador Lopes, que autorizou a pedofilia consentida, não são representantes confiáveis do Poder Judiciário: são revolucionários cínicos, empenhados em derrubar o sistema desde dentro. Isso não seria tão grave se eles fossem exceções, mas os critérios que eles seguem estão sendo ensinados aos estudantes em praticamente todas as faculdades de Direito deste país: a figura hedionda do juiz-legislador já não é mais exceção e tende a tornar-se dominante num prazo de poucos anos. Quando um desses indivíduos decreta que tal ou qual lei já não serve para a “hodierna sociedade”, ele transforma a moda e o capricho em autoridades soberanas, passando por cima do processo legislativo normal.

Duvido que haja um só deles que não tenha consciência do alcance letal do que está fazendo. As crenças bárbaras da mentalidade revolucionária adquiriram, em suas cabeças, o valor de mandamentos sacrossantos, diante dos quais a Constituição, as leis, e as preferências da população não significam nada. Como novos Robespierres, eles acreditam-se imbuídos do dever de salvar de si mesmos os ignorantes que não pensam como eles. São um novo Comitê de Salvação Pública, e sua vontade é lei.

Continuar acatando suas sentenças, como se a destruição das leis tivesse por sua vez valor legal, é sobrepor as presunções de meros indivíduos à verdadeira ordem jurídica.

Por definição, juízes não legislam. Quando o fazem, tornam-se usurpadores criminosos e ninguém tem o dever de obedecê-los. Cada um tem antes o dever de denunciá-los, de expô-los à execração pública e de fazer o possível para retirá-los de seus cargos antes que cometam mais algum desatino.

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