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Sugestão aos bem-pensantes: Internem-se

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 30 de janeiro de 2006

Passou despercebido à grande mídia, e eu mesmo só reparei agora: durante a conferência “ Axis for Peace 2005 ”, promovida em novembro do ano passado pela rede www.voltaire.net com o apoio da Al-Jazeera e do canal chavista Telesur, o general russo Leonid Ivashov afirmou que o terrorismo internacional não existe, que é tudo invencionice de Washington. Os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono, segundo ele, foram encenações, montagens criadas por George W. Bush para desestabilizar a ordem mundial da ONU e impor o domínio americano a todo o planeta.

Não, perplexo leitor, isso não é propaganda de vodca. Ivashov é vice-presidente da Academia Russa de Problemas Geopolíticos, foi secretário do Conselho de Ministros da Defesa da Comunidade de Estados Independentes (CEI) e, por ocasião do 11 de setembro, era chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas. Bêbado ou sóbrio, ele é a voz de Vladimir Putin. E não consta que estivesse bêbado. Pela sua boca, foi o próprio governo russo que saiu alardeando a boa e velha explicação conspiratória da guerra contra o terrorismo.

Lançada originariamente pelos próprios organizadores da conferência, a teoria, em si, não tem pé nem cabeça. Nenhum governo democrático tão fiscalizado pela oposição e vasculhado pela mídia xereta como o dos EUA poderia montar em segredo uma farsa desse tamanho, desafio temível até para ditaduras com absoluto controle dos meios de informação.

Mas o que importa não é a teoria, na qual seus inventores jamais acreditaram. É o fato de que seja aprovada, ao menos da boca para fora, por tão ilustre hierarca de um país que, nominalmente, continua aliado dos EUA na guerra contra o terrorismo. Indícios de que a Rússia fazia jogo duplo nunca faltaram. As armas apreendidas com terroristas islâmicos são quase sempre russas, quando não são chinesas. Putin tem acalmado as suspeitas com a desculpa do contrabando. A fala do general assinala uma mudança de tática, bem ao velho estilo soviético, passando dialeticamente da ocultação à ostentação: se não existe terrorismo, as armas russas não precisam mais ser desmentidas; podem ser alardeadas como ajuda meritória prestada a puros heróis libertários. Aí a adesão à teoria psicótica começa a fazer sentido.

Mas a mudança de clave do discurso publicitário não é um capricho isolado. O próprio Ivashov deixou isso claro, ao usá-la como prefácio à idéia bem mais substantiva que defendeu em seguida: o fortalecimento da ONU, alicerçado numa “união geoestratégica da civilização”, para deter a “expansão do imperialismo”. Distraidamente, como quem não quer nada, ele sugeriu que essa nova estrutura de poder militar mundial deveria ter como centro a Organização de Cooperação de Shangai, que reúne Rússia, China, Cazaquistão, Quirziguistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Que importa uma mentirinha a mais ou a menos, se é para servir a um plano tão grandioso? Uma ONU transformada em instrumento da Rússia e da China e devotada a paralisar ou destruir o poderio americano: esse é o único objetivo que logicamente condensa e explica toda a conduta recente não só dessas duas potências, mas de seus aliados e servidores conscientes ou inconscientes nos organismos internacionais, nos partidos de esquerda, nas organizações terroristas, nas quadrilhas de narcotraficantes hoje quase todas unificadas sob o comando da máfia russa (que é o próprio governo russo), na rede de ONGs ativistas espalhadas pelo mundo, na mídia elegante e até nos círculos alegadamente “nacionalistas” das nações periféricas (está vendo, Andrade Nery? Não me esqueci de você). O desertor da KGB Anatoliy Golytsin já tinha revelado esse plano na década de 80. Vários estudiosos, como Stanislav Lunev, Jeffrey R. Nyquist, Constantine C. Menges, Jack Wheeler e até eu que sou mais bobo, concordávamos que, adivinhação ou não, Golitsyn não estava de todo errado. Foi fácil aos bem-pensantes livrar-se de nós chamando-nos malucos e “teóricos da conspiração”. Mas, agora, que é que eles que vão fazer com o general Ivashov? Ou mandam interná-lo, ou nos dão alta do hospício. De quebra, sugiro que se internem a si próprios, como Simão Bacamarte.

Nota e fontes

* Anatoly Golitsyn, que mencionei acima, é um alto funcionário da KGB que no início da década de 80 fugiu para os EUA e tentou alertar a CIA para uma espetacular mudança estratégica do movimento comunista internacional, de cuja preparação ele tinha sido testemunha direta em reuniões do Comitê Central do PCUS com os comandantes dos serviços secretos soviéticos. Explicarei isso com mais detalhe em algum dos próximos artigos, mas, em essência, a idéia era sacrificar a unidade do Estado soviético em favor da diversificação e expansão do movimento comunista mundial, que paralelamente deveria abdicar de toda unidade doutrinal e dedicar-se à formação de um cerco mundial anti-americano, tomando como centros articuladores os grandes organismos internacionais. Na época, pouca gente acreditou, mas hoje sabe-se que, das previsões feitas por Golitsyn com base nas informações de que dispunha, 95 por cento já se realizaram, incluindo a queda do Muro de Berlim. V. Anatoly Golitsyn , New Lies For Old: The Communist Strategy of Deception and Disinformation (Dodd, Mead & Company, 1984).

* Em 1998, no seu livro Through the Eyes of the Enemy (Washington, Regnery), o coronel Stanislav Lunev, o desertor de mais alta patente do serviço secreto militar soviético, afirmou: “A guerra fria não terminou. Agora ela é entre a Máfia russa e os EUA.” A máfia russa tem duas características distintivas: (1) Ela está tão bem infiltrada nos altos escalões oficiais que é impossível distingui-la do próprio governo russo. (2) Desde pelo menos 1993 ela conseguiu unificar sob o seu comando todas as máfias do mundo, tornando-se uma espécie de Comitê Central do crime organizado (v. Claire Sterling, Thieves’ World: The Threat of the New Global Network of Organized Crime , New York, Simon & Schuster 1994). Até hoje a chamada “grande mídia” (mais própriamente grande mérdia) não registrou o fim das guerras entre máfias, o fenômeno mais importante da década de 90, sem o qual a montagem do cerco anti-americano teria sido impossível por falta de verbas. Hoje em dia, um terço do dinheiro que circula nas bolsas dos grandes centros vem do crime organizado, o que basta para explicar as boas relações entre a elite financeira e as Farc (lembrem-se da visita amável de Richard Grasso, presidente da New York Stock Exchange , ao comandante da narcoguerrilha colombiana, Raul Reyes, em 26 de junho de 1999).

* Em perfeita harmonia com o general Ivashov, o New York Times condena a hipótese de ações militares contra o Irã e propõe, em lugar delas, o plano da Rússia: transferir as pesquisas iranianas de urânio enriquecido para seu próprio território, onde a fiscalização de oficiais russos bastaria para dar ao mundo uma “garantia suficiente” (!!!) de que o material não seria usado para fins bélicos contra os EUA. Não é à toa que muita gente no movimento conservador tem esse velho diário novaiorquino na conta de órgão oficial da quinta-coluna anti-americana nos EUA.

Envolvimento implícito

Não conseguindo descobrir nenhum Mensalão de direita, o semanário Época denuncia: algumas pessoas devotadas à vida religiosa no Opus Dei fazem exercícios espirituais, vivem uma disciplina quase monástica e – supremo horror! – praticam a castidade. Para cúmulo do escândalo, informa a revista, “Geraldo Alckmin, pré-candidato à Presidência pelo PSDB, recebe formação cristã em encontros noturnos no Palácio dos Bandeirantes.”

Já pensaram uma coisa dessas? Encontros noturnos, porca miséria. A que ponto chegamos, hein? Por que o governador não trata de fazer algo decente, por exemplo sair-se requebrando todo em encontros diplomáticos como o ministro Gilberto Gil ou entornar garrafas de uísque presidencial?

E essa arraia-miúda do Opus Dei , então, que movida pelo mau exemplo do chefe do executivo estadual se segura e se reprime em vez de se masturbar honestamente como, a julgar pela lógica da denúncia, o fazem com regularidade os redatores de Época e os demais cidadãos de bem?

Nunca vi um esforço tão patético para extrair uma denúncia do nada como essa matéria contra a Opus Dei . Jamais tive a menor simpatia por essa organização, nem muito menos pelo sr. Alckmin. Ela me parece uma devota perda de tempo, ele uma reencarnação yuppie do seu célebre homônimo mineiro, que entrou para a História como campeão nacional de murismo, indefinição, nulidade e piedosa abstinência de qualquer atitude pessoal no que quer que fosse.

Mas tudo o que a reportagem nos informa contra o governador é que ele procede como um membro qualquer da Opus Dei e que a organização, por seu lado, faz tudo o que seu regulamento professa fazer, ajudando os interessados a viver como discípulos de Sto. Ignacio de Loyola no meio de carreiras mundanas embriagantes e tentadoras, coisa que é obviamente impossível sem alguns hiperbolismos disciplinares só capazes de espantar quem não saiba nada sobre práticas ascéticas, mais ou menos idênticas em todas as religiões, épocas e civilizações.

Bella robba! No entanto, a matéria é notável precisamente pelo tratamento verbal que dá à ausência de conteúdo, transformando-o em coisa vagamente assustadora por meio da exploração hábil do preconceito anti-religioso, tomado como critério universalmente aceito. À luz desse preconceito, não precisa haver mesmo nada de anormal na conduta de pessoas cristãs, pois serem cristãs já é supremamente anormal e condenável.

O truque funciona assim. Suponha uma platéia inteiramente composta de inimigos do espiritismo. Se, ali, você sai acusando alguém de espírita, a denúncia é ouvida como coisa grave e digna de atenção. A mesma denúncia, perante uma platéia de espíritas, soaria como puro nonsense , já que ninguém ali está predisposto a achar que ser espírita é coisa ruim. Suponha agora uma platéia indecisa, nem amiga nem inimiga do espiritismo. A pura acusação de “espírita”, desacompanhada de qualquer prova da suposta ruindade do espiritismo, só serviria para uma coisa: para enganar cada membro individual da platéia, levando-o a crer que todos os demais já conhecem as maldades do espiritismo de cor e salteado, sendo ele o único ignorante no assunto. Pegos nessa armadinha, noventa por cento dos seres humanos adeririam mais que depressa à denúncia, só para não confessar ignorância. Assim, sem nada dizer de substantivo contra o coitado do espírita, você induziria uma boa parte do público a pensar mal dele sem saber por que.

Dou a essa técnica o nome de “envolvimento implícito”. Ela é um dos usos mais calhordas que se pode fazer da linguagem. Sem dizer nada de substantivo contra a Opus Dei ou o governador Geraldo Alckmin, Época conseguiu induzir o público a pensar mal dos dois e até do catolicismo em geral, resguardando-se ainda de qualquer suspeita de havê-los acusado do que quer que seja.

Criar uma situação do nada, por meras palavras, pode ser uma arte. Pode ser teatro, poesia, ficção, até mesmo de alta qualidade. Pode ser até hipnose. Mas jornalismo não é. Como, porém, Época se alardeia nacionalmente uma publicação jornalística exemplar, cada leitor leigo, que até o momento não imaginava ser isso jornalismo, suporá que ele próprio era o único a ignorá-lo e, mais que depressa, admitirá que jornalismo é precisamente isso. Donde tirará facilmente a conclusão de que algo de muito grave, efetivamente, pesa contra o governador Geraldo Alckmin, o Opus Dei e a Igreja Católica, embora ele não saiba o quê.

O envolvimento implícito é um truque temível porque tem o dom de confirmar-se a si mesmo. Ele não é jornalismo, mas é preciso um hábil domínio da técnica jornalística para praticá-lo – e, nesse sentido puramente formal, ele é jornalismo, e até de alto nível. Alto nível de safadeza, mas alto nível de qualquer modo.

Quando uma revista semanal com o prestígio de Época se permite fazer do seu leitor o alvo desse tipo de gozação maquiavélica, e usá-lo como arma de guerra contra a religião da maioria dos brasileiros, é porque o senso do certo e do errado já desapareceu por completo do horizonte visível da classe jornalística.

Dines x Marnardi

Ainda mais desavergonhado que Época é o Observatório da Imprensa , que já começou a cantar vitória contra Diogo Mainardi quando um dirigente do Opus Dei apareceu gabando-se de que duzentos jornalistas de elite haviam freqüentado encontros da organização. Estava aí a prova, berrou Alberto Dines, de que o Opus Dei , e não o petismo-comunismo, mandava na mídia brasileira. Haja paciência. Desde logo, o sujeito não citou um único nome: o placar ainda está cem a zero para Marnardi. Em segundo lugar, entre um jornalista participar de um retiro de fim se semana e tornar-se um militante a distância é longa. Em terceiro, duzentos jornalistas não bastam para suprir sequer as vagas de chefia em revistas especializadas e house organs só na cidade de São Paulo. Para exercer alguma influência na mídia seria preciso começar de mil, pelo menos. O Opus Dei está entrando no mercado dos altos cargos na imprensa com meio século de atraso em relação ao Partido Comunista, cujo legado de posições foi transferido em parte para o PT na década de 80. Por fim, quem disse que todo militante do Opus Dei é uma cabeça feita, fiel ao Papa e às tradições da Igreja? Está aí o próprio sr. Alckmin, politicamente corretíssimo, adepto do casamento gay e, no mínimo, membro de um partido pertencente à Internacional Socialista, comprometido até à medula, portanto, com a estratégia do globalismo de esquerda. Apostar em Alckmin (ou de novo no próprio Serra) como alternativa “direitista” ao petismo é repetir a farsa das eleições de 2002.

Ciência política?

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 7 de setembro de 2003

No site das Faculdades Porto-Alegrenses, http://www.fapa.com.br, encontro estas linhas de um tal Reginaldo Carmelo de Moraes, professor de ciência política da Unicamp, publicadas na indefectível Caros Amigos e recomendadas como leitura para os alunos do curso de licenciatura em História daquela instituição gaúcha:

“Os neoconservadores adeptos do filósofo Leo Strauss retomaram a seu modo a teoria nazi de Carl Schmitt, de modo a adaptá-la ao fundamentalismo cristão de Bush e seus íntimos. Schmitt, principal jurista do Terceiro Reich, tomara como tarefa liquidar a Constituição da República de Weimar. Dizia que ela, fundada sobre o liberalismo político e os direitos individuais, era corrompida e impotente para conter os movimentos políticos carismáticos e ‘mitos irracionais’ com que os bolcheviques e similares conquistavam as massas. Por isso, defendia um regime de exceção, uma ditadura, que governasse por decreto e salvasse a ordem… Strauss e seus discípulos nos EUA não esqueceriam essas lições do mestre. Eles também teriam seu incêndio do Reichstag e sua invasão da Polônia. Logo depois do 11 de setembro, o Departamento de Justiça baixou normas legais que davam ao governo federal poderes de um Estado policial.”

Se algo aí se demonstra é que esse menino nunca leu nada de Carl Schmitt, muito menos de Leo Strauss. Longe de tentar defender o Estado contra o assalto dos “mitos irracionais”, Schmitt via a própria ordem política como essencialmente irracional, constituída da rivalidade entre alternativas que, não admitindo arbitragem lógica, requeriam a divisão sumária do campo entre “amigos” e “inimigos” e a luta pela vitória a todo preço.

Essa doutrina ajustava-se como uma luva não somente à ideologia nazista, mas também à comunista, o que fez de Carl Schmitt, como escreveu Corrado Occone, “il reazzionario che piace a la sinistra” (o reacionário que agrada à esquerda). Não há, efetivamente, diferença essencial entre ela e a regra leninista do debate político, que visa “não a persuadir o adversário, nem a apontar seus erros, mas a destruí-lo”.

Houve realmente, às vésperas da II Guerra Mundial, uma corrente política empenhada na busca dos objetivos que Carmelo diz terem sido os de Schmitt. A constituição austríaca de 1934, impondo um regime de exceção para conter o avanço dos “mitos irracionais”, não se inspirou em Schmitt, mas, ao contrário, no temor causado pela vitória nazista na vizinha Alemanha. Carmelo troca as bolas e atribui ao nazismo as intenções de suas vítimas austríacas.

Ainda mais resplandecente de ignorância é a conclusão do parágrafo, segundo a qual o atentado ao World Trade Center teria dado a “Strauss e seus discípulos” a oportunidade de colocar em prática a doutrina Schmitt: em 11 de setembro de 2001, Leo Strauss não podia “recordar as lições” de quem quer que fosse, pois estava morto desde 1973.

O espírito de Carl Schmitt baixou é sobre o próprio Carmelo, que, no seu ataque aos neoconservadores, não busca apontar algum erro na sua filosofia, da qual ele nada sabe, mas apenas sujar-lhes a reputação por meio de uma associação postiça com o teórico nazista, do qual, para cúmulo de ironia, o citado Leo Strauss, judeu fugido do III Reich, foi um dos críticos mais severos.

Até quando a simples adesão a uma vulgar e baixa retórica esquerdista será, neste país, condição necessária e suficiente para o exercício do cargo de professor universitário, independentemente e acima das mais elementares exigências intelectuais?

Pergunta de um desesperado

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 23 de setembro de2001

Semanas atrás mencionei aqui, de passagem, a máxima de Sun-Tzu: “Fazer-se de fraco quanto está forte, de forte quanto está fraco”. Ela resume o “timing”, a alternância rítmica do discurso comunista. Anatoliy Golitsyn, desertor da KGB e provavelmente o melhor conhecedor do assunto nos meios ocidentais, dá-lhe a seguinte interpretação: quando o movimento comunista está ocupado em alguma manobra global, de longo prazo, e precisa ganhar tempo, ele vem com fala mansa, adocicada, denotando fragilidade, divisão, hesitação, aplacando as suspeitas ocidentais mediante uma florida exibição de sentimentos conciliadores e até de adesão “modernizadora” aos valores democráticos. Quando sente que está periclitando, necessitado de restaurar nos militantes o espírito belicoso e a disciplina marcial, ele abandona toda afetação de prudência e parte para ameaças truculentas e as demonstrações de força.

Neste preciso momento, esse movimento está empenhado na mais vasta e complexa manobra de toda a sua história: reorganizar-se em escala mundial, passando de uma estrutura centralizada e hierárquica, com um comando sediado na URSS, para uma organização flexível e multicêntrica, diversificando também suas fontes de suporte financeiro, transferidas da máquina soviética de lavagem de dinheiro para uma complicada rede de fontes independentes, que vão desde respeitáveis empresas multinacionais montadas com fundos secretos da KGB até quadrilhas de traficantes.

Portanto, não é hora de bravatas. É hora de fazer-se de bonzinho, de coitadinho, de morto. O ataque ao World Trade Center e ao Pentágono foi uma precipitação de aliados afoitos, os malucos do Talibã. Aplaudi-lo ostensivamente seria declarar uma guerra para a qual as forças comunistas não estão preparadas. Condená-lo “in totum” seria humilhar-se ante os EUA. Daí a palavra-de-ordem, ambígua e escorregadia, emanada de Cuba e obedecida uniformemente pela militância esquerdista mundial: maldizer da boca para fora a violência do atentado, mas legitimando-a moralmente e lançando as culpas sobre a vítima, por meio da alegação de que “quem semeia ventos colhe tempestades”.

D. Luciana Genro, deputada estadual petista, foi uma das vozes inumeráveis que, no coro geral do esquerdismo, ecoaram fielmente na mídia brasileira a voz do mestre, falando mal do atentado mas explicando-o como reação lógica — e, em última análise, justa — de povos levados ao desespero pela opressão imperialista dos EUA.

É claro que esse raciocínio é louco. Nem um único país está sob ocupação de tropas dos EUA, enquanto em Lhasa, Tibete, restam menos tibetanos do que soldados da China comunista. O Afeganistão nunca foi agredido pelos americanos, mas sim pelos soviéticos, que mataram um milhão de afegãos e só foram embora quando o socorro americano fez pender a balança para o lado islâmico. A revolução iraniana jamais encontrou oposição militar dos EUA, que, bem ao contrário, lhe deram uma boa ajuda por baixo do pano para a derrubada de Reza Pahlevi. Por fim, na guerra do Golfo, quando poderiam ter invadido Bagdá e transformado Saddam Hussein em poeira atômica, os americanos se contentaram em libertar o Kuwait e deixar o ditador iraquiano esbravejando, humilhado mas intacto, no seu troninho de sombras. De modo geral, as economias do mundo islâmico já teriam ido todas para o beleléu sem o apoio americano, e no fim das contas a única coisa que os muçulmanos têm a reclamar contra o imperialismo ianque é que ele não os deixa empurrar para o oceano a população judaica de Israel, como tantos gostariam de fazer.

Desespero por desespero, haveria mais motivo para jogar dois Boeings no Kremlin ou no Palácio da Paz Celestial do que no World Trade Center.

Para ensinar isso a D. Luciana, mas querendo fazê-lo em termos simples, didáticos, acessíveis aos neurônios recalcitrantes de uma pertinaz cabuladora de aulas de democracia, o jornalista Diego Casagrande concebeu uma historieta pedagógica, na qual eleitores gaúchos liberais e conservadores, desesperados com a ascensão da prepotência petista neste Estado, davam uns cascudos na deputada e ainda sobrava um pouco para o Padre Roque, também deputado e petista, que a acompanhava em tão infausta e hipotética circunstância.

Do exemplo, que não ocupava mais de um parágrafo, Casagrande extraía então a moral da história: por maior que fosse o desespero dos agressores, nada justificaria esse ato de maldade contra as duas Excelências ou contra quem quer que fosse.

Mensagem mais clara não podia haver: se o desespero não justifica bater em D. Luciana e no Padre Roque, muito menos justifica jogar aviões em prédios.

Suepreendentemente, D. Luciana, interpretando a história ao contrário, disse que Casagrande estava induzindo as pessoas a baterem nela e no Padre, e anunciou sua intenção de processar o jornalista.

Não creio poder ser mais didático do que o foi o autor da historieta. Imagino ser um razoável professor universitário, mas confesso não ter vocação para a pedagogia infantil. Desisto, pois, de explicar à deputada o que quer que seja, e limito-me a colocar para os leitores o seguinte dilema, que me atormenta neste momento difícil. As FARC já mataram 30 mil pessoas no seu país e, por meio de Fernandinhos Beira-Mar e “tutti quanti”, dominam hoje uma boa fatia do mercado brasileiro de drogas. Eu desejaria fazer algo contra isso, para evitar que o Brasil tenha o destino da Colômbia. Desejaria, mas não posso. As FARC, aqui, têm prestígio oficial, são recebidas pelo governador do Rio Grande e homenageadas no Forum Social Mundial. Mesmo o tal Fernandinho é intocável: mal foi preso, já começou na imprensa o vendaval de desinformação, destinado a fazer sumir do noticiário a aliança macabra do banditismo nacional com a revolução internacional.

Estou, pois, de mãos amarradas. Nada posso fazer. Estou desesperado. Que é que os leitores acham? Se, nessa situação extrema, eu seqüestrar, não digo um Boeing, mas um bimotor da Embraer, e o atirar sobre o Palácio Piratini, estarei moralmente justificado pelo desespero? Ou melhor: se, constatando minha completa falta de qualificações aeronáuticas para tal empreendimento, eu optar por algo mais ao alcance dos meus talentos, jogando na cabeça do Dr. Olívio Dutra o “lap top” em que escrevo o presente artigo, poder-se-á alegar em minha defesa que apenas fiz desabar sobre S. Excia. a tempestade semeada pelos seus atos oficiais?

E se o jornalista Diego Casagrande, querendo me dissuadir de semelhantes intuitos terroristas, escrever uma historieta ilustrativa para me mostrar como seria feio Dona Luciana e o Padre Roque baterem em mim, por mais que me odiassem, terei o direito de concluir daí que ele os induz a me agredir?

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