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Cuidado com os analistas políticos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 28 de abril de 2008

Todo mundo se interessa pela política e tem alguma opinião a respeito. Alguns fazem disso uma profissão. Comentaristas de jornal, cientistas sociais, professores universitários, analistas estratégicos pagos a peso de ouro pelas grandes empresas, todos se acham capacitados para desvendar os mistérios do poder e explicá-los ao comum dos mortais.

O público está de tal modo habituado à ruidosa presença dessas pessoas, que já conta com ela como um componente essencial da política mesma. Nenhum político se aventura a agir sem contabilizar a possível reação dos opinadores de ofício: o cenário que eles comentam é em grande parte criado por eles próprios. O poder que exercem é às vezes maior que o dos políticos mesmos.

Suas palavras se superpõem aos fatos e não raro os encobrem por completo, criando novas situações que nascem da pura imaginação do comentarista, mas no dia seguinte já se tornaram uma realidade com que é preciso contar.

O exemplo mais eloqüente foi talvez a Ofensiva do Tet , quando a vitória dos americanos sobre o exército comunista do Vietnã do Norte foi transmutada em derrota pelo noticiário da TV americana e acabou, por isso mesmo, gerando efeitos políticos equivalentes aos de uma derrota militar genuína.

Designar como derrota uma vitória militar explorada em sentido político contrário pela propaganda adversa é, com toda a evidência, uma figura de linguagem, uma metonímia. E tomar figuras de linguagem como descrições literais da realidade é sintoma de grave confusão mental. Uma vez disseminada, a confusão gera situações políticas reais que podem em seguida ser usadas como “provas” retroativas para legitimar como verdade literal a transposição metonímica que deu origem ao engano.

Aquase totalidade do que hoje se denomina comentário político é constituída tão-somente de retro-alimentação desse mecanismo alucinatório. Por isso é que, quanto mais analistas estratégicos, comentaristas de mídia e cientistas políticos se ouvem discursando no palco do mundo, menos compreensíveis se tornam os processos políticos reais e menos previsíveis, para eles como para seus ouvintes, os desenvolvimentos mais óbvios das situações de fato.

Quantas dessas mentes iluminadas puderam prever, no meio dos anos 80, a queda da URSS?

O grande sucesso editorial de 1987 foi Ascensão e Queda das Grandes Potências , de Paul Kennedy, que anunciava como iminente a derrocada dos EUA e a subida da URSS à condição de potência dominante. Pior: o fator que ele apontava como causa essencial do declínio era o crescimento desmedido do orçamento militar – justamente o expediente usado logo em seguida por Ronald Reagan para vencer a Guerra Fria .

Mas o maior vexame acadêmico daquela década parece não ter deixado nenhuma lição para a década seguinte. Uma vez consumada a dissolução da URSS, quantos luminares do comentário político puderam prever que o movimento comunista não se extinguiria com ela, mas, ao contrário, cresceria formidavelmente e logo estaria em condições de “reconquistar na América Latina o que foi perdido no Leste Europeu”?

Praticamente não houve, entre aquelas criaturas maravilhosas, quem não se apressasse em noticiar o fim do comunismo , seja para celebrá-lo apressadamente no altar da economia de mercado, seja, ao contrário, com o intuito perverso de dar ao comunismo sua melhor oportunidade de fazer-se de morto para assaltar o coveiro.

Nessas duas ocasiões, as poucas vozes sensatas que enunciavam conclusões baseadas na realidade foram sufocadas pela tagarelice majoritária. Ludwig von Mises e Eric Voegelin previram muito claramente o fracasso da URSS, mas ninguém ligou. Lev Navrozov e Anatoliy Golytsin passaram por loucos quando disseram que o fim do regime soviético era um upgrade do movimento comunista.

Se a capacidade de previsão é a marca distintiva do conhecimento científico, não vejo como escapar à conclusão de que a ciência política atualmente aceita como tal nas universidades e na mídia é uma fraude retumbante. Mas muitos de seus praticantes não têm mesmo a mínima intenção de conhecimento: o que querem é produzir efeitos políticos para os quais a confusão e o erro são em geral os instrumentos preferenciais.

Alguns deles usam apenas a máscara do prestígio científico como um ladrão se disfarça de padre ou de velhinha. Outros, mais cínicos, confessam que não são devotos da ciência no sentido usual da palavra: são “agentes de transformação social”. Não querem compreender a realidade, mas transmutá-la à sua imagem e semelhança. Se, tomando sua declaração expressa como mera auto-ironia elegante, o público prefere antes confiar nos seus diplomas de ciência política e continuar levando esses indivíduos a sério como analistas idôneos, ele o faz em prejuízo próprio.

De fato, a transposição metonímica da realidade não é somente uma falsificação pontual. É a destruição da possibilidade mesma do estudo científico da sociedade e da política. Vinte e quatro séculos atrás, Platão e Aristóteles inauguraram esse estudo com a distinção fundamental entre o discurso do agente político e o discurso da análise teorética .

É claro que este último pode, em seguida, ser incorporado ao primeiro e transformar-se ele próprio em meio de ação política. Mas confundi-los já na base é dissolver o conhecimento na manipulação, a inteligência na vontade de poder. É nisso que consiste a quase totalidade daquilo que, nas universidades e na mídia, se entende como ciência política.

Guerra de covardes

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 26 de dezembro de 2004

O acontecimento foi omitido pela mídia nacional, mas o leitor pode conferir na página http://www.rebelion.org/noticia.php?id=8980 em junho de 2004, o comandante-geral do Exército venezuelano, general Raúl Baduel, discursando no 51º aniversário da Escuela de Infantería, anunciou oficialmente a nova doutrina militar de seu país, baseada no conceito de “guerra do povo” criado pelo comandante vietnamita Vo Nguyen Giap. A idéia é simples, genial e de uma bestialidade a toda prova. Consiste em envolver toda a população na atividade guerreira, de modo a privar o adversário do centro de gravidade do seu ataque – a destruição física do exército convencional – e forçá-lo à escolha impossível entre o genocídio assumido e a autocontenção debilitante.

Sua adoção pelo Vietnã do Norte foi uma das primeiras aplicações do princípio geral que depois viria a chamar-se “guerra assimétrica”, no qual um dos lados se arroga o direito a todos os crimes, a todas as covardias, ao mesmo tempo que amarra o adversário numa complexa rede de cobranças morais perante a opinião pública, levando-o à hesitação e à paralisia. O exército de Giap era, nesse sentido, a exata inversão de um exército normal, que arrisca a vida no campo de batalha para proteger o povo. Seus soldados espalhavam-se e diluíam-se no meio da população, usando-a metodicamente como escudo humano. As mortes de civis deliberadamente provocadas pelo seu próprio governo eram em seguida aproveitadas como material de propaganda contra os EUA.

Nem Hitler e Stalin chegaram a tamanha baixeza. Giap, por havê-la praticado gostosamente anos a fio, foi entronizado como santo do movimento comunista internacional.

Muitos jornalistas ocidentais – brasileiros inclusive – foram cúmplices voluntários da operação. O repórter José Hamilton Ribeiro, da revista Realidade, confessou que ele e seus colegas repassavam aos leitores, como notícias confiáveis, aquilo que sabiam perfeitamente ser pura desinformação vietcongue.

A vitória de Giap foi aliás devida antes a esses amáveis colaboradores do que à astúcia macabra da sua estratégia. Na ofensiva do Tet, ele caiu na sua própria armadilha, retirando o exército de sob as saias da população e expondo-o num ataque maciço. Resultado: suas tropas foram esmagadas, mal restando o suficiente para invadir a embaixada americana em Saigon e aterrorizar funcionários civis. A imagem destes em debandada, porém, foi transmitida pelos jornalistas americanos pró-vietcongue (a quase totalidade deles) como prova de “derrota” do seu país, causando a crise política que obrigou o presidente Johnson a retirar suas tropas do Vietnã, curvando-se ante um inimigo militarmente destroçado. O próprio Giap, anos depois, reconheceu que suas armas mais eficazes foram a mídia esquerdista chique e os movimentos “pacifistas” que amarraram as mãos do governo americano, entregando o Vietnã do Sul e o Camboja ao domínio dos comunistas, os quais ali puderam então matar tranqüilamente 3 milhões de civis, a salvo de qualquer protesto ocidental audível.

Pois bem, foi à doutrina giapiana da covardia organizada que a Venezuela aderiu oficialmente, contando, para implementá-la, com a ajuda do Brasil, no mínimo sob a modalidade do fornecimento de armas, mas idealmente como apoio à adoção da “guerra do povo” como doutrina militar global da Comunidade Sul-Americana de Nações.

Se as nossas Forças Armadas, o último reduto da honestidade e do patriotismo no Brasil, consentirem em colaborar com os planos do governo da Venezuela, não restará alternativa para os cidadãos honrados – se ainda existirem depois disso – senão sair do país.

Meus votos de ano novo a todos os brasileiros resumem-se num só: que isso não chegue a acontecer.

* * *

Vocês leram as denúncias do jornalista Vítor Vieira, em www.videversus.com.br, sobre a corrupção no Fórum Social Mundial? Pensem nelas, na próxima vez em que quiserem aceitar, como alternativa eleitoral ao PT, um entusiasta desse empreendimento.

Origens do PC do B

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 7 de abril de 2002

A propaganda maciça do PC do B na televisão vem prometendo liberdade, prosperidade, lei e ordem, etc. e tal, e os partidos ditos “de direita” (que não são de direita de maneira alguma, mas apenas associações de auto-ajuda de oportunistas caipiras) se encontram tão sonsos, tão alienados, que a nenhum deles sequer ocorre a idéia de lembrar aos eleitores a origem e o comprometimento ideológico dessa agremiação.

O PC do B foi um dos partidos que nasceram da revolta entre os apóstolos de métodos revolucionários sangrentos quando a União Soviética, na década de 50, decidiu que os partidos comunistas do mundo, salvo expressa instrução de Moscou, deveriam abster-se do uso direto da violência para a conquista do poder. Saudosos do genocídio stalinista e inconformados com o que lhes pareceu um imperdoável aburguesamento da revolução soviética, os comunistas mais enfezadinhos juntaram forças em torno de Mao Tsé-Tung, um sociopata estuprador e pedófilo que para dominar a China fizera uma guerra do ópio contra seu próprio país e matara 60 milhões de seus compatriotas (um décimo da população local, na época). Com essa folha de serviços, Mao parecia a uma boa parte da militância esquerdista mundial um tipo tanto mais adorável. Mais tarde, ele viria a empreender o mais amplo e sistemático esforço de devastação cultural registrado na história, mobilizando milhões de adolescentes fardados e fanatizados, os “guardas vermelhos”, para suprimir pelo terror o legado da cultura chinesa milenar, que hoje, com exceção da casca folclórica mantida em Pequim para exibição turística, só subsiste graças aos registros conservados pelos estudiosos ocidentais. Nas décadas de 60 e 80, o culto devoto à pessoa do gordo e auto-satisfeito ogro chinês espalhou pelo mundo milhões de exemplares do “Livro Vermelho dos Pensamentos do Presidente Mao”, uma inacreditável coleção de banalidades e frases ocas ante a qual a “intelligentzia” esquerdista do Ocidente se prosternou como se fosse a última revelação profética.

Os sucessores de Mao mantiveram-se fiéis a seus métodos, invadindo o vizinho Tibete e matando um milhão de tibetanos desarmados, sem que contra isso se erguesse na mídia um milésimo da gritaria que se ouviu quando os americanos liquidaram algumas dúzias de terroristas no Afeganistão. Hoje em dia os chineses empenham-se em repetir em escala tibetana a revolução dos “guardas vermelhos”, reprimindo severamente a prática do budismo tradicional, sem que isto constitua o menor escândalo aos olhos dos santarrões da “diversidade cultural”.

Mas, bem antes disso, o maoísmo teve seu momento de glória quando inspirou e comandou a resistência mundial contra a ajuda americana ao Vietnã do Sul invadido pelas tropas comunistas do Vietnã do Norte. A campanha mundial anti-EUA, talvez a mais potente mobilização de retórica humanitária e sentimental do século, resultou na retirada das tropas americanas e na conseqüente entrega do Vietnã do Sul às tropas vietcongues, que, no processo de faxina ideológica que se seguiu, enviaram ao pelotão de fuzilamento ou à morte por inanição nos campos de prisioneiros um milhão de pessoas, isto é, cinco vezes o total de vietcongues mortos na guerra; em seguida ajudaram a estender o regime comunista ao vizinho Camboja, onde a matança chegou a dois milhões de vítimas, fazendo com que a paz, como o previam os militares americanos, por isso estigmatizados pela mídia bem-pensante, fosse incomparavelmente mais mortífera que a guerra. Dos líderes da campanha, só dois, que eu saiba, perceberam e confessaram o crime inominável a que se haviam acumpliciado: na época agitadores estudantis, David Horowitz e Ronald Radosh, nos seus livros de memórias, “Radical Son” e “Commies”, contam tudo a respeito dos batalhões de ídolos acadêmicos e “pop stars” que soltaram do freio americano o comunismo asiático e assim ajudaram Ho Chi Minh e Pol-Pot a matar três milhões de pessoas em tempo de paz.

Jamais traduzidos, esses livros são mantidos a uma asséptica distância dos leitores e eleitores brasileiros, que, se os tivessem lido, não acreditariam numa só palavra do PC do B, o partido maoísta brasileiro.

Moralmente, esse partido foi cúmplice e apologista dos maiores genocídios da história — China e Camboja — e da instauração de regimes que, vertendo toneladas de sangue, suor e lágrimas de seus opositores, nada mais conseguiram senão mergulhar seus países na indescritível miséria da qual só foram parcialmente salvos, “in extremis”, pela chegada providencial dos investimentos norte-americanos na década de 90.

A simples existência de um PC do B é uma vergonha, uma abjeção. Nenhum partido que se acumpliciou a regimes comprovadamente genocidas deveria poder atuar livremente numa democracia, ao menos antes que a extensão do seu comprometimento moral, ideológico e publicitário com a prática de crimes hediondos em escala industrial fosse meticulosamente investigada e divulgada para advertência dos eleitores.

É verdade que qualquer militante dessas organizações pode alegar, “ex post facto”, que não aprovava pessoalmente ou que ignorava os feitos dos regimes idolatrados por seus partidos. Mas ambas essas coisas foram também alegadas pelos criminosos de Nuremberg, e hoje é consenso mundial que se tratava apenas de desculpas esfarrapadas.

Também não custa nada o sujeito alegar que os tempos mudaram, que isso de maoísmo é coisa do passado, que a guerra fria terminou e que ele próprio já não é o mesmo de antigamente. Aliás até os sucessores de Mao no governo da China dizem isso.

Mas a sinceridade dessas alegações pode ser medida — e desmentida — da maneira mais simples: basta averiguar se o inocente tardio mudou ao menos de discurso quanto à guerra do Vietnã: se continua a se fazer de “pomba” contra os “falcões” de Washington (como então se rotulavam as facções anti-americana e pró-americana), se continua a celebrar a campanha anti-EUA como uma epopéia da bondade humana, se não reconhece e não deplora as conseqüências catastróficas da retirada das tropas americanas, se continua enfim a legitimar ou a louvar as ações que resultaram no mais previsível e evitável genocídio de todos os tempos, então, além de cúmplice moral do crime, o sujeito é também um mentiroso, um fingido e salafrário que deveria ser expulso da vida pública a pontapés.

Os partidos “de direita”, se o fossem de verdade, teriam a estrita obrigação de alertar o povo quanto a essas coisas. Mas não o fizeram nem o farão. Oportunismo, covardia e desejo servil de agradar a esquerda triunfante são, no fundo, todo o código moral desses partidos, feitos da substância gosmenta das amebas e das lesmas.

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