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Intimação

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 03 de dezembro de 2015  

Até os anos 80 do século passado, programas como sex lib, feminismo, gayzismo, abortismo e liberação das drogas eram, para os governos comunistas, desvios pequeno-burgueses criados pelo imperialistas ianques para afastar a juventude da luta pelo socialismo.
Decorrida uma geração, todos esses temas foram absorvidos no discurso revolucionário e muito contribuíram para que o esquerdismo, aparentemente condenado à morte pela queda da URSS, não só sobrevivesse como se tornasse a força política dominante na Europa e nas Américas.
Se isso não basta para tornar evidente a potência de autotransformação camaleônica do movimento revolucionário mundial, não sei mais quantos desenhos seria preciso esboçar no quadro negro para ilustrá-la. No entanto, pouquíssimas são as inteligências que, nas hostes liberais e conservadoras, se deram clara conta desse fenômeno e de suas conseqüências.
Mas outras mutações concomitantes, tão vastas e profundas como essa, vieram a tornar o panorama ainda mais confuso.
Cito somente quatro:
1. A invasão islâmica, a “ocupação pela imigração”, cuja realidade muitos negavam até ontem, é agora um fato patente que ameaça a segurança de todas as nações ocidentais. Ao mesmo tempo, o cristianismo vem sendo cada vez mais  banido da esfera pública, só deixando aos governos, mesmo soi disant conservadores, a saída de opor, à islamização crescente, o apelo aos mesmos valores laicos “politicamente corretos” que a esquerda conseguiu impor como normas universalmente válidas.
O resultado é óbvio: a invasão islâmica não cessa, mas a esquerda se afirma cada vez mais como a grande e única salvadora das democracias, que ao mesmo tempo ela solapa mediante o apoio ostensivo à imigração muçulmana em massa como alternativa “pacífica” ao terrorismo.
2. Instruído ao menos parcialmente pelo “eurasianismo” de Alexandre Duguin, o presidente russo Vladimir Putin decidiu empunhar a bandeira do cristianismo tradicional e brandi-la contra o Ocidente hedonista e agnóstico, ganhando com isso o apoio de amplas faixas de conservadores desiludidos.
Desiludidos seja com o establishment americano, impotente para livrar-se de um bandidinho chinfrim sem documentos que já mal esconde suas simpatias islâmicas; seja com a Igreja Católica, cujo Papa se parece cada vez mais com um upgrade improvisado do sr. Leonardo Boff.
Ao mesmo tempo que seduz esse público, porém, Putin vai, mediante acordos de cooperação econômica e militar, dando a maior força aos movimentos esquerdistas por toda parte, colocando os conservadores na posição desconfortável de servir a seus inimigos estratégicos em troca de um reconforto ideológico passageiro e muito provavelmente ilusório.
3. Também simultaneamente, muitos grupos capitalistas bilionários passaram a apoiar partidos e movimentos de esquerda de maneira cada vez mais ostensiva, culminando na declaração pública do sr. Bill Gates de que só o socialismo salvará o mundo.
Nesse panorama, a mera defesa da economia de mercado, que até ontem era a pièce de resistance do cardápio liberal-conservador, perde todo sentido estratégico e se torna um mero pretexto para adotar, em nome da “modernidade” e da “democracia”, todo o programa sociocultural da esquerda: gayzismo, abortismo, etc. etc.
4. Por fim, esse programa foi integralmente subscrito pela ONU e se tornou obrigatório para todas as nações — exceto as islâmicas, é claro, que assim se beneficiam duplamente da dissolução moral do Ocidente, por um lado aproveitando-se da debilitação das identidades nacionais (desprovidas cada vez mais de seus fundamentos religiosos) e arrombando portas para a entrada de novas levas de imigrantes, por outro lado oferecendo-se gentilmente como portadoras da esperança de uma possível “restauração da moralidade”.
Tudo parece calculado, enfim – pelo demônio em pessoa, quem mais?– para aprisionar a opinião pública mundial numa rede de ambigüidades e contradições paralisantes, de modo pegá-la desprevenida, sonsa e inerme no dia em que se realizar a profecia que Carlos Drummond de Andrade enunciou nos versos da “Intimação”:
Abre em nome da lei.
Abre sem nome e lei.
Abre mesmo sem rei.
Abre sozinho ou grei.
Não, não abras; à força
de intimar-te, repara:
eu já te desventrei.

Terrorismo e outras notinhas

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 7 de agosto de 2014

          

A profecia de Fátima – “Os erros da Rússia se espalharão pelo mundo”– faz cada vez mais sentido. Estou lendo Death Orders. The Vanguard of Modern Terrorism in Revolutionary Russia, de Anna Geifman (Praeger International, 2010), onde aprendo que o terrorismo foi de cabo a rabo uma invenção russa, que começou como um fenômeno local e hoje é um flagelo mundial.

A autora também desfaz a confusão alimentada pelos espertalhões que disseminam e pelos bobocas que repetem o lugar-comum: “O terrorista de um é, para o outro, um combatente pela liberdade”. O terrorismo, explica a Profa. Geifman, define-se por um traço inconfundível que o distingue da morte de civis causada acidentalmente em ataques a alvos militares: terrorismo é ato de violência premeditadamente, deliberadamente calculado para espalhar o terror na população civil e, assim, fomentar a desordem social com vistas a determinados fins políticos.

Nivelar, para distingui-los, o “terrorista” e o “combatente pela liberdade” é uma confusão de gêneros. Disseminada pela malícia ou pela ignorância, obscurece o fato de que o terrorismo é uma tática de combate e não o motivo ideológico do combate.

Atos como a explosão de uma bomba no Aeroporto de Guararapes, em 1966, ou o atentado ao Consulado Americano em São Paulo, em 1968, foram crimes de terrorismo no sentido mais literal e exato do termo, e continuariam a sê-lo mesmo que os seus autores estivessem, no seu próprio entender, “combatendo pela liberdade” e não pelo comunismo como de fato estavam.

Não existe nada de inexato ou de insultuoso em chamar de terroristas pessoas como Dona Dilma Rousseff ou o srs. Franklin Martins e José Dirceu. É uma simples questão de propriedade vocabular.

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Os israelenses defendem seus filhos. Os heróicos palestinos escondem-se atrás dos seus para poder acusar os judeus de matar criancinhas. “Escudo humano” é uma invenção da KGB. Terroristas “palestinos” usam o mesmo truque sujo dos vietcongues. Mesclam-se à população civil para que não seja possível combatê-los sem matar de quebra umas quantas vítimas inocentes e ser assim acusado de trucidar mulheres e crianças.

A coisa é guerra assimétrica em todo o esplendor da sua malícia.

Hoje em dia a afetação de ódio aos antissemitas do passado coexiste com o descarado amor aos do presente.

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O maior problema da esquerda no Brasil é que não tem políticos nem empresários de direita para perseguir. Então persegue alguns blogueiros e diz que está lutando contra a onipotente burguesia reacionária.

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A autoridade do “mainstream” é a autoridade da ignorância majoritária. Ninguém pode estar no meio do rebanho e à frente dele ao mesmo tempo.

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Uma coisa é usar as expressões “desinformação”, “lavagem cerebral”, “manipulação de comportamento” ou “seita” como termos técnicos, para designar os fenômenos que objetivamente lhes correspondem. Outra coisa é usá-las como rótulos infamantes para dar ares de coisa maligna a alguma idéia ou conduta que você deseja destruir. Infelizmente, este é o uso mais corrente desses termos no Brasil. Esse cacoete estilístico basta, por si, para identificar um charlatão, ou, na melhor das hipóteses, um palpiteiro ignorante.

Quem quer que saiba o que é “lavagem cerebral”, por exemplo, entende que só é possível aplicá-la a um prisioneiro ou a alguém sobre o qual se tenha controle direto e permanente. Um professor não pode aplicar “lavagem cerebral” a alunos que depois da aula vão para casa, Muito menos é possível fazer “lavagem cerebral” à distância, por internet ou qualquer outro meio.

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Todas as teorias científicas do passado, sem exceção, são ensinadas nas escolas e nos manuais — para não falar da mídia e do show business — em versões adaptadas à mentalidade contemporânea, otimizadas, higienizadas, idealizadas, purificadas de todas as suas taras originárias. Quantos dos nossos estudantes de biologia leram A Origem das Espécies? Quantos estudantes de física aprenderam a gravitação universal diretamente nos escritos de Newton? Quantos, por jamais ter lido Galileu, acreditam que ele provou suas teses no confronto com a Inquisição? Ignorar a história da ciência que pratica parece ser uma conditio sine qua non para alguém falar em nome da ciência hoje em dia. O Galileu que venceu por argumentos científicos o “obscurantismo inquisitorial” é uma criação ficcional dos séculos posteriores. Na verdade ele levou uma surra intelectual memorável de S. Roberto Belarmino. Suas teses foram corroboradas mais tarde por meios que ele nem poderia imaginar.

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Quando um estudante medíocre domina suficientemente a matemática da ciência física e percebe a sua coerência com os testes empíricos, ele acredita ingenuamente que essa física corresponde à “realidade”, sem notar que “realidade” não é um conceito nem físico, nem matemático (nem aliás definível nos termos de qualquer ciência experimental). É de espantar que semelhante imbecil não entenda a diferença entre colocar em dúvida a validade ontológica da relatividade e “contestar Einstein”?

Dentre todos os erros de lógica, a ignoratio elenchi — não perceber qual o ponto em discussão — é o mais difícil de corrigir. Nenhum argumento lógico tem o poder de infundir discernimento num cretino. Nenhuma ciência experimental pode ir além da coincidência entre teoria e experimento, o que está infinitamente aquém do necessário para estabelecer uma “realidade” — coisa que Leibniz já ensinava no século 18.

A uma Excelência

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 28 de agosto de 2009

Desafio Vossa Excelência (refiro-me à excelência do seu cargo, pois na sua pessoa não vejo excelência nenhuma) a provar que estou mentindo:

A tortura é crime hediondo, com o atenuante de, no Brasil, ter sido praticada seletivamente contra terroristas assassinos. O terrorismo também é crime hediondo, com o agravante de ter sido praticado contra populares inocentes.

Os crimes de tortura, reais e supostos, já renderam às suas vítimas alguns bilhões de reais em indenizações, enquanto as vítimas do terrorismo não receberam nem mesmo um pedido de desculpas. São tratadas como uma escória desprezível, culpadas de terem se atravessado, por bobeira, no caminho do carro da História, então carregadinho de trastes como Vossa (humpf!) Excelência.

O governo representado por Vossa (repito a ressalva) Excelência tem dado apoio ao regime cubano, que, numa população muito menor que a brasileira, torturou e matou e continua torturando e matando aproximadamente cinqüenta vezes mais pessoas do que a ditadura brasileira. Vossa (argh!) Excelência é portanto pelo menos tão culpado de cumplicidade moral com a tortura quanto aqueles a quem acusa.

O governo que Vossa (com o perdão da palavra) Excelência representa dá apoio ao regime da Coréia do Norte, que neste mesmo momento tem duzentos mil prisioneiros políticos encarcerados – nenhum terrorista entre eles, só civis desarmados –, submetidos não só a torturas e maus tratos infinitamente piores do que aqueles infligidos aos terroristas brasileiros, mas também a trabalhos forçados, dos quais os bandidos amados de Vossa (?) Excelência foram totalmente poupados pela ditadura. Não venha me dizer que apoio a regimes torturadores não é cumplicidade com a tortura.

Diretamente e/ou através dessa central do crime que é o Foro de São Paulo, o governo que Vossa (como direi?) Excelência representa dá integral apoio político às Farc, que neste preciso momento mantêm em cativeiro, sob condições desumanas e – é claro – sem acusação formal ou julgamento, aproximadamente sete mil seqüestrados. Tudo o que o seu governo quer para as Farc é premiá-las não só com a anistia geral e irrestrita, mas com a elevação delas à condição de partido político legal, a prova mais patente de que o crime compensa.

Apoiando as Farc, seu governo é ainda cúmplice da morte de dezenas de milhares de brasileiros sacrificados anualmente pelo narcotráfico colombiano, diretamente ou através de seus agentes locais, os celerados do PCC. O governo representado por Vossa (porca miséria!) Excelência não é cúmplice só de tortura, mas de homicídio em massa. Comparado a vocês, o famigerado delegado Fleury era um amador, um principiante. O Champinha, então, nem se fala.

Vossa (ora, bolas!) Excelência carrega a culpa moral de mil vezes mais crimes do que aqueles a quem acusa e quer punir.

Vossa (isto cansa!) Excelência não tem a mais mínima autoridade moral para acusar torturadores, assassinos, narcotraficantes ou quem quer que seja. Vossa (pela última vez) Excelência tem mais é de ir para casa e esconder a vergonha sem fim da sua vida inútil, destrutiva, toda feita de fingimento, hipocrisia e engodo.

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