Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 11 de julho de 2008
A National Science Foundation, que desde 1981 realiza anualmente uma pesquisa para avaliar os sentimentos de felicidade e infelicidade entre os vários povos, tirou a média dos resultados e concluiu que os cinco países mais felizes do mundo nesse período foram a Dinamarca, Porto Rico, a Colômbia, a Islândia e a Irlanda do Norte. Os cinco mais infelizes: Zimbábue, Armênia, Moldova, Belarus e Ucrânia.
Numa lista de 98 países, os EUA ficaram em 16º lugar, desempenho bem razoável para uma nação em guerra, e o Brasil em trigésimo, abaixo da Nigéria mas muito acima de nações mais ricas como a Alemanha, a China e França.
Ronald Inglehart, cientista político do Institute for Social Research da Universidade de Michigan, que dirigiu a pesquisa, obtém dela uma conclusão que deveria ser impressa em adesivos e grudada na testa de todos os burocratas e socialistas: “Em última análise, o fator determinante da felicidade é a proporção em que as pessoas têm livre escolha quanto ao modo de conduzir suas vidas.”
Porto Rico e a Colômbia não são de maneira alguma nações ricas, mas seus povos são felizes porque o governo local sabe protegê-los contra a violência e a desordem sem lhes oferecer aquela duvidosa proteção contra si mesmos, que é hoje o pretexto máximo de todos os abusos da autoridade burocrática.
Outra coisa que a pesquisa evidencia é que a liberdade econômica é importante, sim, mas não é a primeira nem a mais essencial das liberdades, como o imaginam tantos liberais. Todo ser humano normal está até disposto a aceitar uma quota de interferência estatal na economia, mesmo a contragosto, contanto que o governo não interfira na sua vida privada, não queira forçá-lo a educar seus filhos desta ou daquela maneira, não decida o que ele deve comer ou deixar de comer e sobretudo não o mande para a cadeia por delito de opinião. Quando os líderes soi-disant anti-socialistas, na ânsia de preservar a liberdade econômica, negociam com o estatismo e lhe cedem terreno na esfera moral e cultural, estão contribuindo para tornar o capitalismo um regime de prosperidade infeliz e fazendo da crítica cultural socialista uma profecia auto-realizável. Nas últimas décadas, em nenhum país a liberdade econômica cresceu tanto quanto na China, mas no índice de felicidade os chineses ficam na 54ª classificação. O economicismo é a doença infantil do liberalismo.
A presença da Colômbia no terceiro lugar é algo que deveria dar o que pensar aos nossos governantes, se eles não tivessem visceral ojeriza a esse doloroso exercício. Pode ser feliz um país que está em guerra contra organizações terroristas há décadas? Pode, porque a própria guerra foi motivo de união nacional, gerando entre os colombianos aquela atmosfera de solidariedade e confiança que faz com que todos se sintam seguros de si no meio do perigo. Noventa e sete por cento dos colombianos odeiam as Farc, oitenta e tantos por cento deles confiam no presidente que os vem conduzindo com mão firme, de vitória em vitória, no combate contra aquela quadrilha de criminosos e o gigantesco aparato diplomático e publicitário construído para lhe dar apoio. Sob a liderança de Álvaro Uribe, a Colômbia provou que é capaz de fazer face a todos os inimigos, internos e externos, desde os narcotraficantes escondidos nas matas até as Pelosis e os Kennedys que os protegem desde os altos círculos do poder. Os colombianos não têm medo de ninguém. Como poderiam não estar orgulhosos e felizes?
Se o Brasil se unisse para dar cabo dos assassinos que matam anualmente 50 mil dos nossos conterrâneos, o orgulho patriótico faria subir o nosso balão para os primeiros lugares na escala da felicidade mundial. O mesmo aconteceria se cerrássemos fileiras em torno do general Augusto Heleno, defendendo a nossa soberania territorial contra o globalismo voraz. Mas podem tirar o cavalo da chuva. Quanto ao segundo ponto, o PT já declarou que proteger a integridade do território nacional é traição. Quanto ao primeiro, conforme leio na coluna do Diogo Mainardi, o presidente e “os intelectuais” que se reuniram com ele para discutir os temas mais transcendentes da atualidade nacional não consentiram em descer do seu pedestal para tratar de assunto tão irrelevante, preferindo deleitar-se na alegada redução de 22 por cento no índice de “desigualdade social”. Não notaram que esse fenômeno, além de ser puro efeito residual do fim da inflação e não refletir nenhum mérito do atual governo, constitui argumento cabal contra a doutrina oficial de que a pobreza é a causa máxima da criminalidade, falácia que serviu de pretexto ao governo para enviar o Exército às favelas – com as conseqüências que todos conhecem – para tapar goteiras e cavar esgotos em vez de prender traficantes e assassinos. Quando as Forças Armadas são rebaixadas a esse ponto, o orgulho nacional vai para o ralo junto com elas – e, sem orgulho nacional, quem pode estar feliz com o país onde vive?
Mostrando que seu coração e seu cérebro estão longe dessas preocupações mesquinhas, o sr. Lula deu dois passos decisivos na sucessão de medidas calculadas para proteger os brasileiros contra si mesmos: proibiu a venda de bebidas alcoólicas nos bares de beira de estrada e anunciou sua intenção de proibir anúncios de comidas gordurosas. No que diz respeito ao primeiro item, um grupo de gaiatos pôs a circular na internet uma proposta de que o sr. presidente seja submetido ao teste do bafômetro antes de assinar decretos, fazer discursos ou receber governantes estrangeiros. Sendo o risco envolvido nessas atividades muito maior que o de qualquer acidente rodoviário, nada mais tenho a acrescentar. Quanto ao segundo ponto, a guerra contra a gordura é o complemento natural do “combate à fome”: nosso governo seria desumano se, diante de tanta miséria e desnutrição que campeiam por aí, nada fizesse contra a obesidade dos famintos.
Não creio que o Brasil, trinta anos atrás, fosse menos feliz do que a Guatemala ou o México, como hoje o é segundo a pesquisa. E quem o puxou para baixo, na escala, não foi a miséria, que desde então diminui sem parar. O que o tornou infeliz foi a sucessão de derrotas – contra a corrupção, contra o morticínio, contra o narcotráfico – estimuladas desde cima pela presunção louca da esquerda iluminada que nos domina desde o fim do regime militar.
Falando em popularidade, não paro de pensar num detalhe estranho da política nacional. O sr. presidente da República, segundo o Ibope, tem 72 por cento de aprovação popular – índice só alcançado por dois dos seus antecessores, Juscelino Kubitscheck e Emílio Garrastazu Medici. No tempo de Kubitscheck eu era criança, mas me lembro bem da era Medici, do sucesso econômico estrondoso que tirou da miséria e do desespero multidões de brasileiros anônimos, fazendo com que os famosos “cinqüenta milhões de famintos” só pudessem comparecer de volta no discurso eleitoral de Lula como mentira confessa. O presidente era homem discreto e de poucas palavras, um pouco sombrio, até. Mas, onde quer que fosse, suas obras o precediam: quando ele surgia na arquibancada do Maracanã, o estádio inteiro se erguia para aplaudi-lo e cantar “Eu te amo, meu Brasil”. Bem diferente, original, misteriosa, enigmática no mais alto grau é a popularidade de Lula, que se expressa em vaias – a ele e a seus cumpinchas – onde quer que ele se exiba ante o povão. A ciência matemática deve ter avançado muito, nestas plagas, para poder apreender uma sutileza estatística tão impossível de se perceber na esfera dos fatos. A popularidade de Lula deve ser um arquétipo platônico, só acessível a inteligências privilegiadas. Nós, que vivemos no baixo mundo das aparências sensíveis, jamais acreditaremos nela. Oh, como somos grosseiros!